RESUMO: Este estudo analisa a relação entre as políticas de repressão ao tráfico de drogas no Brasil e a perpetuação da exclusão social, especialmente entre as populações negras e periféricas. Com foco na Lei nº 11.343/2006, o trabalho investiga como o endurecimento das penas para o tráfico de drogas e a militarização das favelas contribuíram para o encarceramento em massa e o fortalecimento das facções criminosas. A pesquisa revela que o modelo punitivista da "guerra às drogas", amplamente adotado pelo Brasil, tem falhado em seus objetivos principais de reduzir o tráfico e promover segurança. Em vez disso, tem reforçado o racismo estrutural, criminalizando de forma desproporcional jovens negros e pobres. O estudo também discute alternativas a essa abordagem repressiva, como a descriminalização do uso de drogas, a legalização de substâncias como a maconha e as políticas de redução de danos. Conclui-se que, sem a adoção de políticas inclusivas que promovam educação, emprego e direitos para as populações marginalizadas, o ciclo de exclusão e criminalização persistirá. Sugere-se uma reformulação das políticas públicas de segurança e drogas no Brasil, com enfoque em justiça social e na promoção da igualdade racial e socioeconômica.
Palavras-chave: Tráfico de drogas, exclusão social, encarceramento em massa, racismo estrutural, políticas de segurança pública, descriminalização, legalização, redução de danos.
1. O Marco Jurídico: A Lei nº 11.343/2006
A princípio, a Lei nº 11.343/2006 foi instituída com o objetivo de implementar um Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com foco na prevenção do uso indevido de drogas, reinserção social de usuários e repressão ao tráfico. Uma das inovações dessa lei foi descriminalizar o uso pessoal de entorpecentes e concentrar as punições no combate ao tráfico, levando ao aumento significativo de condenações por esse delito.
Segundo Marcelo da Silveira Campos, "a nova Lei de Drogas de 2006, aprovada com o propósito de deslocar o usuário do sistema penal para o sistema de saúde, acabou promovendo um aumento considerável no número de encarcerados por tráfico de drogas" (CAMPOS, 2015, p. 45). A partir desse endurecimento das penas, a população carcerária cresceu substancialmente, especialmente entre jovens de baixa renda, como os negros e periféricos. Entre 2005 e 2016, o número de presos por tráfico quase triplicou, atingindo mais de 130.000 pessoas.
Além disso, embora a lei preveja penas alternativas para o uso de drogas, como prestação de serviços à comunidade, não há critérios claros para diferenciar o usuário do traficante. De acordo com a pesquisa de Campos (2015), "a quantidade de drogas apreendida não é, por si só, um critério objetivo suficiente para definir se o indivíduo é usuário ou traficante" (CAMPOS, 2015, p. 46). Isso resulta em uma aplicação arbitrária da lei, que afeta de maneira desproporcional jovens negros e pobres, sendo classificados como traficantes com base em pequenas quantidades de entorpecentes.
A Lei nº 11.343/2006, apesar de ter sido pensada para reverter a criminalização do usuário, focou na punição do tráfico de drogas, elevando a pena mínima de reclusão de três para cinco anos. Esse endurecimento reflete a adoção de uma lógica punitivista, característica da "guerra às drogas", que teve início nos Estados Unidos e, ao ser adotada no Brasil, resultou em uma política repressiva voltada principalmente para os moradores das periferias urbanas.
Como Moura discute, a criminalização do tráfico de drogas é mais uma ferramenta de controle social, especialmente direcionada à população negra e periférica. Ele afirma que "a criminalização do negro e do pobre é uma continuidade do processo de exclusão histórica, agora sob a justificativa do combate às drogas" (MOURA, 2022, p. 515). Essa afirmação reforça a crítica de que a política de drogas, ao invés de combater o tráfico, perpetua a marginalização de grupos historicamente excluídos.
Além disso, o impacto sobre as mulheres é alarmante. O tráfico de drogas é hoje a principal causa de encarceramento feminino no Brasil. Campos (2015) ressalta que "a maioria das mulheres presas por tráfico de drogas ocupa funções de baixo escalão, como o transporte de pequenas quantidades de drogas, o que revela a vulnerabilidade social dessas mulheres" (CAMPOS, 2015, p. 48).
Ou seja, esse dado demonstra como o tráfico de drogas afeta populações já marginalizadas, ampliando o ciclo de pobreza e exclusão.
O racismo estrutural, presente na aplicação das políticas de repressão, intensifica o impacto das leis de drogas sobre as comunidades negras. A ausência de critérios claros para diferenciar o usuário do traficante, como apontado por Moura, é uma das principais causas da criminalização em massa da juventude negra no Brasil.
Assim, o racismo se manifesta na seletividade da justiça criminal, que aplica a Lei de Drogas de maneira desigual, afetando desproporcionalmente as populações negras e pobres.
Portanto, a Lei nº 11.343/2006, embora tenha introduzido medidas para tratar o uso de drogas como uma questão de saúde, não atingiu esse objetivo de forma plena. Ao contrário, acabou por endurecer a punição ao tráfico, resultando no aumento da população carcerária e na perpetuação das desigualdades sociais e raciais no Brasil.
2. Racismo e o Encarceramento em Massa
O sistema de justiça criminal no Brasil é profundamente marcado por desigualdades sociais e raciais, que se refletem na forma como as políticas de repressão ao tráfico de drogas são implementadas.
Desde a aprovação da Lei nº 11.343/2006, o aumento do encarceramento de negros e pobres é um indicador claro de como o racismo estrutural influencia as práticas jurídicas e policiais. O tráfico de drogas tornou-se um instrumento eficaz para a criminalização de jovens negros e moradores de periferias, perpetuando ciclos de exclusão e marginalização.
Clóvis Moura argumenta que, no Brasil, o racismo está intrinsecamente ligado à forma como a sociedade lida com o crime, e que essa ligação tem raízes profundas no período escravocrata. Ele ressalta que, historicamente, "o negro foi construído socialmente como o inimigo interno, aquele que devia ser contido e criminalizado" (MOURA, 1988, p. 46). O autor aponta que a Guerra às Drogas apenas sofisticou essa lógica de exclusão, direcionando o aparato repressivo estatal contra a população negra e pobre. Segundo Moura, "a identificação do negro como criminoso e marginal é um dos pilares que sustentam o controle social no Brasil" (MOURA, 2022, p. 513).
O impacto da Lei nº 11.343/2006 não pode ser compreendido sem analisar a seletividade com que ela é aplicada. Embora a lei tenha introduzido medidas mais brandas para o usuário de drogas, como advertências e serviços comunitários, o aumento das penas para o tráfico de drogas resultou em um encarceramento desproporcional de negros. O tráfico, como aponta Moura, "é utilizado como uma justificativa para o encarceramento em massa de indivíduos que já se encontram em situação de vulnerabilidade social" (MOURA, 2022, p. 520).
Estudos mostram que o encarceramento em massa de negros no Brasil, sob a acusação de tráfico de drogas, é impulsionado pela falta de critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante. Embora a Lei nº 11.343/2006 mencione que a quantidade de drogas em posse do suspeito deve ser levada em consideração, ela não define um limite claro para essa distinção (CAMPOS, 2015). Isso resulta em uma aplicação arbitrária da lei, onde a cor da pele e o local de origem do suspeito são determinantes para a sua criminalização.
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Brasil, 2022), a maioria da população carcerária no Brasil é composta por negros, representando 66,7% dos presos. Além disso, 30% dos encarcerados estão tipificados sob a Lei de Drogas, sendo que, entre as mulheres, essa porcentagem chega a 58% (BRASIL, 2022). Esse dado evidencia que a política de repressão ao tráfico de drogas afeta desproporcionalmente a população negra, reproduzindo uma lógica de racismo estrutural que perpetua a marginalização dessas comunidades.
A obra de Moura também destaca como a marginalização do negro no sistema penal reflete uma prática histórica de segregação racial. Ele afirma que "a criminalização do negro está diretamente ligada à sua condição de pobreza, e o tráfico de drogas é utilizado como um instrumento para justificar essa criminalização" (MOURA, 2022, p. 515). Dessa forma, o encarceramento em massa é não apenas uma consequência da política de drogas, mas também uma ferramenta de controle social das populações radicalizadas.
Adicionalmente, a pesquisa de Marcelo da Silveira Campos sobre a Lei de Drogas destaca que, desde sua implementação, houve um aumento expressivo da população carcerária, com especial foco no tráfico de drogas. Ele aponta que, "a aplicação seletiva da lei nas periferias urbanas do Brasil reforça a ideia de que o tráfico de drogas é utilizado como mecanismo de controle social" (CAMPOS, 2015, p. 45). A falta de critérios objetivos para classificar quem é usuário e quem é traficante é, segundo Campos, "um dos fatores que mais contribuem para o aumento do encarceramento de jovens negros" (CAMPOS, 2015, p. 47).
Nesse sentido, o racismo estrutural está presente não apenas na aplicação da lei, mas também nas práticas cotidianas de policiamento. Pesquisas indicam que, em São Paulo, negros são mais frequentemente condenados por tráfico de drogas, mesmo quando a quantidade de drogas apreendida é menor em comparação com brancos em situação semelhante (DOMENICI; BARCELOS, 2019). Esse tipo de prática evidencia o tratamento diferenciado dado às populações negras, criando uma barreira invisível entre quem é considerado "cidadão" e quem é tratado como "inimigo público".
Além disso, a criminalização da juventude negra se reflete nos dados sobre internação de adolescentes infratores. Segundo o Levantamento Anual do Sistema de Atendimento Socioeducativo (SINASE, 2017), 63% dos adolescentes internados em 2017 eram negros, e o tráfico de drogas foi a principal causa de internação (BRASIL, 2019). Isso indica que a criminalização precoce desses jovens perpetua um ciclo de exclusão que começa na infância e se estende pela vida adulta, levando muitos deles ao sistema penitenciário.
Portanto, o tráfico de drogas no Brasil deve ser compreendido como parte de um sistema mais amplo de controle social e racial. A Guerra às Drogas, ao invés de reduzir o tráfico e o consumo de entorpecentes, tem funcionado como uma ferramenta de repressão direcionada, principalmente, às populações negras e periféricas. Como aponta Moura, "o encarceramento em massa de negros e pobres sob a justificativa de combate ao tráfico de drogas é um dos maiores exemplos de como o racismo estrutural opera no Brasil" (MOURA, 2022, p. 519).
3. Exclusão Social e o Tráfico de Drogas
A exclusão social no Brasil está profundamente enraizada nas dinâmicas econômicas e raciais que permeiam a sociedade, influenciando o comportamento de comunidades marginalizadas.
Entre essas influências, o tráfico de drogas surge como uma alternativa econômica para aqueles que não possuem acesso a oportunidades legítimas de emprego e educação.
Nesse contexto, o tráfico se torna tanto uma estratégia de sobrevivência quanto uma ferramenta de perpetuação da exclusão. Este capítulo explora como a desigualdade socioeconômica impulsiona o envolvimento no tráfico de drogas, reforçando ciclos de pobreza e marginalização, especialmente entre jovens negros e moradores de periferias urbanas.
O racismo estrutural desempenha um papel central na manutenção dessas desigualdades. Conforme Clóvis Moura argumenta, o negro no Brasil tem sido historicamente construído como “mau cidadão”, uma figura marginalizada cuja criminalização é fundamental para a reprodução do sistema capitalista brasileiro.
O tráfico de drogas, dentro desse quadro, emerge não apenas como um meio de sustento, mas também como uma justificativa para a repressão estatal e o encarceramento em massa de populações negras. Assim, a associação entre exclusão social e tráfico de drogas é tanto um resultado quanto uma causa das políticas de controle social no Brasil.
Vale ressaltar que relação entre a exclusão social e o tráfico de drogas pode ser vista claramente nas favelas e periferias urbanas. A falta de infraestrutura básica, associada à ausência de oportunidades de trabalho formal, empurra muitos jovens para o tráfico.
Com efeito: "O tráfico de drogas torna-se, portanto, uma das poucas formas de ascensão social, ainda que ilusória, para os jovens das favelas" (COSTA; MENDES; GUEDES, 2021, p. 523).
Nesse ambiente, o tráfico oferece não apenas uma fonte de renda, mas também uma forma de pertencimento e identidade, conforme Moura aponta: "Ele cumpre um papel de socialização e identificação, especialmente para jovens negros e pobres" (MOURA, 2021, p. 32).
A criminalização desses jovens, no entanto, tem sido o foco principal das políticas de repressão às drogas no Brasil. O sistema de segurança pública concentra seus esforços nas periferias, onde as operações policiais são realizadas de forma rotineira e muitas vezes arbitrária.
Nesse sentido: "as forças policiais realizam revistas pessoais aleatórias e invadem domicílios sem mandado, contrariando a jurisprudência dos Tribunais Superiores" (CAMPOS, 2015, p. 135). Essas práticas reforçam a marginalização das comunidades, transformando-as em "Zonas Quentes de Criminalidade", onde a violência policial é justificada pelo discurso de combate ao tráfico.
A relação entre a exclusão social e o tráfico de drogas também pode ser observada na estrutura radicalizada do sistema de justiça criminal. Dados indicam que negros são mais frequentemente condenados por tráfico de drogas, mesmo quando as quantidades apreendidas são menores do que as encontradas com réus brancos.
Essa seletividade racial é um reflexo da maneira como o Estado lida com as populações marginalizadas, utilizando o tráfico como uma justificativa para a repressão e o encarceramento. Moura destaca que "o racismo brasileiro é um dos principais fatores que moldam a resposta estatal ao tráfico, criando um ciclo de criminalização e exclusão" (MOURA, 2021, p. 27).
Além disso, o envolvimento de jovens no tráfico de drogas é diretamente influenciado pela ausência de políticas públicas eficazes que ofereçam alternativas ao mercado ilegal. "O mercado de drogas ilícitas no Brasil é fortalecido pela falta de perspectivas e desemprego, que empurram jovens ao negócio da droga" (SPOSATO, 2019, p. 203).
O tráfico oferece salários mais altos do que os encontrados no mercado formal, tornando-se uma opção viável para aqueles que não têm acesso a outras oportunidades de emprego. No entanto, essa inserção no tráfico geralmente resulta em encarceramento ou morte prematura.
Outro aspecto importante a ser considerado é o impacto da exclusão social na formação de territórios de exclusão. Moura argumenta que "a guerra às drogas no Brasil contribui para a construção de territórios de exclusão, onde os direitos fundamentais são rotineiramente violados em nome da segurança pública" (MOURA, 2022, p. 513).
Ou seja, esses territórios, frequentemente localizados nas periferias urbanas, são alvo de super policiamento, o que intensifica a marginalização e a violência contra seus moradores. A ação do Estado nesses espaços é caracterizada pela repressão, e não pela oferta de alternativas que possam efetivamente combater as causas do tráfico de drogas.
Para argumentar, a pesquisa de Campos (2015) confirma essa realidade ao analisar os boletins de ocorrência de uso e tráfico de drogas em Montes Claros, Minas Gerais. Ele descobriu que "embora o consumo e venda de drogas estejam difundidos entre diferentes grupos sociais por toda a cidade, as práticas estatais para seu enfrentamento estão rigorosamente concentradas no comércio varejista realizado por jovens com baixa escolaridade nas favelas" (CAMPOS, 2015, p. 145).
Isso sugere que a repressão ao tráfico de drogas no Brasil é seletiva, concentrando-se em áreas de pobreza, enquanto usuários de classes mais altas são tratados de forma mais branda.
Dessa forma, a exclusão social não é apenas uma condição que leva ao envolvimento no tráfico de drogas, mas também uma consequência das políticas de repressão. As práticas de encarceramento em massa e super policiamento reforçam a marginalização das populações negras e periféricas, perpetuando um ciclo de pobreza e criminalização. "O encarceramento em massa de negros e pobres sob a justificativa de combate ao tráfico de drogas é um dos maiores exemplos de como o racismo estrutural opera no Brasil" (CAMPOS, 2015, p. 147)
Para concluir, a análise da exclusão social e do tráfico de drogas revela que a criminalização do tráfico não é apenas uma questão de segurança pública, mas um reflexo das profundas desigualdades socioeconômicas e raciais que permeiam a sociedade brasileira.
Isto é, o tráfico de drogas emerge como uma resposta à falta de oportunidades, oferecendo uma fonte de renda e pertencimento para aqueles que estão à margem do mercado de trabalho formal. No entanto, essa participação no mercado ilegal resulta em mais exclusão e criminalização, reforçando o ciclo de pobreza e marginalização.
As políticas de repressão às drogas no Brasil, ao invés de combaterem as causas do tráfico, perpetuam a exclusão social ao se concentrarem nas periferias e ao tratar o tráfico como uma questão criminal, em vez de uma questão social. Conforme argumentado por Moura, "a guerra às drogas no Brasil funciona como um mecanismo de barragem ao negro, impedindo sua ascensão social e justificando sua criminalização" (MOURA, 2022, p. 514).
Portanto, a solução para o problema do tráfico de drogas no Brasil exige uma mudança de paradigma, que inclua políticas públicas voltadas para a inclusão social e o combate à desigualdade.
Assim, apenas através de uma abordagem que enfrente as causas da exclusão, como a falta de educação, emprego e acesso a direitos, será possível romper o ciclo de criminalização e marginalização que atualmente define a relação entre exclusão social e tráfico de drogas no país.
Capítulo 4: Políticas Públicas de Segurança e Criminalização
No Brasil, as políticas públicas de segurança sempre foram profundamente marcadas por uma abordagem punitivista, especialmente em relação às populações marginalizadas e periféricas.
Essas políticas, frequentemente moldadas pelo discurso da “guerra às drogas”, têm como foco principal a repressão e o controle social, em vez de atuar na raiz dos problemas socioeconômicos que levam ao envolvimento com o tráfico de drogas.
Neste capítulo, analisaremos como as práticas de segurança pública no Brasil, estruturadas em um paradigma de criminalização, têm contribuído para a perpetuação da exclusão social e o encarceramento em massa, aprofundando as desigualdades raciais e sociais.
Como destaca Clóvis Moura, "a guerra às drogas no Brasil, na realidade, é uma guerra contra os pobres" (MOURA, 2022, p. 521). Essa política de segurança pública tem sido utilizada como uma ferramenta de repressão das classes populares, especialmente da população negra, que é desproporcionalmente impactada pela criminalização do tráfico de drogas.
Assim, a relação entre as políticas de segurança e o tráfico de drogas não pode ser dissociada da questão racial, e é essencial entender como essas políticas reforçam o ciclo de exclusão e marginalização das comunidades mais vulneráveis.
Sob essa perspectiva, as políticas de segurança pública no Brasil são caracterizadas pelo alto grau de militarização e pela aplicação seletiva da lei, voltada principalmente para as populações periféricas.
Como afirmam Costa e Mendes (2021), "a violência policial nas favelas e periferias urbanas é rotineira e justificada pelo discurso de combate ao tráfico de drogas, criando territórios de exceção onde os direitos civis são suspensos" (COSTA; MENDES, 2021, p. 512).
Ou seja, essas operações nas periferias são frequentemente conduzidas sem mandados judiciais, com uso excessivo de força, resultando em mortes de civis e prisões arbitrárias.
Essa militarização das favelas também é um reflexo do super policiamento dessas áreas, onde as ações policiais são voltadas quase exclusivamente para o combate ao tráfico de drogas, ignorando os problemas sociais que originam a violência.
Como Campos (2015) argumenta, "as forças policiais concentram seus esforços nas áreas periféricas e pobres, deixando as áreas mais ricas e centrais com uma abordagem muito mais branda em relação ao uso de drogas" (CAMPOS, 2015, p. 147). Isso reforça uma seletividade na aplicação da lei, onde os pobres são criminalizados de forma mais agressiva.
Além disso, o uso de forças militares em operações de segurança pública exacerba o clima de insegurança nas comunidades. Como destaca Sposato (2019), "a presença militar em áreas urbanas de alta vulnerabilidade social intensifica a violência e cria um ambiente de medo e desconfiança" (SPOSATO, 2019, p. 203).
Com efeito, essa militarização não resolve o problema do tráfico de drogas, mas sim fortalece as facções criminosas, que utilizam o caos para expandir suas atividades.
Moura observa que "as políticas de segurança pública são utilizadas como uma forma de manutenção da ordem social, onde a repressão ao tráfico serve como uma justificativa para o controle da população negra e periférica" (MOURA, 2022, p. 517).
Ademais, esse controle é exercido através de práticas como o encarceramento em massa, que se tornou uma ferramenta de repressão contra a juventude negra. Os dados revelam que mais de 66% da população carcerária no Brasil é composta por negros, sendo o tráfico de drogas uma das principais causas de encarceramento.
O sistema de justiça criminal também desempenha um papel fundamental na perpetuação das desigualdades. O racismo estrutural está presente na forma como a lei é aplicada, com jovens negros sendo presos por tráfico em proporções muito maiores do que jovens brancos. Como aponta Moura, "o sistema penal brasileiro utiliza o tráfico de drogas como uma ferramenta de repressão seletiva, criminalizando principalmente os jovens negros e pobres" (MOURA, 2022, p. 519). Essa seletividade é evidente nos dados de encarceramento, que mostram que a maioria dos presos por tráfico de drogas é composta por negros.
Outro aspecto importante das políticas de segurança pública no Brasil é a forma como elas contribuem para a formação de "territórios de exclusão". Moura argumenta que "as práticas de segurança pública, ao invés de protegerem os direitos dos cidadãos, acabam criando zonas de exceção, onde as populações periféricas vivem em constante estado de vigilância e repressão" (MOURA, 2022, p. 514). Nessas áreas, os direitos civis são frequentemente violados, e a violência policial é justificada pelo discurso de combate ao tráfico de drogas.
No mesmo sentido, Campos (2015) corrobora essa análise ao afirmar que "embora o tráfico de drogas ocorra em todas as partes da cidade, as operações policiais são concentradas nas periferias, onde a pobreza e a exclusão social tornam a população um alvo fácil para a repressão" (CAMPOS, 2015, p. 135).
Isto é, essa repressão seletiva cria um ciclo de criminalização, onde os jovens das periferias são rotineiramente presos por tráfico de drogas, enquanto os usuários de classe média e alta são tratados de maneira mais branda pelo sistema de justiça.
Ainda, essa abordagem repressiva também gera um efeito contrário ao pretendido. Em vez de reduzir o tráfico de drogas, as políticas de segurança pública acabam fortalecendo o poder das facções criminosas, que se aproveitam da repressão para consolidar seu controle sobre as comunidades periféricas. "A repressão ao tráfico, ao invés de desmantelar as organizações criminosas, acaba por fortalecer sua atuação, já que o caos e a violência criados pela intervenção estatal facilitam a expansão das atividades ilegais" (SPOSATO, 2019, p. 311). Esse ciclo de violência e repressão perpetua a exclusão social e a marginalização das comunidades.
Por outro lado, a falta de investimentos em políticas sociais e na educação contribui para a manutenção desse ciclo de exclusão. Sem alternativas reais para os jovens das periferias, o tráfico de drogas continua a ser uma das poucas opções de sobrevivência. Como Moura aponta, "a ausência de políticas públicas eficazes nas áreas de educação, emprego e inclusão social cria um terreno fértil para o crescimento do tráfico de drogas" (MOURA, 2022, p. 515). Assim, as políticas de segurança pública falham em atacar as causas estruturais do tráfico, focando apenas na repressão.
A pesquisa de Campos (2015) revela que as operações policiais voltadas para o combate ao tráfico de drogas nas favelas não têm impacto significativo na redução da violência ou do tráfico. "Embora a repressão ao tráfico de drogas nas favelas seja intensa, os índices de criminalidade nessas áreas continuam altos, mostrando que as políticas de segurança pública falham em alcançar seus objetivos" (CAMPOS, 2015, p. 145). Isso sugere que as políticas de segurança atuais, baseadas na repressão, são ineficazes na redução do tráfico de drogas e da violência.
Nesse sentido, é essencial repensar as políticas de segurança pública no Brasil. "A segurança pública no Brasil precisa ser reformulada para incluir uma abordagem mais inclusiva, que priorize a educação, o emprego e o desenvolvimento social como ferramentas para a prevenção da criminalidade" (MOURA, 2022, p. 525). Ao invés de focar exclusivamente na repressão, é necessário investir em políticas que ofereçam alternativas reais para os jovens das periferias, atacando as causas estruturais que levam ao envolvimento com o tráfico de drogas.
Conclui-se que as políticas de segurança pública no Brasil, focadas na repressão e militarização das periferias, têm falhado em reduzir a violência e o tráfico de drogas. Ao invés de oferecer segurança e proteção às comunidades vulneráveis, essas políticas reforçam a criminalização e a exclusão social, atingindo desproporcionalmente as populações negras e periféricas. Conforme evidenciado, a militarização das favelas e o superpoliciamento das áreas pobres criam territórios de exceção, onde os direitos civis são rotineiramente violados e a violência estatal é justificada sob o discurso de combate ao tráfico.
A abordagem repressiva do Estado tem gerado efeitos opostos ao que se pretende. As facções criminosas se fortalecem com o caos gerado pelas operações policiais, consolidando seu controle sobre as comunidades. Enquanto isso, a ausência de investimentos em políticas sociais e educacionais impede que os jovens das periferias tenham alternativas reais ao tráfico de drogas, perpetuando o ciclo de criminalização e marginalização.
É imperativo, portanto, repensar as políticas públicas de segurança no Brasil. Como argumenta Moura, "a verdadeira segurança só será alcançada quando o Estado investir em políticas de inclusão social que ofereçam oportunidades de educação, emprego e dignidade às populações marginalizadas" (MOURA, 2022, p. 530). Somente assim será possível romper o ciclo de exclusão e violência que caracteriza as políticas de segurança pública no Brasil e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Capítulo 5: Alternativas às Políticas de Drogas no Brasil
Diante da evidente falência das políticas de repressão ao tráfico de drogas no Brasil, cresce o debate sobre alternativas mais eficazes e humanas para lidar com o problema.
O modelo de guerra às drogas, adotado tanto no Brasil quanto em outros países, tem se mostrado incapaz de reduzir o tráfico e o consumo de drogas, ao mesmo tempo que perpetua a exclusão social e o encarceramento em massa de jovens negros e pobres.
Este capítulo discute algumas das alternativas às políticas repressivas, com foco em propostas de descriminalização, legalização e políticas de inclusão social que buscam enfrentar as causas subjacentes do tráfico de drogas, promovendo justiça social e igualdade.
Uma das alternativas mais discutidas no cenário internacional é a descriminalização do uso de drogas, que visa retirar o foco da repressão ao usuário e direcionar as ações estatais para o tratamento de dependentes químicos. Países como Portugal e Uruguai têm adotado políticas de descriminalização com resultados positivos.
No Brasil, essa medida poderia "reduzir significativamente o número de prisões por pequenos delitos e combater o estigma que criminaliza principalmente jovens negros" (CAMPOS, 2015, p. 98).
A descriminalização também permite que o sistema de justiça penal se concentre em crimes mais graves, em vez de sobrecarregar-se com casos de posse de pequenas quantidades de drogas.
Além disso, a legalização e regulamentação de certas drogas, como a maconha, tem sido uma alternativa adotada por vários países e estados nos Estados Unidos, com resultados promissores. "A legalização possibilita o controle estatal sobre a produção e distribuição de drogas, reduzindo o poder das facções criminosas e gerando receitas fiscais que podem ser revertidas para políticas sociais" (SPOSATO, 2019, p. 157).
Contudo, para que essa medida seja eficaz no Brasil, é necessário que ela seja acompanhada de políticas que promovam a inclusão social, garantindo que os benefícios da legalização não sejam concentrados apenas nas elites econômicas.
As políticas de redução de danos também se destacam como uma abordagem eficaz para lidar com o uso de drogas de forma mais humanizada e menos punitiva. "A implementação de políticas de redução de danos, como a oferta de seringas limpas e espaços seguros para o consumo, tem reduzido as taxas de mortalidade e de transmissão de doenças entre usuários" (CAMPOS, 2015, p. 76). Essas políticas têm se mostrado mais eficazes do que a repressão, pois tratam o uso de drogas como uma questão de saúde pública, e não como um problema criminal.
Outra medida necessária é o fortalecimento das políticas de inclusão social. Como Moura destaca, "o combate ao tráfico de drogas passa necessariamente pela oferta de oportunidades de educação e emprego para os jovens das periferias" (MOURA, 2022, p. 515). Sem alternativas reais para esses jovens, o tráfico de drogas continuará sendo uma das poucas opções de sobrevivência nas favelas e periferias urbanas. Investir em políticas que promovam a inclusão desses jovens no mercado de trabalho e na educação é fundamental para romper o ciclo de exclusão que alimenta o tráfico.
Além disso, é crucial que o Brasil reformule suas políticas de encarceramento. A descriminalização do uso de drogas é um passo importante para reduzir o encarceramento em massa, mas também é necessário revisar as penas para os pequenos traficantes. "A aplicação desproporcional de penas severas para o tráfico de drogas tem resultado na superlotação das prisões, sem que haja uma redução efetiva no tráfico" (SPOSATO, 2019, p. 163). A adoção de penas alternativas, como a prestação de serviços comunitários, pode ser uma forma mais eficaz de lidar com pequenos delitos relacionados ao tráfico.
Por fim, é essencial que o Brasil adote uma política de segurança pública que priorize a prevenção e o desenvolvimento social, em vez da repressão. Moura observa que "a verdadeira segurança só pode ser alcançada através da inclusão social e do respeito aos direitos humanos" (MOURA, 2022, p. 530). Em vez de militarizar as favelas e tratar o tráfico de drogas como uma questão puramente criminal, é necessário que o Estado invista em políticas que abordem as causas estruturais da violência, como a pobreza e a desigualdade.
Para concluir, as alternativas às políticas repressivas de drogas no Brasil são essenciais para romper o ciclo de criminalização e exclusão social que tem afetado desproporcionalmente as populações negras e periféricas. A descriminalização, a legalização e as políticas de redução de danos são passos importantes para enfrentar o problema de forma mais justa e inclusiva. No entanto, essas medidas só terão sucesso se forem acompanhadas de um esforço contínuo para investir em políticas de inclusão social e de reforma do sistema de justiça criminal.
Como argumenta Campos, "a mudança no paradigma das políticas de drogas no Brasil não pode ser limitada à descriminalização; é necessário um esforço coordenado para atacar as causas estruturais da desigualdade e da exclusão social" (CAMPOS, 2015, p. 114). Apenas através de uma abordagem abrangente que inclua reformas sociais, educacionais e econômicas será possível romper o ciclo de criminalização e oferecer oportunidades reais para as populações mais vulneráveis.
Considerações Finais
O presente trabalho buscou analisar as políticas públicas de segurança no Brasil e suas interações com o tráfico de drogas, com foco nas dinâmicas de exclusão social e racial que perpetuam a marginalização de jovens negros e pobres. Desde a implementação da Lei nº 11.343/2006, observa-se um endurecimento das penas para o tráfico de drogas e uma crescente criminalização das populações mais vulneráveis. A análise revelou que, longe de reduzir o tráfico e promover segurança, essas políticas têm reforçado o encarceramento em massa e a violência nas periferias urbanas.
Ao longo dos capítulos, diversos aspectos foram discutidos. No Capítulo 1, explorou-se o impacto da Lei de Drogas de 2006, que, ao mesmo tempo em que descriminalizou o uso pessoal de drogas, endureceu as penas para o tráfico, resultando no aumento da população carcerária, especialmente de jovens negros. A ausência de critérios claros para diferenciar usuários de pequenos traficantes contribuiu para a aplicação seletiva da lei, criminalizando desproporcionalmente as populações periféricas.
No Capítulo 2, destacou-se como o racismo estrutural molda a forma como a lei é aplicada no Brasil, com negros sendo presos em taxas muito maiores do que brancos, apesar das similaridades nos crimes cometidos. O encarceramento em massa de jovens negros e pobres, sob a justificativa da guerra às drogas, reflete um sistema de justiça que utiliza o tráfico como ferramenta de controle social. O impacto desse racismo institucional foi aprofundado ao longo do trabalho, evidenciando que a seletividade racial está no centro das políticas de segurança pública no Brasil.
Já no Capítulo 3, analisou-se a relação entre exclusão social e tráfico de drogas. Mostrou-se que, para muitos jovens das periferias, o tráfico não é uma escolha, mas uma necessidade imposta pela falta de oportunidades econômicas e sociais. A criminalização dessas populações, no entanto, perpetua um ciclo de pobreza e marginalização, ao invés de oferecer alternativas reais. Essa dinâmica revela a falha das políticas de repressão em lidar com as causas estruturais do envolvimento no tráfico de drogas.
O Capítulo 4 aprofundou a crítica às políticas de segurança pública, focando na militarização das favelas e no superpoliciamento das áreas pobres. Essas políticas não apenas falham em garantir a segurança, mas também reforçam a exclusão social ao transformar as periferias em "zonas de exceção", onde os direitos fundamentais são frequentemente violados em nome da repressão ao tráfico de drogas. A violência policial, associada à ausência de investimentos em políticas sociais, fortalece as facções criminosas, que utilizam o caos gerado pela intervenção estatal para expandir suas atividades.
No Capítulo 5, discutiram-se alternativas às políticas repressivas, como a descriminalização, a legalização e as políticas de redução de danos. A descriminalização do uso pessoal de drogas e a legalização de substâncias como a maconha poderiam reduzir o encarceramento em massa e enfraquecer o poder das facções criminosas. No entanto, essas medidas precisam ser acompanhadas de políticas de inclusão social que ofereçam educação, emprego e oportunidades reais para os jovens das periferias. Sem esse enfoque, as medidas de descriminalização ou legalização correm o risco de beneficiar apenas as elites, sem enfrentar as causas estruturais do tráfico.
As principais conclusões deste estudo apontam para a ineficácia das políticas de repressão ao tráfico de drogas no Brasil. O modelo punitivo da guerra às drogas tem falhado em seus objetivos principais, que seriam a redução do tráfico e da violência. Ao invés disso, ele tem promovido a exclusão social e o encarceramento em massa de populações marginalizadas, especialmente jovens negros. O racismo estrutural permeia todas as etapas dessas políticas, desde a atuação policial até as decisões judiciais, reforçando as desigualdades que já existem no país.
A contribuição deste estudo reside na crítica às políticas repressivas e na necessidade de uma reformulação profunda das políticas de segurança pública e de drogas no Brasil. A análise revela que o tráfico de drogas não é apenas uma questão criminal, mas um reflexo das desigualdades sociais e econômicas que estruturam a sociedade brasileira. Sem enfrentar essas desigualdades, qualquer política voltada exclusivamente para a repressão estará fadada ao fracasso.
Por fim, este trabalho sugere que futuras pesquisas devam focar na implementação de políticas de inclusão social e redução de danos, além de investigar modelos alternativos de combate ao tráfico de drogas que tenham como base a justiça social. O Brasil precisa urgentemente repensar sua abordagem em relação às drogas e à segurança pública, adotando políticas que priorizem a educação, o emprego e os direitos humanos.
Assim, somente com uma mudança estrutural, que inclua reformas sociais e jurídicas, será possível romper o ciclo de exclusão e marginalização que afeta as comunidades periféricas e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
REFERÊNCIAS
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