Vitimologia

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08/10/2024 às 12:00
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VII - MENTES PERIGOSAS – O PSICOPATA MORA AO LADO

Vale relevar sobre precitado tópico, que diz respeito a um livro da psiquiatria, da escritora Ana Beatriz Barbosa Silva, que foi lançado no ano de 2008. A obra trata da caracterização dos psicopatas e os danos que podem causar às pessoas. De acordo com a Revista Veja, o livro foi o segundo mais vendido no Brasil, na categoria não ficção no ano de 2009.

De conformidade com a sinopse da edição, pronuncia-se sobre pessoas frias, manipuladoras, transgressoras das regras sociais, inconscientes e totalmente desprovidas de sentimentos de compaixão ou culpa. Ademais, o livro procura demonstrar que no geral, essas pessoas estão infiltradas nos setores sociais, como homens, mulheres, de qualquer raça, credo ou nível social, inclusive trabalham, estudam, seguem em uma carreira, casam-se, têm filhos. Contudo, não se apresenta como a maioria da população.

MITOS DO ESTUPRO

A aludida obra descreve o instante da intensa violência, retratando a cena perturbadora de um homem sobrepondo-se a uma mulher, com suas mãos firmes entorno do pescoço do agressor, enquanto este a estrangura.

Nesse sentido, os mitos do estupro são conceituados como crenças estereotipadas, preconceituosas em torno das razões de estupros, estupradores e vítimas de estrupro.

LISTAGEM DE MITOS COMUNS

1 – Estupro é só sexo grosseiro, estupro é fazer sexo.

2 – Algumas mulheres gostam de sexo violento, contudo, mais tarde, chamam-no de estupro. O estupro excita algumas mulheres, porém, na ocorrência do orgasmo não há que se falar em estupro.

3 – Estupros são motivados por desejo sexual, quando um homem é excitado por uma mulher, não consegue parar de agir. Estupros ocorrem de maneira expontânea.

4 – Estupro é um crime passional.

5 – Estupradores são pessoas esquisitas, psicóticas e solitárias.

6 – As vítimas de estupros estavam pedindo por isso, então não houve nenhum dano.

7 – Apenas mulheres más são estupradas. Apenas mulheres bonitas são estupradas.

8 – Não ocorre estupro entre pessoas casadas. O estupro ocorre apenas entre casais heterossexuais.

9 – Todas as mulheres fantasiam sobre estupro.

10 – Estupros são cometidos por desconhecidos que geralmente usam uma arma e/ou batem em suas vítimas. Estupro só ocorre entre estranhos (Biastofilia).

11 – Se não há resistência da mulher, é porque deve ter desejado ser estuprada.

12 – A mulher que anda à noite é um convite para ser estuprada.

13 – Homens não podem ser vítimas de estupro e agressão sexual e jamais podem ser estuprados.

A ORIGEM DO ESTUPRO

De acordo com os mitos de estupro, estes originam-se de inúmeros estereótipos culturais, dispostos como o papel de gênero tradicional, o acatamento da violência interpessoal e a carência de entendimento do que é agressão sexual. O predominio de mitos de estrupro é considerado uma das motivações da culpabilização da vítima e da estigmatização.

Porquanto, os mitos de estupro tipificada da violência sexual, é sempre uma jovem machadada e maltratada. Contudo, questiona-se que nos casos de agressão sexual, se ambas as partes consentiram na atividade sexual ou se tinham a capacidade de fazê-lo. Assim sendo, a força física resultante em lesão física visível, nem sempre é avistável. Destarte, em face deste estereótipo, as pessoas sexualmente abusadas, mas que não apresentam trauma físico nenhum, estão menos inclinadas a noticiar às autoridades ou mesmo a procurar assistência médica.

EFEITOS DOS ESTUPROS

Verifica-se que diante de mitos de estupro, podem cupabilizar a vítima, em razão de sua vitimização, e para abrandar a culpa do agressor, ou banalizar a violação em si mesmo. Porquanto, os mitos de estupro, com relação às vítimas de estupro, há implicação de que as mulheres são culpadas de alguma forma, em razão da sua própria vitimização.

Na realidade, os mitos têm controvérsias no processo da justiça criminal. Assim, vítimas agressores e autoridades que acreditam em mitos de estupro podem reconhecer que determinado crime não chegou a ser cometido. No âmbito do sistema criminal, a polícia pode ser menos inclinada a levar em consideração as vítimas de estupro com seriedade, em coletar depoimento ou mesmo em efetuar prisões. Destarte, por meio da aceitação de mitos de estupro, há contribuição para a cultura do estupro, que certamente poderá reforçar a crença de que o estupro não é verdadeiro, mas apenas sexo.


VIII - CRIME PRECIPITADO PELA VÍTIMA

No período de 28 de agosto a 1º de setembro de 1988 foi realizado em Jerusalém, em Israel, o VI Simpósio Internacional de Vitimologia, o Professor em Direito Penal e Criminologia, Edmundo Oliveira, participou desse evento jurídico, apresentando a tese do “Crime Precipitado pela Vítima”, demonstrando que é injusto continuar a adotar a todos os casos concretos o retrato preto e branco de que o criminoso é sempre o malvado e inconsequente, enquanto a vítima é pura e inocente. Embora existam autores de crimes que são deveras culpados, porém, de vez em quando algumas vítimas mostram as coordenadas de suas próprias vitimizações, atraindo seus agressores, nos moldes das ovelhas atraindo os lobos nos campos e, destarte, oportunizam a ocorrência do evento danoso, com maior ou menor colaboração ao comportamento do agressor.

Relata o professor que, no ano de 1988, no âmbito da aplicação da justiça criminal, considerada uma das áreas mais dinâmicas da Vitimologia, incidindo sobre as investigações atinente a deviance expressando o relacionamento direto entre a vítima e o delinquente. No terreno da filosofia penal, os seus estudos são de grande importância, uma vez que, admitem não só a individualização do delinquente, assim como a individualização da vítima, representando preciosa colaboração para que concretizar a identificação da responsabilidade ou não do autor do crime. Destarte, dependendo do ato representado na ocorrência do crime, para o reconhecimento de sua inocência ou aplicar a correspondente sanção penal, em exata correlação ao grau de culpabilidade. Em vários casos concretos, esses fatores são observados com maior frequência pela Polícia e Justiça, exigindo uma observação multidimensionais da vítima, uma semelhança de exame vitimológico, mediante ampla pesquisa dos precedentes pessoais, familiares e sociais da vítima, a fim de que se possa captar dados reveladores de sua atuação, como sendo algo necessário à estruturação do crime.

ELIMINAÇÃO DA VIDA E AS LESÕES CORPORAIS

Debruçando-se sobre esse tema, na cidade de Philadelphia, nos Estados Unidos e no ano de 1956, o Professor Marvin Wolfgang, procedeu análise de 588 casos de homicídio, concluindo que 26% dos casos examinados, adequavam-se na categoria do “homicídio precipitado pela vítima”, uma vez que, eram claras as circunstâncias em que a vítima fora a primeira a mostrar ou utilizar a arma letal, a dar o primeiro golpe no decurso da discussão, ou seja, a primeira a participar da violência física. Assim sendo, concluiu o Mestre que diante de tais particularidades o homicídio ocorreu prevalentemente dentre pessoas conviventes no relacionamento familiar, social ou profissional. Ademais disso, demonstravam características compatíveis com atitudes de um delinquente. Posteriormente, foram realizadas pesquisas envolvendo o mesmo modo no concernente a investigação de homicídios precipitados pelas vítimas, em outras cidades dos Estados Unidos, que geraram conclusões idênticas.

Nesta senda, diante das complexas fases de maturação do crime, que vai da cogitação até a consumação, com bastante frequência no crime de homicídio passional, transparece o percentual de culpabilidade da vítima ao tramar as estruturas de sua própria vitimização, atraindo o agressor nos mesmos moldes da atração das ovelhas para com os lobos. Destarte, o sentimento de repulsa, ocasionado pela exclusão do escopo da paixão, que se origina da profunda perturbação de ânimo, impedindo o autocontrole e leva ao desespero. É neste estado de grande emotividade que o delito acontece, transformando o amor em fator criminógeno ocasionado pela angustia, que por sua vez, alimenta o ódio e a vingança contra a pessoa amada e contra o rival real ou imaginário.

No pertinente à precipitação da vítima, no âmbito de fatos que envolvem a eliminação da vida, explica o Psicanalista alemão, Karl Menniger, em seu trabalho intitulado: “Homem Contra Si Mesmo”, enfatizando análise de personalidades que buscam o suicídio, agindo na direção de oportunidades para a morte, estimuladas pela dinamização inconsciente de seus graves conflitos, ou pela sujeição a insuportáveis condições de vida.

No plano da ilicitude, que ligam a vítima ao delinquente, o italiano Pietro Nuvolone, ofereceu as considerações seguintes: “A motivação do ato criminoso pode surgir mesmo de relações inteiramente lícitas e socialmente admissíveis entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, embora dessas relações possam derivar situações anormais, susceptíveis de atingir até a doença mental e que na prática constituem o motivo do crime. Reflitamos, por exemplo, sobre os homicídios cometidos com o consentimento do sujeito ofendido (que configuram hipóteses de suicídio pela mão do outro), sobre os homicídios por eutanásia, sobre homicídios e suicídios provocado pelo ciúme, nos quais um dos sujeitos mata a pessoa querida e se mata em seguida, a fim de que todos os dois possam se livrar de estados de angústias estimados intoleráveis”.

Por outra monta, tem-se como evidente, que estamos em um mundo conturbado em nossos dias, uma vez que o uso e abuso de drogas está relacionado ao valor, em grau maior ou menor escala, que a pessoa atribuí a sua existência humana. Neste sentido, Wolff Midendorff afirma que, “a fraqueza de não suportar a dor da sobrevivência, jungida à desvalorização do afeto, pode levar o deprimido a mergulhar no inquietante processo de suicídio causado pelo consumo de drogas”.

Na pesquisa de Vitimologia, observa-se outras formas de suicídio bastante comentada nesta pesquisa, que se refere aos delitos culposos, mormente aqueles ocasionados por acidentes de trânsito. Assim sendo, Mendoza ao aprofundar seus estudos no campo desses delitos culposos, observou a atuação dos fatores psicológicos, além das dificuldades temperamentais que são traduzidas em desatenção, temeridade, aborrecimento, angustia, medo e outros sintomas. Desse modo, contribuíram para a dinâmica do infortúnio, ocasionando o suicídio da conduta afetada, além do risco de provocar lesões ou até a morte de pessoas que nada tem a ver com o problema.

Quando do surgimento de crimes de lesões corporais em simultaneidade com o conceito da precipitação da vítima, em geral, o estado vitimal apresenta, no âmbito desses delitos, idênticas características do que venha a ocorrer com o homicídio, suicídio ou eutanásia, havendo distinção tão somente, com evidência, pela consequência da menor gravidade.

Coerente com tais critérios, Mendelsohn, quando se manifestou sobre os casos de lesões corporais, aludiu sobre a existência de “certos indivíduos que se singularizam pelo fato de se exporem com inusitada frequência aos acidentes, criando condições propiciatórias para serem lesados ou agredidos”.

Por outro lado, Von Hentig, afirma que os crimes de lesões corporais são manifestações das mais ilustrativas no sentido de mostrar o quanto “o autor e a vítima se encaixam um ou outro como a fechadura e a chave”. A exemplo do caso da esposa torturada repetidas vezes pelo marido, e do tirano doméstico que vive maltratando seus filhos, nessas situações, vislumbra-se que essas vítimas concedem alguma forma de adesão às atitudes criminógenas do autor. Na extensão desse raciocínio, rebuscamos as condutas vitimológicas sofridas pela vítima, evidenciando-se para o propósito de se castigar pelas próprias mãos ou com ajuda de terceiro. Observa-se as hipóteses circunstanciais em que determinadas pessoas imaginam sempre sobre problemas ligados à saúde e, nessas circunstâncias, saem na busca da medicina, e as vezes criam ambiente para o exercício de perigosas intervenções cirúrgicas, convertendo os médicos em instrumentos inconscientes dos sentimentos destrutivos dessas predisposições para a vitimidade.

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VIOLAÇÕES SEXUAIS

Sob tal enfoque, vislumbra-se que o papel desempenhado pela vítima nos crimes sexuais tem sido alvo repetitivos de debates nos Tribunais de Justiça, mormente no concernente à matéria de prova, para a identificação tanto do estereótipo de vítimas inocentes, agredidas pela violência irresistível física ou moral, como na ocorrência em que a pessoa, pela conduta delineada, antecipou a oportunidade de sua própria vitimização.

Na oportunidade, A. Kinsey, investigando sobre esse tema, concluiu que a deviance sexual, praticada sobretudo por menores, normalmente acontece entre pessoas particularmente próximas, por esse motivo ocorre a atração da vítima pelo evento e o porquê várias mulheres menores tiveram experiências sexuais com homens adultos, de preferência com parentes ou amigos.

No campo do crime precipitado pela vítima, Menachen Amir, destacou-se pelo seu amplo estudo, no pertinente aos crimes sexuais. Menachen analisou 646 casos de violação registrados pela Polícia de Philadelphia, ocorridos nos períodos de 1958 a 1960. Assim, 53% desses casos foram praticados por indivíduos que possuíam laços de convivência com as vítimas. Contudo, apenas 19% foram comprovadamente precipitados pelas vítimas. Por outro lado, Amir adverte para a necessidade de haver distinção das hipóteses em que a vítima reage com força suficiente, como um modo claro de repúdio, uma vez que, diversas vezes a resistência é apenas para simular que ela não se entregou de pronto à sugestão do agressor. Nesse caso, na realidade, pode acontecer que a vítima ofereça um sinal qualquer, demonstrando que não resistiria à persistência do agressor em seus intentos. Nessas hipóteses, observa-se que o comportamento da vítima faz indicação de uma expressão positiva, como seguir na companhia para um bar, a um apartamento particular, ou assume a expressão negativa, sem uma reação com suficiente convicção a determinados chamamentos.

MANOBRAS FRAUDULENTAS

A precipitação da vítima pode também ocorrer, nos delitos de algumas formas de estelionato, a exemplo do conhecido “conto do vigário”, onde Willy Calewart chegou a identificar “a vítima por desonestidade própria”.

Diante dessas práticas delituosas, observa-se que há interação entre o sujeito ativo e o passivo. Assim, perante essas ocorrências, vislumbra-se que a vítima é indiscutivelmente inocente, porém à medida que o caso vai sendo investigado chega-se a conclusão de que há um certo grau de culpabilidade da vítima, quando se deixou envolver pela arte do trapaceiro em jogar com o instinto de desonestidade da mesma, atraindo-a pela isca de um ganho rápido que conseguiu por meios fraudulentos. Aliás, são sempre técnicas que despertam apetite da vítima para, no momento oportuno, “ser abatida no seu próprio terreno”.

Porquanto, o estelionato sempre procura inicialmente criar uma relação de confiança com a vítima, demonstrando-lhe uma imagem de respeitabilidade. Posteriormente, mostra-se preocupado com os problemas da vítima, solidarizando-se com esta, criando uma aliança ainda que ilusória. É nesse gradativo procedimento de vitimização que o trapaceiro leva a vítima a se tornar maleável e obediente, em um castelo de mentiras construindo para a concretização do delito. Quando consumado o crime, a vítima cai na realidade, vendo-se atingida em sua inteligência e em sua liberdade pessoal, porém a contribuição oferecida ao trapaceiro foi muito grande, ao ponto de se vê impedida de denunciar o fato às autoridades, preferindo o silêncio.

CRIME DO COLARINHO-BRANCO

O crime do colarinho-branco, também conhecido como “delito de cavalheiros”, “delito econômico”, “delito dos negócios”, “delito do enriquecimento”, o White-collar crime, caracterizando-se como um delito praticado por pessoas de responsabilidade e elevado status socioeconômico, no exercício de suas atividades profissionais.

Uma corrente doutrinária liderada por G. Geis afirma que não é possível identificar a precipitação da vítima dos crimes de colarinho-branco, “por serem formas de deviance que acontecem sem nenhuma interação entre o delinquente e a vítima”.

Predomina dentre os estudiosos, no entanto, é de destacar a importância do papel da vítima perante as manifestações do White-collar crime. Costa Andrade, noticia que nesses tipos de crime a precipitação vem a ocorrer com a vítima que, em diversos casos, apresentam uma personalidade de idênticas características dos criminosos. Ademais, defendem essa mesma tese, Sutherland e Shapiro, da possibilidade da precipitação da vítima no delito de colarinho-branco.

De efeito, não há motivação para não estender o conceito de precipitação da vítima a esse tipo de crime, uma vez que, a priori não se pode cercear a minudência das apurações em torno das variáveis incidências sobre a vítima, que desencadeia nela o processo de vitimização. Em segundo lugar, não há dificuldade em um ou outro caso concreto, detectar a precipitação da vítima durante a execução de determinadas formas de criminalidade do colarinho-branco, mormente se for levado em conta que, nesse âmbito, incidem as vítimas que pertencem às elites do poder econômico e que podem propiciar o delito, participando das mesmas intenções do autor, no pertinente à expectativa de ganhos fáceis e enriquecimento repentino, mesmo que desonesto.

EXTORSÃO OU CHANTÁGEM

Neste caso, observa-se que a victim-precipitated pode acontecer também na ocorrência em que o delinquente objetiva o recebimento indevido de vantagem econômica, por meio do constrangimento para a vítima fazer, tolerar que se faça ou mesmo deixar de fazer alguma coisa. Assim, em tais circunstância, normalmente, a ameaça imposta de revelar fatos que poderiam comprometer a reputação, além das qualidades pessoais que a vítima acumulou ao longo de sua vida.

Na atualidade, tem-se verificado nos centros urbanos, mormente os mais favorecidos, são passíveis de apoiar as vitimizações por meio de chantagens ou extorsões, uma vez que, frequentemente verificam-se oportunidades em que diversas pessoas conduzem suas vidas social ou profissional, através até de marketing, exibindo uma imagem pública inadequada com sua própria conotação e, em determinados casos, totalmente desvirtuada da sua identidade privada.

Na visualização dentre a vida íntima e o modo da pessoa se apresentar na vida social, com frequência apresenta-se o chantagista com toda sua esperteza, aproveitando-se, conforme bem disposto por Gouldner, afirmando que, “Do mundo dramático das aparências, uma capa muito fina que se deve pisar com cuidado para evitar que se rompa e revele o indesejável”. Ademais, em muitos casos não existe saída e a vítima é levada a optar pela transação financeira em troca da intimidade de sua imagem, obrigando-a a aturar o confronto entre a verdade e a conveniência, decidindo em favor dessa segunda opção.

Manifestando-se sobre o tema, E. Goffman, informa com propriedade que, “As vítimas nessas contingências têm necessidade de pagar um preço psicológico elevado, suportar um nível muito alto de ansiedade por levar um dia-a-dia que pode entrar em colapso a qualquer momento”. Porquanto, é precisamente da utilização desse temor que se alimenta o chantagista, obtendo vantagens de envolvimentos em segredos infamantes, redundantes de fatos típicos de homossexualidade, prostituição, aborto, consumo de drogas, adultério, jogo ilícito, corrupção, e demais outros.

Vale ressaltar que, o crime de chantagem institui uma espécie de solidariedade de fato entre o chantagista e a vítima, a exemplo o que acontece nos delitos sem vítima. Neste tipo de crime sem vítima, não há relações contraditórias e de conflito, como as existentes no crime de chantagem. Neste sentido, Garrau define acertadamente: “No dia em que a vítima da chantagem quiser denunciar o autor, vai infligir a si mesma o mal da publicidade que, acima de tudo, pretende evitar”. Deveras, o mesmo é aplicado com relação a esse escopo por parte do chantagista.

ALTERNATIVA DA PERSECUÇÃO JUDICIAL

Vislumbra-se sobre as variáveis condutas pertinentes à vítima desse crime, a tomada decisão sobre processar ou não o chantagista. Porquanto, a vítima passa a avaliar os custos dessa iniciativa desse ajuizamento, no sentido de ganhos reais, caso venha a optar pelo processo judicial, por meio das vias alternativas de menor prejuízo, em vista dos custos cobrados pela Justiça.

No que pertine as circunstâncias de enquadramento do conceito de crime precipitado pela vítima, na observância dos fatos, constatam-se que essa vítima se sente estimulada a não procurar a polícia e a justiça, em face dos fatores seguintes:

1 – A vítima não tem a consciência tranquila, uma vez que é sabedora que não é totalmente inocente, avaliando sobre o seu grau de responsabilidade, em face da sua implicação e concorrência para o crime.

2 – A vítima fica temerosa relativamente a repercussão do fato pela imprensa, podendo levar pessoas a tomarem precauções contra a vítima.

3 – A vítima tem conhecimento de que, normalmente, tanto a polícia como a justiça, são por demais lentas e, por muitas vezes, inoperantes na persecutio e na punição dos culpados.

4 – Os governos, salvante alguns países, não têm nada ou quase nada a oferecer às vítimas em termos assistenciais aos seus direitos.

5 – A vítima não tem esperança de receber o valor justo de sua indenização, diante dos prejuízos sofridos.

A motivação que leva a vítima a deixar de procurar a proteção da justiça, ocasiona a proliferação de zonas de vitimidade, perante o elevado nível social do meliante, além da respeitabilidade que desfruta, os quais são usados como pressão para a vitimização de pessoas de classes sociais inferiores. Destarte, em face da força do poder, dobra-se a vítima a fazer ou deixar de fazer o que lhe é imposto, por meio da coação ou em razão de uma pseudotutela ou proteção garantida pelo criminoso. Ademais, várias dessas vitimizações surgem com frequência em crimes vinculados ao homossexualismo, prostituição, drogas, jogos, e outros mais.

Em torno desse fenômeno, escreveu H. Becker, denominando-o de dirty work sindrome, afirmando que, “Certas pessoas exibem as credenciais da moral devido à existência de um grupo de imorais, que satisfazem os moralistas fazendo o que estes gostam, mas não têm coragem de exibir publicamente os seus propósitos”.

Pela exposição de A. Lerner em sua Just World Theory, observa que vítima compelida ao papel de “bode expiatório”, sujeita às contingências de uma espécie de técnica de neutralização, por meio do qual a sociedade se desculpa do delito, culpabilizando a degradação da vítima. É sabido, que em muitas defesas criminais, as estratégias são orientadas visando a exploração desses estereótipos, favorecendo a absolvição de inúmeros acusados perante aos Tribunais de Justiça.

VITIMIZAÇÃO COLETIVA

In fine, por oportuno, ressalte-se em torno da generalização rotineira do crime de corrupção passiva, prevista no artigo 317 do CPB e da corrupção ativa, rezada no artigo 333 do mesmo Diploma legal, onde em suas copiosas manifestações, por meio dos sucessivos escândalos apontados pela mídia, despertou atenção aos estudiosos da Vitimologia, pela enorme incidência de vitimizações coletivas na estrutura da população brasileira.

A vitimizações e suas formas estão sempre presentes em seus efeitos, trazendo elevados custos sociais e econômicos, dentre os membros da sociedade. Tem-se observado que dinheiro público e a administração de serviços praticados pelo Estado, que deveriam ser bem empregados no âmbito da satisfação das necessidades da população, permanecem sendo desviados de suas reais necessidades, ocasionando precária conveniência social, sobrecarregando de impostos, elevações de tarifas dos serviços essenciais, carestia de produtos de consumo, além do grande impacto negativo no ânimo das pessoas honestas.

No frenesi dessa criminalidade organizada, enquanto a população brasileira é obrigada a pagar mais caro por tudo, os agentes políticos da corrupção continuam envolvidos com o enriquecimento ilícito, sem qualquer perseguição e sem o devido castigo, cobertos por privilégios que mantêm a impunidade. Tratam-se de empresários e agentes políticos que simulam administrar com honestidade os bens públicos, para deles se aproveitarem de forma inexaurível. Ademais, conseguem perpetua-se de pé através de imposição de certa convivência semelhante com a máfia italiana. Aliás, é cediço que o mundo inteiro sabe de sua existência, enquanto que a maioria da população condena, no entanto ninguém procura uma saída capaz de vencê-la, mesmo por parte das autoridades que se dizem competentes.

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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