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Menores corrompidos.

Um discurso em defesa dos abandonados do Direito Penal

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25/03/2008 às 00:00
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4 – CONCLUSÃO

No decorrer deste texto, procedeu-se uma análise crítica do entendimento doutrinário-jurisprudencial que inadmite a configuração dos crimes de corrupção de menores do artigo 218 do Código Penal e do artigo 1º., da Lei 2252/54, quando apurado que o menor em questão já era corrompido anteriormente à conduta do agente.

Em um primeiro item demonstrou-se como esse entendimento se disseminou avassaladoramente na doutrina e na jurisprudência, praticamente não deixando espaço para uma abordagem crítica ou alternativa.

A seguir apresentaram-se as razões éticas e jurídicas para que se pondere a necessidade de uma revisão desse entendimento dominante, uma vez que ele é altamente impregnado de uma postura reificante da pessoa (no caso, das crianças e dos adolescentes), violando sua dignidade humana. Também foi possível demonstrar que a interpretação predominante em discussão acaba por ofender e entrar em choque com a Constituição Federal e com a legislação protetiva das crianças e adolescentes (Lei 8069/90), na medida em que as trata como pessoas que praticamente encerraram seu ciclo formativo biopsíquico-social, tachando-as arbitrariamente como definitivamente corrompidas, numa perspectiva estática não condizente com a dinâmica que deve imperar quando se trata de "pessoas humanas em desenvolvimento".

Para além de ilegal e inconstitucional essa espúria interpretação revela uma terrível crueldade, uma dureza da alma, uma verdadeira corrupção dos corações daqueles que estudam e operam o Direito, pois que conduz à simples desistência ou abandono de uma grande parcela da nossa juventude, considerada definitivamente perdida e abandonada à sanha dos infames e velhacos.

Talvez, na maioria dos casos essa crueldade não seja intencional, talvez seja mesmo inconsciente, mas isso não serve para abrandar a responsabilidade da comunidade jurídica que precisa urgentemente repensar ou pensar pela primeira vez de forma mais profunda sobre o tema. É necessário depurar nossas almas e corações para recepcionar uma nova postura mais humana imposta e exigida pela Carta Maior e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual parece ainda encontrar fortes obstáculos para sua implementação em face da repetição monótona e acrítica de velhas fórmulas e da insensibilidade para as questões humanas. A mudança é necessária para que possamos ter esperança numa sociedade melhor, mais humana e também para que a comunidade jurídica como um todo possa celebrar o seu progresso moral e psicológico, pois, como bem lembra Paulo Queiroz, "a interpretação é uma fotografia da alma do intérprete". [45]

Conclui-se, portanto, que o fato de um menor ser ou não versado em infrações penais (artigo 1º., da Lei 2252/54) ou em práticas sexuais (artigo 218, CP), não deve afastar a tipificação dos crimes de corrupção de menores, conforme vem defendendo de forma praticamente unânime tradicional corrente doutrinário – jurisprudencial. Ainda que imiscuído no submundo do crime ou na vida sexual desregrada, o menor não perde sua condição de "pessoa humana em desenvolvimento", apresentando-se sempre perante os adultos como aquele que os chama à responsabilidade e ao respeito. E não se trata de pugnar por alguma forma de "responsabilidade objetiva" no campo penal. Tão somente constata-se a impropriedade do pensamento que apresenta o ser humano, especialmente a criança e o adolescente, como pronto e acabado e não como um ser em contínuo processo, podendo certamente sempre ser influenciado positiva ou negativamente para, no primeiro caso, sair de um processo de corrupção ou, no segundo, mergulhar cada vez mais fundo nas trevas da depravação.

Este trabalho pretende ser um grito de alerta para a comunidade jurídica e para a sociedade brasileira, expressando na aspereza da linguagem técnica e dos argumentos da racionalidade filosófica e jurídica, aquilo que o poeta traduziu outrora em sua arte impregnada de ternura e força inigualáveis:

"Eu preparo uma canção

Que faça acordar os homens

E adormecer as crianças". [46]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

01 JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 767.

02 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p. 197.

03Tratado de Direito Penal. Volume 4. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56.

04Curso de Direito Penal. Volume III. 4ª. ed. Niterói: Impetus, 2007, p. 542 – 543.

05 MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 25ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 428. No mesmo sentido: PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 848. JESUS, Damásio Evangelista de. Op. Cit., p. 768. JORGE, Wiliam Wanderley. Curso de Direito Penal. Volume III. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 51. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 3. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 55 – 56. SILVA, César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Volume II. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 283.

06 Vide nota 4.

07 HUNGRIA, Nelson, LACERDA, Romão Côrtes de, FRAGOSO, Heleno Cládio. Comentários ao Código Penal. Volume VIII. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 195.

08 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 197 – 198.

09 AMARO, Mohamed. Código Penal na expressão dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 832.

10 Op. Cit., p. 832.

11 FRANCO, Alberto Silva, "et al.". Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5ª. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 2494.

12 Op. Cit., p. 2494.

13 Op. Cit., p. 2495.

14 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 600 – 604.

15 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 723.

16 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 199.

17 AMARO, Mohamed. Op. Cit., p. 832.

18 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 52.

19 KRISHNAMURTI, Jiddu. A humanidade pode mudar? Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007, p. 24.

20 BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 64.

21 KRISHNAMURTI, Jiddu. Op. Cit., p. 261.

22 BOFF, Leonardo. Crise oportunidade de crescimento. Campinas: Verus, 2002, p. 23.

23 BUBER, Martin. Eclipse de Deus. Trad. Carlos Almeida Pereira. Campinas: Verus, 2007, p. 44.

24 IDEM. Eu e Tu. Trad. Newton Aquiles Von Zuben. 2ª. ed. São Paulo: Moraes, 1977, p. 9.

25 TAIPA DE CARVALHO, Américo A. Pessoa Humana – Direito – Estado e desenvolvimento econômico. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 7.

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26A Bagagem do Viajante. 6ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 133 – 135.

27 FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido. Trad. Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. 24ª. ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 112.

28 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Sobre homens e animais. Disponível em www.ibccrim.org.br, acesso em 04.11.07.

29 ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Trad. Cordélia Dias D’Aguiar. Rio de Janeiro: Ediouro, 1989, p. 12.

30 Ver sobre o tema a teoria de Robert Merton sobre a relação entre fins culturais e meios institucionais de alcance na gênese das condutas desviantes: BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 2ª. ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 62 – 65.

31 SCHELER, Max. Visão Filosófica do Mundo. Trad. Regina Winberg. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 34.

32 Op. Cit., p. 35.

33Garra, mão e dedo. Campinas: Bookseller, 2002, p. 97.

34 SERRES, Michel. Hominescências. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Maria Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 51.

35 FERRY, Luc. A Nova Ordem Ecológica. Trad. Luís de Barros. Lisboa: ASA, 1993, p. 32.

36 Utiliza-se o termo em um sentido amplo não atrelado ao seu restrito conceito jurídico – penal estabelecido na Lei 2889/56.

37 BOSCO, Dom João. Carta Circular sobre Castigos. Disponível em www.catolicavirtual.com.br, acesso em 25.06.04.

38 PESSOA, Fernando. Poesias. Porto Alegre: L&PM, 2001, p. 46.

39 Se é que em alguma fase da vida o homem deixa a condição de ser humano em desenvolvimento... Penso que não. A questão aqui é que o menor está numa fase "inicial" de seu desenvolvimento como pessoa e certamente mais fragilizado e influenciável do que em outras fases de sua existência.

40Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 824.

41 Conceitua a literatura especializada a "Doutrina da proteção integral" como aquela que abarca todas as exigências do ser humano para o completo desenvolvimento de sua personalidade. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses Difusos e Coletivos. 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 13.

42 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 11 – 12.

43 Op. Cit., p. 16.

44Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 16.

45 A hermenêutica como hoje a entendo. Boletim IBCCrim. n. 145, São Paulo: IBCCrim, dez., 2004, p. 3.

46 DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Reunião Drummond. 9ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p. 154.

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Menores corrompidos.: Um discurso em defesa dos abandonados do Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1728, 25 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11086. Acesso em: 23 nov. 2024.

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