O positivismo jurídico – uma resenha crítica de Norberto Bobbio e suas obras

30/09/2024 às 11:45
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RESUMO

Introdução: O Positivismo Jurídico é uma doutrina que remonta à dicotomia entre Direito Natural e o Direito Positivo, sendo este o Direito imposto pelo Estado sobre os homens e aquele um Direito metafísico, que vem – de acordo com diversos autores da Igreja Católica, de Aristóteles e demais autores – como um Direito que se alcança por meio de Deus ou da razão. Dessa forma, vê-se que o tema ainda é atual, com autores como Kelsen, Hart, e Bobbio, o autor do qual se falará no presente artigo, que influencia o ordenamento jurídico e a sociedade na contemporaneidade. Objetivos: Realizar-se-á uma análise das obras do autor Norberto Bobbio a fim efetuar uma revisão do Positivismo Jurídico, a história e doutrina desta filosofia – com o fito de analisar-se axiologicamente, historicamente e sistematicamente, nos termos do eminente professor italiano de filosofia do Direito e filosofia política, como o positivismo jurídico influencia, ainda (apesar do pós-positivismo jurídico em vigor) as ideias do ordenamento jurídico nacional. Metodologia: O método de pesquisa se baseia na revisão de literatura utilizando os ensaios e obras de Norberto Bobbio, como “O Positivismo Jurídico”, “Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico”. Resultados esperados: É possível dimensionar a influência que o positivismo jurídico, respectivamente, influencia na contemporaneidade, e analisar as influências deste no ordenamento jurídico nacional, além de chegar sistematicamente, axiologicamente e historicamente da importância que tal doutrina tem, até hoje, na atualidade – demonstrando, diante disso, como tal filosofia é ainda influente. Considerações finais: Vê-se que o positivismo jurídico, apesar de se considerado ultrapassado pelos acadêmicos (como autores Kelseninanos e positivistas), ainda exerce influência vital nas bases da Teoria Geral do Direito, da Filosofia do Direito, da Sociologia do Direito e da Teoria Geral do Estado – sendo ainda influente no ordenamento jurídico nacional e em suas bases, sendo imprescindível o estudo dos autores Kelsenianos e positivistas, como o eminente jusfilósofo Norberto Bobbio.

Palavras-chave: Positivismo; Bobbio; Jusnaturalismo; Kelsen; Direito.

Sumário: Introdução; 1. A doutrina do positivismo jurídico; 2. A abordagem avalorativa do Direito pelo positivismo jurídico; 3. A função do Direito como coação; 4. A lei como fonte primordial do Direito; 5. A unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico; 5.1 . Coerência. 5.2. A completude do ordenamento jurídico; 5.3. A mecanização da hermenêutica jurídica; Conclusão; Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO:

A dicotomia Direito natural e Direito positivo remonta a um tempo remoto, em que um se contrapõe ao outro. Direito natural é aquele que "[...] tomamos conhecimento por meio da razão, na medida em que deriva da natureza das coisas; o positivo é aquele que tomamos conhecimento por meio da declaração de vontade do legislador." (BOBBIO, 2021, p. 29). Dessa maneira, vê-se que o o direito natural é um direito derivado da natureza, alcançado por via racional, enquanto o direito positivo depende de ser imposto pelo Estado, pelo legislador, sendo promulgado por vias democráticas ou outorgado por meio não democrático. 

Diante da definição que Bobbio dá de Direito natural e Direito positivo, fica-se o questionamento: como diferenciá-los? O eminente jusfilósofo italiano, sem sua obra citada, traz alguns pontos - utilizando autores variados da filosofia, como Aristóteles, Grócio e Glück - trazendo os seguintes pontos:

  1. Direito natural "é a justiça que mantém por toda a parte o mesmo efeito, e não depende do fato de parecer boa ou má a alguém; ao contrário, baseada na lei é a justiça cujas origens não importam nada; só importa como é, depois de ter sido estabelecida."(ARISTÓTELES, p. 144-145). Dessa maneira, o direito natural é válido por toda parte, segundo o Estagirista, enquanto o positivo é válido somente em um determinado ordenamento jurídico;

  2. O Direito natural é imutável no tempo, já o positivo muda conforme aquele. Nos termos de BOBBIO (2021, p. 25): 

"Portanto, enquanto o direito natural é imutável no tempo, o positivo muda (assim como no espaço) também no tempo, na medida em que uma norma pode ser anulada ou modificada seja por costume (costume ab-rogativo), seja por efeito de outra lei."

3. O direito natural é aquele que se conhece racionalmente, enquanto o positivo é pela declaração de vontade do legislador. Para Glück (1.888, p. 61-62): 

"Diz-se direito natural o conjunto de todas as leis que, por meio da razão nos são dadas a conhecer tanto pela natureza quanto por aquelas coisas que a natureza requer como condições e meios de obtenção dos próprios fins [...]. Direito positivo se chama, ao contrário, o conjunto de leis que só se baseiam na vontade declarada de um legislador e que se conhecem precisamente por meio de tal declaração."

Dessa forma, vê-se como é possível diferenciar o direito natural do direito positivo, sendo aquele um direito imutável no tempo e no espaço e conhecido por meio da razão; já o direito positivo é mutável no tempo e no espaço e se conhece pela declaração de vontade do legislador, promulgando normas ou outorgando-as.


 

  1. A DOUTRINA DO POSITIVISMO JURÍDICO

 Os pontos mais imprescindíveis, segundo Bobbio, da doutrina do positivismo jurídico - como uma filosofia do direito - são:

  • Formalismo jurídico;

  •  A coatividade ou coerção do Direito;

  •  A lei como fonte primária do Direito;

  •  A completude, coerência e unicidade do ordenamento jurídico;

  •  A mecanização da hermenêutica jurídica.


    2. Abordagem avalorativa do Direito pelo Positivismo Jurídico

Quando se fala em positivismo jurídico, tem-se em mente uma carga avalorativa do direito ou não axiológica, ou seja, o positivismo jurídico - por sua metodologia pura - não faz juízos de valor sobre o seu objeto gnoseológico, descrevendo apenas o direito como fato. Para BOBBIO (2021, p. 160-161): 

O positivismo jurídico, assim, representa o estudo do direito como fato, não como valor: na definição do direito deve ser excluída toda qualificação que se fundamente em juízo de valor e comporte a distinção do próprio direito em bom e mau, justo e injusto.

Deve-se atentar, portanto, na diferença trazida pelo filósofo italiano acerca da validade e do valor do direito. Pontes de Miranda, eminente jurista brasileiro, afirma que todo ato jurídico, inclusive o direito e suas normas, se dividem em três partes - estes degraus da chamada Escada Ponteana:

  • Vigência: significa dizer que uma norma existe no ordenamento jurídico, sendo simplesmente existente ao passar pelo processo legislativo;

  • Validade: diz-se que uma norma é válida no ordenamento que ela é tem validade no ordenamento, que existe e é válida;

  • Eficácia: eficácia diz respeito à norma gerar seus devidos efeitos jurídicos na realidade factual.

 Diante da exposição, o jurista italiano afirma: 

"[...] dizer que uma norma jurídica é válida significa dizer que faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente em uma dada sociedade [...]. Dizer que uma norma é jurídica é valiosa ou justa, significa dizer que corresponde ao direito ideal." (BOBBIO, 2021, p. 161)

 Então, o positivismo jurídico adota uma posição de neutralidade perante à justiça ou não de uma norma jurídica, considerando o ordenamento jurídico apenas como um fato a fim de estudá-lo estruturalmente.


  1. A Função do Direito como coação

Como diz REALE (2010, p. 46-47): "[...] a Moral é incoercível e o Direito é coercível. O que distingue o Direito da Moral, portanto, é a coercibilidade." Aponta o filósofo do Direito brasileiro que o Direito é coercitivo, conquanto este elemento tem a função de assegurar a eficácia da norma jurídica. Para Kelsen, a coerção nada mais é do que um meio com o qual se assegura que a norma tenha sua eficácia no mundo factual, ou seja, com o fito de ser cumprida. 

Sem o elemento coerção, inerente ao próprio Direito e ao Estado, para o positivismo jurídico o Direito perde sua função primordial: a regulação da vida em sociedade por meio do uso da força de maneira legítima. Para KELSEN (1945, p. 194): "O Estado é uma organização política porque é um ordenamento que regula o uso da força e porque monopoliza o uso da força".


  1. A Lei como fonte primordial do Direito

Primeiramente, deve-se definir o que é fonte do direito. Fontes do Direito "são fontes do Direito os fatos ou os atos que determinado ordenamento jurídico atribui propriedade ou a capacidade de produzir normas jurídicas" (BOBBIO, 2021, p. 190).

Dessa forma, são fontes do Direito atos ou fatos de um ordenamento jurídico de onde emanam as normas jurídicas, seus meios de criação. Para o positivismo jurídico, a Lei é a fonte primordial do Direito.


  1. A unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico

O ordenamento jurídico é uno, a primeira característica apontas por Kelsen em sua Teoria Pura do Direito. A grande questão é: o que fundamenta ou legitima as normas de um ordenamento jurídico? Para o pensador positivista da Teoria Pura, é a norma hipotética fundamental. Diante disso, nem todas as normas estão no mesmo plano, sendo consideradas hierárquicas entre si (a título de exemplo: normas constitucionais estão num plano superior às normas ordinárias e complementares, no ordenamento jurídico brasileiro). Dessa forma, afirma BOBBIO (2010, p. 211-212):

Partindo das normas inferiores e passando por aquelas que estão mais acima, chega-se por último a uma norma suprema,que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma supre é a norma fundamental [...]. A norma fundamental é o termo unificador das normas que compões um ordenamento jurídico.

Diante do exposto, vê-se que para o positivismo jurídico, a norma hipotética fundamental (uma teoria Kelseniana), é o que une todas as normas de um ordenamento jurídico, visto que ela é quem dá legitimidade para a ciração legislativa das demais normas.

5.1 Coerência

O ordenamento jurídico não tolera antinomias, ou seja, normas incompatíveis entre si. Afirma BOBBIO (2010, p. 239): "um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem coexistir normas incompatíveis." 

Dessa maneira, um sistema jurídico não tolera as chamadas antinomias, porquanto aquele é uno e deve ser coerente (inclusive, o Direito Brasileiro adota esta teoria, todavia não há antinomias reais, mas apenas conflito aparente entre normas).

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5.2 Completude do ordenamento jurídico

O ordenamento jurídico não tolera, para o positivismo jurídico, lacunas no Direito. Dessa forma, "Por 'completude' entende-se a propriedade pela qual cada ordenamento jurídico tem uma norma para regular cada caso" (BOBBIO, 2010, p. 271).

 O Direito não tolera lacunas, mas se houver, resolve-se por meio de outras fontes do Direito, que são: costume, analogia, jurisprudência e princípios gerais do Direito - se não houver uma lei para regular o caso concreto em questão.

5.3 A mecanização da hermenêutica jurídica

"[...] o positivismo jurídico concebe a atividade da jurisprudência como voltada não para produzir, mas para reproduzir o Direito (BOBBIO, 2021, p. 248)." Dessa forma, o positivismo jurídico, com o primado da Lei como fonte principal do Direito. "[...] considera tarefa da jurisprudência não a criação, mas a interpretação do Direito (BOBBIO, 2021, p. 248)."

O positivismo jurídico, como filosofia e hermenêutica que limita a criação  jurisdicional do Direito, não tolera que o judiciário - como a filosofia pós-positivista e realista, lideradas por Alexy, Dworkin e a última por Ross - crie as normas, mas apenas as aplique. porquanto não é função do judiciário, segundo a tripartição do poder de Monstesquieu, criar as leis, mas sim do legislativo. A jurisdição, para Kelsen e Bobbio, deve ser apenas interpretar e aplicar normas com suas respectivas sanções - o que aplicado no Brasil teria muita eficácia, visto que o neoconstitucionalismo impulsiona uma função interpretativa que, para Samuel Salles Fonteles, é considerada "iluminista" e, para o presente autor do artigo, má para a jurisdição constitucional brasileira.


CONCLUSÃO

Vê-se, portanto, que o positivismo jurídico é uma importante corrente filosófica e jurídica influente até a contemporaneidade no Brasil e no mundo. Dessa forma, autores como Bobbio e Kelsen devem, sim, serem revisitados e suas ideias aplicadas aos ordenamentos jurídicos mundiais, como são aplicados até a atualidade, porquanto foi uma das correntes mais influentes dos ordenamentos jurídicos internacionais e nacional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, N. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 1 ed. São Paulo: EDIPRO, 8 de dezembro de 2021.

BOBBIO, N. Teoria Geral do Direito. 3 ed. São Paulo: MARTINS FONTES, 2010.

REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo: EDITORA SARAIVA, 2002

BOBBIO, N. ESTADO, GOVERNO, SOCIEDADE: Fragmentos de um dicionário político. 25 ed. Rio de Janeiro: PAZ E TERRA, 2021.

Sobre o autor
Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito UNIFAGOC︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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