As Múltiplas Faces da Vulnerabilidade Social: Desigualdade de Gênero, Mercado de Trabalho e os Desafios da Previdência

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07/10/2024 às 17:59
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5. O Papel das Políticas Públicas na Mitigação da Vulnerabilidade Social

Diante da complexidade da vulnerabilidade social, é fundamental que as políticas públicas adotem uma abordagem interseccional, reconhecendo que diferentes grupos enfrentam diferentes formas de exclusão e privações. Isso exige a criação de políticas que não apenas combatam a pobreza, mas que também enfrentem as raízes estruturais das desigualdades, como o racismo, o sexismo e a discriminação etária.

5.1. Políticas de Seguridade Social

A seguridade social é uma das principais ferramentas para mitigar a vulnerabilidade social, especialmente em contextos de desigualdade econômica. No Brasil, a Constituição de 1988 estabeleceu um sistema de seguridade social baseado nos princípios da universalidade e da igualdade, com o objetivo de garantir a todos os cidadãos o acesso a uma rede de proteção social que inclua a previdência, a saúde e a assistência social.

No entanto, como argumenta Goldblatt (2017), o sistema previdenciário brasileiro, assim como muitos outros ao redor do mundo, falha em reconhecer as particularidades de grupos vulneráveis, como mulheres, negros e trabalhadores informais. A reforma previdenciária de 2019, por exemplo, estabeleceu regras mais rígidas para a aposentadoria, o que afetou desproporcionalmente trabalhadores que passaram a maior parte de suas vidas em empregos precários e de baixa remuneração.

Para enfrentar essas desigualdades, é necessário repensar o modelo de contribuição previdenciária, de forma a incluir aqueles que não conseguem contribuir de forma regular para o sistema. A criação de mecanismos de contribuição subsidiada, como programas de microcrédito ou de incentivo à formalização do trabalho, pode ser uma forma de garantir que mais trabalhadores, especialmente mulheres e negros, tenham acesso à proteção previdenciária. Além disso, é fundamental que o sistema previdenciário reconheça o valor do trabalho de cuidado, que é majoritariamente desempenhado por mulheres e que, apesar de sua importância social, não é remunerado nem contabilizado para fins de aposentadoria.

5.2. Programas de Transferência de Renda

Os programas de transferência de renda desempenham um papel crucial na redução da pobreza e da vulnerabilidade social no Brasil. O Bolsa Família, criado em 2003 e recentemente substituído pelo Auxílio Brasil, é um exemplo de como as políticas públicas podem mitigar as desigualdades ao fornecer uma rede mínima de segurança econômica para as famílias mais pobres, especialmente aquelas chefiadas por mulheres.

Segundo Soares et al. (2010), o Bolsa Família foi responsável por uma redução significativa da pobreza extrema no Brasil, ao fornecer uma renda complementar para milhões de famílias em situação de vulnerabilidade. No entanto, para que esses programas sejam eficazes no longo prazo, é necessário que eles sejam acompanhados por políticas que promovam a inclusão produtiva, como programas de capacitação profissional e de incentivo ao empreendedorismo.

Além disso, é fundamental que esses programas sejam expandidos para incluir grupos que frequentemente são excluídos das políticas públicas tradicionais, como as pessoas com deficiência e os trabalhadores informais. No caso das pessoas com deficiência, por exemplo, é necessário que as políticas de transferência de renda sejam acompanhadas por medidas que garantam o acesso pleno a serviços de saúde, educação e trabalho, de forma a promover sua inclusão social e econômica.

5.3. Políticas de Educação e Saúde

A educação e a saúde são áreas fundamentais para a promoção da igualdade de oportunidades e para a redução da vulnerabilidade social. No entanto, no Brasil, o acesso a esses direitos é profundamente desigual, especialmente para os grupos mais vulneráveis. As mulheres, os negros, os deficientes e os idosos enfrentam barreiras significativas para acessar serviços de saúde e educação de qualidade, o que contribui para a reprodução das desigualdades ao longo do tempo.

No campo da educação, a implementação de políticas afirmativas, como a Lei de Cotas, tem sido uma medida importante para promover a inclusão de negros e outros grupos marginalizados no ensino superior. No entanto, é necessário que essas políticas sejam acompanhadas de programas que garantam a permanência desses alunos na universidade, como bolsas de estudo e auxílios financeiros.

No campo da saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem desempenhado um papel crucial na garantia de acesso universal aos serviços de saúde. No entanto, é preciso fortalecer o SUS para que ele seja capaz de atender às demandas crescentes da população, especialmente em áreas como a saúde mental, o atendimento a idosos e os cuidados de longa duração.

A vulnerabilidade social é um fenômeno multifacetado e complexo, que reflete as desigualdades estruturais de gênero, raça, idade e classe que permeiam a sociedade brasileira. Para enfrentá-la, é necessário que as políticas públicas adotem uma abordagem interseccional, reconhecendo que diferentes grupos enfrentam diferentes formas de exclusão e privações. A criação de políticas de seguridade social inclusivas, que levem em consideração as particularidades de grupos vulneráveis, é essencial para garantir uma proteção social mais justa e equitativa.

Além disso, é fundamental que o Estado invista em programas de transferência de renda, educação e saúde, de forma a promover a inclusão social e econômica de todos os cidadãos, independentemente de sua condição social, racial ou de gênero. Somente com a implementação de políticas públicas abrangentes e transformadoras será possível construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos tenham acesso pleno aos direitos fundamentais.

5.4. A Vulnerabilidade Social e o Contexto Econômico Global

A análise da vulnerabilidade social no contexto atual não pode ser dissociada das transformações econômicas globais, particularmente o impacto do neoliberalismo nas políticas de proteção social e no mercado de trabalho. Desde a ascensão desse paradigma econômico, na década de 1980, houve uma retração significativa dos Estados nas suas funções redistributivas, com a privatização de serviços e a redução de investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e seguridade social. Esse movimento aumentou a vulnerabilidade dos grupos sociais mais desfavorecidos, exacerbando desigualdades e limitando o acesso aos direitos básicos, particularmente para mulheres, negros e trabalhadores informais.

5.5. Neoliberalismo e a Exclusão dos Vulneráveis

O neoliberalismo, como destaca Harvey (2005), prioriza a eficiência de mercado em detrimento da justiça social. Essa lógica resulta em um enfraquecimento das políticas públicas de proteção social, que são vistas como onerosas e ineficientes do ponto de vista econômico. A consequência é a criação de uma "economia de risco" (Standing, 2011), na qual as responsabilidades pela proteção social são transferidas para o indivíduo, que deve encontrar maneiras de se proteger em um mercado cada vez mais desregulado.

No Brasil, o impacto dessas políticas foi sentido de forma aguda durante o processo de desindustrialização e precarização do trabalho, intensificado nas últimas décadas. Esse fenômeno se traduz, por exemplo, no aumento significativo do trabalho informal e na proliferação de formas de emprego precárias, como o trabalho por aplicativos e plataformas digitais, que não oferecem proteção trabalhista ou previdenciária. Como afirma Pochmann (2014), a informalidade se consolidou como um dos principais problemas estruturais da economia brasileira, afetando de maneira desproporcional os trabalhadores de baixa renda e as mulheres.

Essas mudanças estruturais no mercado de trabalho contribuíram para o aumento da vulnerabilidade social. Trabalhadores informais, sem acesso a direitos como licença médica, férias remuneradas ou aposentadoria, ficam expostos a flutuações econômicas e à falta de segurança financeira. Para esses indivíduos, a perda de emprego ou a incapacidade de trabalhar devido a problemas de saúde pode significar a exclusão total dos sistemas de proteção social.

A precarização, em particular, afeta de maneira significativa as mulheres. Estudos como o de Goldblatt (2017) mostram que as mulheres são a maioria dos trabalhadores informais em muitos países, incluindo o Brasil. Elas ocupam posições em setores precarizados como o trabalho doméstico, a agricultura familiar e o comércio ambulante, que, apesar de contribuírem para a economia, não garantem acesso à seguridade social.

5.6. Feminização da Pobreza e a Economia Informal

O conceito de "feminização da pobreza" se tornou central na literatura sobre vulnerabilidade social. Segundo Pearce (1978), essa expressão refere-se ao fenômeno pelo qual as mulheres representam uma parcela cada vez maior da população pobre, resultado direto de desigualdades de gênero que afetam suas oportunidades no mercado de trabalho e sua inserção nos sistemas de proteção social. No contexto brasileiro, a feminização da pobreza é intensificada pela interseção de gênero e raça, com mulheres negras sendo duplamente marginalizadas.

A literatura recente aponta que as mulheres são desproporcionalmente representadas no trabalho informal. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2018) indicam que, globalmente, as mulheres têm 25% mais chances de serem empregadas em setores informais do que os homens, e em países como o Brasil, essa diferença é ainda mais acentuada. A informalidade resulta em uma série de desvantagens, incluindo a falta de acesso a sistemas de aposentadoria, seguro-desemprego e outros benefícios sociais. Como afirma Cozero e Bittencourt (2017), a natureza precária dessas ocupações cria um ciclo de exclusão social e econômica, do qual é difícil escapar.

Essa exclusão é particularmente evidente no setor de trabalho doméstico. No Brasil, apesar de a Emenda Constitucional 72/2013 ter estendido direitos trabalhistas às empregadas domésticas, muitas ainda permanecem na informalidade. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2020), aproximadamente 70% das trabalhadoras domésticas ainda não têm acesso a direitos previdenciários, o que perpetua sua vulnerabilidade social, especialmente na velhice, quando não conseguem se aposentar devido à ausência de contribuições formais.

5.7. O Impacto da Globalização na Vulnerabilidade Social

Outro fator que contribui para a vulnerabilidade social no mundo contemporâneo é a globalização, entendida aqui como o processo de integração econômica, política e cultural em escala global. Embora a globalização tenha trazido benefícios econômicos para algumas regiões e segmentos sociais, ela também exacerbou as desigualdades existentes e criou novas formas de exclusão. Isso é especialmente visível em países em desenvolvimento, onde as economias se tornaram mais dependentes de mercados globais, mas não houve uma redistribuição equitativa dos ganhos resultantes desse processo (Stiglitz, 2003).

No Brasil, a abertura econômica e a crescente inserção em mercados globais resultaram na criação de uma economia dual, na qual setores altamente competitivos coexistem com uma vasta informalidade e precariedade. A transição para uma economia globalizada, no entanto, trouxe consequências negativas para os trabalhadores de baixa renda e aqueles menos qualificados, que se viram deslocados ou confinados a ocupações informais e precárias. Como apontam Silva e Lima (2019), a globalização ampliou a vulnerabilidade de trabalhadores em setores como a agricultura e a indústria têxtil, onde a competição internacional pressionou os salários e as condições de trabalho.

Essa dinâmica de globalização e desregulamentação dos mercados afetou particularmente os trabalhadores menos qualificados, que viram seus empregos desaparecerem devido à automação, à relocação de indústrias e à concorrência com trabalhadores estrangeiros. A precarização dessas condições reforça a vulnerabilidade social ao restringir o acesso a direitos sociais e previdenciários, resultando em um aumento do desemprego e da informalidade (HARVEY, 2005).


6. Políticas Públicas e Abordagens Institucionais à Vulnerabilidade Social

A resposta estatal à vulnerabilidade social é, em grande parte, determinada pelas estruturas políticas e pela visão de papel do Estado na economia. A concepção de um Estado de bem-estar social, tal como proposto por Esping-Andersen (1990), sugere que o Estado deve ser o principal garantidor da segurança social, redistribuindo recursos e promovendo a igualdade de oportunidades. No entanto, com o avanço das políticas neoliberais, essa visão tem sido enfraquecida, e muitos países, inclusive o Brasil, têm implementado políticas que limitam a atuação do Estado em áreas essenciais.

6.1. O Papel das Transferências de Renda no Combate à Vulnerabilidade

Um dos mecanismos mais eficazes no combate à vulnerabilidade social, especialmente em países em desenvolvimento, tem sido a implementação de programas de transferência de renda. No Brasil, o Bolsa Família foi um marco nesse sentido, alcançando milhões de famílias em situação de extrema pobreza e oferecendo um mínimo de segurança econômica para os mais vulneráveis. Estudos indicam que o Bolsa Família foi responsável por uma significativa redução da pobreza no Brasil, além de ter impactos positivos na educação e saúde (SOARES et al., 2010).

No entanto, apesar de seus inegáveis benefícios, programas como o Bolsa Família enfrentam desafios para serem sustentáveis no longo prazo. Uma das críticas recorrentes é que esses programas, por si só, não resolvem as causas estruturais da vulnerabilidade social, como a precariedade no mercado de trabalho e a exclusão de direitos. De acordo com Lavinas (2013), é essencial que os programas de transferência de renda sejam acompanhados por políticas de inclusão produtiva e de criação de empregos de qualidade, que permitam aos beneficiários sair do ciclo da pobreza.

A introdução do Auxílio Brasil como sucessor do Bolsa Família também gerou debate sobre a eficácia das políticas de transferência de renda no combate à vulnerabilidade social. Embora o Auxílio Brasil tenha ampliado o valor dos benefícios, críticos apontam que ele carece de mecanismos de monitoramento adequados e que sua implementação foi influenciada por interesses políticos imediatos, sem a devida preocupação com a sustentabilidade do programa a longo prazo (LOUREIRO et al., 2021).

6.2. Políticas de Educação e Capacitação para Reduzir a Vulnerabilidade

Uma das formas mais eficazes de combater a vulnerabilidade social é através do investimento em educação e capacitação profissional. A educação é um dos principais fatores que influenciam a mobilidade social, oferecendo aos indivíduos a oportunidade de acessar empregos de maior qualidade e, consequentemente, de garantir uma maior segurança econômica ao longo de suas vidas.

No entanto, o sistema educacional brasileiro ainda enfrenta grandes desafios em termos de equidade. De acordo com dados do IBGE (2021), há uma grande disparidade no acesso à educação de qualidade entre diferentes grupos sociais, com as crianças e adolescentes das classes mais baixas e da população negra sendo significativamente menos propensos a completar o ensino médio e acessar o ensino superior. Essa disparidade contribui para perpetuar o ciclo de vulnerabilidade social, uma vez que os indivíduos com menos educação tendem a ser empurrados para o trabalho informal e precário.

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Além disso, a capacitação profissional é fundamental para a inclusão produtiva dos trabalhadores mais vulneráveis. Programas de capacitação, como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), visam oferecer treinamento técnico para jovens e adultos em situação de vulnerabilidade, ajudando-os a adquirir as habilidades necessárias para competir no mercado de trabalho formal. No entanto, como argumenta Dedecca (2017), esses programas enfrentam desafios de implementação, incluindo a falta de articulação entre as políticas de capacitação e o mercado de trabalho, o que limita seu impacto na redução da vulnerabilidade.

6.3. A Proteção Social Universal e o Futuro das Políticas Públicas

A universalização da proteção social é uma das soluções mais amplamente defendidas para mitigar as desigualdades e reduzir a vulnerabilidade social. A ideia é que, em vez de condicionar o acesso aos benefícios sociais à contribuição previdenciária ou ao emprego formal, todos os cidadãos devem ter direito a uma rede mínima de proteção social, independentemente de sua inserção no mercado de trabalho.

Esse modelo é amplamente defendido por teóricos do Estado de bem-estar social, como Esping-Andersen (1990), que argumenta que a proteção social deve ser vista como um direito humano fundamental, e não como um privilégio daqueles que estão inseridos no mercado de trabalho formal. No contexto brasileiro, a proteção social universal poderia incluir políticas como a criação de uma renda básica universal, que garantiria a todos os cidadãos um mínimo de segurança econômica.

Além disso, a proteção social universal permitiria incluir trabalhadores informais e precários, que atualmente são excluídos dos sistemas tradicionais de seguridade social. A inclusão desses trabalhadores é essencial para combater a vulnerabilidade social em países como o Brasil, onde a informalidade ainda é uma realidade para grande parte da força de trabalho (IPEA, 2020).

A vulnerabilidade social é um fenômeno multidimensional e complexo, que reflete as desigualdades estruturais de gênero, raça, idade e classe. O contexto econômico global, marcado pelo avanço do neoliberalismo e da globalização, exacerbou essas desigualdades, especialmente para os trabalhadores informais, as mulheres e os negros. Para enfrentar esse desafio, é essencial que as políticas públicas adotem uma abordagem interseccional e universalista, que reconheça as diferentes formas de exclusão social e ofereça uma rede mínima de proteção para todos os cidadãos.

Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil, têm desempenhado um papel crucial na mitigação da pobreza, mas precisam ser acompanhados de políticas de inclusão produtiva e de investimentos em educação e capacitação profissional. Além disso, é fundamental repensar o sistema de seguridade social para garantir que ele seja capaz de incluir os trabalhadores informais e precários, oferecendo-lhes acesso a direitos previdenciários e à proteção social.

Somente com a implementação de políticas públicas abrangentes e transformadoras será possível construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos os indivíduos tenham acesso pleno aos direitos fundamentais e possam viver com dignidade.

6.4. A Interseccionalidade como Ferramenta para Compreender a Vulnerabilidade Social

A compreensão da vulnerabilidade social exige uma abordagem que reconheça as múltiplas camadas de exclusão e discriminação que afetam determinados grupos sociais. A interseccionalidade, conceito inicialmente formulado por Kimberlé Crenshaw (1991), é uma ferramenta analítica que permite entender como diferentes sistemas de opressão — como o racismo, o sexismo, a homofobia e a desigualdade de classe — se sobrepõem, criando formas específicas de vulnerabilidade para grupos como mulheres negras, pessoas LGBTQIA+, e pessoas com deficiência.

Conforme argumenta Crenshaw (1991), a análise interseccional revela que o tratamento das mulheres negras, por exemplo, não pode ser compreendido apenas por uma análise de gênero ou de raça de forma isolada. A interseção de ambas as categorias (gênero e raça) produz um tipo de vulnerabilidade que é único e não pode ser capturado por abordagens que segmentam essas questões. Essa teoria tem implicações profundas para a formulação de políticas públicas, uma vez que aponta para a necessidade de políticas que sejam sensíveis às múltiplas formas de discriminação enfrentadas por diferentes grupos sociais.

No Brasil, a vulnerabilidade de mulheres negras é particularmente evidente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) indicam que as mulheres negras são mais propensas a trabalhar em empregos informais e precarizados, recebendo em média salários muito inferiores aos das mulheres brancas e homens brancos. A pesquisa mostra que as mulheres negras têm uma taxa de desemprego de 19,8%, significativamente superior à taxa de desemprego das mulheres brancas, que é de 10,6%, e dos homens brancos, que é de 8,6%.

Esse cenário de desigualdade se agrava quando se observa o impacto dessas disparidades no acesso a direitos sociais, como a previdência. De acordo com Lavinas (2017), o déficit contributivo das mulheres negras é resultado direto da sua inserção em empregos informais e mal remunerados. Muitas dessas mulheres acabam não conseguindo contribuir regularmente para o sistema previdenciário, resultando em aposentadorias precárias ou na ausência de benefícios. Esse é um exemplo claro de como a interseccionalidade de raça e gênero cria formas únicas de exclusão que precisam ser tratadas de maneira específica pelas políticas públicas.

6.5. Políticas Públicas Sensíveis à Interseccionalidade

A adoção de uma abordagem interseccional nas políticas públicas é essencial para lidar com a complexidade da vulnerabilidade social. As políticas tradicionais, que tratam a pobreza, a discriminação de gênero ou de raça de forma isolada, não conseguem capturar a totalidade da experiência de grupos que são afetados por múltiplas formas de exclusão.

Um exemplo de política pública sensível à interseccionalidade é a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012), que reserva vagas nas universidades públicas para estudantes negros, indígenas e de baixa renda. Essa política reconhece que esses grupos enfrentam múltiplas barreiras para acessar o ensino superior e, portanto, requerem medidas afirmativas para garantir uma maior equidade. Segundo Saboia (2021), a Lei de Cotas tem se mostrado eficaz em aumentar a participação de negros e indígenas no ensino superior, contribuindo para a redução das desigualdades raciais e de classe no Brasil.

No entanto, embora a Lei de Cotas tenha sido um avanço importante, ainda há muito a ser feito para garantir que outras áreas da vida social e econômica sejam igualmente sensíveis à interseccionalidade. No campo do trabalho e da previdência, por exemplo, é necessário que o Estado crie políticas que reconheçam e corrijam as desigualdades estruturais que impedem mulheres negras e trabalhadoras informais de acessar a seguridade social.

A proposta de uma "Renda Básica Universal", como defendida por autores como Van Parijs e Vanderborght (2017), oferece um caminho promissor. Esse tipo de política garantiria a todos os cidadãos uma renda mínima, independentemente de sua inserção no mercado de trabalho formal, permitindo que trabalhadores informais, especialmente mulheres, tenham uma rede de proteção econômica. A Renda Básica Universal seria particularmente eficaz no contexto brasileiro, onde grande parte da força de trabalho está fora do mercado formal e, portanto, excluída dos sistemas tradicionais de seguridade social.

6.6. Vulnerabilidade de Pessoas com Deficiência: Desafios e Políticas de Inclusão

As pessoas com deficiência formam outro grupo que enfrenta uma interseção de exclusões, frequentemente exacerbada pela falta de políticas públicas adequadas. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, cerca de 6,7% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. Embora existam legislações que garantem direitos às pessoas com deficiência, como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), muitas dessas garantias não são plenamente implementadas, e as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras significativas no acesso ao mercado de trabalho e aos serviços públicos.

A exclusão das pessoas com deficiência do mercado de trabalho formal resulta em uma dupla vulnerabilidade: elas são mais propensas ao desemprego e à informalidade, o que as exclui dos sistemas tradicionais de seguridade social, e também enfrentam dificuldades adicionais para acessar serviços de saúde e educação, muitas vezes não adaptados às suas necessidades específicas. A falta de políticas efetivas para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho contribui para a perpetuação de sua exclusão econômica e social (MELO et al., 2018).

Uma das políticas que tem sido utilizada para promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é a Lei de Cotas para deficientes (Lei 8.213/1991), que exige que empresas com mais de 100 funcionários reservem uma porcentagem de suas vagas para trabalhadores com deficiência. No entanto, como aponta Sarlet (2020), essa legislação enfrenta desafios na sua implementação, uma vez que muitas empresas não cumprem as cotas, alegando dificuldades para encontrar profissionais qualificados ou para adaptar seus ambientes de trabalho.

Para que a Lei de Cotas seja realmente eficaz, é necessário que ela seja acompanhada por políticas de capacitação profissional específicas para pessoas com deficiência. Programas de qualificação, como o Pronatec, devem ser adaptados para atender às necessidades desse grupo, garantindo que eles tenham acesso a treinamentos que os preparem para o mercado de trabalho formal. Além disso, o governo precisa criar mecanismos de fiscalização mais rigorosos para garantir que as empresas cumpram as cotas estabelecidas por lei.

6.7. Envelhecimento Populacional e Vulnerabilidade dos Idosos

Outro aspecto importante a ser considerado no debate sobre vulnerabilidade social é o envelhecimento populacional. No Brasil, a população idosa tem crescido rapidamente. Em 2020, o IBGE estimou que a população com 65 anos ou mais representava cerca de 10,5% da população total do país. Esse número deve continuar a crescer nas próximas décadas, chegando a 25% da população até 2060. O envelhecimento populacional apresenta desafios significativos para o sistema de seguridade social, que precisa se adaptar para garantir uma proteção adequada aos idosos (GIACOMONI, 2017).

A vulnerabilidade dos idosos é exacerbada pela falta de preparo do sistema previdenciário para lidar com o aumento da demanda. Com a reforma previdenciária de 2019, muitos trabalhadores que já estavam em situação de informalidade ou com baixa capacidade contributiva enfrentam ainda mais dificuldades para acessar a aposentadoria. Como resultado, um número crescente de idosos depende de benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que não é suficiente para garantir uma vida digna (DEDECCA, 2017).

O aumento da expectativa de vida no Brasil, embora seja um avanço, também traz à tona questões como a falta de políticas públicas voltadas para os cuidados de longa duração. Muitas famílias, especialmente as de baixa renda, não têm condições de arcar com os custos de cuidados com idosos dependentes, o que resulta em uma sobrecarga para as mulheres, que, tradicionalmente, são as principais responsáveis por esses cuidados. Para enfrentar esse desafio, é necessário que o Estado implemente políticas de cuidado voltadas para a terceira idade, que incluam a criação de serviços públicos de cuidados de longa duração e programas de apoio financeiro para famílias que cuidam de idosos dependentes (GIACOMONI, 2017).

A vulnerabilidade social é um fenômeno complexo e multifacetado, que reflete as desigualdades estruturais de gênero, raça, idade e deficiência. A interseccionalidade é uma ferramenta analítica fundamental para compreender como essas diferentes formas de discriminação se sobrepõem, criando experiências únicas de exclusão para grupos vulneráveis. No Brasil, mulheres negras, pessoas com deficiência e idosos são exemplos de grupos que enfrentam múltiplas camadas de vulnerabilidade, sendo excluídos do mercado de trabalho formal, dos sistemas de previdência social e de serviços públicos essenciais.

A adoção de políticas públicas sensíveis à interseccionalidade é essencial para mitigar essas formas de exclusão. Políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e a implementação de uma Renda Básica Universal são exemplos de medidas que podem fornecer uma rede mínima de proteção para os grupos mais vulneráveis. No entanto, essas políticas devem ser complementadas por programas de capacitação profissional, inclusão produtiva e cuidados de longa duração, que permitam que esses grupos acessem oportunidades no mercado de trabalho formal e tenham acesso a uma proteção social adequada ao longo de suas

6.8. A Relevância do Trabalho de Cuidado e a Invisibilidade nas Políticas Públicas

Um aspecto frequentemente negligenciado nas discussões sobre vulnerabilidade social é a relevância do trabalho de cuidado. No Brasil e em diversas partes do mundo, o trabalho de cuidado — que inclui o cuidado de crianças, idosos e pessoas com deficiência, além do trabalho doméstico — é realizado majoritariamente por mulheres. Esse tipo de trabalho, apesar de ser essencial para o funcionamento da economia e da sociedade, é frequentemente desvalorizado e invisibilizado, tanto no campo econômico quanto nas políticas públicas (FRASER, 1997).

De acordo com Hirata e Kergoat (2007), o trabalho de cuidado, por ser considerado uma extensão do papel "natural" da mulher na esfera privada, é visto como uma responsabilidade feminina, e não como uma atividade que deveria ser remunerada ou reconhecida formalmente. Essa desvalorização histórica leva a uma série de consequências negativas, não apenas para as mulheres que realizam esse trabalho, mas também para a sociedade como um todo. Em um contexto em que o envelhecimento populacional está crescendo e as famílias dependem cada vez mais de cuidados prolongados, a falta de reconhecimento do trabalho de cuidado coloca essas mulheres em uma situação de extrema vulnerabilidade.

Uma das questões centrais em torno da invisibilidade do trabalho de cuidado é que ele, frequentemente, não é contabilizado para fins de seguridade social. As mulheres que realizam esse trabalho, principalmente na esfera doméstica, geralmente não conseguem contribuir para a previdência, o que resulta em aposentadorias insuficientes ou inexistentes. Isso é exacerbado no caso das mulheres de baixa renda, muitas das quais realizam tanto o trabalho doméstico em suas próprias casas quanto o trabalho de cuidado remunerado para outras famílias, geralmente em condições precárias e informais.

6.9. A Formalização do Trabalho de Cuidado e Suas Implicações para a Previdência

No Brasil, a Emenda Constitucional 72/2013, conhecida como PEC das Domésticas, representou um avanço importante ao estender direitos trabalhistas às empregadas domésticas, incluindo a formalização do vínculo empregatício, a contribuição para a previdência social, o direito ao FGTS, entre outros. No entanto, conforme aponta Brites (2014), apesar desse avanço legal, uma parte significativa das trabalhadoras domésticas continua na informalidade, sem acesso aos direitos garantidos por lei. A informalidade, portanto, ainda prevalece como um grande obstáculo para essas mulheres acessarem a seguridade social.

Além disso, como argumenta Goldblatt (2017), a legislação por si só não é suficiente para garantir que essas mulheres sejam efetivamente incluídas nos sistemas de previdência e seguridade social. É necessário que haja mecanismos que incentivem a formalização e a contribuição para a previdência, além de programas de apoio financeiro para aquelas que realizam o trabalho de cuidado de forma não remunerada, em casa. A implementação de uma política de aposentadoria que leve em conta o tempo dedicado ao trabalho de cuidado não remunerado seria uma forma de corrigir essa lacuna histórica e garantir maior segurança econômica para as mulheres na velhice.

6.10. Modelos de Proteção Social e o Reconhecimento do Trabalho de Cuidado

Diversos países têm implementado políticas que buscam reconhecer o trabalho de cuidado nas suas estruturas de proteção social. Na Suécia, por exemplo, o modelo de "sustento duplo" garante que tanto homens quanto mulheres tenham direito a licenças parentais extensivas e remuneradas, além de benefícios relacionados ao cuidado de crianças e idosos. O modelo sueco promove a igualdade de gênero, incentivando tanto homens quanto mulheres a compartilhar as responsabilidades de cuidado, e assegura que o tempo dedicado a essas atividades seja contabilizado para fins de aposentadoria (WALBY, 2011).

No Brasil, o reconhecimento do trabalho de cuidado ainda é limitado. Embora a PEC das Domésticas tenha sido um avanço no sentido de formalizar o trabalho doméstico, ainda não existem mecanismos robustos que reconheçam o trabalho de cuidado não remunerado realizado no âmbito familiar. Para corrigir essa lacuna, seria necessário implementar políticas públicas que contabilizassem o tempo dedicado ao cuidado como contribuição para a previdência, garantindo que as mulheres que realizam esse trabalho possam ter direito a uma aposentadoria justa. Essa política poderia seguir o exemplo de países como a Alemanha, onde o tempo dedicado ao cuidado de familiares doentes ou dependentes é contabilizado como tempo de trabalho para fins previdenciários (FRASER, 1997).

Além disso, seria essencial que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Brasil fosse ampliado para incluir programas que ofereçam suporte financeiro e serviços públicos para o cuidado de idosos e pessoas com deficiência, aliviando a sobrecarga das famílias, especialmente das mulheres. A criação de centros de cuidado público, que ofereçam serviços de longa duração para idosos e pessoas com deficiência, seria uma forma de reduzir a dependência do trabalho de cuidado não remunerado dentro das famílias e de promover uma maior igualdade de gênero.

6.11. Vulnerabilidade Social, Pobreza e a Seguridade Social

A relação entre vulnerabilidade social e pobreza é um dos pilares para entender a exclusão do acesso aos direitos sociais e à seguridade. No Brasil, a vulnerabilidade social atinge particularmente as classes mais baixas, que enfrentam dificuldades significativas para acessar o mercado de trabalho formal e, por conseguinte, para se proteger através dos sistemas de seguridade social. A pobreza, portanto, se agrava em decorrência da exclusão dos sistemas de previdência, especialmente para trabalhadores informais e para aqueles em empregos precarizados, que não têm acesso à proteção social básica (SOARES et al., 2010).

6.12. Seguridade Social e Exclusão dos Trabalhadores Informais

O Brasil possui um mercado de trabalho profundamente marcado pela informalidade, que representa cerca de 40% da força de trabalho total, segundo dados do IBGE (2021). Essa informalidade resulta em uma exclusão sistemática dos trabalhadores dos sistemas de seguridade social, já que muitos deles não contribuem para a previdência e, portanto, não têm acesso a benefícios como aposentadoria, seguro-desemprego e licença médica. A informalidade é particularmente prevalente entre trabalhadores de baixa escolaridade, negros, mulheres e jovens, configurando-se como um fator central para a reprodução da pobreza e da vulnerabilidade social.

Os trabalhadores informais enfrentam uma situação de duplo risco: por um lado, eles são mais suscetíveis a perder suas fontes de renda devido à natureza instável de seus empregos; por outro lado, não possuem acesso aos benefícios garantidos pelos sistemas de seguridade social, como a aposentadoria, o seguro-desemprego e a licença médica. Essa exclusão é resultado direto de um modelo de seguridade social que, historicamente, está vinculado à contribuição formal, o que penaliza os trabalhadores que, por circunstâncias socioeconômicas, são forçados a atuar no setor informal (LAVINAS, 2017).

No Brasil, a informalidade é especialmente predominante entre mulheres e negros. Conforme mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021), a proporção de trabalhadores informais é maior entre a população negra e parda, o que revela a dimensão racial da exclusão previdenciária. Além disso, a segmentação ocupacional por gênero e raça faz com que esses grupos sejam sobre-representados em setores mais precarizados da economia, como o trabalho doméstico, a agricultura familiar e o comércio informal.

A precariedade das condições de trabalho e a ausência de direitos sociais entre os trabalhadores informais contribuem para o ciclo de pobreza e vulnerabilidade social. Para romper com esse ciclo, seria necessário repensar o sistema de seguridade social, de forma a incluir esses trabalhadores, seja por meio de programas de formalização, como o MEI (Microempreendedor Individual), ou por políticas de seguridade social universal, que desvinculem o acesso aos benefícios da contribuição formal (FRASER, 1997).

6.13. Políticas de Seguridade Social Universal: O Caminho para a Inclusão

Uma das principais propostas para enfrentar a exclusão previdenciária dos trabalhadores informais é a adoção de um modelo de seguridade social universal, que não condicione o acesso aos benefícios à contribuição formal. Esse tipo de política reconheceria a importância do trabalho informal e do trabalho de cuidado, oferecendo uma rede mínima de proteção social para todos os cidadãos, independentemente de sua inserção no mercado de trabalho.

Segundo Van Parijs e Vanderborght (2017), a Renda Básica Universal seria uma solução viável para garantir que todos os indivíduos, incluindo aqueles que estão excluídos do mercado formal, tivessem acesso a um mínimo de segurança econômica. Esse tipo de política forneceria uma renda mensal a todos os cidadãos, sem exigir contrapartidas ou provas de necessidade, garantindo que trabalhadores informais e precários não fiquem totalmente desprotegidos.

No Brasil, uma renda básica universal poderia ser uma ferramenta eficaz para mitigar a vulnerabilidade social, especialmente em tempos de crise econômica, como durante a pandemia de COVID-19. Durante a pandemia, o Auxílio Emergencial foi uma forma temporária de apoio financeiro a trabalhadores informais e autônomos que perderam sua fonte de renda devido às medidas de isolamento social. Segundo Loureiro et al. (2021), o programa foi essencial para evitar o aumento da pobreza extrema durante a crise, mas sua descontinuidade revelou a fragilidade das políticas de proteção social voltadas para a população informal.

A implementação de uma política permanente de renda básica universal poderia evitar que milhões de brasileiros voltem à situação de pobreza extrema, proporcionando uma rede de segurança financeira que inclua os grupos mais vulneráveis, como mulheres negras, idosos e trabalhadores informais. No entanto, para que uma política desse tipo seja viável, seria necessário um esforço significativo de redistribuição de renda e reforma tributária, que permitisse financiar um programa de tamanha magnitude de forma sustentável (VAN PARIJS; VANDERBORGHT, 2017).

6.14. Pobreza, Vulnerabilidade e o Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Outro mecanismo fundamental para mitigar a vulnerabilidade social no Brasil é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário mínimo mensal a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência, que comprovem não possuir meios de subsistência. Embora o BPC seja uma política essencial para reduzir a pobreza extrema entre idosos e pessoas com deficiência, sua eficácia é limitada pela burocracia e pelas exigências para a comprovação de renda (CARVALHO; MAIA, 2019).

Estudos mostram que muitas pessoas que se enquadram nos critérios para o BPC não conseguem acessar o benefício devido às dificuldades para reunir a documentação necessária ou à falta de informação sobre o programa. Segundo Medeiros e Souza (2019), aproximadamente 25% dos idosos elegíveis ao BPC não recebem o benefício por dificuldades em cumprir os requisitos burocráticos ou por não terem conhecimento sobre seus direitos. Essa exclusão resulta na perpetuação da pobreza entre a população idosa e entre pessoas com deficiência, que ficam sem acesso a uma rede de proteção mínima.

Além disso, o valor do BPC, embora seja equivalente ao salário mínimo, muitas vezes não é suficiente para cobrir as necessidades básicas dos beneficiários, especialmente em famílias onde o idoso ou a pessoa com deficiência é a única fonte de renda. A insuficiência do benefício, associada às limitações no acesso, faz com que muitos desses indivíduos continuem em situação de vulnerabilidade, dependendo da ajuda de familiares ou de redes de caridade para sobreviver (CARVALHO; MAIA, 2019).

Para aumentar a eficácia do BPC, seria necessário simplificar os procedimentos de solicitação e garantir que a informação sobre o benefício seja amplamente divulgada entre os grupos mais vulneráveis. Além disso, seria importante avaliar a possibilidade de aumentar o valor do benefício, especialmente para famílias que dependem exclusivamente dessa fonte de renda para sua subsistência.

6.15. Políticas de Inclusão Produtiva e Capacitação Profissional

Uma das formas mais eficazes de combater a vulnerabilidade social é por meio da inclusão produtiva, que visa inserir os indivíduos vulneráveis no mercado de trabalho formal, oferecendo capacitação profissional e acesso a empregos de qualidade. No Brasil, programas como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) foram criados com o objetivo de oferecer qualificação técnica para jovens e adultos em situação de vulnerabilidade, permitindo que eles adquiram as habilidades necessárias para competir no mercado de trabalho formal.

No entanto, a implementação desses programas enfrenta desafios significativos. Conforme aponta Dedecca (2017), muitos dos cursos oferecidos pelo Pronatec não estão alinhados com as demandas do mercado de trabalho, o que limita a inserção dos beneficiários em empregos de qualidade. Além disso, a falta de articulação entre as políticas de capacitação e as políticas de geração de emprego faz com que muitos dos formandos não encontrem oportunidades de trabalho após a conclusão dos cursos.

Para que as políticas de inclusão produtiva sejam eficazes, é necessário que o governo invista em programas de qualificação que sejam adaptados às realidades regionais e que estejam alinhados com as demandas dos setores produtivos. Além disso, seria fundamental que as políticas de capacitação fossem acompanhadas por medidas de incentivo à formalização do trabalho, de modo a garantir que os beneficiários desses programas possam acessar os direitos trabalhistas e previdenciários (DEDECCA, 2017).

6.16. Políticas de Igualdade de Gênero e Raça

As desigualdades de gênero e raça são fatores estruturais que amplificam a vulnerabilidade social no Brasil. Mulheres, especialmente as negras, enfrentam uma dupla discriminação que as exclui do mercado de trabalho formal e as empurra para empregos informais e precarizados. Além disso, a divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres sejam as principais responsáveis pelo trabalho de cuidado, o que limita suas oportunidades de inserção no mercado de trabalho remunerado (HIRATA; KERGOAT, 2007).

Para combater essas desigualdades, é necessário que o governo adote políticas públicas que promovam a igualdade de gênero e o reconhecimento do trabalho de cuidado. Isso inclui a criação de programas de apoio à formalização do trabalho doméstico, a expansão das creches públicas e o incentivo à licença parental para homens, de modo a compartilhar as responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres. Além disso, seria importante que o governo implementasse políticas de valorização do trabalho de cuidado, reconhecendo o tempo dedicado a essas atividades para fins previdenciários (GOLDBLATT, 2017).

No campo da igualdade racial, políticas afirmativas, como a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012), têm sido fundamentais para aumentar a participação de negros no ensino superior e em empregos qualificados. No entanto, ainda há muito a ser feito para garantir que as desigualdades raciais sejam efetivamente enfrentadas. Segundo Saboia (2021), além das cotas, seria necessário adotar políticas que combatam o racismo estrutural no mercado de trabalho, como programas de incentivo à contratação de negros em posições de liderança e a criação de mecanismos de fiscalização para combater a discriminação racial nas empresas.

A vulnerabilidade social no Brasil é um fenômeno profundamente marcado pelas desigualdades estruturais de gênero, raça, idade e classe. Mulheres, negros, trabalhadores informais, idosos e pessoas com deficiência estão entre os grupos mais afetados pela exclusão dos sistemas de seguridade social e pelo acesso limitado aos direitos fundamentais. Para enfrentar essa realidade, é necessário que as políticas públicas adotem uma abordagem interseccional, que reconheça as múltiplas formas de exclusão e promova a inclusão produtiva e social dos grupos vulneráveis.

A implementação de políticas de seguridade social universal, como a Renda Básica Universal, e a ampliação dos programas de transferência de renda, como o BPC, são essenciais para garantir que todos os cidadãos tenham acesso a uma rede mínima de proteção social. Além disso, é fundamental que o governo invista em políticas de capacitação profissional, igualdade de gênero e valorização do trabalho de cuidado, de modo a garantir que os indivíduos mais vulneráveis tenham acesso a oportunidades no mercado de trabalho formal e aos direitos previdenciários.

Somente com a adoção de políticas públicas abrangentes e transformadoras será possível reduzir a pobreza, promover a igualdade de oportunidades e garantir que todos os cidadãos tenham acesso a uma vida digna e segura.

Sobre a autora
Helena Figueiredo

Advogada (UCAM). Mestranda em Política Social (UFF). Especialização em Direito Previdenciário (CBPJUR/OAB). Sempre em busca do melhor benefício previdenciário. Contato: (021) 99794-2067

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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