Arbitragem, seus elementos, sua análise no direito comparado e na Justiça do trabalho, no Brasil

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09/07/2024 às 16:07
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Como o escopo principal dessa tese é a aplicação da arbitragem nas relações de trabalho de caráter individual, o conhecimento do tema se faz necessário, diante disso o instituto da arbitragem, com a origem no latim lat arbitrare, em que essência busca trazer à tona a vontade das partes na possibilidade de escolha do procedimento que pretendem utilizar para resolver o conflito apresentado, em que nada mais é do que o respeito a autonomia da vontade, tal como o respeito a própria natureza do referido conteúdo, que é a privada.

Arbitragem, conforme o entendimento dessa tese, é uma escolha livre das partes, para que decidam os procedimentos, para o caso específico, a fim de encontrarem uma maneira de solução, em caso de descumprimento do que foi acertado, de maneira mais justa e nada melhor, neste momento, do que a preferência de um terceiro, imparcial, especialista, que irá apresentar a solução mais justa, de forma privada.

A doutrina é rica no conceito da arbitragem, em que nada mais é do que o método privado de soluções de litígios consensualmente partes, que delegam a um terceiro ou a um colegiado o poder de decidir a controvérsia (YOSHIDA, 2021).

Elucida sobre o tema que a arbitragem é mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes. Essa característica impositiva da solução arbitral (meio heterocompositivo de solução de controvérsias) a distância da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de solução de litígios, não existindo decisão a ser imposta às partes pelo mediador ou pelo conciliador, que sempre estarão limitados à mera sugestão, que não vincula as partes (CARMONA, 2009).

Nesta perspectiva de pensamento, por sua vez, representa forma de heterocomposição do conflito, pois o terceiro, expert e imparcial (árbitro), por sua convenção privada das partes envolvidas, decide o conflito e não o Estado-juiz (SCHMIDT, 2021).

Validando os conceitos acima descritos, é uma forma adequada de solução de conflitos, instituída pela autonomia da vontade das partes mediante cláusula contratual ou compromisso arbitral, na qual delegam à arbitro de livre escolha e confiança, a resolução das controvérsias envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis (DIAS, 2017).

Saliente-se que o ponto original para este tópico, como fase inicial da arbitragem, é a tentativa da conciliação, em que indubitavelmente é a melhor forma de solução da altercação, haja vista, que ambas as partes renunciam a alguns direitos até chegar àcomposição do litígio (PRETTI, 2018).

É, a arbitragem, instituto privado e alternativo de solução de conflitos, referente aos direitos patrimoniais e disponíveis, tratados pelo árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral (SCAVONE, 2020).

Do ponto de vista trabalhista, a arbitragem é meioidealpara a solução dos antagonismos que acontece pelo ingresso de um terceiro imparcial (árbitro), previamente escolhido pelas partes, que irá solucionar o conflito de forma definitiva. A arbitragem é considerada um meio alternativo de solução do conflito, pois o árbitro não pertence ao Estado (SCHIAVI, 2019).

Diante de todos os problemas enfrentados no Poder Judiciário, como v.g. demora no julgamento, vale consignar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2002, p. 18), no Relatório intitulado Justicia Laboral y Medios Alternativos de Solución de Conflictos Colectivos e Individuales del Trabajo, defende a promoção da modernização nos modelos de resolução dos conflitos, senão vejamos: 

“Os países da região devem trabalhar de forma unívoca na modernização das formas de resolver as situações de conflito que ocorrem no campo das relações de trabalho, admitindo que esses eventos não devem ser considerados como eventos não relacionados ao mundo do trabalho, mas expressões de seus conteúdos. Isso pressupõe uma visão positiva do conflito e admitindo que o seu desencadeamento não deve ser motivo de rejeição, repressão ou dissimulação, mas de aplicação de um critério positivo de superação.” (OIT, 2002, p. 18) 

Existem lições positivas encontradas no direito comparado com a finalidade de retirar o estigma que ainda paira sobre os reais benefícios alcançados pela utilização deste método alternativo para resolução de conflitos, com destaque propriamente para a funcionalidade e celeridade.

Acerca do direito comparado, na Espanha, a Ley de Arbitraje (Lei n.º 36, de 05 de dezembro de 1998) reestruturou substancialmente o processo arbitral, anteriormente concebido pela legislação promulgada no ano de 1953. Especifica a Lei espanhola, contudo, que determinadas matérias não poderão ser dirimidas no âmbito da arbitragem, dentre elas: a) as questões resolvidas por decisão judicial definitiva; b) os direitos indisponíveis; c) as demandas ressalvadas por Lei em que o Ministério Público deva intervir na representação e defesa daqueles que não podem atuar por si mesmos, por carência de capacidade de exercício ou representação; e, d) as arbitragens laborais regidas por leis próprias.

Para as questões decorrentes do Direito do Trabalho, o sistema jurídico espanhol possui Lei específicas sobre a arbitragem, dentre elas: o Real Decreto-Lei n.º17, de 04 de março de 1977; o Real Decreto-Lei n.º2.756, de 23 de novembro de 1979; a Lei n.º50, de 30 de dezembro de 1984 e o Real Decreto-Lei n.º530, de 08 de abril de 1985, assegurando seu cabimento em questões trabalhistas (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999).

A Lei de Arbitragem espanhola eliminou a distinção entre cláusula compromissória e compromisso arbitral, instituindo o convênio arbitral, com idêntica finalidade e com os árbitros podendo decidir por equidade, salvo se as partes optarem expressamente pela arbitragem de direito (ALVIM, 2001).

Na Itália, o Decreto Legislativo n.º 40, de 02 de fevereiro de 2006, regula o processo arbitral, admitindo, como anteriormente dito, a estipulação da cláusula compromissória e do compromisso arbitral. Os árbitros deverão decidir segundo a normas de direito, salvo se as partes os autorizarem a sentenciar de acordo com a equidade; a competência da corte arbitral não é excluída pela conexão entre a controvérsia submetida a seu julgamento e uma causa pendente em juízo; foi eliminada a necessidade de homologação da sentença arbitral pelo juiz togado; a execução do laudo arbitral deverá ser realizada pelo Poder Judiciário, mediante o seu depósito, em juízo, juntamente com o ato da convenção arbitral; e o árbitro não está autorizado a decretar medidas cautelares.

A Lei de Arbitragem italiana foi submetida ao exame da Corte Constitucional, tendo sido declarada, tão-somente, ilegítima a imposição da arbitragem obrigatória.

Ocorre que na França, modelo adotado pela República Brasileira, também é previsto o ajustamento de cláusula compromissória e compromisso arbitral.O procedimento arbitral é estabelecido pelos árbitros que não precisam seguir as regras estabelecidas para os tribunais jurisdicionais, salvo se as partes tiverem decidido de outra forma na convenção de arbitragem; o litígio deve ser resolvido de acordo com as normas de direito e a decisão motivada; a sentença arbitral tem, desde a sua prolação, autoridade de coisa julgada, porém, não é suscetível de execução forçada senão em virtude de exequatur (ordem de execução), emanado por tribunal jurisdicional; e, a sentença arbitral não é suscetível de recurso de cassação, podendo, entretanto, ser objeto de impugnação por vício na arbitragem, dentre outros aspectos (ALVIM, 2001).

Na Alemanha, o sistema arbitral é regulado pelo Código de Processo Civil (arts. 1.025 a 1.066, ZPO – Zivilprozessordnung), o qual poderá ser definido pelas partes – seja na cláusula compromissória, seja no compromisso arbitral – ou, na omissão ou inexistência de acordo entre os particulares, ser livremente determinado pelos árbitros. Havendo necessidade de práticas coercitivas de determinados atos, a execução será requerida ao Estado-Juiz, lembra o estilo da arbitragem brasileira (art. 1.041, do ZPO).

Já o instituto jurídico da arbitragem nos Estados Unidos da América é fundamentalmente regulado pela Uniform Arbitration Act – UAA (Ato Uniforme de Arbitragem), promulgada em 12 de fevereiro de 1925, servindo como orientação e principal norte à legislação federal conhecida oficialmente como U.S. Arbitration Act – USAA ou, notoriamente, Federal Arbitration Act - FAA21. Posteriormente, foram incorporadas, em 31 de julho de 1970, no texto da referida legislação federal, as disposições da Convenção de Nova York, promulgada em 1958 pela ONU, no tocante ao reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira. Em termos gerais, a referida legislação tem por finalidade validar os acordos de arbitragem e fornecer as salvaguardas necessárias à sua consecução, mormente quando for indispensável a assistência judicial. A Supreme Court americana dá efetivo suporte ao uso deste sistema, tanto é que, no ano de 1996, no julgamento do leading-case Doctor’s Associates versus Cassarotto, definiu que as leislimitadoras do cumprimento de cláusulas arbitrais são consideradas inválidas (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999).

Ainda sobre os EUA, de forma segura, pode-se dizer que a arbitragem trabalhista aumenta o acesso à justiça e tem uma leve tendência a melhorar o resultado da solução dos litígios para os empregados. Nos Estados Unidos o tempo médio de resolução dos conflitos no ano de 2005 na AAA (American Arbitration Association) foi de pouco mais de um ano, menos da metade do tempo médio para a resolução das lides trabalhistas no Judiciário americano. Outro estudo aponta que casos envolvendo discriminação no ambiente do trabalho apresentaram índice de 14,9% de êxito no Judiciário, muito inferior ao índice de 63% obtido na arbitragem em casos similares (PADIS, 2013).

Apenas como paralelo, numa visão americana, a arbitragem é um complemento de um sistema de negociação que foi moldado pela compulsão da Lei. Além disso, tanto os tribunais nacionais quanto as legislaturas estaduais endossaram a arbitragem; na verdade, os tribunais tinham colocado seu poder coercitivo através de sentenças de arbitragem muito antes da Trilogia dos Trabalhadores do Aço tornarem a arbitragem a queridinha da política nacional de trabalho (tradução livre, MELTZER, 1967)[1].

Neste ponto, nos Estados Unidos, no ano de 2005, foi registrado como tempo médio de um ano, para resolução de conflitos entre empregados e empregadores(AMARAL, 2018).

Nos últimos anos, a Suprema Corte dos Estados Unidos proferiu uma série de decisões de grande importância para o processo de arbitragem de disputas trabalhistas. Alguns têm se preocupado com problemas de arbitrabilidade ou autoridade arbitral; outros com a disponibilidade e exclusividade do processo arbitral visavis recursos judiciais alternativos para o descumprimento do contrato de trabalho; e ainda outros com o efeito de uma violação de obrigação por uma das partes do acordo de trabalho sobre as obrigações da outra parte. Propõe-se analisar essas decisões, para tentar categorizar os diferentes tipos de contestações à jurisdição ou autoridade arbitral que podem ser feitas, e avaliar, na medida em que isso possa ser feito, a importância das decisões do tribunal para o processo de arbitragam. Em certo sentido, estare-se-á lidando com a extensão em que, nos termos da legislação federal em desenvolvimento, a revisão judicial do processo de arbitragem está disponível (tradução livre, JONES, 1965)[2].

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Na Grã-Bretanha, por exemplo, existe uma certa obrigatoriedade moral na utilização da arbitragem para solucionar conflitos entre sindicatos e empregadores, enquanto, na Nova Zelândia a obrigatoriedade é legal (LORENTZ, 2002, p. 39-45).

No México, as liças trabalhistas, por previsão constitucional, são submetidas a uma junta de conciliação e arbitragem, a qual é composta por representantes dos empregados e empregadores e do governo. Caso a sentença arbitral proferida pela junta não seja cumprida, o contrato será considerado extinto e caberá à parte a obrigação de pagar uma indenização (DISSENHA, 2007, p. 190).

No Japão, no dia primeiro de março de 2004, através da Lei n.º 138/2003, traz a possibilidade de arbitragem de Dissídios individuais trabalhistas e, também, coletivos(YOSHIDA, 2021).

No entanto, uma compreensão realista da arbitragem trabalhista é importante. Isso ajuda a definir uma agenda crível para o arranjo, porque faz lembrar que os sistemas de resolução de disputas podem desempenhar um papel limitado em afetar os relacionamentos que são moldados por poderosas forças econômicas e sociais. Em todas as relações de trabalho há uma tendência a exagerar na importância da adjudicação. Aqueles que elaboram as regras e administram o processo são os que têm a maior probabilidade de descrever seu trabalho e exagerar seu significado. Seus papéis são mais fáceis de estudar para juristas e cientistas políticos, do que os intrincados processos de organização sindical, negociação de contratos e resolução de queixas. Isso dá maior destaque ao papel dos tomadores de decisão e ajuda a criar um corpo de opinião parcialmente informada, concentrando-se em uma parte de um processo complexo. A arbitragem trabalhista tem sido particularmente vulnerável a este problema. Grande parte dos escritos que descrevem e avaliam isso, são profissionais cujos egos estão entrelaçados com o sucesso do processo. Além disso, grupos de prestígio como a American Arbitration Association e a National Academy of Arbitration, por meio de suas publicações, conferências e relatórios, atuaram como defensores da arbitragem. A literatura deles sugeriu que existe uma linha clara entre arbitragem e adjudicação; também sugeriu que a arbitragem trabalhista teve mais sucesso em alcançar a paz industrial do que qualquer investigação cuidadosa sugere. Ao reivindicar o sucesso da arbitragem trabalhista, estes grupos tendem anegligenciar ou minimizar a importância crucial da organização sindical e do contexto da negociação coletiva (tradução livre, GETMANT, 1979)[3].

A partir do estudo das regras de arbitragens nos países acima mencionados, cumpre salientar que a cláusula de ambiguidade ou contradição, não poderá se prevalecer, devendo existir uma atitude de boa-fé (BOISSÉSON, 1990, p.70). Deverá ser feita a interpretação pró-validade da cláusula arbitral, que é o princípio auxiliar dos demais princípios, mas que não deve ser aplicado de forma isolada, pois deve-se atentar a intenção das partes, acerca da arbitragem (FOUCHARD, 1996, p.283). Ficam livres às partes para estabelecer a melhor solução do conflito, mas sempre com a regra da boa-fé (o que aqui no Brasil significa poder utilizar os fundamentos do CPC), mas sempre com a tutela estatal, para efetividade do termo ou pedido de nulidade dele, fato este que no capítulo 3, defende-se a ideia de amplitude dos poderes do árbitro.

Acerca da necessidade de homologação do laudo arbitral doméstico, como era exigido, por sua vez, destruía as vantagens clássicas da arbitragem: o custo do processo acabava acrescido das despesas ocorridas com a demanda perante o Poder Judiciário; a celeridade esperada para a solução do litígio ficava comprometida, pois, apesar da simplicidade aparente do procedimento homologatório então vigente, a sentença proferida pelo juiz togado - oficializando ou não o laudo- desafiava o recurso de apelação, que por sua vez, poderia abrir as portas ao recurso especial e (ou) ao recurso extraordinário; por derradeiro, o sigilo, que estimula a solução arbitral de conflitos, ficava prejudicado, já que a publicidade do processo estatal não preservava o segredo que as partes desejam manter acerca de sua desavença e relativamente à decisão dada pelo árbitro à questão por ela dirimida (MARCO, 2005).

No Brasil, a arbitragem é disciplinada pela Lei n.º 9.307/1996, cujo art. 1.º dispõe que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (SARAIVA, 2019).

A OIT preconiza o sistema de negociação coletiva, por meio da Convenção n.º 154, de 19/06/1981, que foi ratificada pelo Brasil. O artigo 6º da referida norma prescreve que não violam as disposições do referido convênio os sistemas de relações de trabalho em que a negociação coletiva tenha lugar de acordo com os mecanismos ou de instituições de conciliação ou de arbitragem, ou de ambas de uma vez, em que as partes participem voluntariamente das negociações coletivas (MARTINS, 1999).

Numa interpretação mais ampla e aprofundada, identifica-seque o Código de Processo Civil, fato este que poderá ser aplicado ao processo do trabalho, estimula os mecanismos extrajudiciais de solução dos litígios, inclusive, por intermédio da arbitragem, conforme se extrai da redação do art.3º: 

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§1º É permitida a arbitragem, na forma da Lei. (g.n.)

§2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.(g.n.)

§3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (g.n.) (BRASIL, CPC, 2015).

Pode-se verificar que a previsão acima é aplicável de forma subsidiaria ao direito processual do trabalho, e incentivou a aplicação do instituto na conclusão dos atritos trabalhistas.

Diante da permissão da utilização da arbitragem, pode-se verificar que são benefícios da ferramenta: a celeridade, o custo baixo, a flexibilidade do procedimento e o sigilo. Aliado a eles, tem-segarantida a imparcialidade dos árbitros, visto que sujeitos às mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz.

O conhecimento e a utilização deste instrumento, no contencioso trabalhista, buscam uma maior celeridade, uma vez que à Justiça do Trabalho encontra-se bastante congestionada, tal qual os demais ramos do judiciário.

Porém, a compulsoriedade da arbitragem não encontra eco no ordenamento, por colidir com o princípio da autonomia da vontade que alicerça o instituto no direito brasileiro. Ademais, considerando os direitos fundamentais albergados pela Constituição Federal de 1988, a lei não pode impor ao cidadão o afastamento da jurisdição, que não pode ser deduzido, imaginado, intuído ou estendido (CARMONA, 2009).

Por conta disso, era preciso que o exercício da liberdade de contratar do indivíduo fosse assegurado de maneira plena, o que levou o STF a considerar que a possibilidade de arbitragem prevista pela Lei n.º 9.307/96 é constitucional desde que limitada às matérias atinentes a direitos patrimoniais disponíveis, como determina a Lei n.º 9.307/96, em seu artigo 1º (TEPEDINO, 2009).

A opção pelas partes pelo uso da arbitragem, afasta a possibilidade de intervenção do Estado, exceto, se estiver evidente alguma nulidade, vez que pautado o instrumento no princípio da legalidade.

Desta feita, o grande debate da arbitragem em conflitos trabalhistas individuais, advém do fato de que boa parte das normas de Direito do Trabalho são de ordem pública e não podem ter sua incidência excluída de aplicação pela vontade das partes, dado seu caráter tutelar e norteador das relações laborais (GOTTSCHALK, 1995).

Importante atentar para o fato de que a atividade do árbitro não pode extrapolar os limites e condições dentro dos quais a arbitragem é admitida, nem se encaixar nas demais hipóteses de controle previstas na lei de arbitragem e na Convenção de Nova Iorque, podendo ser controlada com base na hipótese de ofensa à ordem pública (MEJIAS, 2015, p. 276).

Sua natureza é a de uma cláusula geral, por isso difícil dizer em que ela consiste e como atua. É uma noção proteiforme, impossível de definir (LOQUIN, 2014, p.1). É uma cláusula geral, e por isso de conteúdo indeterminado, cabendo à doutrina e ao juiz integrá-lo e densificá-lo. Enuncia um princípio, o qual expressa valores (CARAMELO, 2013, p. 295).

Entre as normas de ordem pública há uma hierarquia, de forma piramidal: na base, a interna; depois, a internacional; acima, a transnacional (RACINE, 2014, p.30).

A Conferência de Nova Delhi, de 2002, convocada pela International Law Association, fez constar, na Recomendação 1(d): “A international public policy of any State includes: (i) fundamental principles, pertaining to justice or morality, that the States wishes to protect even when it is not directly concerned”. E, na Recomendação 1 (e) deu como exemplo de princípios substantivos fundamentais a proibição do abuso de direito, as regras antitruste, a proibição de corrupção e os princípios de boa-fé (NDC, 2002).

Acerca da análise da arbitragem no âmbito internacional, os preceitos de ordem pública que o Brasil adota em suas relações tem um âmbito mais restritoque o de ordem pública interna, e alcançaria unicamente aqueles princípios imperativos do ordenamento jurídico que devem manter-se no tráfico jurídico com o estrangeiro (LACRUZ, 2011, p.295).

Existe a classificação entre ordem pública técnica e ordem pública fundamental. A primeira seria examinável com flexibilidade. No Brasil, tem-se previsão dessa hipótese na própria lei, conforme previsão do art. 39, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, que exclui da ofensa à ordem pública a citação feita nos moldes da lei processual do país onde a arbitragem se realizou(VIDAL, 2012, p.299).

Vale lembrar a advertência de J. Almoguera (2016), ilustre professor espanhol: 

[…] la acción de abulación no debe ser cauce de princípios claramente oportunistas de la parte que um perdiduumn un arbitraje. Para evitar que esto ocurra hay que acudir princípiosaleza contractual del arbitraje, al princípio general de la buena fé (y a los princípios que derivan de el, entre los que destacá-la la prohibición de ir contra los actos propios. 

Acerca da imparcialidade do Juiz, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido neste sentido:

SEC 9.412/US (Abengoa x Ometto) – “A imparcialidade do juiz é princípio fundante do Judiciário brasileiros se este concluir que, num caso de sentença submetida a processo de homologação para produção de efeitos em território brasileiro, está rigorosa imparcialidade não está presente, a homologação deve ser negada por contrariedade à ordem pública, nos termos do art. 39 da Lei n.º 9.307/96” (STJ. Sentença Estrangeira Contestada n. 9.412). 

Em relação asnormas de ordem pública, saliente-se a necessidade de entender que em caso de refrega entre diversas legislações, deverá ser aplicada aquela que melhor atenda a necessidade de todos os envolvidos, sem privilégios ou situações mais vantajosas a terceiros.

A rigor, o problema central está na extensão da nulidade parcial. É importante analisar a intenção prática das partes.

A Segunda Corte americana, confirmou a decisão do tribunal de primeira instância, anulando sentença,onde restaram confirmados os seguintes motivos: (1) O árbitro ignorou a revogação da política anterior da empresa; a revogação havia sido excluída da arbitragem pela cláusula de arbitragem restrita incorporada no acordo anterior e tinha, portanto, sido uma questão definida a critério da empresa; (2) O árbitro, que havia sido impedido pelo governo de adicionar acordo aos seus termos, havia ignorado o fato de que "contratos de trabalho geralmente declaram afirmativamente com quais condições as partes concordam, mais especificamente, estabelecessem quais restrições as partes irão colocar na liberdade de ação da administração , sendo que no caso, conseqüentemente, erraram ao colocar sobre a empresa o ônus de obter o consentimento do sindicato para o abandono da política pré-existente” (tradução livre, MELTZER, 1967)[4].

É a solução que resulta também do art. 1.419, do Código Civil italiano: “A nulidade parcial de um contrato ou a nulidade de termos individuais torna todo o contrato nulo e nulo se verificar que as partes não teriam celebrado o contrato sem a parte do seu conteúdo que é afetada pela nulidade.”

Não há qualquer óbice com previsão expressa no compromisso sobre a divisibilidade ou não das suas partes o que se revela mesmo recomendável, para evitar as incertezas interpretativas que o silêncio pode resultar(VICENTE, 2017).

Acerca da nulidade, cabeo art. 292 do Código Civil português que estabelece: “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”. A mesma situação encontra-se no Brasil, tendo em vista que a cláusula arbitral é considerada autônoma ao contrato.

Neste sentido, aementa do Superior Tribunal de Justiça que trata sobre a divisibilidade ou não da cláusula que estipula a solução explica: 

Nos termos do art. 184 do CC/02, a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa subsistir autonomamente. Haverá nulidade parcial sempre que o vício invalidante não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de redução, e a invalidade é total. O princípio da conservação do negócio jurídico não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na vontade das partes quanto à própria existência da transação. (STJ, Resp. n. 981.750/MG, DJe 23/04/2010). 

Fica evidente que o uso da arbitragem, para solução de conflitos na área de trabalhista, ocorrerá a minimização do congestionamento do judiciário, tendo em vista que é um poderoso instrumento para desafogar o poder judiciário. A experiência tem demonstrado que os resultados são plenamente satisfatórios, não só para as partes, como para o próprio estado, ainda mais quando estes atuam em harmonia estado- instituições arbitrais e árbitros(FLENIK, 2009).

Com isso, um novo modelo de resolução de cizânias trabalhistas passa a ser admissível, com plena participação dos empregados que agora podem exercer com maior liberdade sua autonomia contratual com a pactuação de comum acordo de cláusula compromissória arbitral, contribuindo, de sobremaneira, para redução da cultura do litígio. Frisa-se que é plenamente aconselhável que o empregado, por cautela, tenha assessoria de um advogado quando da celebração desta cláusula.

No tocante ao conteúdo de direito material (do trabalho) que poderá ser objeto de apreciação pelo juízo arbitral, considerando os princípios norteadores do Direito do Trabalho, pode ser admissível discussão acerca de direitos economicamente mensuráveis, com salvaguarda, consequentemente, das normativas de natureza de ordem pública, como, por exemplo, normas de segurança e medicina do trabalho.

Sem dúvida, poderia dar uma enorme contribuição no esvaziamento das causas individuais laborais, especialmente as de grande monta, de trabalhadores do conhecimento e da informação, que podem arcar com as despesas processuais/honorários arbitrais, com base nos seguintes fundamentos: a) Trata-se de uma forma alternativa de resolução ou pacificação de conflito, coletivo ou individual, que não deve ser afastada no Judiciário Trabalhista, pelo contrário, consoante dispõe o novo Código de Processo Civil, deve ser privilegiada, incentivada e disponibilizada às partes que querem se valer deste instituto e tenham condições de arcar com os respectivos custos/despesas do processo arbitral. b) Da mesma forma como entendem alguns doutrinadores [...] a hermenêutica é clara ao aduzir que onde a lei não discrimina ou restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo, e não encontramos qualquer vedação legal à não utilização do instituto da arbitragem às lides individuais de trabalho. c) Entendemos que o instituto também não agride ou colide com princípios basilares do Direito Individual do Trabalho, como o da proteção e seu tríplice vertente, o da irrenunciabilidade, o da indisponibilidade, o da igualdade etc., pois tais princípios se aplicam ao direito material individual, e não ao direito processual (ou instrumental) do trabalho, no qual devem prevalecer a imparcialidade e os poderes assistenciais do magistrado, aptos a fazer valer o princípio da paridade de armas. d) Dessa forma, a arbitragem é plenamente aplicável às lides individuais de trabalho, da mesma forma que as Comissões de Conciliação Prévia – CCPs (Lei n.º 9.958/2000). Se algum vício sobrevier no curso das arbitragens, da mesma forma que ocorre em relação às CCPs, as partes podem recorrer ao Judiciário para requerer sua nulidade(SANTOS; HAJEL FILHO, 2018).

Assim, o operador do direito tem a incumbência de analisar cada caso de forma concreta, tendo em vista que a vontade subjetiva das partes é aquela que realmente deve ser levada em conta, por certo que a arbitragem deverá ser feita de uma forma transparente a todos os envolvidos. Sem dúvida, existe uma forma legal de solução dos conflitos, que é a arbitragem na seara trabalhista, de caráter individual, tamanho a importância deste conteúdo que seguem, abaixo, temas relacionados a este instituto.

Sobre o autor
Gleibe Pretti

Pós Doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina- nota 6 na CAPES -2023) Link de acesso: https://ppgd.ufsc.br/colegiado-delegado/atas-delegado-2022/ Doutor no Programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR- CAPES-nota 5), área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, com a tese: APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS, COMO UMA FORMA DE EFETIVIDADE DA JUSTIÇA (Concluído em 09/06/2022, aprovado com nota máxima). Segue o link de acesso a tese: https://portal.unimar.br/site/public/pdf/dissertacoes/53082B5076D221F668102851209A6BBA.pdf ; Mestre em Análise Geoambiental na Univeritas (UnG). (2017) Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho na UNIFIA-UNISEPE (2015). Bacharel em Direito na Universidade São Francisco (2002), Licenciatura em Sociologia na Faculdade Paulista São José (2014), Licenciatura em história (2021) e Licenciatura em Pedagogia (2023) pela FAUSP. Perícia Judicial pelo CONPEJ em 2011 e ABCAD (360h) formação complementar em perícia grafotécnica. Coordenador do programa de mestrado em direito da MUST University. Coordenador da pós graduação lato sensu em Direito do CEJU (SP). Atualmente é Professor Universitário na Graduação nas seguintes faculdades: Faculdades Campos Salles (FICS) e UniDrummond. UNITAU (Universidade de Taubaté), como professor da pós graduação em direito do trabalho, assim como arbitragem, Professor da Jus Expert, em perícia grafotécnica, documentoscopia, perícia, avaliador de bens móveis e investigador de usucapião. Professor do SEBRAE- para empreendedores. Membro e pesquisador do Grupo de pesquisa em Epistemologia da prática arbitral nacional e internacional, da Universidade de Marília (UNIMAR) com o endereço: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2781165061648836 em que o líder é o Prof. Dr. Elias Marques de Medeiros Neto. Avaliador de artigos da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Editor Chefe Revista educação B1 (Ung) de 2017 até 2019. Colaborador científico da RFT. Atua como Advogado, Árbitro na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada de São Paulo S.S. Ltda. Cames/SP e na Secretaria Nacional dos Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (SNDAPI), da Secretaria Especial de Cultura (Secult), desde 2015. Mediador, conciliador e árbitro formado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Especialista nas áreas de Direito e Processo do Trabalho, assim como em Arbitragem e sistema multiportas. Focado em novidades da área como: LGPD nas empresas, Empreendedorismo em face do desemprego, Direito do Trabalho Pós Pandemia, Marketing Jurídico, Direito do Trabalho e métodos de solução de conflito (Arbitragem), Meio ambiente do Trabalho e Sustentabilidade, Mindset 4.0 nas relações trabalhistas, Compliance Trabalhista, Direito do Trabalho numa sociedade líquida, dentre outros). Autor de mais de 100 livros na área trabalhista e perícia, dentre outros com mais de 430 artigos jurídicos (período de 2021 a 2024), em revistas e sites jurídicos, realizados individualmente ou em conjunto. Autor com mais produções no Centro Universitário Estácio, anos 2021 e 2022. Tel: 11 982073053 Email: [email protected] Redes sociais: @professorgleibepretti Publicações no ResearchGate- pesquisadores (https://www.researchgate.net/search?q=gleibe20pretti) 21 publicações/ 472 leituras / 239 citações (atualizado julho de 2024)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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