Hermenêutica Jurídica e Desvios Cognitivos: controle judicial da (im)probidade administrativa

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18/09/2024 às 15:08

Resumo:


  • O estudo aborda os problemas interpretativos relacionados à ação de improbidade administrativa, destacando os vieses cognitivos no processo e julgamento dessas ações.

  • Apresenta a importância de aportes hermenêuticos para o controle jurisdicional da (im)probidade administrativa, ressaltando a necessidade de interpretação sistemática e crítica do direito.

  • Destaca a relevância de se compreender e lidar com os vieses cognitivos para evitar decisões judiciais equivocadas, inconsistentes e arbitrárias no contexto da (im)probidade administrativa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. CONCLUSÕES

Defendeu-se, neste artigo, que o combate à má gestão pública, à corrupção e à ineficiência de atores públicos e privados e, sobretudo, o controle judicial da (im) probidade precisam estar atentos “aos vieses (biases) relevados pelas ciências comportamentais e sobre o melhor modo de lidar com eles” (Freitas, 2016), porquanto a falta de exame dos vieses cognitivos no controle judicial da (im) probidade administrativa pode gerar uma abusiva utilização da lei de improbidade para fins políticos-partidários e de afetação do mercado concorrencial de empresas e grupos econômicos prestadores de serviços públicos.

Ademais, argumentou-se que os vieses cognitivos funcionam como verdadeiros “desvios redutores” da complexidade do fenômeno jurídico, produzindo, invariavelmente, decisões judiciais equivocadas, inconsistentes e arbitrárias.

Diante dessa realidade, é preciso refletir sobre os vieses cientificamente mapeados a partir do precursor artigo do jurista Juarez Freitas (2013a) e de uma autêntica interpretação sistemática do direito, no sentido de evitar os graves desvios cognitivos no controle jurisdicional da (im) probidade administrativa, capazes de gerar um déficit na proteção da probidade administrativa ou um abuso na utilização dos instrumentos dispostos pela Lei de Improbidade Administrativa.

Como explica Juarez Freitas “no processo da interpretação jurídica, os vieses estarão sempre infiltrados, visto que o intérprete tece o significado do sistema normativo, sujeito a inevitáveis influências desse tipo” (2013a), sendo certo que “a hermenêutica jurídica resulta [...] profundamente enriquecida pela compreensão dos vieses e, na sequência, pela criação de hábitos alternativos, que funcionem como anteparos contra as predisposições comprometedoras do julgamento.” (2013a).

Constatou-se que com frequência não se percebe até alguém contestar ou mesmo até refletirmos mais tarde quando em determinados atos jurisdicionais (audiências e decisões) são colocadas questões enviesadas que podem passar desapercebidas da atenção dos profissionais do direito por estarem, muitas vezes, mergulhados emocionalmente na acusação ou defesa, acabam impedindo um comportamento mais racional e construtivo.

Interessante mencionar neste ponto que os vieses geralmente carregam elementos emocionais que prejudicam a cognição plena e livre, sendo fundamental desenvolver uma consciência baseada na atenção, sempre que se vivenciar situações e circunstâncias valorativas no exercício profissional da advocacia.

Nesse sentido, a fim de evitar “erros sistemáticos de julgamento” compete ao intérprete jurídico um permanente estado de alerta na tomada da decisão interpretativa, porquanto “o cérebro do intérprete, em suas zonas impulsivas, produz automatismos que podem compeli-lo ao rumo errôneo, a não ser que haja tempestivo exercício do poder de veto das áreas corticais mais novas, em termos evolucionários” (Freitas, 2013a).

É válido conhecer os vieses cognitivos para que possamos enfrentá-los, aprendendo e aperfeiçoando os gatilhos específicos, a fim de diminuir seus impactos na busca da melhor resposta. É tarefa, portanto, fazer a permanente interligação de conhecimentos e conexões, uma vez que “a ciência da pós-modernidade se produz mais por ligações do que por isolamentos.” (Trindade, 2011, p. 30).

A conclusão final é a de que conhecer os condicionamentos dos vieses cognitivos é um ponto de partida, e não de chegada. Nessa tarefa, a Crítica Hermenêutica do Direito (Streck, 2014) também poderá auxiliar no combate ao pensamento automático e no próprio controle racional das decisões judiciais, uma vez que visa, fundamentalmente, que a decisão judicial não seja proferida por ideologia, subjetividade ou interesse pessoal, contra o melhor julgamento, a melhor interpretação e a compreensão da complexidade do fenômeno jurídico.

Essa perspectiva permite compreender que os vieses cognitivos deverão ser dimensionados pelos profissionais do direito em prol da melhor atuação e defesa dos direitos e garantias fundamentais do cidadão no Estado Democrático de Direito.

É papel da hermenêutica coibir arbitrariedades comissivas ou omissivas, automáticas ou reflexivas, reescrevendo/reconstruindo a história institucional do direito a partir do círculo hermenêutico, a fim de valorar racional e sistematicamente a fundamentação, sempre no intuito de dar respostas corretas no processo e no julgamento da (im) probidade administrativa, bem como orientar os comportamentos futuros através do fomento de banco de dados de julgamentos de atos de improbidade administrativa e de técnicas de prevenção, controle, tratamento e rastreabilidade de ilícitos no direito administrativo sancionador para o devido controle jurisdicional da (im) probidade administrativa.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Fabiano Nobre Zimmer

Advogado, Mestre em Direito (PUCRS) e Especialista em Direito Penal Econômico (UCS-ESMAFERS). Sócio do escritório FNZ Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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