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O sursis processual e o crime eleitoral

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09/04/2008 às 00:00
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8.Da Perda ou Não dos Direitos Políticos em Face do Sursis Processual

A jurisdição eleitoral se acha prevista nos artigos 118 a 121 da Carta Magna, sendo classificada como uma Justiça Federal Especial, cuja organização é composta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), pelos Juízes Eleitorais e pelas Juntas Eleitorais.

Com referência ao tema ora em estudo, assente-se que, à luz do artigo 35 do Código Eleitoral, é da competência do Juiz Eleitoral processar e julgar crimes eleitorais, a saber:

Art. 35. Compete aos Juízes:

I -.. ........................................................................................................................

II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;.....

Como sabido, a competência da Justiça Eleitoral é constitucional e se consuma em razão da natureza da infração, a teor do artigo 74 do Código de Processo Penal.

Já o art. 15 da Constituição Federal dispõe:

Art. 15. É vedada a cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

Em igual sentido, a Lei Complementar nº 64, de 18/05/1990, que dispõe sobre os casos de inelegibilidade, prevê que:

Art. 1º. São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

.............................................................................................................................;

e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena;

Ora, à vista de tais normas – o art. 15 inciso III da CF e o art. 1º inciso I alínea "e" da Lei Complementar nº 64/90 – indaga-se então se a decisão homologatória do sursis processual afeta ou não os direitos políticos do réu.

Eis a resposta: não! Sem dúvida, como já visto, em se tratando de uma mera decisão interlocutória – que não julga o mérito, que não condena e nem absolve –, efetivamente em nada afeta ou repercute na seara dos direitos políticos do réu, conforme assim preleciona pacífica jurisprudência, apud Luiz Flávio Gomes [14]:

"A decisão que decreta a suspensão do processo (porque não discute a culpa) não julga o mérito, isto é, não absolve, não condena nem julga extinta a punibilidade, decorrendo então que não gera nenhum efeito penal secundário típico de sentença penal condenatória, muito menos afeta quaisquer direitos políticos" (TJSC, Processo-Crime n. 96002025-0, Rel. Nilton Macedo Machado).

E reforçando a resposta negativa, trago à baila dois acórdãos sobre inelegibilidade e sursis processual, a saber:

Acórdão 30.015 – TRE/PR: "Consulta eleitoral. Ocorrência de inelegibilidade caso candidato a cargo eletivo venha a aceitar proposta de suspensão condicional do processo. Não caracterização de Inelegibilidade, que só ocorre com o fenômeno da res judicata.

Não gera efeitos secundários a suspensão do processo, porque nele não se decide sobre a culpabilidade do denunciado, muito menos se dá a perda ou suspensão dos direitos políticos, que só ocorrem com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 15, III, da Constituição Federal). Resposta negativa à consulta" – (Acórdão nº 30.015, TRE/PR, de 22.04.98, Relatoria do Juiz Ruy Formiga Barros).

Acórdão 24.086 – TER/PR: "A suspensão dos direitos políticos somente ocorre com o trânsito em julgado da condenação criminal. Inquéritos policiais e ações penais pendentes de julgamento não acarretam a inelegibilidade.

O instituto da suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95) não importa em reconhecimento de culpabilidade nem em aplicação de pena. Por isso, não gera inelegibilidade" – (Acórdão nº 24.086, de 23.8.00, do TRE/PR, Relatoria do Des. Roberto Pacheco Rocha, originado do Recurso Eleitoral nº 633/00, em que se discutia registro de candidatura).

Em suma, pois: nada obstante a suspensão condicional do processo gerar muitos efeitos, como, por exemplo, a paralisação do processo, a suspensão do curso da prescrição (art. 89, § 6º, da Lei 9.099/95), o início do período de prova (que pode ser de dois a quatro anos) não gera nenhum efeito penal secundário típico da sentença penal condenatória (rol de culpados, maus antecedentes, reincidência etc.) e, muito menos, não implica em perda ou suspensão dos direitos políticos, os quais não são afetados e continuam incólumes, consoante sólido entendimento doutrinário e jurisprudencial, ao que me filio, in totum.


9.Da Conclusão

À evidência, diante do expendido nesse estudo, conclui-se que o sursis processual, positivado no Direito Pátrio via art. 89 da Lei 9.099/95, de fato é um instituto eficaz, prático, desburocratizante e extremamente benéfico ao réu, mormente se o mesmo praticou o delito ou pelo menos tenha dificuldade em provar eventual álibi.

Cuida-se, sim, de instituto eficiente e pragmático, senão vejamos: uma vez presentes os requisitos objetivo e subjetivo, o Ministério Público, no exercício do seu poder-dever, já no bojo da denúncia, oferta a proposta de sursis processual; o Estado-Juiz, recebendo a denúncia, de logo designa audiência para tal finalidade, sendo que nessa audiência, o réu, na presença de defensor, caso aceite a suspensão condicional do processo, de logo será submetido a um período de prova (de dois a quatro anos), mediante condições exaradas em decisão interlocutória homologatória, que não entra no mérito e sequer examina a culpabilidade.

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A partir dessa decisão, caberá ao réu cumprir as condições, no prazo estipulado, e ao cabo lhe será declarada extinta a punibilidade, resultando o sursis processual, em suma, numa série de vantagens para o réu, a saber: evita-se a instrução da ação, não necessitando mais o réu comparecer ao Fórum para audiências; evita-se a inscrição do réu no rol de culpados, sem qualquer registro de antecedentes criminais e muito menos de reincidência, afora a suspensão do curso da prescrição durante o período de prova; e não gera nenhum efeito em sede de Direito Eleitoral, vez que não há suspensão ou perda dos direitos políticos do réu.

E toda essa dinâmica e operacionalidade do instituto aplica-se a qualquer delito, pouco importando a sua natureza – se comum, tributário, ambiental, eleitoral, militar etc. – valendo-se registrar que a grande maioria dos crimes eleitorais permite o sursis processual, posto que, como não prevêem pena mínima in abstracto, aplica-se, ope legis, a regra do art. 284 do Código Eleitoral, isto é, quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a pena de reclusão.

Por último, assevere-se que a competência para fiscalização e execução das condições impostas no sursis processual é exclusiva do Juízo Processante (Comum ou Eleitoral), do Juízo da Causa, do Juízo Natural – e jamais do Juízo da Vara das Execuções Criminais – haja vista que a decisão judicial que homologa o benefício é uma decisão interlocutória, que não absolve e não condena, isto é, não enfrenta o mérito – até porque, acaso o réu não cumpra as condições, o sursis processual será revogado e o processo voltará a seu curso normal, sem outra oportunidade para igual fim, salvo motivo justificado. Dessarte, na hipótese de o réu residir em outra Comarca ou Zona Eleitoral (em sendo caso de crime eleitoral), o Juízo Processante poderá deprecar a feitura da audiência de sursis processual, bem como a fiscalização das condições impostas pelo Juízo Processante ou Deprecante. Deverá o Juízo Deprecado tão apenas realizar a audiência e fiscalizar as condições, devolvendo a Deprecata, ao depois, devidamente cumprida ou não, mas não podendo, em hipótese alguma, revogar o benefício ou alterar as condições impostas.

Alfim, na condição de magistrado criminal há mais de dez anos, entendo que o sursis processual é um instituto real, concreto, eficiente, prático, ressocializador, que faz aproximar o réu e a "sua vítima", evita a impunidade – na medida em que o Estado-Juiz dá uma resposta à vítima de pronto, ali mesmo na audiência –, e, por outro lado, efetiva o Principio da Segurança Pública, a Paz Social, materializando e dando concretude à chamada Justiça Penal Consensual – que é um valor de Justiça factível, palpável, concreto e jamais virtual. É, portanto, manifestamente contrário à impunidade, um dos maiores males desse País, diferentemente, pois, data venia, do adotado pelos sequazes do "direito penal romântico"ou "direito penal virtual".


10.Da Bibliografia

CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 4ª ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, v.2

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Edipro, 2006.

CORDEIRO, Vinicius, DA SILVA, Anderson Claudino. Crimes Eleitorais e seu Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997

.GRINOVER, Ada Pellegrini ; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997.

KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: A concretização antecipada do poder de punir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2000

NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 3ª ed. São Paulo: Lúmen Júris, 2000

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000.


Notas

01 NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.409

02 CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 4ª ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, v. 2, p. 39

03 KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: A concretização antecipada do poder de punir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 156.

04 GOMES, Luiz Flávio.Suspensão Condicional do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 222.

05 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 168.

06 GRINOVER, Ada Pellegrini ; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 286.

07 CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Edipro, 2006, p. 281.

08 Op.cit. p. 260.

09 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 251

10 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 3ª ed. São Paulo: Lúmen Júris, 2000, p. 215.

11 Op. cit., p. 337.

12 CORDEIRO, Vinicius, DA SILVA, Anderson Claudino. Crimes Eleitorais e seu Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 257.

13 Op. ciit, p. 325

14 Op. cit. p. 323.

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Sobre o autor
João Hora Neto

juiz de Direito no Estado de Sergipe, professor de Direito Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Novo Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORA NETO, João. O sursis processual e o crime eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1743, 9 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11133. Acesso em: 20 abr. 2024.

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