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Prisões: uma defesa racional

24/10/2024 às 19:20
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A relação entre prisão de criminosos e diminuição de crimes parece bastante direta.

Ao fazer uma rápida pesquisa na internet, é muito simples enxergar o quão comum é ler frases como: “o sistema penitenciário é falido” ou “prisões são escolas do crime”. A intelectualidade brasileira e ocidental adora clamar por uma “inovadora” reforma do sistema, que, aos olhos de quem lê, gera a sensação de um mundo desenvolvido, moderno e dinâmico, capaz de fornecer práticas ou teorias de referência que embasem essa nova forma, pretensamente mais humana e eficiente, de fazer as coisas.

A verdade é que as prisões são o melhor meio de combater criminosos reincidentes e que análises excessivamente individualizantes, que mostram uma baixa conscientização dos bandidos como demonstrações de uma realidade caótica, excluem os inúmeros benefícios psicológicos, sociais e econômicos de quem diminui seu contato com criminosos, graças a medidas de encarceramento.

O professor David Fraser demonstra em seu livro A Land Fit for Criminals (uma análise detalhada sobre a criminalidade no Reino Unido) que, em 2003, a quantidade de criminosos reincidentes nas prisões do Reino Unido era de aproximadamente 40 mil (45 mil incluindo mulheres), enquanto o número aproximado de criminosos reincidentes nos quatro países do Reino chegava a 155 mil. No Brasil, não é diferente: segundo dados do Instituto Sou da Paz, fonte insuspeita, apenas 35% dos homicídios são esclarecidos no Brasil. A média global é de 63%. Em 2021, o estado do Rio Grande do Norte esclareceu só 9% de seus homicídios. Até processar, julgar e condenar é mais um caminho enorme; a quantidade de criminosos fora da cadeia deveria gerar atenção enormemente maior do que a do suposto “encarceramento em massa”, tema que será abordado mais à frente.

Um estudo publicado pelo Home Office (ministério do interior), acerca de estatísticas criminais em Inglaterra e Gales, mostra que, a cada 1.000 criminosos presos, evita-se aproximadamente 4 homicídios, 53 estupros, 1.200 agressões (do inglês “assault”, sem tipificação específica na legislação brasileira), 2.600 invasões, 1.100 assaltos à mão armada e 9.200 roubos sem uso de violências adicionais (do inglês “theft”). Em outras palavras, de acordo com o estudo, um criminoso na cadeia equivale a 15 crimes a menos nas ruas.

E quanto custa esse investimento? Um estudo feito por Daniel Seligman e Joyce E. Davis e publicado na Fortune em 1996 aponta que, na época, o custo do encarceramento era, no mínimo, 10 mil dólares por ano menor do que manter o criminoso na rua. Fraser aponta em seu livro que os gastos com o sistema prisional entre 1998 e 1999 foram de 1,9 bilhões de euros por ano e que um estudo publicado alguns anos antes estimava o custo da criminalidade em 60 bilhões de euros por ano. Os gastos do National Health System visando solucionar os problemas psicológicos e físicos causados às vítimas estavam estimados em 1,1 bilhão de euros anuais; caro é deixar o criminoso na rua.

A “escola do crime”: muito se argumenta que os presídios brasileiros são verdadeiras escolas do crime. Com certeza, dentro dos presídios, os criminosos conseguem ampliar seus laços, mas isso é muito mais um tema que versa sobre a organização dos presídios do que sobre o “prender ou não”. Outro ponto interessante está nessa visão que vende os criminosos de primeira viagem como inocentes ingênuos em meio aos malvados professores, experientes na arte da vileza. Dados obtidos em 2020 pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ apontam que a taxa de retorno ao sistema prisional é de 42% (o que deixa claro que 4 a cada 10 presos já passaram por ali antes, sendo já versados na arte do crime), um número de professores por aluno jamais visto em qualquer rede de ensino do mundo.

Intelectuais progressistas costumam sempre apelar para penas alternativas, apontando taxas de ressocialização estrondosas se comparadas aos meios convencionais. Como o mundo trata seus criminosos? A prisão perpétua existe em quase todos os países do mundo, incluindo boa parte dos ditos “desenvolvidos”: Áustria, Bélgica, República Tcheca, Estônia, Alemanha, Lituânia, Luxemburgo, Reino Unido, Países Baixos (a pena é aprovada pela Corte Europeia de Direitos Humanos) e Canadá. Japão e EUA possuem pena de morte. De acordo com o professor Adriano Gianturco, os países que mais evitam a prisão perpétua estão na América do Sul ou na América Central, regiões que concentram alguns dos países mais violentos do mundo. Algum nível de penalidade alternativa pode e deve ser discutido, mas isso não pode, de forma alguma, envolver pedófilos, estupradores, homicidas, latrocidas e assim por diante. A regra, por todo o mundo, para crimes graves é: penas duras, sem possibilidade de progressão.

O professor David Green demonstra que a relação entre prisão de criminosos e diminuição de crimes parece bastante direta, como demonstrado pelo British Crime Survey (BCS), em dados que vão de 1981 a 2003.

Um estudo publicado na revista Choice in Welfare em 1997 analisou dados de Inglaterra, Escócia, Irlanda, França, Áustria, Países Baixos e Dinamarca, buscando confrontar a possibilidade de encarceramento e o aumento da quantidade de crimes registrados, encontrando uma relação positiva entre as duas variáveis (quanto mais chance de prender o criminoso, menor o índice de crimes registrados).

No Brasil, o Estado que concentra mais presos é São Paulo, com aproximadamente 200 mil encarcerados. Em compensação, as taxas de homicídios são inferiores a 10 por 100 mil habitantes, sendo a menor taxa do Brasil, muito distante dos 23,6 por 100 mil que são a média nacional. Claro que a intenção não é encontrar uma causalidade tão direta; obviamente, a questão dos homicídios é multifatorial. A questão do encarceramento não define, mas auxilia na diminuição dos números alarmantes de homicídios.

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Como diria o jurista clássico italiano Cesare Beccaria: “A certeza da pena vale mais do que a intensidade da punição.” Mas a intensidade da punição também vale alguma coisa. Estudos do Home Office, citados por David Fraser em sua obra, reforçam isso:

"As taxas de reincidência, que para aqueles liberados após uma sentença de até um ano são de 60%, caem drasticamente para 33% para aqueles liberados após uma sentença de quatro a dez anos, e para ainda mais baixo, 27%, para aqueles que cumpriram penas de dez anos ou mais." (Fraser, 2008)

O último tema a ser tratado é sobre a “superpopulação carcerária.” Esse tópico sempre vem como pano de fundo de discursos sustentados em movimentos anti-prisão, nunca dispostos sobre bases de “precisamos construir novos presídios.”

Esse argumento tem ao menos três falhas graves: o Brasil é o sétimo país mais populoso do mundo; óbvio que seria uma das maiores populações carcerárias em números absolutos. Em termos relativos, o Brasil é apenas o vigésimo sexto (com penas brandas e progressão facilitada). O segundo ponto é que ele exclui os presos no regime semiaberto, que, de acordo com os dados mais recentes do governo federal, é de 112.980; os presos em regime fechado são apenas 360 mil. O terceiro é acerca da taxa de ocupação de acordo com a capacidade, que, de acordo com o World Prison Brief, coloca o Brasil como septuagésimo quarto 74 país do mundo, à frente de países como Paraguai 38 e Peru 18, muito próximo de países como França 79 e Uruguai 76.Mesmo que o Brasil possuísse verdadeiramente um encarceramento em massa(o que, como mostram os dados, está longe de ser verdade),isso não deveria ser motivo suficiente para liberar os presos mas sim construir novos presídios, o que pode ser politicamente impopular(principalmente no nível local, ninguém quer um presidio perto de casa),segundo a ONU o Brasil é o decimo quarto país com mais mortes por 100 mil habitantes(em termos relativos, nos dados absolutos o Brasil é o primeiro).

Esse artigo não visa, de maneira reducionista, estabelecer o aumento de prisões como uma espécie de panaceia, capaz de solucionar todos os problemas de segurança pública. A função principal da cadeia é afastar o criminoso da sociedade. Para evitar a formação de criminosos, a celeridade e a força da punição também são fatores importantes, mas deve-se também avaliar questões de base, como moralidade social, educação e renda. A intenção aqui é tão somente expor verdades bem fundamentadas e combater aqueles que acham que tudo o que foi apresentado se resolve com “pena alternativa” e ressocialização.


Referências bibliográficas

Beccaria, C. (1764). On Crimes and Punishments. [Texto clássico sobre a eficácia das penas].

Fraser, D. (2008). A Land Fit for Criminals: The Crime Policy of the New Labour Government. [Análise detalhada da criminalidade no Reino Unido].

Gianturco, A. (2023). Em defesa da prisão perpétua. Gazeta do Povo. Recuperado de https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/adriano-gianturco/em-defesa-da-prisao-perpetua/

Green, D. (n.d.). Crime is falling because prison works. Civitas. Recuperado de https://www.civitas.org.uk/research/crime/facts-comments/crime-is-falling-crime-because-prison-works-david-green/

Instituto Sou da Paz. (2021). Estatísticas de Homicídios no Brasil. [Dados sobre homicídios e segurança pública no Brasil]. Disponível em: sou-dapaz.org

JusBrasil. (2023). Europa aprova prisão perpétua desde que com revisão. Recuperado de https://www.jusbrasil.com.br/noticias/europa-aprova-prisao-perpetua-desde-que-com-revisao/100599270

Mello, R. (2023). O excesso de prisões no Brasil: um outro ângulo. Consultor Jurídico. Recuperado de https://www.conjur.com.br/2023-dez-14/o-excesso-de-prisoes-no-brasil-um-outro-angulo/

World Prison Brief. (2023). Data on Prison Populations and Conditions Globally. Disponível em: prisonstudies.org

British Crime Survey. (2003). Statistical Bulletin. [Dados sobre a relação entre encarceramento e criminalidade].

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Sobre o autor
Lucas Dias Diegues

Graduando em ciência política pela pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e estudante assíduo das relações entre direito e política

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIEGUES, Lucas Dias. Prisões: uma defesa racional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7785, 24 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111378. Acesso em: 22 nov. 2024.

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