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PL regulamenta legítima defesa:

um feixe de luz numa claridade

31/10/2024 às 14:19

Resumo:


  • O PL nº 748/2024 propõe modificações no instituto da Legítima Defesa, especialmente em casos de legítima defesa da propriedade.

  • A proposta do PL inclui a possibilidade de considerar em legítima defesa o uso de força letal para repelir invasão de domicílio e a utilização de ofendículos, armadilhas e artefatos semelhantes para proteção da propriedade.

  • O projeto busca alinhar a legislação brasileira com a Stand Your Ground Law, presente em diversos países e estados dos EUA, visando garantir a proteção dos cidadãos em situações de risco.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Vive-se uma onda temporal do etiquetado direito penal de terceira via, aquele que volta seu olhar para a defesa dos direitos e interesses das vítimas.

Resumo: Pretende-se apresentar estudos preliminares acerca do PL nº 748/2024, que tramita no Congresso Nacional, cujo fim colimado é introduzir modificações no instituto da Legítima Defesa, notadamente, em casos de legítima defesa da propriedade.

Palavras-chave: Direito; penal; legítima defesa; propriedade; modificações.


O direito é ciência informada precipuamente por modelos de comportamentos padrões toleráveis pela sociedade. Esses modelos padrões sofrem mutação social em face das transformações e dinamismo da sociedade. A Carta Magna de 1988 define modelo, regime e sistema de governo, trata de temas como Administração Pública, organização dos poderes, defesa das instituições democráticas, define campos para a ordem social, além de tantos outros temas de relevância para a sociedade, numa espécie de normas de comando com viés programático.

A meu sentir, a parte mais importante da Constituição Federal é aquela definidora dos direitos e garantias fundamentais, artigo 5º, lançado em 79 incisos de promoção dos direitos humanos, de cláusula pétrea, numa espécie de limitação do poder estatal; o último inciso, LXXIX, inserido por advento da Emenda Constitucional nº 115, de 2002, visa assegurar o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

A doutrina pátria mais autorizada entende que existem apenas dois direitos fundamentais absolutos, quais sejam, o direito de não ser torturado e o direito de não ser escravizado. Nem mesmo a vida é direito plenamente absoluto, considerando que em certas ocasiões, em caráter excepcional, o Estado autoriza a sua supressão, como nos casos de legítima defesa e estado de necessidade.

Aliás, nesse sentido, o Código penal, em seu artigo 23 define os casos de excludentes de ilicitude, deixando para o artigo 25, o detalhamento do instituto da legítima defesa. Senão vejamos:

Legítima defesa

Art. 25. - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Recentemente, o Pacote Anticrime, Lei nº 13.964, de 2019, deu nova redação ao parágrafo único do art. 25. do CP, para considerar também em legítima defesa, amparando o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Agora, o PL nº 748/2024, em tramitação no Congresso Nacional propõe mudanças na legislação sobre legítima defesa em casos de invasão de domicílio e colocação de dispositivos de defesa da propriedade. Mas quais seriam essas propostas?

De início propõe inserir um parágrafo no artigo 25 do CP, dispositivo para considerar também em legítima defesa o agente que usa força letal para repelir invasão de seu domicílio, residência, imóvel ou veículo de sua propriedade, quando neles se encontrar.

E mais que isso, noutro parágrafo, o autor da proposta propõe tornar lícita, para a proteção da propriedade, o comportamento de quem utiliza de ofendículos, armadilhas e artefatos semelhantes, além de cães de guarda, não respondendo o proprietário criminal ou civilmente por eventuais lesões ou mesmo pela morte do invasor.

Desta feita, o senador, autor da proposta, apresenta justificação, dentre outros fundamentos:

“preocupa-nos as situações concretas em que o agente tem sua casa invadida pelo criminoso. Ora, nessas situações, é de se presumir que o pior está por acontecer, inclusive a morte e o sequestro de pessoas, além de sua utilização como reféns, de modo que a “utilização moderada dos meios necessários”, neste caso, deve compreender a utilização de força letal. Isso porque é de presumir que o invasor esteja portando arma branca ou arma de fogo e que não titubeará em utilizá-la para conseguir o seu intento ou para evadir-se”

E prossegue:

“Consideramos lícita a utilização de ofendículos e armadilhas para a proteção da propriedade, de modo que o proprietário não deve responder criminal ou civilmente por eventuais lesões, ou mesmo a morte do invasor”.

Nesse sentido, propõe-se alteração do art. 25. do CP, para incorporar essas regras, que foram inspiradas na Stand Your Ground Law, existente em diversos países e estados dos Estados Unidos da América.


Reflexões finais

Claro que a matéria posta é recheada de elevado conteúdo de cunho social e jurídico. Situações de invasões a prédios, residências, sítios, propriedades rurais, veículo, além de outros, acontecem todos os dias neste país. Fatos como esses não devem ser romantizados. Viver o direito penal não é a mesma coisa que desfrutar as maravilhas de Gramado, nem Campos de Jordão, nem Monte Verde nas Minas Gerais. Não existem fantasias e sonhos; tudo é filme de terror. Vítimas são expostas a toda sorte de constrangimentos; pessoas amordaçadas, confinadas em banheiros, sob mira de armas de fogo; um país tomado pela violência, altos índices de criminalidade; um Estado via de regra sempre ausente, vivendo de propagandas corporativas, um jogo de luz e de vaidade, disputas por holofotes, um narcisismo corporativo cada vez maior. Afora a gritante omissão estatal, temos um ente público que exige muito do seu contribuinte e pouco ou quase nada oferece.

Imagine-se a situação hipotética de um cidadão trabalhador, cumpridor de seus deveres, dentro de sua casa, gozando o conforto de toda sua família, depois de haver trabalhado horas a fio. Ele é surpreendido por um criminoso dentro de seu quarto, de posse de uma arma de fogo, ameaçando explodir todo mundo, querendo dinheiro, invadindo seu sagrado direito de privacidade, intimidade, e tudo que garante do art. 5º, inciso X, da Carta Magna. Diante do quadro caótico, esse morador previdente, sem tantas alternativas, resolve usar moderadamente dos meios necessários, uma faca por exemplo, ou uma arma de fogo, investe contra o estranho e consegue matá-lo aí mesmo, ficando o invasor inconsequente, imobilizado, em decúbito dorsal. O desesperado herói protetor de sua família, aliviado, revolve acionar a Polícia para registrar os fatos. Aqui sem muito esforço, claramente configurado o instituto da legítima defesa. Assim, conforme dicção da norma permissiva, age em legitima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Primeiro, a paz e a tranquilidade dentro ou fora do domicílio recebem proteção constitucional. Elevado à categoria de proteção no rol dos direitos fundamentais, artigo 5º, inciso XI, segundo o qual, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Diante do exposto em epígrafe, acredita-se que o morador que claramente agiu em legítima defesa não terá tantos aborrecimentos para obter o acolhimento do sistema de justiça. Mesmo com todo esse quadro hipotético, claro como a luz solar, certo como qualquer expressão algébrica, é possível aparecer algum ator social, usando-se de todos os contorcionismos exegéticos querendo forçar outro entendimento. Para evitar entendimentos aberrantes, agora o Parlamento pátrio deseja colocar essa situação no Código Penal, para desenhar uma clara situação de legítima defesa, até mesmo para evitar que apareçam os garantistas de plantão, filiados à teoria do garantismo monocular hiperbólico, tentando encontrar fio de cabelo em ovos.

A proposta também cria outra situação de legítima defesa ao disciplinar no § 3º, do artigo 25 do CP, a legítima defesa da propriedade com a utilização de ofendículos, armadilhas e artefatos semelhantes, além de cães de guarda, não respondendo o proprietário criminal ou civilmente por eventuais lesões ou mesmo pela morte do invasor.

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“Art. 25. ................... ...................................................................

§ 2º Considera-se também em legítima defesa o agente que usa força letal para repelir invasão de seu domicílio, residência, imóvel ou veículo de sua propriedade, quando neles se encontrar.

§ 3º É lícita, para a proteção da propriedade, a utilização de ofendículos, armadilhas e artefatos semelhantes, além de cães de guarda, não respondendo o proprietário criminal ou civilmente por eventuais lesões ou mesmo pela morte do invasor. ”

O certo é que nesse tema do uso de ofendículos, armadilhas, artefatos, cães e outros não existe ponto pacífico na doutrina e jurisprudência deste Torrão: ora alguns posicionam como exercício regular de direito, ora como legítima defesa preordenada, e outros como legítima defesa putativa. Não existe dominância nesse assunto. Há quem afirma que os riscos pelo uso desses dispositivos correm por conta de quem os utiliza. Se o uso do dispositivo, atinge um ladrão na ocasião do furto ou do roubo, ocorre em princípio legítima defesa; se apanham, contudo, uma criança ou um inocente, há pelo menos crime culposo, sobretudo, pelo uso de dispositivos de fácil alcance em sem colocar as placas de aviso do perigo iminente.

O instituto da legítima defesa da propriedade é previsto no Direito Civil Brasileiro, no campo da defesa da propriedade, como o nome de desforço imediato. Destarte, o desforço imediato tem previsão legal, sendo autorizado pela disposição do parágrafo primeiro do artigo 1.210 do Código Civil. Assim, o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. Ato contínuo, o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

A meu aviso, a proposta possui excepcional relevância social e jurídica. Claro que a sociedade aguarda, ansiosa, pelos desfechos da tramitação do PL em epígrafe, eis que a criminalidade assume índices intoleráveis no país; o povo preso em casa e os delinquentes quase sempre em liberdade; as leis via de regra, permissivas. É sabido que se vive uma onda temporal do etiquetado direito penal de Terceira Via, aquele que deve volver seu olhar mais amiúde para a defesa dos direitos e interesses das vítimas. Como profissional do direito, ator social e lente defensor da paz social, espera-se que seja a proposta discutida a luz dos ditames da justiça, do interesse público, da proibição do retrocesso social, da proteção eficiente do cidadão, que tem por finalidade precípua o amparo do povo que vem sofrendo com as ações deletérias de criminosos desamados que não acreditam mais no sistema de justiça criminal; lamenta-se, o crime organizado se agiganta velozmente como a formação de novos grupos criminosos, passando por milícias privadas, novo cangaço, o fenômeno do ruralização do crime organizado, a indústria dos crimes cibernéticos, e tantos outros, fazendo mister a instrumentalização do estado para estancar com eficiência a hemorragia das organizações criminosas que desafiam a estrutura do estado ortodoxo.


Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

(No caminho com Maiakóvski - Eduardo Alves da Costa)


Referências

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em <https://planalto.gov.br>. Acesso em 01 de outubro de 2024.

BRASIL. Código Penal. Disponível em <https://planalto.gov.br>. Acesso em 01 de outubro de 2024.

BRASIL. Código Civil. Disponível em <https://planalto.gov.br>. Acesso em 01 de outubro de 2024.

BRASIL. Projeto de Lei nº 748, de 2024. Disponível em <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/162588>. Acesso em 01 de outubro de 2024

REVISTA PAZES. No caminho com Maiakóvski. Disponível em: <https://www.revistapazes.com/no-caminho-com-maiakovski-celebre-poema-de-eduardo-alves-da-costa/>. Acesso em 01 de outubro de 2024.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. PL regulamenta legítima defesa:: um feixe de luz numa claridade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7792, 31 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111309. Acesso em: 22 dez. 2024.

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