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Revisão geral anual da remuneração e do subsídio e a violação do princípio da legalidade pelos poderes da República

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13/09/2024 às 18:58

Resumo:


  • A revisão geral anual da remuneração e do subsídio dos servidores públicos é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988.

  • A competência para a iniciativa de lei que trata da revisão geral anual é privativa de cada Poder da República.

  • A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se posicionado sobre a revisão geral anual, destacando a distinção entre reajuste e revisão, bem como a competência de cada Poder para legislar sobre o assunto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2.            Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A jurisprudência da Suprema Corte, assentada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.599[vi]/Distrito Federal, julgada em 31.5.2005, nos termos do voto do excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, relator, analisa e conclui que a revisão remuneratória dos servidores do Poder Legislativo, não viola o artigo 61, II, “a” da CF/88. Cita-se o excerto de seu voto:

“A Constituição Federal, no seu artigo 37, X, na redação que foi dada pela Emenda constitucional n. 19/98, estabeleceu expressamente que a remuneração dos servidores públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, observada a iniciativa em cada caso. Esta situação distingue-se daquela situação, já prevista na redação original da Constituição, estabelecia revisão geral anual, sempre na mesma data, sem distinção de índice, para todos os servidores públicos.

Note-se que, na formula constitucional anterior à Emenda n. 19/1998, o texto constitucional afirmava que “a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares far-se-á na mesma data (art. 37, X, CF/88), não havia qualquer referência à necessidade de lei específica, nem menção à lei específica em cada caso para alteração remuneratória.

Assim, não há ofensa ao referido dispositivo, nem mácula ao artigo 61, § 1º II, “a”, pelo fato de as normas impugnadas serem de iniciativa das respectivas Casas Legislativas. E a própria constituição também, após as alterações supramencionadas, advindas da Emenda Constitucional n. 19/1998, que lhes dá tal prerrogativa:

(...)

Por fim, também não há que se falar no princípio da separação dos poderes, pois, conforme demonstrado, é a própria Constituição quem estabelece as competências nesse âmbito.

O pedido de ação direta, por esse fundamento, não merece ser acolhido.”

O Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação, nos termos do voto do Relator. Na oportunidade, a Excelentíssima Ministra Cármen Lúcia registra no fragmento do seu voto ao acompanhar o relator:

No que respeita à isonomia – temos insistido que a jurisprudência do Supremo é doutrina secular -, trata mesmo diferentemente e, inclusive, do regime remuneratório. Aliás, o que a Constituição quer, a partir da Emenda Constitucional n. 19, é o estabelecimento da verdade remuneratória, é preciso mesmo que se fixe, para as diversas categorias dos órgãos e dos Poderes Públicos, aquilo que seja adequado, coerente com cada categoria. Logo, não haveria quebra de princípio de isonomia alguma, ainda que fosse desigualado com critérios objetivos e legítimos.” (Destaques acrescidos) 

Igualmente cristalina, a interpretação brilhante assentada no trecho do voto do Excelentíssimo Ministro Carlos Britto:

“(...) essa ADI é providencial, porque é uma oportunidade que temos – usarei de uma metáfora de colocar em “pratos limpos” esse tormentoso tema de remuneração de servidores por efeito, sobretudo de emendas sucessivas da Constituição, nos levando, por vezes a perplexidades, até a aparente paradoxo na Constituição. O eminente Relator afastou esses paradoxos muito bem secundados pela Ministra Carmen Lúcia.” 

Entendo que em matéria de remuneração há apenas duas categorias ou dois institutos. Ou o instituto é de revisão, a implicar mera reposição do Poder aquisitivo da moeda, por isso que a Constituição no inciso X do artigo 37 fala de índice e datas absolutamente uniformes, iguais; ou, não sendo revisão, será reajuste – que eu tenho como sinônimo de aumento. Mesmo que a lei chame de reajuste, entendo que é aumento. Aí, sim, há uma elevação na expressão monetária do vencimento mais do que nominal e, sim, real. Aumento tem a ver com densificação no plano real, no plano material do padrão remuneratório do servidor; revisão, não. Com ela se dá uma alteração meramente nominal no padrão remuneratório do servidor, mas sem um ganho real.

Quanto à iniciativa das leis que tratam de remuneração, entendo que o Ministro-Relator também foi feliz. Mesmo no inciso X do artigo 37, ao falar de revisão geral anual, a Constituição teve o cuidado de prever, “... observada a iniciativa em cada caso,...” Ora, significa, “...observada a iniciativa privativa em cada caso...”, que o Poder executivo cuida dessa iniciativa de lei, em se tratando de revisão remuneratória no âmbito da Administração direta e indireta sob a autoridade máxima do Presidente da República – estou falando do plano federal -, e, no âmbito dos demais Poderes, a iniciativa é de cada um deles. É do Poder Judiciário quando se tratar de revisar a remuneração dos cargos próprios do Poder Judiciário, e no âmbito do Congresso Nacional, há uma bipartição: a iniciativa tanto é da Câmara dos Deputados quanto é do Senado Federal. Tudo a Constituição deixa, para mim, explicitado, com todas as letras, em alto e bom som. Se a iniciativa, porém, parte, por primeiro, de qualquer dos Poderes, em matéria de pura revisão, parece-me, por lógica, que aprovado que seja o projeto de lei em matéria de revisão, o Congresso Nacional fica – volto a dizer -, logicamente vinculado àquela data de início da alteração remuneratória, ao percentual e ao índice, como diz a Constituição.”   (Destaques  acrescidos);

Pela importância, registra-se a distinção entre os conceitos atribuídos aos institutos “reajuste dos vencimentos”, e  “revisão da remuneração”, reafirmados pela jurisprudência da Corte Suprema, no julgamento da ADI 3.968[vii]:

“O reajuste de remunerações e subsídios por lei específica tem por objeto a readequação da retribuição pecuniária devida pelo exercício de determinado cargo, ajustando-a à realidade das suas responsabilidades, atribuições e mercado de trabalho, enquanto que a revisão geral anual tem por escopo a mera recomposição do poder aquisitivo das remunerações e subsídios de todos os servidores públicos e agentes políticos de determinado ente federativo. 2019. (Destaques acrescidos).”

O Plenário da Suprema Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 843112[viii], com repercussão geral, Tema 624, compreendeu que o Poder Judiciário não tem competência para determinar ao Poder Executivo a apresentação de projeto de lei que vise promover a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos nem para fixar o respectivo índice de correção. No Recurso Extraordinário 565.089[ix], com repercussão geral, Tema 19, a Corte entendeu que a ausência de revisão geral não gera direito subjetivo à indenização, devendo o Poder Executivo se pronunciar, de forma fundamentada, acerca das razões pelas quais não propôs a revisão.

O leitor deve estar se perguntando: o que fazer e a quem recorrer? As teses firmadas nas decisões da Suprema Corte merecem especial atenção do profissional do Direito. Alerta aos termos usados nos acórdãos, na análise do pedido e da causa de pedir, e nos fundamentos aqui trazidos, não cabe ao Supremo Tribunal invadir a competência de outro Poder para determina-lo a agir, no exercício da administração de seu órgão. Lado outro, ao Supremo Tribunal cabe determinar ao administrador do próprio Poder Judiciário, que cumpra a Lei 10.331/2001, emitida com fundamento no artigo 84, IV, da Carta magna, regulamentando o inciso X, do artigo 37, constitucional. O seu cumprimento é obrigatório por todos aqueles investidos em cargo público administrativo, no comando da administração direta dos Poderes. Não é opção, é dever de obediência ao princípio da legalidade, direcionado à administração pública de cada Poder, no artigo 37, caput da Constituição Federal. 

            Ao postular a reparação do dano material ou moral, não basta indicar a omissão do agente público. A ação de reparação de danos materiais exige prova dos prejuízos efetivamente sofridos, chamados de danos emergentes demonstrado pelo percentual de perda salarial no período da omissão; e também o valor que o servidor deixou de receber durante o período, o denominado lucro cessante, representado pela correção monetária e juros de mora. Quanto ao dano moral, caracteriza-se quando se constada a violação da honra ou imagem de alguém, pela ofensa aos direitos da personalidade (privacidade, intimidade, honra e imagem). A omissão do agente em iniciar a lei que fixe o índice de correção não é capaz de caracterizar esse dano. O dano moral exige prova do nexo de causal entre a causa (omissão perpetrada) e o efeito (dano sofrido).

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Conclusão.

As regras escritas na Constituição de 1.967, comparadas com as inovações trazidas pela Lei Maior de 1.988, ordenadamente nos seus títulos e capítulos; o conceito legal atribuído à administração direta, constituída pelos órgãos e serviços que formam a estrutura de cada Poder da  Administração Pública; a disposição trazida na Lei n. 9.784/99; os fundamentos das decisões da Suprema Corte, são subsídios que possibilitam identificar a competência objetiva do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, individualmente, indicados  como Poderes obrigados à iniciativa de lei específica que fixe o índice de revisão geral anual, a ser aplicado no mês de janeiro, aos servidores e membros do quadro de pessoal, do respectivo Poder. O comando do artigo 37, caput, impõe à administração pública direta e indireta, o dever de obediência aos princípios constitucionais, e também às disposições estabelecidas nos incisos daquele artigo. Trata-se de regra constitucional direcionada, impondo o dever-fazer à pessoa investida no cargo administrativo de autoridade máxima de cada Poder.     Desde a primeira revisão salarial anual, a Lei nº 7.706/88, ao fixar o índice do INPC, consolidou o entendimento de a revisão ter como finalidade reparar a perda do poder aquisitivo, decorrente da inflação. Nessa linha, o índice a ser aplicado deve observar, no mínimo, a reposição da inflação acumulada no ano anterior, sob pena de perder o seu objetivo. Atualmente, o governo federal utiliza o IPCA como o índice oficial de inflação do Brasil.

A exclusão da isonomia salarial, a partir da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, dispensa a fixação de índice idêntico de revisão no âmbito dos três Poderes, cabendo a cada Poder fixar o mesmo índice, compatível, no mínimo, com a perda do poder aquisitivo decorrente da inflação acumulada, que será aplicada no mês de janeiro, na revisão anual da remuneração e subsídio dos servidores e membros vinculados ao quadro de pessoal do respectivo Poder. A revisão é extensiva aos proventos da aposentadoria e às pensões concedidas com aplicação do critério da paridade, considerando que os proventos e as pensões não abrangidas por esse critério, são reajustadas pelo índice aplicado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Lei 10.887/2004, artigo 15, e EC 103/2019, que procedeu alteração no artigo 40, § 12, da Constituição Federal.

Constatada a omissão pela autoridade máxima investida no cargo de Administração dos respectivos Poderes, necessário se faz, inicialmente, buscar a composição perante à administração direta do respectivo Poder, postulando o cumprimento do dever-fazer imposto no inciso X, do artigo 37, no mês e na forma estabelecida dos artigos 1º, e 2º II, da Lei 10.331/2001. Na permanência da omissão, o ordenamento jurídico pátrio, farto de regras que dispõem sobre os mais diversos assuntos e áreas do Direito, permite, ao profissional utilizar a lei adequada na fundamentação das ações, atento à causa de pedir e o pedido, observando que o dano material decorre da perda salarial, que deve ser provada com a indicação de valor ou percentual da remuneração corroída pela inflação. Quanto ao dano moral, exige-se a prova do nexo causal entre a omissão e o dano, representado pela violação aos direitos da personalidade que causa sofrimento, angústia ou constrangimento, individualmente. Em princípio, por se tratar e dano que atinge valores extrapatrimoniais, não tem nexo causal com a omissão aqui tratada.


Referências. 

[1]        [i] [STF - MS: 22439-DF, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de        Julgamento: 15.05.1996, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 11.04.2003           PP-00027 EMENT VOL-02106-02 PP-00292]

[2]        [ii] [STF - ADI: 2061-DF, Relator: ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento:   25/04/2001, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 29.06.2001]

[3]        [iii] Constituição Federal: (BRASIL, 1.967)

[4]        [iv] Constituição Federal (BRASIL, 1.988)

[5]        [v] Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo: Malheiro         Editores Ltda, São Paulo Brasil, 3.2000 (18º edição), Título IV, pág. 639.

[6]        [vi] [STF - ADI: 3599-DF, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento           21.05.2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 14.09.2007]

[7]        [vii] [ADI 3.968, rel. min. Luiz Fux, j. 29.11.2019,  DJE de 18.12.2019.]         

[8]        [viii] [STF - RE: 843112 SP, Relator: LUIZ FUX, Data de   Julgamento: 22.09.2020, Tribunal Pleno, Data de          Publicação: 04.11.2020]

[9]        [ix] [STF - RE: 565089 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de            Julgamento: 25.09.2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação:         28.04.2020]

[10]      Emenda Constitucional n. 19/1998

[11]      Emenda Constitucional n. 41/2003

[12]      Emenda Constitucional n. 103/2019

[13]      Lei n. 13.502/2017

[14]      Lei n. 10.884/2004

[15]      Lei n. 10.331/2001

[16]      Lei n. 9.784/1999

[17]      Lei n. 7.706/1988

[18]      Lei n. 7.974/1989

[19]      Lei n. 8.162/1991

[20]      Lei n. 8.390/1991

[21]      Lei n. 8.622/1993

[22]      Lei n. 8.676/1993

[23]      MP n. 434/1994

[24]      MP n. 457/1994

[25]      MP n. 482/1994

[26]      Lei n. 8.676/1993

[27]      Decreto-Lei 200/1967

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Sobre a autora
Glauce de Oliveira Barros

É advogada – OAB-MS 17.979; pós-graduada pela UFMS e pelo ILFG; ex-Diretora-Geral de Coordenação Administrativa do TRT24; ex-Assessora de Desembargador do TRT24; servidora pública aposentada; Diretora de Assuntos Legislativos da ANAJUSTRA Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Glauce Oliveira. Revisão geral anual da remuneração e do subsídio e a violação do princípio da legalidade pelos poderes da República. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7744, 13 set. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110846. Acesso em: 22 dez. 2024.

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