O problema da cumulação de esferas punitivas e o princípio do ne bis in idem no direito contemporâneo: Aproximação de um (novo) direito fundamental à unidade da pretensão punitiva no direito sancionador

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18/09/2024 às 15:03
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1 Por exemplo, em termos de combate à corrupção na administração pública, o mesmo ato ilícito pode dar ensejo ao cúmulo sancionatório previsto tanto na Lei nº 8.429 9999999 9 9/1992 quanto na Lei nº 12.846 666666666/2013 e, em se tratando de agente público, na incidência cumulada do regime jurídico disciplinar dos agentes públicos até o regime sancionatório do mercado de capitais, no caso de agentes públicos ou equiparados (art. 2º da Lei nº 8.429/1992 c/c art. 327 e § 1º do Código Penal) no exercício de mandato, cargo, emprego, função ou atividade nas entidades da administração direta ou indireta de qualquer dos poderes da República e nas empresas estatais abertas, criadas, incorporadas ou custeadas pelo poder público, participantes do mercado de valores mobiliários, em que a prática de uma conduta ilícita – uso indevido de informação privilegiada ou manipulação de mercado – configura infração administrativa reprimida pela CVM e um crime previsto nos artigos27 CC C C C C e27-DD da Lei nº 6.385 5555555 5 5/1976 a ser punido na esfera penal; ou ainda, as infrações tipificadas nas Leis nº 8.884/94 e nº 12.529/2011 também podem caracterizar os crimes previstos nas Leis nº 8.137/90 e nº 8.666/93, não havendo a tipificação penal nos ramos jurídicos de origem.

2 Neste artigo adota-se como escopo de trabalho o direito penal econômico e sua estreita relação com o direito administrativo sancionador, pois não faz parte analisar outros ramos do ordenamento jurídico – p. ex. o direito ambiental que também importa em sobreposição de esferas sancionadoras, v. COSTA (2009, p. 186-222) – ainda que as conclusões do trabalho projetem-se sobre eles, dado o fenômeno crescente de criminalização de conflitos sociais e a administrativização do direito penal, mantendo-se foco específico no entrecruzamento entre direito penal econômico e direito administrativo sancionador e no problema da cumulação entre as esferas punitivas e suas respectivas sanções no direito contemporâneo.

3 Adota-se aqui o conceito de Democracia de Norberto Bobbio, atualizado por Luigi Ferrajoli, como “um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem ‘quem’ está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais ‘procedimentos’”, cujo “regime democrático caracteriza-se por atribuir este poder (que estando autorizado pela lei fundamental torna-se um direito) a um número muito elevado de integrantes do grupo [...] para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue”, concluindo que “a democracia é o governo das leis por excelência.” (BOBBIO, 1986, p. 18-171). Tal conceito foi atualizado por Luigi Ferrajoli para as democracias constitucionais contemporâneas, somando à dimensão formal, a dimensão material ou substancial da democracia, a proteção de direitos fundamentais, o que comporta o reconhecimento da normatividade das constituições contemporâneas da qual depende o futuro da Democracia. (FERRAJOLI, 2007, cap. 13; 2012, p. 13-56).

4 Conforme escopo do trabalho examina-se o caso Grande Stevens and others v. Italy julgado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH. Disponível em: <https://www.echr.coe.int/Pages/home.aspx?p=caselaw/analysis&c >), cuja íntegra da decisão está disponível em: <https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-141794 >. Acesso em: 10 mar. 2019.

5 CEDH, artigo4ºº do Protocolo nº77777: “Artigo4ºº Direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez 1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado. 2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se fatos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento. 3. Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15º da Convenção.” Nesse sentido: TEDH, Case of Grande Stevens and others v. Italy. Cf. a íntegra da decisão, disponível em: <https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-141794 >. Acesso em: 10 mar. 2019; CIDH, Case of Loayza Tamayo v. Perú. Cf. a íntegra da decisão, disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_33_esp.pdf >. Acesso em: 10 mar. 2019.

6 Nos termos propostos por Ingo Sarlet, é possível definir direitos fundamentais como “todas as posições jurídicas concernentes às pessoas (naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou transindividual) que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, expressa ou implicitamente, integradas à constituição o o o o e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, bem como todas as posições jurídicas que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição o o o o formal.” (SARLET, 2017, p. 323).

7 Por exemplo, a Advocacia Geral da União - AGU e a Controladoria Geral da União – CGU disciplinaram a celebração de acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei nº 12.846 6666666, de 1o de agosto de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.429 9999999, de 2 de junho de 1992, na Lei nº 8.666 6 6 66666, 21 de junho de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo (Portaria Interministerial nº 2.278, de 15 de dezembro de 2016). O Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP também passou a admitir a celebração de compromisso de ajustamento de conduta em hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, desde que haja o ressarcimento ao erário e a aplicação de alguma sanção (Resolução nº 179, de 26 de julho de 2017). Nesse sentido, já decidiu a Justiça Estadual que o atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) busca a autocomposição das partes, os artigos 16 e 17 da Lei Anticorrupcao (Lei nº 12.846/2013), preveem a celebração de acordo de leniência, a Lei nº 13.140/2015 (arts. 3º e 36, § 4º) revogou implicitamente o disposto no art. 17, § 1º, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) e o Enunciado 617 do Fórum Permanente de Processualistas Civis entende que a mediação e a conciliação são compatíveis com o processo judicial de improbidade administrativa ( ACP nº 0009519-64.2015.8.21.0017). No mesmo sentido, a Terceira Turma do TRF4 asseverou que “[...] na hipótese de o Poder Público não dispor de elementos que permitam comprovar a responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção, o interesse público conduzirá à negociação de acordo de leniência objetivando obter informações sobre a autoria e a materialidade dos atos investigados, permitindo que o Estado prossiga exercendo legitimamente sua pretensão punitiva. [...] Nem seria coerente que o mesmo sistema jurídico admita, de um lado, a transação na LAC e a impeça, de outro, na LIA , até porque atos de corrupção são, em regra, mais gravosos que determinados atos de improbidade administrativa, como por exemplo, aqueles que atentem contra princípios, sem lesão ao erário ou enriquecimento ilícito. [...]” (TRF4, AG 5023972-66.2017.404.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 24/08/2017). Ainda, a celebração de acordos de não persecução penal (Resolução n. 181/2017 do CNMP), a celebração de acordos extrapenais, de leniência e de termos de compromisso pela CVM e Banco Central (Lei nº 13.506/2017), ou ainda, a celebração do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) de prática de conduta anticoncorrencial pela autoridade antitruste (CADE, Leis nº 8.884/1994 e nº 12.529/2011) também possui efeitos materiais e processuais, pois tem por objetivo encerrar a investigação persecutória e extinguir a punibilidade de conduta nociva à liberdade de concorrência, objetivo máximo de todo o sistema de proteção da competição econômica. Mais recentemente foi publicada a Lei nº 13.964/2019, que alterou a redação do artigo 17, § 1º da Lei nº 8.429/92, a fim de admitir a celebração de acordo de não persecução cível no âmbito das ações de improbidade administrativa.

8 Cf. Código Penal l l l l, Art. 8ºº A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. Cf. Decreto-Lei nº 4.657/2010 (LINDB), Art. 22. § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

9 O direito penal econômico integra o direito penal e representa o conjunto de normas jurídico-penais que visa proteger a ordem econômica, as relações de consumo, o sistema financeiro nacional, as finanças públicas, a ordem tributária e o sistema previdenciário, isto é, tutela a ordem socioeconômica e a atividade econômica através da intervenção do Estado na economia mediante o exercício do ius puniendi (CALLEGARI, 2003, p. 21-22). Busca, assim, sancionar as condutas que ofendam ou ponham em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes. Segundo Luiz Régis Prado, os delitos econômicos “destinam-se a combater ou atenuar o poder de controle das mais variadas formas de concentração econômica sobre os mercados, bem como tutelar a concorrência, a fim de impedir”, direta ou indiretamente, violações à ordem econômica e social previstas na Constituição, corolários aos objetivos fundamentais da República. (PRADO, 2016, p. 49). Portanto, o Direito Penal Econômico protege bens jurídicos supraindividuais de caráter econômico, com a previsão de elementos normativos que remetem a conceitos de outros ramos jurídicos como reforço à tutela administrativa de determinados interesses econômicos (CAVALI, 2017, p. 63).

10 O direito administrativo sancionador, a seu turno, trata, basicamente, de uma evolução do poder de polícia da Administração Pública, em que se busca especializar a atuação sancionadora da Administração Pública a partir de um conjunto de normas punitivas de direito administrativo e suas fronteiras com o direito penal. De um lado, essa especialização ocorre para fins de proteger o interesse público e outorgar prerrogativas especiais à Administração, prestadora de serviços essenciais e munida dos chamados atos de império. De outro lado, a especialização proporcionou um controle técnico do que seriam as manifestações de arbítrio da Administração Pública. Cuida-se, assim, de uma esfera de poder submetida a um regime jurídico próprio e peculiar, chamado direito administrativo sancionador (OSÓRIO, 2009, p. 33-44)

11 A Constituição Federal l l l l de 1988, por mais de uma vez, faz referência ao princípio da independência das instâncias, a exemplo dos artigos 37 7 7 7 7 7 77 7 §§§ § 4ºº, 52 2§ unicooo o, 225 5, § 3ºº, 243 3, caput e 245, caput.

12 A legislação infraconstitucional também prevê em diversos momentos o princípio da autonomia das instâncias. É o caso, por exemplo, do Código de Processo Civil (art. 315), do Código de Processo Penal (art. 66), do Código Civil (art. 935), do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/1990, art. 125) e da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992, art. 12), entre outros dispositivos legais.

13 Essa perspectiva de análise é objeto de crítica no caso brasileiro, uma vez que os procedimentos são abertos e conduzidos de forma independente, regulados pelo Estado e admitidos pela jurisprudência, quando o interesse público protegido em ambas as esferas sejam diferentes, o fundamento das sanções não seja coincidente e as penas sejam proporcionais a essa proteção administrativa e penal diferenciadas. Por outro lado, no presente trabalho, busca-se apontar um caminho mais racional e equilibrado entre garantias individuais e deveres do Estado, sobretudo do ponto de vista da unidade da pretensão punitiva no direito sancionador e desenvolvimento de uma política de cooperação e articulação como caminho punitivo de um devido processo punitivo proporcional entre as instâncias no direito brasileiro.

14 Cf. Osório, Santos e Wellisch (2012, p. 63. e ss.), “o STF analisa, corriqueiramente, a incidência do princípio do non bis in idem em matéria de extradições sendo certo que, cum grano salis, a lógica aplicável ao sistema punitivo como um todo é análoga.” Para exemplificar, v. STF, Ext 688/Itália, Relator Ministro Celso de Mello, Pleno, DJ 14/10/1996; Ext 871/Grécia, Relator Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ 12/03/2004; Ext 903/Portugal, Relator Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ 11/06/2004.

15 Ainda sobre o reconhecimento da relatividade da independência das instâncias, v. STJ, HC 77.228/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJ 07/02/2008.

16 Cf. Osório, Santos e Wellisch (2012, p. 27), “é sempre importante lembrar que a proteção de valores substantivos está na raiz de todo o sistema sancionador, seja na esfera penal, seja na esfera administrativa. Como reflexo dessa premissa, está o consectário lógico de que as medidas que consubstanciam respostas punitivas aos atos ilícitos traduzem restrições a direitos individuais valiosos.”

17 Na acessoriedade administrativa o direito penal se torna um instrumento auxiliar e dependente do direito administrativo e da Administração e, nesse contexto, o ilícito penal passa a ser objeto de negociação entre o infrator e a Administração.

18 Machado e Giacomo (2009, p. 39-55) afirmam que o debate sobre a legitimidade do direito penal para o enfrentamento dos novos riscos gerados no contexto da sociedade de risco concentra-se na defesa da teoria do bem jurídico estritamente individualista (“o Direito Penal deve dedicar-se tão somente à proteção subsidiária e repressiva dos bens jurídicos essenciais ao desenvolvimento do indivíduo, mediante os instrumentos tradicionais de imputação de responsabilidade e segundo os princípios e regras clássicas de garantia”) e na proposta oposta de “flexibilização dos instrumentos dogmáticos e das regras de atribuições de responsabilidades, a fim de que o Direito Penal angarie condições para atuar na proteção aos bens jurídicos supra-individuais e no controle dos novos fenômenos do risco”.

19 Bernd Schünemann (2016, p. 40) elabora profunda crítica a respeito de o que pode o Estado proteger por meio do Direito Penal: “primeiramente os bens de que o indivíduo necessita para seu próprio desenvolvimento, não usurpados às custas do desenvolvimento dos demais, e além disso os bens por todos compartilhados, necessários para uma convivência pacífica, que se distinguem das específicas formas de vida religiosas ou éticas, as quais não podem ser dirigidas pelo Estado, nem por ele garantidas enquanto tais, mas apenas no que se refiram à possibilidade de escolha e exercício pelos indivíduos. O conceito de lesão ou (em perspectiva inversa) o de bem expressa também, que não um interesse qualquer, mas apenas um interesse urgente da convivência pacífica pode ser objeto da proteção penal, de modo que meras inconveniências que aflijam o indivíduo ou meras incompletudes da organização social não bastam para justificar o apelo ao Direito Penal.”

20 Cf. Gustavo Britta Scandelari (2017, p. 146-175), “Schünemann desenvolveu estudo específico sobre a diretriz da ultima ratio em Direito Penal. Após investigar as origens histórico-filosóficas e sócio-jurídicas desse critério, ele afirma que a razão primordial dessa discussão é o fato de que ‘la utilización de poder estatal no se legitima solamente por poseer un objetivo final elogiable. Esa utilización debe ser idónea y necesaria para alcanzar ese objetivo, no pudiendo, además, ser desproporcional.’ (SCHÜNEMANN, 2009, p. 96).

21 Vide a contribuição sobre a defesa do Direito Penal da segurança ou da prevenção, proposta por Schünemann (2013; 2002), para a proteção de bens jurídicos individuais e coletivos na sociedade contemporânea caracterizada como sociedade do risco, além da necessidade de modernização e adaptação do direito penal para o enfrentamento da criminalidade econômica, objeto de maior perigo para os bens jurídicos. Nessa linha, vide o importante estudo de Douglas Fischer (2011, p. 17-44), na qual assevera que a Constituição Federal “estabeleceu novos marcos delimitadores da forma da incidência do Direito Penal e do Direito Processual Penal”, sobretudo para a proteção dos direitos fundamentais individuais e para a promoção dos deveres fundamentais do Estado e dos cidadãos. E na seara dos delitos econômicos, a aplicação de pena privativa de liberdade de curta duração possui maior eficácia preventiva, diferente da aplicação de multa, que produz e potencializa situações de injustiça, além de não atender aos fins mais legítimos da prevenção da delinquência econômica.

22 Como pondera Sánchez (2002, p. 57-58, 139-144), poderia haver uma expansão de mecanismos de proteção não-jurídicos ou jurídicos, mas não necessariamente dos jurídico-penais, ou seja, especificamente o Direito Civil e o Direito Administrativo. Propõe, dessa forma, um modelo duplo para o sistema penal: o Direito Penal de duas velocidades. A primeira velocidade destina-se à imposição de penas privativas de liberdade e a observância estrita de princípios político-criminais e de regras de imputação e princípios processuais clássicos. E a segunda velocidade compreende as infrações cominadas com penas pecuniárias e restritivas de direitos com maior flexibilização de princípios e regras para atender às novas formas de criminalidade.

23 Segundo os autores citados (BUSATO e DAVID, 2017, p. 205-232), “o que realmente é importante – e diferencial na produção de um resultado de encarceramento – é o abuso cometido principalmente no âmbito das técnicas de imputação que por vezes recortam direitos fundamentais. Aí sim poderá residir um processo perverso de ampliação punitiva. [...] Nesse passo, as propostas modernizadoras ou autonomizadoras do Direito penal econômico mal disfarçam uma tendência a justificar, pela bipartição, a criação de um espaço para o afastamento das garantias conquistadas duramente ao longo da evolução do pensamento jurídico. Pouco importa se é atribuído a este método repressivo o nome de Direito penal econômico, Direito penal de classe alta, Direito penal moderno ou Direito de duas ou três velocidades: ‘É possível chamar o controle social mais grave exercido pelo Estado de Direito penal, de Direito administrativo, de Direito civil, até mesmo de liquidificador ou de abajur, se quisermos! Isso não desnatura o fato de que está aí presente o mecanismo mais grave que o Estado dispõe para a ingerência na vida do cidadão. Como tal, esse mecanismo deve gozar da melhor estrutura de garantias. Esta é uma máxima da qual a evolução social da humanidade simplesmente não pode prescindir. Isso é inegociável. Já, por outro lado, se vamos produzir o abandono do Direito penal por algo melhor do que ele, como queria Radbruch, ou se vamos avançar e chamar tudo de Direito civil, pouco importa. O importante é que as intervenções mais graves estejam pari passu com as garantias mais afirmadas.’ Por isso, repete-se com Hassemer: a política criminal a ser adotada deve seguir um modelo de liberdade e garantias. Logo, frente ao momento atual de migração das instâncias jurídicas, imposta pela irrefreável mudança dos valores e interesses sociais, o que se deve ter como inegociável é a preservação das garantias penais, por meio da preservação dos princípios gerais do Direito penal [...]”.

24 Cf. Fábio Medina Osório (2009, p. 143-144), “a sanção criminal pode ter, dependendo do caso, os mesmos objetivos que a sanção administrativa, constituindo um reforço indispensável na proteção do bem jurídico. Tal não ocorre, é verdade, no âmbito das relações disciplinares ou mesmo de especial sujeição, em que se busca tutelar de modo bastante específico bens jurídicos ligados à Administração Pública, situação que ensejaria o aparecimento de peculiaridades marcantes em termos finalísticos. A sanção disciplinar, costuma-se dizer, busca atingir finalidades de proteção interna da boa ordem administrativa, de relações internas dignas de tutela jurídica, independentemente da repercussão exterior ou global do fato no ordenamento social. [...] Nesse passo, é possível que o legislador utilize técnicas distintas para proteção de idênticos bens jurídicos, v.g., nos crimes contra a Administração Pública, são empregados o direito penal e o Direito Administrativo Sancionador, inclusive o direito disciplinar. [...] o uso das técnicas penais e administrativas cumulativamente, tendo em vista suas peculiaridades, sua ligação com a necessidade de proteger e preservar valores e princípios que presidem a Administração Pública, tarefa que pode ser desempenhada, também, pelo Direito Administrativo Sancionador. Há outros casos mais controvertidos. Quando o Estado intervém em determinados domínios da sociedade, pode valer-se do Direito Administrativo Sancionatório. Tal seria o caso do Estado regulando serviços de telecomunicações, transportes, enfim, serviços públicos, punindo, com sanções administrativas, comportamentos dos cidadãos (particulares) e agentes públicos, com o objetivo de proteger determinados bens jurídicos. Se esses mesmos comportamentos são, ainda, sancionados pelo direito penal, ainda que cumulativamente com o Direito Administrativo, tal decorre do fato de o Estado atuar nesse terreno, ou seja, do intervencionismo estatal protetivo na tutela de determinados serviços.”

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25 O direito punitivo contemporâneo absorveu e criminalizou um universo de bens jurídicos de natureza supra individual, imateriais e difusos, a partir da criação de tipos sancionadores que tutelam interesses coletivos ou difusos, tendo em vista a inserção de diversos valores, na Constituição de 1988 8 8 8 8, que, com a menção no texto, adquiriram dignidade constitucional. Como exemplos, podemos citar os crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, as ordens tributária, econômica e previdenciária, as relações de consumo e o meio ambiente, havendo nítido abuso na edição de leis, o que vem contribuindo para a ausência do redimensionamento da escala axiológica dos bens jurídicos e para o processo de descodificação penal pós Constituição de 1988. Assiste razão a Miguel Reale Jr. (2008, p. 333-342) que, com apoio em Hassemer, leciona que o Direito Penal clássico se caracteriza “por sua ligação à noção de bem jurídico ao qual se vincula o legislador, funcionando o bem como critério negativo, pois sem bem jurídico a ser protegido a incriminação não se justifica”. Vê-se, pois, que a incriminação tradicional “atendia aos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade”, enquanto o novo Direito Penal “amplia-se para passar a ser não mais a última, mas a prima ratio, em proteção das instituições, de interesses da administração e de interesses coletivos, supra-individuais, difusos.” É evidente que “recorre o legislador, na formulação dos tipos penais em defesa dos interesses difusos, a fórmulas vagas e amplas, sem precisão e a concisão com que descrevia as normas de tutela de bens individuais.” REALE JR. (2008, p. 333-342).

26 TEDH, Case of Grande Stevens and others v. Italy. Cf. a íntegra da decisão, disponível em: <https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-141794 >. Acesso em: 10 mar. 2019.

27 TEDH. Disponível em: <https://www.echr.coe.int/Pages/home.aspx?p=caselaw/analysis&c >. Acesso em: 10 mar. 2019.

28 A Comissão Nacional de Empresas e Bolsa de Valores (Consob), estabelecida pela Lei de 7 de junho de 1974, n. 216 6 6 6 6, é uma autoridade administrativa independente, dotada de personalidade jurídica e autonomia total, cuja atividade se destina à proteção, eficiência, transparência e ao desenvolvimento do mercado de valores mobiliários na Itália. Disponível em: <https://www.consob.it/ >. Acesso em: 10 mar. 2019.

29 Na Resolução nº157600000, de 9 de fevereiro de 2007, a Consob impôs as seguintes multas administrativas: - 5000000 EUR em relação a Gabetti, - 3000000 EUR relativamente ao Grande Stevens, - 500000 EUR em relação a Marrone, - 4.500.000 EUR em relação à empresa Exor, - 3000000 EUR relativamente à empresa Giovanni Agnelli. Posteriormente, o Tribunal de Recurso de Turim reduziu as multas administrativas aplicadas pela Consob, da seguinte forma: - 600000 EUR em relação a Giovanni Agnelli; - 1.000.000 EUR em relação à Exor; - 1.200.000 EUR em relação a Gianluigi Gabetti.

30 Os senhores Gianluigi Gabetti, Grande Stevens e Marrone foram impedidos de administrar, administrar ou supervisionar empresas listadas por períodos de seis, quatro e dois meses, respectivamente. Posteriormente, o Tribunal de Recurso de Turim reduziu a duração da proibição de assumir a responsabilidade pela administração, gestão ou supervisão das empresas cotadas na bolsa de valores, de seis para quatro meses em relação ao Gianluigi Gabetti, indeferindo todas as demais alegações.

31 Cf. acórdão de 28 de fevereiro de 2013, o Tribunal de Recurso de Turim condenou Gabetti e Grande Stevens da infração prevista no artigo1855§ 111, do Decreto Legislativo n 588 888 8 8 de 1998, por ter considerado altamente provável que, se a falsa informação incluída no comunicado de imprensa de 24 de agosto de 2005 não tivesse sido emitida, o valor das ações da FIAT teria caído muito mais acentuadamente, absolvendo as empresas Exor e Giovanni Agnelli porque nenhum ato criminoso poderia ser imputado a elas. Além disso, o órgão jurisdicional considerou que não havia qualquer violação do princípio ne bis in idem. Nesse sentido, Gabetti e Grande Stevens interpuseram recurso para o Tribunal de Cassação, pendente de julgamento junto à referida Corte.

32 “Por estar razões o Tribunal Europeu de Direitos Humanos... 2. Manifesta, por unanimidade, que houve violação do artigo 6. º, § 1 º da Convenção; ... 5. Manifesta, por unanimidade, que houve violação do artigo 4º do Protocolo nº 7; 6. Declara, por unanimidade, que o Estado demandado deve assegurar que o novo processo penal, aberto contra os requerentes, em violação do artigo 4º do Protocolo n.º 7 e que, segundo as informações mais recentes recebidas, ainda esteja pendente em relação ao Sr. Gabetti e Sr. Grande Stevens, estão fechados o mais rápido possível (ver parágrafo 237 acima); ... Feito em francês, e notificado por escrito em 4 de março de 2014, de acordo com o Artigo 77 §§ 2 e 3 do Regulamento do Tribunal. Stanley NaismithIşıl Karakaş Presidente. TEDH, Case of Grande Stevens and others v. Italy. Disponível em: <https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-141794 >. Acesso em: 13 mar. 2019.

33 Tal possibilidade decorre da chamada funcionalização do Direito Internacional, cujo “fenômeno busca servir de ponte à construção de soluções e à oferta de ferramentas interpretativas para a consolidação de in­terpretações jurídicas que, devidamente contextualiza­das, não se afastem por completo da consideração úl­tima de que, também, a ordem constitucional interna, notadamente em relação aos direitos e garantias, hão de guardar um mínimo de consonância com sua leitura na ordem internacional.” (SUXBERGER e GOMES FILHO, 2016, p. 377-396).

34 É exatamente por isto que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem entendido que a atuação concorrente com o Banco Central no julgamento de processos administrativos sancionadores (PAS), cujo fato já foi punido pela autoridade monetária, não viola o princípio do non bis in idem. BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Processo Administrativo Sancionador CVM nº 01/2011 – Colegiado da CVM. Relator: Diretor Henrique Machado. No voto, o relatou destacou que a autarquia busca promover o funcionamento eficiente e regular do mercado de valores mobiliários, no sentido de proteger investidores do mercado contra atos ilegais eventualmente praticados por administradores de companhias abertas, enquanto a atuação sancionadora do Banco Central tem por finalidade resguardar a higidez do sistema financeiro mediante a punição dos infratores da legislação vigente do mercado financeiro.

35 Argumenta o autor que “a Lei Anticorrupcao Empresarial l l l l trouxe à tona espécies de sanções que em muito se assemelham àquelas reguladas pela Lei de Improbidade Administrativa a a a a n.º8.4299999/92, pela Lei de Licitações s s s s e Contratos Públicos n.º8.6666666/93 e, especialmente, pelo Código Penal l l l l Brasileiro, no título que toca aos crimes contra a Administração Pública. [...] No âmbito da nova legislação anticorrupção, o que se pode verificar é que muitas das condutas tipificadas como atos de corrupção passíveis de aplicação de suas penalidades estão igualmente previstas em outras leis de cunho penal.” (PUERARI, 2016, p. 104-106).

36 Vide, nesse sentido, os seguintes julgados do STF: Ext 1223, Relator (a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, DJe 28-02-2014; Ext 1118, Relator (a): Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 05/06/2008, DJe 27-06-2008; Ext 967, Relator (a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2006, DJ 07-12-2006; Ext 890, Relator (a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2004, DJ 28-10-2004; Ext 871, Relator (a): Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2003, DJ 12-03-2004; PPE 260 QO, Relator (a): Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 28/05/1998, DJ 07-08-1998; Ext 688, Relator (a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 09/10/1996, DJ 22-08-1997.

37 Vejam-se os casos citados por Marcelo Costenaro Cavali (2017, p. 204): Helvering v. Mitchell, 303 U.S. 391. (1938), Unites States ex rel. v. Marcus Hess, 317 U.S. 537. (1943), Breed v. Jones, 421 U.S. 519. (1975), e Missouri v. Hunter, 459 U.S. 359. (1983).

38 Cf. Marcelo Costenaro Cavali (2017, p. 204-205), “Irwin Halper, dirigente de uma companhia que fornecia medicamentos para pacientes beneficiados por um programa governamental, submeteu 65 requerimentos falsos de reembolso por supostos serviços prestados, no valor total de US$ 585. Condenado criminalmente, recebeu a pena de dois anos de prisão e de multa de US$ 5.000. O governo, então, moveu uma ação civil, baseada em lei específica (False Claims Act), que previa uma penalidade civil de US$ 2.000, o ressarcimento do dobro dos danos causados ao governo, além das custas da ação. Julgado o pedido procedente na instância extrapenal, Halper foi condenado a pagar US$ 130.000 – 65 vezes a penalidade de US$ 2.000 – além de aproximadamente US$ 16.000 em custas.”

39 Nesses casos, a Corte enfatizou que o standard probatório a ser utilizado para avaliar se uma sanção prevista em norma extrapenal pode ser considerada como uma punição penal é a existência de ‘prova mais clara’ (clearest proof), o que consiste na efetiva demonstração de que as sanções são substancialmente punitivas, na forma e no efeito (so punitive in form and effect), a despeito da intenção legislativa, bem como a observância dos seguintes critérios extraídos do julgamento de Kennedy v. Mendoza Martinez: “(a) se a sanção envolve uma debilitação ou restrição afirmativa (affirmative disability or restraint); (b) se historicamente tem sido considerada como uma pena; (c) se a conduta foi praticada com consciência da ilicitude (finding of scienter); (d) se a aplicação da sanção irá promover os objetivos tradicionais de punição-retribuição e dissuasão; (e) se o comportamento a que se aplica já é considerado crime; (f) se é possível atribuir um propósito alternativo racional à conduta; e (g) se parece excessivo em relação ao objetivo alternativo atribuído.” (CAVALI, 2017, p. 205-206).

40 Cf. Marcelo Costenaro Cavali (2017, p. 207-208), “especificamente, no que diz respeito à imposição, ao lado da pena criminal, de sanções administrativas pelo órgão regulador do mercado de capitais – a Securities and Exchange Comission (SEC) –, especial menção merece a decisão proferida pela Corte de Apelações do Segundo Circuito em SEC v. Palmisano. Joseph C. Palmisano, um advogado especializado em falências, operou um “esquema Ponzi” – espécie de pirâmide financeira –, entre dezembro de 1987 e novembro de 1992, por meio do qual induziu cerca de noventa pessoas a investir com ele o total aproximado de US$ 7,9 milhões. No mesmo dia em que Palmisano foi denunciado pela prática de mais de quarenta delitos, a SEC iniciou um procedimento sancionador contra ele. No processo criminal, Palmisano foi condenado a 188 meses de prisão, a ser seguido por um período de liberdade condicional de cinco anos, bem como a restituir os danos causados, no valor de US$ 3.779.868,49. Além disso, houve confisco de sua propriedade envolvida em lavagem de dinheiro, no valor de US$ 700.000,00. A Corte de Apelações do Segundo Circuito, entre outros argumentos gerais fixados em Kennedy v. Mendoza Martinez e retomados em United States v. Hudson, ressaltou que a dissuasão da fraude nesse âmbito serve outros objetivos não punitivos importantes, como incentivar a confiança dos investidores, aumentando a eficiência dos mercados financeiros, e promover a estabilidade do mercado de valores mobiliários.”

41 Vide, no mesmo sentido, os demais casos mencionados pelo autor na sua tese de doutorado, a exemplo, “SEC v. Bilzerian, 153 F.3d 1278,1283 (11th Cir. 1998) – no qual se decidiu que reparações de natureza civil em ações coletivas apenas privam o réu de ganhos ilegais e não o punem para além do enriquecimento sem causa –; United States v. Gartner, 93 F.3d 633, 635 (9th Cir. 1996) – no qual se decidiu que confiscos, multas civis e acusações de desobediência não implicam ofensa à cláusula de proibição de duplo risco –; United States v. Andrews, 146 F.3d 933, 942 (D.C. Cir. 1998) – no qual se consignou que multas civis contra uma companhia não impedem sanções criminais contra o CEO da companhia, ainda que ambas as ações decorram essencialmente da mesma conduta –; e United States v. Merriam, 108 F.3d 1162, 1164-65 (9th Cir. 1997) – no qual se consignou que o réu não demonstrou que as multas civis em casos de fraudes no âmbito de negociação de valores mobiliários seriam essencialmente de caráter penal.” (CAVALI, 2017, p. 207).

42 Cf. Marcelo Costenaro Cavali (2017, p. 209-210), “Zolotukhin foi conduzido a uma delegacia de polícia após ter inserido indevidamente sua namorada em instalações militares. Lá chegando, embriagado, desacatou agressivamente os policiais responsáveis pela sua detenção. Foi, então, punido com uma sanção de três dias de detenção, por ter praticado a infração administrativa de “atos de desordem de menor importância” (artigo 158 do Código de Infrações Administrativas russo). Posteriormente, foi denunciado – mas absolvido – pelo crime de “atos de desordem” (artigo 213 do Código Penal russo), bem como condenado pelos delitos de ameaçar usar de violência e de insultar um agente público (respectivamente, artigos 318, § 1, e 319 do Código Penal russo).

43 Cf. Marcelo Costenari Cavali (2017, p. 211), “neste ponto, inicialmente a Corte destacou que, até então, podiam ser divisadas três correntes jurisprudenciais distintas sobre essa questão. Para a primeira, adotada, por exemplo, em Gradinger v. Austria, relevante seria apenas a situação fática posta sob apreciação; para a segunda corrente, ilustrada no julgamento de Oliveira v. Switzerland, admite-se que uma única conduta caracterize mais de uma infração penal (concurso formal de delitos), não sendo imprescindível – conquanto preferível – que esses delitos sejam julgados conjuntamente; finalmente, para a terceira corrente, representada pelo entendimento adotado em Fischer v. Austria, malgrado seja admissível a existência do concurso formal de delitos, para evitar a dupla punição por delitos apenas “nominalmente diferentes”, deve-se adicionalmente examinar se as infrações possuem os mesmos ‘elementos essenciais’.”

44 Cf. TEDH, Disponível em: <https://www.echr.coe.int/Documents/Research_report_inter_american_ court_ENG.pdf>. Acesso em 13 mar. 2019.

45 Tribunal Europeu de Direitos Humanos, caso Sergey Zolotukhin vs. Russia, sentença de 10/02/2009, § 79. Cf. TEDH, Disponível em: <https://www.echr.coe.int/Documents/Research_report_inter_american_court_ ENG.pdf>. Acesso em 13 mar. 2019.

46 O autor refere que “a assunção do caráter político da pena permite ao jurista conceber a minimização dos poderes arbitrários, criando rígidos critérios para a cominação (proporcionalidade e razoabilidade), aplicação (objetivação dos requisitos judiciais) e execução (jurisdicionalização absoluta) da pena.” (CARVALHO, 2003, p. 263-264). Esse é o modelo garantista de sanção penal, pois estabelece critérios de limitação do poder penal.

47 Cf. Fábio Medina Osório (2009, p. 109-110), no direito brasileiro, assim como nas legislações internacionais, “as sanções administrativas podem cumprir funções idênticas às funções penais, restaurando-se a paz no ordenamento jurídico e punindo o transgressor”, uma vez que os ilícitos administrativos estão, à semelhança do que ocorre com os ilícitos penais, a serviço de valores substantivos [...] e o Direito Penal, a seu turno, está cada vez mais pragmático tutelando interesses difusos e coletivos, muito mais centrado na defesa de direitos constitucionais do que propriamente na justificação moral de seus preceitos proibitivos.”

48 Daí a afirmação de Fábio Medina Osório, ao aduzir que a ausência de elementos diferenciadores no plano moral, ético ou qualitativo entre as infrações penais e administrativas conduz a uma “substancial identidade entre os ilícitos penais e administrativos. Prova dessa inegável realidade seria o fato de que o legislador ostenta amplos poderes discricionários na administrativização de ilícitos penais ou na penalização de ilícitos administrativos. Pode um ilícito hoje ser penal e no dia seguinte amanhecer administrativo ou vice-versa. Não há um critério qualitativo a separar esses ilícitos e tampouco um critério rigorosamente quantitativo, porque algumas sanções administrativas são mais severas do que as penais.” (OSÓRIO, 2009, p. 111).

49 Cf. Juarez Freitas (2010, p. 276), “a interpretação sistemática deve ser concebida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas estritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-se num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando as antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação.”

50 “No entender do Tribunal, estes procedimentos diziam claramente respeito ao mesmo comportamento das mesmas pessoas na mesma data. Além disso, o próprio Tribunal de Recurso de Turim, nos seus acórdãos de 23 de Janeiro de 2008, admitiu que os artigos 187.º-CE e 185.º, n.º 1, do Decreto Legislativo n. º 58 de 1998 diziam respeito ao mesmo comportamento, nomeadamente a divulgação de informações falsas [...]. Daqui resulta que o novo conjunto de processos dizia respeito a uma segunda"infracção"originária de actos idênticos aos que tinham sido objecto da primeira e definitiva condenação. [...] Esta conclusão é suficiente para concluir que houve violação do artigo 4º do Protocolo n.º 7.”

51 Case Sergey Zolotukhin v. Russia (Application n. 14939/03), ECHR, 10 de fevereiro de 2009.

52 CIDH, https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_33_esp.pdf. Acesso em: 13 mar. 2019. A Corte Interamericana de Direitos Humanos deu a seguinte interpretação do [Artigo 8.4 da CIDH] (Loayza-Tamayo c. Peru, 17 de setembro de 1997, Série C nº 33, § 66), adotando as conclusões abaixo transcritas: “[...] 66. De acordo com a denúncia da Comissão sobre a violação, em prejuízo da Senhora María Elena Loayza Tamayo, da garantia judicial que proíbe o duplo julgamento, a Corte observa que, o princípio de non bis in idem está contemplado no artigo 8º(4) da Convenção, nos seguintes termos: 4. O acusado absolvido por uma sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. Este princípio procura proteger os direitos dos indivíduos que foram processados por determinados fatos para que não sejam novamente julgados pelos mesmos fatos. A diferença da fórmula utilizada por outros instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos (por exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, artigo 14.7, referente ao mesmo “delito”) é que a Convenção Americana utiliza a expressão “os mesmos fatos”, que é um termo mais amplo em benefício da vítima. 67. No presente caso, a Corte observa que a Senhora María Elena Loayza Tamayo foi processada no foro privativo militar pelo delito de traição à pátria, que está estreitamente ligado ao delito de terrorismo, como se deduz de uma leitura comparativa do artigo 2º, incisos a, b e c, do Decreto-Lei n. 25.659. (delito de traição à pátria) e dos artigos 2º e 4º do Decreto-Lei n. 25.475. (delito de terrorismo). 68. Ambos os decretos-leis referem-se a condutas não estritamente delimitadas, pelas quais poderiam ser compreendidas indistintamente dentro de um delito como em outro, conforme os critérios do Ministério Público e dos respectivos juízes e, como no caso examinado, da “própria polícia (DINCOTE)”. Portanto, os citados decretos-leis, neste aspecto, são incompatíveis com o artigo 8º(4) da Convenção Americana. [...] 77. Do anterior a Corte conclui que, ao ser julgada a Senhora María Elena Loayza Tamayo na jurisdição ordinária pelos mesmos fatos que tinha sido absolvida na jurisdição militar, o Estado Peruano violou o artigo 8º(4) da Convenção Americana. [...] Portanto, a Corte decide: Por unanimidade, 1. Que o Estado do Peru violou, em prejuízo da Senhora María Elena Loayza Tamayo, o direito à liberdade pessoal reconhecido no artigo 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, combinados com os artigos 25 e 1º(1) da mesma. Por unanimidade, 2. Que o Estado do Peru violou, em prejuízo da Senhora María Elena Loayza Tamayo, o direito à integridade pessoal reconhecido no artigo 5º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, combinado com o artigo 1º(1) da mesma. Por unanimidade, 3. Que o Estado do Peru violou, em prejuízo da Senhora María Elena Loayza Tamayo, as garantias judiciais estabelecidas nos artigos 8º(1) e 8º(2) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, combinados com os artigos 25 e 1º(1) da mesma, nos termos estabelecidos nesta sentença. Por seis votos contra um, 4. Que o Estado do Peru violou, em prejuízo da Senhora María Elena Loayza Tamayo, as garantias judiciais estabelecidas no artigo 8º(4) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, combinado com o artigo 1º(1) da mesma. Dissidente o Juiz Alejandro Montiel Argüello. Por seis votos contra um, 5. Que ordena que o Estado do Peru coloque em liberdade a Senhora María Elena Loayza Tamayo, dentro de um prazo razoável, nos termos do parágrafo 84 desta sentença. Dissidente o Juiz Alejandro Montiel Argüello. Por unanimidade, 6. Que o Estado do Peru está obrigado a pagar uma justa indenização à vítima e seus familiares e a ressarcir as despesas incorridas nas suas gestões perante as autoridades peruanas, por ocasião deste processo, pelo qual fica aberto o procedimento competente. O Juiz Montiel Argüello fez conhecer à Corte o seu Voto Dissidente e os Juízes Cançado Trindade e Jackman o seu Voto Concorrente Conjunto, os quais acompanharão a sentença. San José, Costa Rica, em 17 de setembro de 1997 Hernán Salgado Pesantes – Presidente, Antonio A. Cançado Trindade, Héctor Fix-Zamudio, Alejandro Montiel Argüello, Máximo Pacheco Gómez, Oliver Jackman, Alirio Abreu Burelli e Manuel E. Ventura Robles – Secretário. [...]”. Disponível em: <https://www.echr.coe.int/Documents/Research_report_inter_american_court_ENG.pdf .>; Acesso em 13 mar. 2019.

53 A respeito da sobreposição ou concurso de dois sistemas de punição no direito brasileiro – improbidade administrativa e crimes contra a Administração Pública – assevera Denise Nachtigall Luz que o Supremo Tribunal Federal deverá, em algum momento, enfrentar o tema, tendo em vista “as restrições da Convenção Americana de Direitos Humanos que proíbe dupla punição pelos mesmos fatos e a interpretação dada no Caso Loayza Tamayo versus Peru pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que já repercutiu na jurisprudência do TEDH.” (LUZ, 2012).

54 Este entendimento foi confirmado pelo acórdão Spector Photo Group e Van Raemdonck (processo n. C‑45/08, EU:C:2009:806), de 23 de Dezembro de 2009. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:051:0007:0007:PT:PDF >. Acesso em: 10 fev. 2019. Convém pontuar que a natureza das sanções administrativas variou amplamente entre os Estados-Membros, de modo que os regimes administrativos divergentes promoveram uma arbitragem regulatória. Além disso, quatro Estados-Membros não criminalizaram a manipulação do mercado e a definição do crime e as penalidades aplicáveis, divergindo consideravelmente entre os que fizeram. Dessa forma, a recente aprovação pelo Parlamento Europeu da nova diretiva relativa às sanções penais contra o abuso de mercado e ao apoio político ao acordo político sobre um futuro regulamento que trata de medidas administrativas contra tais abusos alterará o cenário na União Europeia. Isso significa dizer que os Estados-Membros terão de assegurar que a imposição de sanções penais com base em infrações previstas pela nova diretiva e de sanções administrativas de acordo com o futuro regulamento não conduz à violação do princípio ne bis in idem.

55 Consoante julgados da Primeira e da Segunda Turma, o STF firmou orientação no sentido de que são autônomas as instâncias penal, civil e administrativa, ressalvadas as hipóteses de inexistência material do fato e de negativa de autoria, in verbis: “[...] 1. As instâncias das esferas civil, penal e administrativa são autônomas e não interferem nos seus respectivos julgados, ressalvadas as hipóteses de absolvição por inexistência de fato ou de negativa de autoria. (Precedente: RMS 26.510/ RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26/3/2010) 2. In casu, a absolvição do recorrente ocorreu com base no art. 386, III (“não constituir o fato infração penal”) e VI (“existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;”), do Código de Processo Penal, não se enquadrando, portanto, nas hipóteses ressalvadas. [...] 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. (RMS 26.951 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 18.11.2015); “[...] II – Vigora no direito brasileiro o princípio da independência das instâncias, ou seja, a sentença cível não interfere na esfera penal e vice-versa. As únicas exceções que vinculam as instâncias são: i) existência de uma sentença penal absolutória resultante do reconhecimento da inexistência de autoria do fato, nos termos do art. 386, I, do CPP; e ii) da inocorrência material do próprio evento (art. 386, IV, do CPP). [...] ( HC 135254 ED-AgR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-191 DIVULG 02-09-2019 PUBLIC 03-09-2019); “[...] Autonomia das instâncias penal, civil e administrativa, ressalvadas as hipóteses de inexistência material do fato e de negativa de autoria. [...] ( MS 33214 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019); “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA, CÍVEL E PENAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência sedimentada nesta Corte, são independentes as instâncias administrativa, cível e penal, excepcionando-se apenas as hipóteses em que é reconhecida, no âmbito penal, a negativa da autoria ou da materialidade do fato. Precedentes. 2. Inexiste violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando é oportunizada ao servidor a faculdade de participar de todo o Processo Administrativo Disciplinar do qual é parte, inclusive com a oportunidade de remarcar perícia médica solicitada. 3. Não se admite, na estreia via do mandado de segurança, a realização de dilação probatória. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC”. ( RMS 35.469 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 11.3.2019); “[...] Firmou-se, ainda, entendimento de que não há óbice à aplicação de sanção disciplinar administrativa antes do trânsito em julgado da ação penal, pois são relativamente independentes as instâncias jurisdicional e administrativa. Neste sentido, confiram-se o MS nº 23.401 (Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ de 12.4.2002); RMS nº 26.510 (de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe de 26.3.2010); AI nº 822.641 AgR (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI , Primeira Turma, DJe de 4.5.2011); e AI nº 539.744 AgR-ED (Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 16.3.2012). [...] ( ARE 691306 RG, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 23/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012)”.

56 Vide, sobre o tema da dupla punição e ofensa ao ne bis in idem, o julgamento do caso Loayza Tamayo v. Perú pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_33_esp.pdf. Acesso em: 13 mar. 2019.). Vide, entre outros, PASSADORE e BANDEIRA (2017).

57 Cf. trecho final da conclusão do caso: “[...] 32. Os Estados europeus são confrontados com um dilema. A fim de garantir a integridade dos mercados europeus e aumentar a confiança dos investidores nesses mercados, os Estados criaram infrações de base administrativa muito amplas, que punem o risco abstrato de prejudicar o mercado com sanções pecuniárias e não pecuniárias severas e indeterminadas, que são classificados como sanções administrativas e aplicados por autoridades administrativas" independentes "em processos inquisitivos, desiguais e rápidos. Essas autoridades combinam poderes punitivos e fiscais com um amplo poder de supervisão em um determinado setor do mercado e exercem o último de forma a prosseguir o primeiro, às vezes impondo à pessoa supervisionada / suspeita a obrigação de cooperar na tramitação de acusações contra ele ou ela. A sucessão de três, ou mesmo quatro, etapas de escritos de defesa - duas vezes antes da autoridade administrativa, uma vez antes do tribunal de recurso e novamente perante o Tribunal de Cassação - é uma garantia evasiva que não compensa a injustiça intrínseca do processo. A tentação foi claramente a terceirização de uma conduta que não pode ser tratada através dos instrumentos clássicos de direito e procedimento penal para esses" novos procedimentos administrativos ". No entanto, a pressão do mercado não pode prevalecer sobre as obrigações internacionais de direitos humanos dos Estados vinculados pela Convenção. A natureza punitiva das infrações e a gravidade da punição não podem ser evitadas e exigem claramente a proteção oferecida pelas garantias processuais do artigo 6º e pelas garantias substantivas do artigo 7º da Convenção. 33. Consideramos que os recorrentes foram tratados injustamente pela Consob e pelos tribunais nacionais, e que este Tribunal apenas os fez" metade da justiça ". Esta é a razão pela qual seguimos a maioria apenas em parte. Esperamos que este julgamento ofereça aos tribunais nacionais a oportunidade de prestar plena justiça aos requerentes e o legislador italiano com o incentivo para remediar as deficiências estruturais no procedimento administrativo e judicial para a aplicação e revisão de sanções administrativas pela Consob. Se o legislador italiano estiver a cargo desse desafio, seu trabalho poderia fornecer um exemplo de fertilização cruzada para outras legislaturas que enfrentam um problema sistêmico similar. [...]”

58 Fábio Medina Osório, Alexandre Pinheiro dos Santos e Julya Sotto Mayor Wellisch argumentam que “a coerência de atuações e estratégias institucionais não apenas é recomendável, como se mostra cada vez mais necessária.” (2012, p. 65).

59 Juliana Bonacorsi de Palma (2015, p. 303) argumenta que a consensualidade consiste em efetivo meio de satisfação das finalidades públicas colocado à disposição da Administração Pública ao lado da tradicional forma de atuação administrativa típica. Nesta concepção, como bem destacam Sérgio Guerra e Juliana Bonacorsi de Palma (2018, p. 135-169), a partir do novo regime jurídico à consensualidade administrativa, a Administração Pública poderá “substituir uma sanção por uma determinada prestação de proveito generalizado, se tal providência, na ponderação dos interesses envolvidos, resultar numa otimização do benefício geral em relação à restrição do direito individual objeto de regulação”, tratando-se, portanto, de um importante instrumento de promoção do interesse público.

60 STF, AP 565, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2013, DJe 23-05-2014; MS 28752, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 12/03/2013, DJe 19-04-2013; MS 27867 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julg. 18/09/2012, DJe 04-10-2012; MS 21.708/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acordão Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 09.11.2000, DJ 18.05.2001.

61 STJ, RMS 39.558/AL, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, julgado em 10/12/2013, DJe 11/06/2014; AgRg no RMS 43.774/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22/05/2014, DJe 28/05/2014; AgRg no RMS 36.958/RO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/02/2014, DJe 27/02/2014; AgRg no AREsp 202.617/DF, Rel. Min. Campos Marques (Des. Convocado TJ/PR), Quinta Turma, julgado em 11/04/2013, DJe 16/04/2013; AgRg no Resp 1.220.011/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 22.11.2011, DJe 06.12.2011; RMS 32.641/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 08.11.2011, DJe 11.12.2011; REsp 1.028.436/SP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, Quinta Turma, Des. Convocado do TJ/RJ, julgado em 15.09.2011, DJe 17.11.2011; REsp 1.113.857/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 15.02.2011, DJe 08.04.2011; MS 8.477/DF, Rel. Min. Paulo Gallotti, Terceira Seção, julgado em 11.02.2009, DJe 20.02.2009; HC 88.370/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado 07/10/2008, DJe 28/10/2008.

62 O princípio da proporcionalidade e da harmonização dos valores são conformados pelo princípio fundamental do respeito e da proteção da dignidade da pessoa humana, “fio condutor de toda ordem constitucional, sem o qual ela própria acabaria por renunciar à sua humanidade, perdendo até mesmo a sua razão de ser” (SARLET, 2010, p. 460).

63 Cf. Ingo Sarlet (2017, p. 229), compete ao Poder Judiciário controlar os poderes legislativo, executivo e judiciário, bem como proteger os direitos fundamentais do cidadão.

64 V. Resolução nº011111/2017 do Ministério Público do Paraná (Compromisso de Ajustamento de Conduta e Acordo de Leniência) e Resolução nº599999/2017 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Termo de Ajustamento de Gestão).

65 Não haveria sentido em fornecer benefícios para um colaborador na área criminal e esse mesmo agente ser punido pela Lei de Improbidade Administrativa a a a a, exatamente em razão dos mesmos fatos, que atingem os mesmos bens jurídicos – patrimônio público e probidade administrativa. Se a colaboração premiada contribuiu para a persecução de agentes ímprobos, seria uma incoerência na atuação do Estado quando reconhece os benefícios na esfera penal e nega na esfera administrativa, porquanto os elementos utilizados para a abertura de inquéritos e de ações de improbidade administrativa normalmente são aqueles colhidos com a colaboração. O objetivo da colaboração premiada é a recuperação total ou parcial (Art. 4º, IV, Lei nº 12.850/2013) do produto do crime, o que também está em sintonia com os objetivos e os fins da Lei nº 8.429/92. Sobre o assunto, v. FREITAS (2017), PALMA (2015) e KOATZ, et al. (2019).

66 Cf. Código Penal l l l l, Art. 65 5 5 5 5 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: [...] III - ter o agente: [...] d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

67 Nessa linha, é a posição de Karina Gomes Cherubini (2007): “Se para o ilícito penal a confissão gera a atenuação da pena, não há razoabilidade em aplicar uma penalidade para o mesmo fato, agora visto sob seu prisma administrativo, com o único enfoque de gerar uma decisão de mérito, diminuindo a matéria probatória a ser examinada ( CPC, art. 334, inc. II), sem qualquer repercussão na dosimetria sancionatória. A jurisprudência criminal reconhece a confissão espontânea e a valora, já que sua realização beneficia a todos, serve de base para a fundamentação da condenação, facilita o trabalho do Estado na demonstração da culpa e, ao mesmo tempo, dá a certeza que não haverá uma injustiça. Se a confissão nos processos cíveis, especificamente nos feitos de improbidade administrativa, fosse reconhecida como atenuante da sanção e mais, se fosse estendido a esse tipo de feito os demais benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução do inquérito civil e na própria instrução processual, obtendo-se peças de um quebra-cabeça que, de outra forma, pode seguir incompleto, mesmo que se obtenha um deslinde condenatório. [...] A confissão e colaboração prestada seriam consideradas na gradação da sanção administrativa pela conduta que gerou enriquecimento ilícito e/ou foi lesiva ao erário e/ou aos princípios da Administração Pública. A confissão implicaria em redução do apenamento, sendo que o quantum da redução seria avaliado levando em consideração as variáveis da fase em que foi realizada, se desde a fase extrajudicial, durante o inquérito civil, ou somente em juízo. Quanto mais precedente a confissão, maior sua valoração como atenuante da sanção. Em relação à colaboração, seria avaliado o seu grau de efetividade, sendo que quanto mais eficaz para a descoberta de provas e identificação da autoria, mais repercutiria no abrandamento e até eventual afastamento das sanções, inclusive das mais gravosas. Havendo tanto confissão como colaboração para a elucidação do ato de improbidade, ambas teriam seu reconhecimento na dosimetria sancionatória administrativa.” (CHERUBINI, 2007).

68 O STF reconheceu a repercussão geral sobre a matéria com o fim de apreciar a possibilidade de utilização da colaboração premiada no âmbito civil, considerando o princípio da legalidade, os limites da disponibilidade de bens e interesses públicos e os efeitos do acordo de colaboração realizado pelo Ministério Público em relação a ações movidas em suporte nos mesmos fatos, sobretudo derivada da legitimidade concorrente para a propositura da ação de improbidade administrativa. Sobre o assunto, v. TAMASAUKAS e MAZIEIRO (2019).

69 No atual sistema francês, compete ao órgão administrativo que apura as infrações administrativas notificar o Procurador da República a fim de informar a abertura de processo administrativo contra determinada pessoa, momento em que o Procurador da República terá o prazo de dois meses para responder dizendo se tem interesse em abrir processo criminal contra a mesma pessoa. No caso do Procurador não responder, a autoridade administrativa francesa inicia o processo administrativo. Por outro lado, se o Procurador se manifestar dizendo que tem interesse em dar início à abertura do processo criminal, será submetido ao Procurador da República que oficia no Tribunal de Paris ou em uma Câmara de Revisão de Coordenação – procedimento semelhante no caso brasileiro àqueles em que o Ministério Público apresenta requerimento de arquivamento e o juiz considerando improcedentes as razões invocadas, remete ao Procurador-Geral para oferecer a denúncia, designar outro promotor para oferecê-la ou reiterar o pedido de arquivamento (art. 28 do CPP)– competindo ao Procurador Geral da República decidir sobre qual processo será extinto e qual segue tramitando, respondendo o sujeito por apenas um processo. Tal procedimento tem por objetivo assegurar a segurança jurídica, pois não é um órgão administrativo ou judicial que está decidindo a questão, mas o próprio órgão acusador, além de preservar a proibição de bis in idem e a eficiência administrativa em razão da utilização de recursos estatais em apenas um processo punitivo ao invés de dois processos distintos com idêntico caráter punitivo. Sobre o novo sistema para a repressão do abuso de mercado na França, v. Dossiers thématiques – L'AMF: Fonctionnement de l'AMF & réformes du secteur financier. Disponível em: <https://www.amf-france.org/Reglementation/Dossiers-thematiques/l-AMF/Fonctionnement-delAMF-et-refor .... Acesso em: 6 dez. 2018. Acerca da reforma do sistema de abuso de mercado, v. BELLEZZA (2016).

70 Cf. Loi nº 2016-819 du 21 juin 2016 réformant le système de répression des abus de marché.

71 No âmbito da regulação e autorregulação na CVM, a teor do art.499999 da Instrução CVM nº4611111/2007, a entidade autorreguladora (BSM) poderá aplicar uma multa por determinação infração administrativa, a CVM também poderá punir o infrator, assim como poderá ser punido na esfera criminal, pois é comum no Brasil a aplicação da fórmula da independência das instâncias, uma vez que não há norma proibitiva impedindo a dupla ou tripla punição pelos mesmos fatos em esferas distintas. Contudo, no âmbito da CVM, as instruções normativas estabelecem contrapartidas nos casos de dupla punição, podendo ser celebrado termo de compromisso ou abatidas/compensadas eventuais penas de multas, por exemplo.

72 Cf. Código Penal l l l l, Art. 8ºº A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

73 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição o o. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. Tradução de: Gilmar Ferreira Mendes.

74 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 6. ed. atual. Rio de janeiro: Renovar, 2002; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista da PGE, Porto Alegre, v. 28, n. 60, p. 27-65, jul./dez. 2004; BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do direito e suas repercussões no âmbito administrativo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 32-54. V. também, STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13-51.

75 Vale conferir os estudos de FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, e de SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, ao versarem sobre as relações entre a Constituição e os Direitos Fundamentais na perspectiva do Estado e das suas funções de proteção de direitos individuais e interesses difusos, coletivos e públicos.

Sobre o autor
Fabiano Nobre Zimmer

Advogado, Mestre em Direito (PUCRS) e Especialista em Direito Penal Econômico (UCS-ESMAFERS). Sócio do escritório FNZ Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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