Resumo do artigo
O presente artigo tem como fito a análise de forma crítica do liberalismo - em sentido político, como aduz Norberto Bobbio - com a democracia representativa - cujo poder encontra-se sob domínio popular. Ademais, será realizada no artigo em questão revisão de literatura com base nas obras de Bobbio, sendo estas "Liberalismo e Democracia", "Estado, Governo, Sociedade" e "O Futuro da Democracia". As conclusões tiradas no artigo são: democracia é compatível com liberalismo e aquela se origina deste.
INTRODUÇÃO:
A democracia é um instituto que remonta à Grécia Antiga. Nesta, havia uma democracia direta, em que o poder era exercido diretamente pelo povo - uma parcela pequena dele, composta por homens atenienses livres acima de trinta anos de idade.
Evoluindo o instituto, diante disso, vê-se que a revolução francesa de 1789 ampliou a democracia representativa, dessa vez não mais direta como na Grécia Antiga, sendo este modelo expandido pelo mundo pela origem da revolução na França. Esta foi influenciada pelo iluminismo, uma doutrina filosófica ou um momento filosófico que teve como expoentes Locke, Rousseau, Montesquieu, Bentham e Mill, por exemplo. Esta doutrina tem como cerne o individualismo - doutrina esta que considera a sociedade formada por átomos, ou seja, os indivíduos - e o racionalismo - a o prestígio da razão.
Já com a Revolução Industrial do século XVIII, houve uma mudança dos paradigmas econômicos, com a análise de Karl Marx (1818-1883), com o capitalismo que formou duas classes antagônicas: burguesia e o proletariado. A primeira é detentora dos meios de produção, já a segunda era explorada de forma intensiva pela primeira classe, cuja única opção é a venda de sua força de trabalho. Diante disso, veio como marco os Direitos Fundamentais de segunda geração ou dimensão - os chamados Direitos Sociais -, que vieram com as lutas sociais e com o socialismo científico de Marx e Engels. Também, deu origem tais lutas à social-democracia, que unem os Direitos Fundamentais de primeira geração e de segunda geração.
Portanto, deve-se ressaltar algumas questões importantes: liberdade e liberalismo e democracia.
LIBERDADE: ANTIGA E MODERNA
Liberdade é um conceito mutável ao longo do tempo e do espaço, porquanto muda de povo para povo e de tempo para tempo. Dessa forma, deve-se atentar para o conceito de liberdade na antiguidade, diferente da liberdade na modernidade. Segundo CONSTANT (2019, p. 47-48):
"[...] Era isso o que os antigos chamavam de liberdade, eles admitiam, como compatível com a liberdade coletiva, a sujeição completa do indivíduo à autoridade do todo."
"Assim, entre os antigos, o indivíduo, soberano quase que habitualmente nos negócios públicos, é escravo em todas as suas relações privadas."
Portanto, essa liberdade para os antigos é o que se considera atualmente no Direito Constitucional, dentro da Teoria dos Status de George Jellinek, como um status participativo, pois "O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria. Era isso o que eles chamavam de liberdade (CONSTANT, 2019, p. 59)." Dessa forma, só se considerava a liberdade como dentro do Estado, não fora dele ou contra ele, pois apesar dos cidadãos não terem uma autonomia da vida privada, decidem de maneira coletiva e diretamente sobre o bem comum numa democracia direta, como era a grega citada por Constant.
Outrossim, ressaltar-se-á também a liberdade dos modernos, vinda da revolução francesa de 1789. Para CONSTANT (2019, p. 59): "O objetivo dos modernos é a segurança nos prazeres privados; e eles chamam de liberdade as garantias concedidas pelas instituições a tais prazeres." Diante do exposto, conclui-se, portanto, que a liberdade para os modernos ou para a modernidade tem o status negativo dentro da Teoria dos Status de George Jellinek, ou seja, uma liberdade que vem aliada ao abstencionismo estatal na vida privada, sem que o Estado intervenha de maneira negativa na autonomia privada dos indivíduos que nele residem e são povo.
Pode, porventura, um povo ser considerado livre sem o princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada? O presente autor compreende que não, exemplificando com uma frase de CONSTANT (2019, p. 65): "A independência individual é a primeira das necessidades modernas." A liberdade é o motor central da vida moderna e contemporânea, pois na Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu Art. 5º, IV, VI, VIII, IX, X, XI e XII - como formas de exemplificar a liberdade em sentido genérico - consagra as liberdades básicas conquistadas na Revolução Francesa, em sua Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, não podendo ser deixado um Direito Fundamental à liberdade lato sensu ser inaplicado na realidade - até porque o Art. 5º, § 1º aduz que "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata." Diante do exposto, observa-se que não é possível retornar a um estado pré-liberdade ou pré-liberal, como à moda absolutista, porque apesar do direito à liberdade não ser absoluto, foi conquistado historicamente - não podendo ser deixado de lado, pois como aduz IHERING (2019, p. 25):
"O fim do direito é a paz, e o meio para atingi-lo é a luta. Enquant0 o direito precisar estar pronto ante a agressão da injustiça, o que ocorrerá enquanto existir o mundo, não poderá se poupar da luta. A vida do direito é a luta, uma luta dos povos, do poder do Estado, das classes, dos indivíduos."
Conclui-se, diante das teses apresentadas, que o conceito de liberdade, na contemporaneidade, vem atrelada à ideia de abstencionismo do Estado nas relações privadas, sendo a ideia atrelada às democracias liberais contemporâneas - seu núcleo básico junto à soberania popular - estão atreladas à ideia de democracia liberal representativa e deve ser defendida, por ser um princípio basilar do Estado Democrático de Direito e do Estado Liberal Contemporâneo.
LIBERALISMO E DEMOCRACIA: HÁ COMPATIBILIDADE ENTRE AMBOS?
"O liberalismo é pai da democracia!" Se não houvesse o primeiro, dificilmente haveria a segunda. Aduz BOBBIO (2017, P. 67):
"O nexo recíproco entre liberalismo e democracia é possível porque ambos têm um ponto de partida em comum: o indivíduo. Ambos repousam sobre uma concepção individualista da sociedade."
Dessa forma, vê-se que o individualismo é característica comum, um ponto conexo, entre o liberalismo e a democracia. Observando a definição de individualismo, diz BOBBIO (2017, p. 67):
"[...] O individualismo considera o Estado como um conjunto de indivíduos e como resultado da atividade deles e das relações por eles estabelecidas entre si."
Tem-se, dessa maneira, a definição de individualismo, que nada mais é do que considerar a sociedade formada por, alegoricamente falando, diversos átomos que se agregam para formar o todo, ou seja, indivíduos que se juntam para formar a sociedade e por fim o Estado.
Também, deve-se atentar que liberdade e igualdade são contrários, sendo a segunda valor da democracia e o primeiro valor do liberalismo, pois:
"[...] liberdade e igualdade são valores antitéticos, no sentido de que não se pode realizar plenamente um sem que se limite fortemente o outro: uma sociedade liberal-liberista é inevitavelmente inigualitária, assim como usa sociedade igualitária é inevitavelmente iliberal. Libertarismo e igualitarismo fundam suas raízes em suas concepções do homem e da sociedade profundamente diversas: individualista, conflitualista e pluralista a liberal; totalizante, haarmônica e monista a igualitária (BOBBIO, 2017, p. 62)."
Sendo valores contrários, o que une os dois institutos, democracia e liberalismo, respectivamente? Une os dois institutos BOBBIO (2017, p. 66) ao dizer que:
"[...] Se é verdade que os direitos de liberdade foram, desde o início, a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade."
Finaliza o parágrafo, ainda, afirmando:
"Hoje somente os Estados nascidos das revoluções liberais são democráticos e somente os Estados democráticos protegem os direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo são simultaneamente antiliberais e antidemocráticos (BOBBIO, 2017, p. 66).
Também, BOBBIO (2017, p. 68) ainda alega:
" [...] A combinação entre liberalismo e democracia não somente é possível, como também necessária. "
Diante do exposto, vê-se que o liberalismo foi e é a condição para a democracia, esta retro-alimentando aquele, porquanto a democracia é que permite que o liberalismo, com a defesa dos Direitos Fundamentais de primeira, segunda, terceira e quarta dimensões, esteja em vigor - os Direitos Fundamentais de primeira geração - pois defende o regime democrático as regras do jogo, como diz Bobbio.
Finaliza-se, portanto, a exposição do tópico em questão com a conclusão de BOBBIO (2017, p. 69):
"Das duas faces do indivíduo, o liberalismo observa a que está voltada para o interior; a democracia, a voltada para o exterior. Trata-se de dois indivíduos potencialmente diversos: o indivíduo como microcosmo ou totalidade em si mesma completa, e o indivíduo como partícula indivisível (átomo), mas diversamente componível e recomponível com outras partículas semelhantes em uma unidade artificial (e, portanto, sempre decomponível)."
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que diferentemente do que dizem os teóricos marxistas, socialistas, os tiranos ou ditadores iliberais e antidemocráticos - a democracia é perfeitamente compatível com o liberalismo, pelos motivos expostos durante todo o artigo. Dessa forma, a democracia e o liberalismo se originam, este gera aquela ao dar o grito de liberdade na Revolução Francesa ("liberdade, igualdade e fraternidade), e se retroalimentam, a democracia protege os direitos individuais com as regras do jogo, protegendo os direitos de primeira geração, principalmente - sendo este o tema do presente artigo, o qual o autor defendeu -, os de segunda, terceira, quarta e quinta gerações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, N. Liberalismo e Democracia. 1 ed. São Paulo: EDIPRO, 2017.
IHERING, R.V. A Luta pelo Direito. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2019.
CONSTANT, B. A Liberdade dos Antigos Comparada à dos Modernos. 1 ed. São Paulo: EDIPRO, 2019.