Considerações finais
o Estatuto do Índio de 1973, que regulamentava as relações tuteladas entre o Estado e as comunidades indígenas. O modelo tutelar buscava a assimilação cultural, a extinção das instituições e costumes indígenas considerados incompatíveis com o modo de vida nacional, resultando em uma política que ignorava as diversidades culturais e impunha padrões alheios às comunidades tradicionais. (ALMEIDA, 2018)
A Constituição Federal de 1988 representou um marco de mudança nesse cenário, reconhecendo os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas. O artigo 231 da Constituição estabelece que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam", conferindo proteção jurídica a esses direitos ancestrais. (REPÚBLICA, 1988)
No entanto, apesar do reconhecimento formal desses direitos, a realidade enfrentada pelas comunidades indígenas muitas vezes difere do que está estabelecido na Constituição. O caso da Terra Indígena São Marcos, mencionado anteriormente, ilustra como a aplicação desses direitos ainda enfrenta desafios significativos. A decisão que questiona a legalidade da sede do município de Pacaraima na TISM mostra como a falta de demarcação e a aplicação de teses como a do marco temporal podem colocar em risco esses direitos originários.
Portanto, apesar do avanço normativo representado pela Constituição de 1988, é fundamental que haja uma efetiva implementação desses direitos na prática. Isso inclui a conclusão do processo de demarcação de terras indígenas, o respeito aos modos de vida e às tradições culturais das comunidades indígenas, e a superação de teses que possam comprometer esses direitos, como a do marco temporal.
A atuação do Ministério Público Federal e de entidades indígenas em defesa desses direitos é crucial para garantir que o reconhecimento formal se traduza em efetiva proteção e respeito aos direitos originários dos povos indígenas. A questão indígena no Brasil envolve não apenas considerações legais, mas também demanda uma reflexão profunda sobre a justiça social, a preservação da diversidade cultural e a promoção de uma convivência mais justa e sustentável.
As discussões mais recentes sobre o "marco temporal" no contexto das demarcações de terras indígenas no Brasil são abordadas em dois artigos distintos. O primeiro, intitulado "Marco temporal e a judicialização da demarcação de terras indígenas no Brasil," analisa a judicialização desses processos, destacando o impacto dessa doutrina na proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas. Ao enfatizar a influência do "marco temporal" nos litígios judiciais, o artigo contribui para a compreensão das complexidades legais que envolvem as demarcações e sinaliza para possíveis desdobramentos futuros. (CORREIA; CARVALHO, 2023)
O artigo "Direito ao território indígena no regime democrático: marco temporal como projeto neocolonialista, "oferece uma perspectiva crítica sobre a proposta do "marco temporal" como um projeto neocolonialista. Discute-se a fragilidade nas decisões sobre demarcações e ressalta a ameaça representada por essa doutrina aos direitos indígenas conquistados desde a promulgação da Constituição de 1988. A análise destaca a importância da resistência e do apoio das comunidades indígenas diante desses desafios, proporcionando uma visão atualizada sobre as implicações do "marco temporal" e suas ramificações nas lutas por territórios indígenas no Brasil. Esses debates recentes contribuem para a compreensão do cenário atual e para a reflexão sobre o futuro dos direitos indígenas no país. (FERNANDES; AMARAL; SOUSA, 2023)
Referências
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