Resumo Este artigo apresenta uma revisão bibliográfica recente sobre o julgamento recente da tese do marco temporal, com ênfase em suas implicações legais e sociais. Explora os conflitos entre a preservação dos direitos históricos dos povos indígenas e as exigências por desenvolvimento econômico. A análise investiga o cenário pós-decisão, examinando as implicações para as comunidades indígenas e o panorama socioeconômico e ambiental do Brasil, especialmente à luz das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). O artigo também destaca os persistentes ataques contra os povos indígenas ao longo da história e identifica vários grupos envolvidos nessas disputas. O objetivo do artigo é contribuir para uma compreensão abrangente da complexa questão da estrutura pós-temporal, também conhecida como "marco temporal".
Palavras-chave:Marco Temporal, Direitos Indígenas, Supremo Tribunal Federal, Conflitos Socioambientais, Desenvolvimento Econômico, História dos Povos Indígenas.
Abstract This article provides a recent bibliographic review of the recent judgment on the temporal framework thesis, focusing on its legal and social implications. It explores conflicts between preserving the historical rights of indigenous peoples and demands for economic development. The analysis investigates the post-decision scenario, examining implications for indigenous communities and the socio-economic and environmental landscape of Brazil, particularly in light of recent decisions by the Supreme Federal Court (STF). The article also highlights persistent attacks against indigenous peoples throughout history and identifies various groups involved in these disputes. The goal of the article is to contribute to a comprehensive understanding of the complex issue of the post-temporal structure, also known as the "temporal framework."
Key words : Temporal Framework, Indigenous Rights, Supreme Federal Court, Socioenvironmental Conflicts, Economic Development, History of Indigenous Peoples.
Introdução
Nos últimos meses, a questão do marco temporal emergiu como tema central, gerando debates substanciais em diversos setores da sociedade. Este fenômeno reflete a significativa relevância e complexidade do tema, analisado por especialistas, líderes políticos, acadêmicos e representantes de organizações da sociedade civil. O marco temporal, que versa sobre a definição de limites temporais para a demarcação de terras indígenas, tem provocado análises aprofundadas acerca de questões históricas, direitos territoriais e as interações entre diferentes grupos sociais.
O julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, por exemplo, teve repercussões significativas devido ao uso da teoria temporal da ocupação indígena como um novo parâmetro para interpretar e aplicar os direitos à terra indígena, mas estudos e análises adicionais dessa teoria são necessários devido às discrepâncias entre as discussões da Suprema Corte e o julgamento final. (MIRANDA, 2012)
O debate evidencia não apenas divergências de opiniões, mas também ressalta a necessidade de um diálogo construtivo para buscar soluções equitativas. Transcendendo as páginas dos jornais, a discussão sobre o marco temporal adquire relevância como reflexo das tensões existentes em torno dos direitos indígenas e do reconhecimento da diversidade cultural em nosso país.
O papel desempenhado pela mídia nesse processo é crucial, não apenas por informar, mas também por moldar a opinião pública e influenciar o desenvolvimento do debate. Portanto, é fundamental que a cobertura jornalística seja abrangente, equilibrada e atenta às nuances dessa discussão complexa, permitindo que a sociedade compreenda melhor os desafios envolvidos e participe de maneira informada e reflexiva nesse importante diálogo nacional.
O debate em torno do marco temporal ganha ainda mais relevância quando contextualizamos a longa e complexa história de conflitos de terras no Brasil, marcada por episódios de desapropriação, exploração e marginalização dos povos originários. Ao longo dos anos, as comunidades indígenas têm enfrentado inúmeras dificuldades, desde a colonização até os dias atuais, lutando pela preservação de suas terras ancestrais e pela manutenção de seus modos de vida tradicionais.
O marco temporal, ao estabelecer critérios temporais para a demarcação de terras indígenas, foca não apenas em questões legais, mas também na profunda conexão entre os direitos territoriais e a preservação da identidade cultural dos povos indígenas. Muitas dessas comunidades enfrentaram e continuam a enfrentar sérias consequências, incluindo deslocamentos forçados, perda de acesso a recursos naturais e impactos devastadores em suas formas de vida tradicionais.
O sofrimento dos povos originários, historicamente marginalizados e frequentemente excluídos do processo decisório, destaca a urgência de uma abordagem mais inclusiva e respeitosa em relação aos direitos indígenas. O atual debate sobre o marco temporal se torna, assim, uma oportunidade para reavaliar políticas e práticas, visando garantir uma coexistência justa e equitativa entre as diferentes comunidades que compõem a diversidade cultural do Brasil.
A mídia, ao abordar essas questões, desempenha um papel crucial ao não apenas informar, mas também ao sensibilizar o público para a importância de uma abordagem compassiva e justa em relação aos povos originários. É imperativo que o debate público leve em consideração não apenas as questões legais e políticas, mas também a dimensão humana e cultural envolvida, reconhecendo a dignidade e os direitos fundamentais dessas comunidades historicamente marginalizadas.
Não existe uma base teórica que justifique a imposição de um marco temporal de ocupação, uma vez que a proteção constitucional dos direitos territoriais dos povos indígenas não depende dessa delimitação. Na prática, a introdução desse marco temporal atuaria como um encerramento abrupto e prejudicial desse lamentável capítulo da história nacional, constituindo-se como um sério obstáculo à digna preservação das comunidades indígenas e de suas características tradicionais. (ALVES; JUNIOR, 2023)
Desde o ano de 2020, encontra-se em discussão perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a proposição conhecida como Marco Temporal. Essa tese sustenta a ideia de que a reivindicação e demarcação de Terras Indígenas devem ser concedidas exclusivamente às etnias que consigam comprovar a ocupação desses territórios na data em que a Constituição Brasileira foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. A Proposta de Lei (PL) 490/2007 foi elaborada com base na solicitação de reintegração de posse apresentada pela Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, habitada por indígenas das etnias Guarani, Kaingang e Xokleng. Essa proposição impacta as Terras Indígenas em todo o país, especialmente aquelas em fase de demarcação, pois abriria precedente para a avaliação de todos os pedidos em andamento. (IJUIM; BUENO, 2023)
Objetivos
Este artigo propõe uma revisão bibliográfica recente sobre o tema do marco temporal, concentrando-se na análise aprofundada das complexidades que envolvem esse conceito, explorando suas implicações legais e sociais. O marco temporal, que busca estabelecer um ponto específico no passado para o reconhecimento de direitos territoriais indígenas, será minuciosamente examinado. Uma atenção especial será dedicada aos principais conflitos que emergem dessa abordagem, delineando as tensões entre a preservação dos direitos históricos dos povos indígenas e as demandas por desenvolvimento econômico e exploração de recursos naturais.
Além disso, o artigo se propõe a analisar as perspectivas que se delineiam após decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas ao marco temporal. Estas decisões têm impacto direto nas discussões sobre a demarcação de terras indígenas, desencadeando um cenário pós-decisão que será minuciosamente examinado. As implicações dessas decisões não apenas para as comunidades indígenas, mas também para o panorama socioeconômico e ambiental do Brasil, serão objeto de uma análise crítica. Este artigo visa contribuir para um entendimento mais abrangente das questões em jogo, promovendo uma discussão informada e reflexiva sobre os desafios e as oportunidades que se apresentam diante dessa importante questão nacional.
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Análise da Legislação e das Políticas Indigenistas: Um Contexto Necessário
Caminhos e Conflitos: Um Olhar Profundo sobre a Posse de Terras Indígenas no Brasil
A tese do Marco Temporal, imposta pelo Supremo Tribunal Federal, é objeto de meticulosa discussão, sendo contrastada com a teoria da indigenação. O processo de demarcação realizado pela Funai é analisado, com ênfase na exposição dos critérios técnicos e legais que visam assegurar a justiça no procedimento (LIMA, 2023)
A Constituição de 1988 é um avanço no âmbito dos direitos indígenas, entretanto, é alvo de crítica em relação à tese do Marco Temporal, considerado um retrocesso que ameaça os direitos fundamentais. É defendida a importância do Indigenato na preservação da cultura e estilo de vida das comunidades indígenas. A persistência na resistência por parte dos indígenas, ao se unirem aos movimentos sociais, é imperativa. Ademais, é necessário ação premente do Estado cumprir sua obrigação de proteger esses direitos, mediante a implementação de políticas inclusivas e promoção ativa da participação dos indígenas na esfera jurídica. O envolvimento ativo das comunidades, por sua vez, é um fator que fortalece a legitimidade de suas reivindicações, contribuindo para a construção de um sistema legal mais empático às suas necessidades. (LIMA, 2023)
Quais grupos fazem ataques aos indígenas?
Como ponto de partida, em 2013, no Rio de Janeiro, veio à tona o Relatório de 1967 apresentado pelo Procurador Jader de Figueiredo Correia, revelando registros contundentes de violência contra os povos indígenas brasileiros. Esses atos foram perpetrados por agentes estatais em colaboração com forças de segurança e fazendeiros, sob a égide do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), responsável por processos continuados de etnocídio e violência contra os povos que deveria proteger. Simultaneamente, em 2013, povos indígenas em várias regiões do país eram alvo constante de violências, etnocídio e genocídio em decorrência de empreendimentos econômicos e projetos de desenvolvimento estatais e privados (PALMQUIST, 2018).
A persistência do etnocídio e genocídio nas ações de agentes estatais ou privados no Brasil, atravessando gerações, períodos históricos, mudanças políticas e jurídicas, levanta questões cruciais (PALMQUIST, 2018). Historicamente, diferentes grupos têm sido associados a ataques contra povos indígenas no Brasil, incluindo fazendeiros, agentes do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), forças de segurança e, mais recentemente, empresas envolvidas em empreendimentos econômicos e projetos de desenvolvimento. A pesquisa menciona documentos que abordam a violência desde 1910, indicando que a problemática não está limitada a um único grupo, mas é resultado de uma complexa interação entre diversos agentes ao longo do tempo (TERENA; DUPRAT, 2021).
Como se deu a recente política para os indígenas?
O governo liderado por Jair Messias Bolsonaro persistiu em ataques sistemáticos contra diversas minorias, especialmente os grupos indígenas. Recentemente, a ONU denunciou o presidente por violar tratados internacionais e representar uma ameaça à população indígena no Brasil. A carta da ONU adota um tom mais incisivo, apontando explicitamente crimes cometidos contra os indígenas, intensificando a queixa já existente contra Bolsonaro em Haia. A resposta positiva de grupos indígenas à cobrança dos relatores da ONU destaca a relevância dessa iniciativa. Até o momento, o governo brasileiro ainda não emitiu uma resposta oficial ao conteúdo da denúncia. Essa acusação sublinha a contínua violação de acordos internacionais e a ameaça aos direitos dos indígenas sob a administração de Bolsonaro (CHADE, 2022).
Em outro episódio lamentável, o ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, foi recentemente condecorado com a medalha do mérito indigenista, apesar de ter expressado em 1998, enquanto era deputado federal, seu lamento de que a cavalaria brasileira não tenha dizimado os indígenas da mesma forma que a Cavalaria Americana fez nos Estados Unidos. Na época, Bolsonaro homenageou a Cavalaria Americana por resolver o "problema"indígena no país. Esses comentários controversos, transcritos no Diário da Câmara dos Deputados, revelam sua perspectiva polêmica sobre a questão indígena, apesar de afirmar que não prega a mesma abordagem para os indígenas brasileiros (GUEDES, 2022).
Há denúncias de um processo de genocídio dos indígenas no Brasil, liderado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Além de discursos discriminatórios, que tratam os indígenas como inferiores e buscam a sua assimilação à "cultura" do presidente, seu governo adotou medidas que inviabilizam a demarcação de terras indígenas. A transferência da supervisão da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e a atribuição da demarcação de terras ao Ministério da Agricultura evidenciam a intenção de colocar os interesses do agronegócio acima dos indígenas. Outras ações, como a devolução de processos pelo ex-ministro Sergio Moro, a convocação da Força Nacional durante o "Acampamento Terra Livre" e a Instrução Normativa 09, que deixa terras já identificadas sem proteção, destacam a hostilidade do governo. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil apresentou uma ação no Supremo Tribunal Federal, ressaltando que os discursos de Bolsonaro contribuíram para invasões de terras indígenas e agravaram a situação durante a pandemia. O desmatamento e a mineração em terras indígenas demarcadas também aumentaram significativamente, revelando uma séria ameaça à preservação desses territórios. O texto conclui destacando o papel fundamental dos povos indígenas na transformação da sociedade brasileira em direção a uma convivência mais justa e sustentável, acusando Bolsonaro de estar contribuindo para a sua destruição (DUPRAT; TERENA, 2021).
Nesse caminho, o subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Alpino Bigonha, alerta para a gravidade do atual cenário relacionado aos direitos indígenas no Brasil, considerando-o o mais sério desde a Constituição de 1988. Ele destaca a postura do presidente da República, que, ao recusar demarcações de terras e promover parcerias com ruralistas, adota um modelo similar ao período anterior à Constituição, caracterizado por genocídio indígena. Bigonha expressa preocupação com a possibilidade de retrocesso nas garantias constitucionais dos indígenas, temendo um retorno à fase pré-Constituição e enfatizando que a proteção desses direitos é essencial para evitar políticas genocidas. Ele destaca a importância do Dia do Índio como um momento de reflexão sobre os desafios enfrentados pelos povos indígenas no Brasil (VALENTE, 2020).
Infelizmente, os últimos anos têm sido marcados por um significativo retrocesso para os povos indígenas no Brasil, à medida que a política se transformou em um meio de ataques abertos e sistemáticos contra essas comunidades originárias. A retórica e as ações do governo têm desencadeado um cenário preocupante, onde a proteção dos direitos indígenas, anteriormente respaldada por normativas constitucionais, tem sido posta em xeque. Essa inversão de valores representa não apenas uma ameaça iminente à preservação das culturas e territórios indígenas, mas também um desafio para o cumprimento de acordos internacionais de direitos humanos.
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O julgamento do Marco Temporal: Reflexões sobre o Veredicto e suas Implicações
Início do julgamento e o texto constitucional
A Carta Magna de 1988 reflete um notável esforço da Assembleia Constituinte para estabelecer um sistema normativo robusto, destinado a proteger de maneira eficaz os direitos e interesses das comunidades indígenas. Demonstrando avanços significativos, a Constituição aborda questões fundamentais relacionadas aos povos indígenas, incluindo a propriedade das terras que ocupam, a competência da União para legislar sobre suas populações, bem como as relações dessas comunidades com seus territórios, a preservação de suas línguas, usos, costumes e tradições.
O capítulo específico sobre os índios, presente no título VIII da Constituição Federal de 1988, nos artigos 231 e 232, reconhece a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos indígenas. O artigo 231 assegura a esses povos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, incumbindo à União demarcá-las, proteger e respeitar todos os seus bens (LIMA, 2010).
Essa Constituição, influenciada por um notável apoio político, destaca-se por sua preocupação em proteger os povos indígenas, enfatizando a concepção do homem indígena como ser primitivo, puro e não corrompido pela civilização. Reconhecendo os indígenas como comunidades, a ênfase constitucional recai especialmente na preservação de suas terras, garantindo-lhes a posse das áreas tradicionalmente ocupadas, excluindo, no entanto, aquelas que ocuparam no passado (LIMA, 2010).
O desafio da demarcação de terras no Brasil, conforme apontam as lideranças indígenas, é uma questão persistente ao longo de décadas. Atualmente, apenas 13,8% de toda a extensão territorial do país é ocupada pelos povos originários. Existem aproximadamente 680 áreas registradas na FUNAI com solicitações de demarcação, das quais 444 já foram homologadas, enquanto 237 territórios aguardam análise por parte desse órgão. O reconhecimento constitucional dos indígenas assegura a garantia contínua do domínio sobre seus territórios, conforme estabelecido no Estatuto do Índio e na Lei 6.001/73, especialmente no artigo 25. Este reconhecimento enfatiza que não é apenas o processo de demarcação em si que confere aos indígenas a titularidade de suas terras, mas sim as próprias disposições constitucionais que os designam como usufrutuários exclusivos das áreas tradicionalmente ocupadas por suas comunidades (MORO; FASSHEBER, 2023).
O litígio teve início em outubro de 2009, quando a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA/SC) moveu uma ação possessória contra a FUNAI e a União Federal, alegando ser legítima possuidora de uma área de oito hectares que abriga a Reserva Biológica do Sassafrás. A posse, segundo a FATMA, seria mansa, pacífica e ininterrupta por mais de sete anos. No entanto, cerca de cem indígenas teriam esbulhado a área, derrubando a mata nativa e construindo barracas. A FUNAI e a União, em resposta, alegaram que a área estava sob os efeitos de uma portaria do Ministério da Justiça e que estavam em andamento trabalhos de demarcação. Argumentaram também que as terras eram ocupadas imemorialmente pelos indígenas Xokleng e Guarani. O Ministério Público Federal (MPF) apoiou a posse anterior da FATMA, baseada na utilização da área para a Reserva Biológica do Sassafrás. O tribunal de primeiro grau julgou procedente a reintegração de posse, mas as partes requeridas apelaram (ALVES; JUNIOR, 2023).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve a decisão de primeira instância, afirmando que a posse não poderia ser perdida sem o devido processo legal e indenização, uma vez que o procedimento demarcatório ainda não havia sido concluído. O caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento aos recursos especiais. O MPF, pela primeira vez, alinhou-se às pretensões da FUNAI e da União. Em novembro de 2013, a FUNAI interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF), que foi admitido pelo TRF-4. Em 2014, os autos foram enviados ao STJ, que negou provimento aos recursos especiais. O STF aguarda o julgamento do recurso extraordinário interposto pela FUNAI contra o acórdão do TRF-4 (ALVES; JUNIOR, 2023).
Como se deu a argumentação?
O ministro relator, André Mendonça, fundamentou sua decisão em três razões principais, argumentando que "utilizar a data de 5 de outubro de 1988 como marco temporal violaria o direito originário dos povos indígenas à terra"(Supremo Tribunal Federal, 2023). Ele destacou "a inconstitucionalidade dessa abordagem, pois contraria o princípio da retroatividade da lei mais benéfica"(Supremo Tribunal Federal, 2023). O ministro ressaltou que "a ocupação tradicional de terras indígenas não se limita à data de 5 de outubro de 1988"(Supremo Tribunal Federal, 2023). Essa decisão marca um avanço histórico para os direitos indígenas no Brasil, sendo comemorada pelas comunidades e organizações envolvidas (Supremo Tribunal Federal, 2023).
Argumentos Contrários ao Marco Temporal:
A tese do marco temporal, contestada por diversos representantes dos povos indígenas, enfrenta críticas sob vários aspectos. Primeiramente, argumenta-se que essa abordagem ameaçaria a sobrevivência de muitas comunidades indígenas, bem como representaria uma ameaça às florestas. Além disso, alerta-se para o potencial caos jurídico que poderia surgir, gerando conflitos em áreas que já foram pacificadas devido à revisão de reservas demarcadas. (CNN Brasil, 2023) Outro ponto de discordância é a ideia de que a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam não deveria depender da existência de um marco temporal. Alega-se que a Constituição reconhece esses direitos como originários, ou seja, anteriores à própria formação do Estado. Além disso, destaca-se que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas, mas apenas as reconhece, sendo um ato declaratório. (CNN Brasil, 2023)
Argumentos Favoráveis ao Marco Temporal:
No lado oposto do debate, há defensores da tese do marco temporal, apresentando argumentos que sustentam sua validade. Um posto-chave é a preocupação com a possível "expansão ilimitada" para áreas já incorporadas ao mercado imobiliário caso não haja um marco temporal. Argumenta-se que a soberania e independência nacional estariam em risco sem a adoção dessa medida, destacando a necessidade de segurança jurídica para evitar conflitos territoriais. (CNN Brasil, 2023) Além disso, há a diferenciação entre posse tradicional e posse imemorial, sendo necessário um entendimento mais criterioso. A Constituição, ao estabelecer um prazo de cinco anos para a União efetuar a demarcação das terras indígenas, sugere a intenção constitucional de criar um marco temporal. Defende-se também que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina solicitada pela Funai é indevida, pois se sobrepõe a uma área de proteção ambiental. (CNN Brasil, 2023)
Caminho do meio: Argumentos apresentados pelo Ministro Alexandre de Morais
O ministro Alexandre de Moraes, ao se posicionar contra a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, adotou uma abordagem intermediária que busca conciliar os interesses de indígenas e produtores rurais. Além de rejeitar a proposta do marco temporal, Moraes sugeriu a possibilidade de indenização prévia aos fazendeiros de boa-fé que ocuparam territórios reconhecidos como de tradicional ocupação indígena. Propôs também uma compensação aos povos originários em casos de ocupação consolidada por não indígenas ou demarcação contrária ao interesse público, concedendo-lhes um território equivalente ao de tradicional ocupação. Essas medidas, apesar de reconhecidas pela anulação da tese do marco temporal, geraram críticas de entidades indígenas. (CNN Brasil, 2023)
Análise da Perspectiva do Ministério Público Federal (MPF) sobre a Questão em Pauta
O MPF reitera sua oposição à tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, emitindo enunciados que contestam o Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). O MPF argumenta que o parecer viola direitos indígenas garantidos na Constituição e em tratados internacionais. Destacando que o parecer tem prejudicado os processos de demarcação, o MPF enfatiza a necessidade de revogação deste parecer administrativo em prol da segurança jurídica. Os enunciados orientam os procuradores a não utilizar a data de promulgação da Constituição de 1988 como critério restritivo para os direitos territoriais indígenas. Além disso, esclarecem que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol aplicam-se especificamente àquele caso (G1, 2023).
Além disso, o Ministério Público Federal, em sintonia com as lideranças indígenas representadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), repudia o Parecer 001, evidenciando sua incompatibilidade com dados técnicos que indicam a paralisação das demarcações. O artigo "Em defesa das terras indígenas" escrito por (ARAUJO et al., 2013) e apresentado no site do MPF destaca a importância do protagonismo indígena na conquista de seus direitos, ressaltando a mudança de paradigma na Constituição de 1988. O texto aborda o desafio na demarcação de terras indígenas, sublinhando a relevância da regularização não apenas para garantir direitos, mas também para a preservação ambiental. (ARAUJO et al., 2013)
Vale ressaltar que, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) 1 do Ministério Público Federal desempenha um papel crucial ao lidar com as questões das populações indígenas e comunidades tradicionais. Abordando temas que englobam desde comunidades quilombolas e ciganos, a câmara busca preservar a diversidade étnica e cultural, enfrentando desafios significativos para garantir a pluralidade do Estado brasileiro, conforme preconiza a Constituição Brasileira.
A nota técnica do jurista Daniel Sarmento, elaborada para a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, aborda a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00 e sua relação com as cláusulas pétreas da Constituição Federal. A PEC propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a competência para a demarcação de terras indígenas, quilombolas e a titulação de terras tradicionalmente ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos. (SARMENTO, 2013)
A justificativa para a PEC 215 é que a demarcação de terras indígenas seria uma verdadeira intervenção federal em território estadual, e submetê-la ao Congresso Nacional evitaria conflitos federativos, proporcionando maior segurança jurídica. O parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da PEC, exceto pela parte que determinava a ratificação pelo Congresso Nacional das demarcações já homologadas, considerada inconstitucional. (SARMENTO, 2013)
A Terra como Pétrea: Protegendo o Direito Indígena nas Cláusulas Imutáveis da Constituição
As cláusulas pétreas na Constituição Federal, conforme estabelecido pelo artigo 60, são disposições consideradas imutáveis e essenciais, cuja alteração é vedada pelo processo de emenda constitucional. O mencionado artigo, ao delinear as regras para emendas, destaca a preservação de princípios fundamentais, especialmente no que diz respeito aos direitos e garantias individuais. O §4º do artigo 60 estabelece que não será objeto de deliberação qualquer proposta de emenda que vise abolir os direitos e garantias individuais. Essa salvaguarda assegura a intangibilidade de direitos considerados fundamentais para a proteção das liberdades individuais, resguardando um núcleo essencial da ordem constitucional brasileira. Este cuidado visa garantir a estabilidade e a permanência de prerrogativas que são consideradas pilares da democracia e do Estado de Direito. (REPÚBLICA, 1988)
Examinando as restrições formais e materiais impostas ao poder constituinte reformador pelo artigo 60 da Constituição Federal (REPÚBLICA, 1988), foram analisadas criticamente as interpretações restritivas que contestam a imutabilidade dos direitos sociais. Destacaram-se a visão de que os direitos fundamentais sociais representam valores essenciais de um Estado social e democrático de Direito, ressaltando-se que a sua abolição poderia resultar na própria destruição da identidade da ordem constitucional. (SARLET, 2003)
A análise aprofundada do art. 60, §4º, inciso IV, da Constituição, revela uma proteção não apenas aos direitos individuais tradicionais, mas a todos os fundamentos constitucionais, transcendendo as fronteiras do catálogo constitucional. A discussão se estende sobre os argumentos favoráveis a essa interpretação, conectando-se à necessidade moral de preservar a democracia e a igual dignidade, não apenas nas liberdades individuais, mas em todos os direitos fundamentais.
Explora-se a perspectiva de que as cláusulas pétreas desempenham o papel crucial de resguardar a identidade constitucional, destacando que a Carta de 1988 não se limita a uma abordagem liberal-burguesa, mas sim a um compromisso profundo com todos os direitos fundamentais. Essa visão abraça a missão de promover a dignidade humana em todas as suas dimensões, especialmente dos grupos vulneráveis, como os povos indígenas. (SARMENTO, 2013)
Um ponto crucial é a análise do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 939, que, ao considerar o princípio da anterioridade tributária como cláusula pétrea, estabelece um precedente para a inclusão de direitos fora do catálogo constitucional nesse guarda-chuva protetor. A conexão intrínseca entre a dignidade humana e o direito dos indígenas às terras tradicionais, conforme consagrado no art. 231. da Constituição Federal, reforça a argumentação em prol da imutabilidade desses direitos fundamentais. Este mergulho nas entranhas da Constituição desvenda as complexidades da proteção constitucional, revelando como os direitos indígenas são intrinsecamente ligados ao núcleo inalterável da nossa Lei Fundamental.(SARMENTO, 2013)
Entre o Reconhecimento Formal e a Realidade: O Direito Originário Ancestral nas Terras Indígenas
Apesar da Constituição Federal de 1988 ser um marco no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no constitucionalismo latino-americano, o caso da Terra Indígena São Marcos (TISM) ilustra a disparidade entre o reconhecimento formal e a prática. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.512-RR questiona, no Supremo Tribunal Federal (STF), a legalidade da sede do município de Pacaraima na TISM. O Ministro Relator, ao decidir favoravelmente à permanência, alega que as terras não estavam demarcadas por falta do requisito da tradicionalidade, mencionando registros suspensos devido a uma nova política do Governo Federal (STF, 1996). Essa decisão, embora aprovada, pode ser contestada com base no princípio constitucionalista, especialmente na Tese do Indigenato da CF/88, que reconhece as Terras Indígenas como direito originário ancestral. Além de violar esse direito, a medida busca retroceder em direitos legitimamente reconhecidos, aplicando teses arbitrárias, como a polêmica Tese do Marco Temporal-TMT (RAPOSO; SILVA, 2020) (Supremo Tribunal Federal, 2016).
A evolução histórica da legislação indígena no Brasil, apresentando três paradigmas predominantes ao longo do tempo: o do extermínio, o da integração e, posteriormente, o de reconhecimento de direitos originários e ampliação de garantias após a Constituição Federal de 1988. No contexto colonial, as normas eram voltadas para a escravização indígena e a apropriação das terras brasileiras. Na fase imperial e republicana, a norma indigenista se consolidou sob a política integracionista, buscando a assimilação das comunidades indígenas ao modelo da sociedade imposta (SOUZA; BARBOSA, 2011).
A Constituição de 1934 trouxe uma política de tutela dos direitos indígenas, mas, na prática, institucionalizou uma política de integração, onde as comunidades indígenas eram incentivadas a renunciar às suas identidades para se adequar ao modelo nacional. Essa concepção persistiu em Constituições subsequentes e em dispositivos infraconstitucionais, como o Código Civil de 1916 e o Estatuto do Índio de 1973, que, apesar de defenderem a preservação da cultura indígena, mantiveram uma abordagem integracionista (BRASIL, 1973), (FILHO, 2016) e (SOUZA; BARBOSA, 2011).
O Estatuto do Índio, em vigor, é criticado por sua intenção integracionista, que contraditoriamente coexiste com a proteção da cultura indígena. A legislação atual, segundo o texto, apresenta incongruências ao disciplinar o processo de integração do índio à comunhão nacional, prejudicando a efetividade dos direitos indígenas (BRASIL, 1973) e (SOUZA; BARBOSA, 2011).