RESUMO
Como o Sistema Judicial Brasileiro se estrutura, pode estar intimamente ligado a uma cultura de impunidade que prejudica o desenvolvimento nacional. Isso se dá, por diversos motivos, pelas barreiras sociais e econômicas de entrada em cargos decisórios do Poder Judiciário. Desta forma, ocorre um privilégio às classes dominantes da sociedade, garantindo a elas a manutenção de um poder econômico em detrimento das outras classes sociais. Pode se citar, como exemplos, teses como a do mero aborrecimento e o enriquecimento ilícito, onde fica demonstrado esse privilégio, isso porque empresas podem enriquecer de forma ilícita e o consumidor deve suportar tal situação recebendo julgamentos que afirmam terem sido alvos de um mero aborrecimento, ou estresse cotidiano. Contudo, a situação se alastra nas mais diversas relações sociais e não só as empresas, mas toda a sociedade recebem um sinal onde podem dar continuidade a um serviço/ produto/ relação medíocre, inclusive causando danos patrimoniais aos cidadãos, que o Poder Judiciário vai tutelar aquele negócio jurídico como válido, criando precedentes perigosos e outros ineficazes, que apesar de positivos, não são aplicados de forma generalizada.
Palavras-chave: enriquecimento ilícito, precedentes, poder judiciário:
INTRODUÇÃO
O poder judiciário, ao longo da sua existência, iniciou-se com indicação de juízes quando da época imperial, alterado para concursos ao fim do período imperial, mantendo-se assim até os dias atuais. Concursos esses, que a princípio excluíam, dada a configuração da sociedade, pessoas pretas, pobres e que não tinham acesso ao ensino superior.
Essa estratificação causa marcas no Poder Judiciário, que desde então é composto por uma classe abastada, majoritariamente branca e com pouco ou nenhum conhecimento da sociedade de fato, ou seja, da forma como a sociedade ocorre e se resolve nas classes mais baixas.
Ainda que não ocorra de forma intencional, há uma prevalência em se manter o status quo, que pode ocorrer por diversos fatores, dentre eles o parentesco de juízes com empresários e outros setores que acabam sendo beneficiados, por sentenças pouco ou nada efetivas.
Diferente de sistemas como o Common Law, onde os precedentes se tornam a própria lei, o Brasil adota o sistema Civil Law, onde leis são criadas e regulam a vida social. Apesar de um arcabouço enorme de leis, estas não permitem uma margem de interpretação extensa como fazem entender os magistrados.
Além disso, a existência de um precedente, não garante sua aplicação de forma inteligente e satisfatória na maioria das vezes, gerando uma distorção na sociedade e aumentando a sensação de impunidade e um esgarçamento do tecido social, que se diga de passagem, já é fragilizado no Brasil dadas as inúmeras tentativas e os efetivos golpes que aqui ocorreram.
DESENVOLVIMENTO
O Judiciário é um dos poderes constituídos da República Federativa do Brasil, responsável pela aplicação das leis, no decorrer da história do Brasil, houve diversas formas de ingresso para se habilitar como magistrados, culminando por fim no Concurso Público para juízes e merecimento/ produtividade para desembargadores, além do quinto constitucional.
Contudo, não se pode negar a história do país, tendo ocorrido um genocídio sistemático dos povos originários, desde a descoberta portuguesa das terras sul-americanas, perspectiva europeia/ invasão das terras de Pindorama, perspectiva dos povos indígenas, bem como a manutenção de um regime escravocrata da população africana, trazida forçadamente ao Brasil, por aproximadamente 200 anos.
Não é possível a negação destes fatos históricos, pois estes fatos determinam até os dias atuais que o judiciário seja majoritariamente composto de pessoas brancas, do gênero masculino, com alto poder aquisitivo e que teve pouco ou nenhum contato com as adversidades existentes nas camadas mais profundas da sociedade brasileira.
Há exceções a essa regra e são geralmente utilizadas para difundir uma ideia de meritocracia, que é injusta, pois se cria no imaginário uma ideia de possibilidades de superação que não é real para todos.
Essa mistura, tem gerado desde os tempos mais remotos do judiciário uma distorção que privilegia majoritariamente uma classe-média, média-alta e alta em detrimento das classes mais baixas. Fortalecendo um abismo social, onde os mais pobres não conseguem real acesso ao judiciário e consequentemente acreditam que a impunidade é a regra, enquanto os mais ricos têm a seu dispor todos os meios legais.
Isso inclusive pode ser observado mediante diversos fatores, dentre eles constitui-se uma barreira extremamente problemática, a linguagem, ainda que um cidadão brasileiro saiba falar a língua portuguesa, terá dificuldades de compreender aspectos legais. Isso porque o “juridiquês”, uma mistura de língua culta e os vocábulos em latim, não são aplicados no dia a dia do brasileiro médio, excluindo-os assim do debate.
Origem do Sistema Jurídico Brasileiro
O Brasil, adota como modelo para seu Sistema Jurídico, o Sistema Romano-Germânico, também conhecido como Civil Law, onde basicamente o magistrado é um aplicador da lei. Sendo as leis criadas pelos poderes legislativos, federal, estaduais e municipais.
Assim, o peso de uma decisão judicial não deveria ultrapassar sua esfera de aplicação, ou seja, a jurisdição daquele tribunal, ocorre que com o passar do tempo, inicia-se uma emulação do Sistema Anglo-saxão, também como conhecido como o Common Law, dada a posição de imperialismo primeiramente da Inglaterra e posteriormente com os Estados Unidos da América.
O sistema Common Law, utilizado, principalmente nos países Anglo-saxões, utiliza-se do costume como sua fonte principal do direito, ou seja, é comum que um julgado seja aplicado como uma norma, quando da consolidação de um caso.
Logo, o Brasil, por adotar o Civil Law, tem a legislação criada pelo poder legislativo, que utiliza das diversas fontes do direito, no intuito de normatizar uma situação ou ainda prevenir outras situações, não sendo necessariamente uma situação concreta.
Nos últimos anos é possível observar criação de Leis específicas, regulando situações, que se tornaram midiáticas, como a Lei Carolina Dieckman e a Lei Mari Ferrer, ambas protegendo mulheres de situações concretas.
Para fins de delimitação do que é apresentado nesse artigo, desconsiderar-se-ão concretos e legislações que envolvam o direito criminal, atendo-se apenas ao Direito Civil e Processual Civil, mas as situações se assemelham em todos os Códigos legais brasileiros.
Isso porque, há um problema de origem, ou seja, na criação das leis pelo poder legislativo, que sofre influências políticas, tornando-as ambíguas e muitas vezes até inaplicáveis, dando origem a máximas como “essa lei não pega”, mas também um problema de aplicação, que vem da interpretação e aplicação dos magistrados, que por sua vez, podem interpretar de forma diversas, dada a existência de ambiguidades, como da aplicação de teses não previstas em qualquer legislação.
Em alguns casos, como no SPVAT (antigo DPVAT) a lei tinha previsões dos valores de reparação, mas dado o momento de sua criação, os valores acabaram ficando distortos com o tempo.
Ora, na lei promulgada em 2007, do antigo DPVAT, houve a fixação do valor de R$ 13.500,00 para o evento morte, quando o salário mínimo nacional era de R$ 415,00, ou seja, à época equivaleria aproximadamente a 32 salários mínimos. Em 2024, o evento morte no trânsito equivale aproximadamente a 9 salários mínimos, quando o valor atualizado do equivalente à época, seria de R$ 45.280,00.
Aqui se encontra um dos grandes problemas da reparação cível no país, é preocupante, como a vida passa a perder valor e como ficam os entes vivos, após a perda do ente para um acidente de trânsito. Para fins de exemplificação, segue julgamento que ocorreu no Tribunal de Justiça de São Paulo.
“Ação de indenização em razão de acidente de trânsito. Alegação de prescrição afastada. Responsabilidade subjetiva do réu, motorista do ônibus, comprovada, em especial a conduta culposa. Excludente não demonstrada, assim como a alegação de culpa concorrente, afastada. Pensão alimentícia, de natureza civil, devida. Verba que não se confunde com a pensão previdenciária. Danos morais evidentes e presumidos. Dano in re ipsa. Montante indenizatório. Redução para R$ 60.000,00 para cada autor, diante das particularidades do caso concreto e das condições das partes, com correção do arbitramento e juros de mora da citação. Litigância de má-fé. Inocorrência. Recurso provido em parte.” (Apelação n.º 0017650-22.2008.8.26.0506, 13ª Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Cauduro Padin, DJ: 11/03/2021).
Já em casos como o das indenizações por danos morais a lei o prevê, mas fica a cargo do magistrado, mensurá-lo e fixá-lo. Então, devido a diversos fatores, mas também pelos apontados anteriormente, qual seja, a falta de diversidade no poder judiciário, social, étnica dentre outras. Cria-se um tribunal elitista e voltado aos interesses burgueses.
Essa situação gera então uma situação de insegurança jurídica, que, por sua vez, gera um sentimento de insatisfação com o poder judiciário. Onde o cidadão não acredita que compensa esperar o tempo processual para obter uma sentença que lhe negue direitos e, por sua vez, confirme a máxima de que a “lei não vale para todos”.
Além disso, como pode se observar no Estudo do ICJBrasil - Índice de Confiança na Justiça no Brasil, realizado em 2021, apenas 40% confiam no Poder Judiciário, tendo outros dados alarmantes para a percepção:
A má avaliação da Justiça também reflete as dimensões de honestidade, competência e independência. Em 2021, 70% dos entrevistados consideraram o Poder Judiciário nada ou pouco honesto, ou seja, a maioria da população entendeu que essa instituição tem baixa capacidade para resistir a subornos. Além disso, 61% dos respondentes consideraram que o Judiciário é nada ou pouco competente para solucionar os casos; e 66% acreditam que o Judiciário é nada ou pouco independente em relação à influência dos outros Poderes do Estado. (Grifo nosso)
Um exemplo, de insegurança jurídica e até mesmo do sentimento de impunidade, são as indenizações por danos material, moral ou a imagem, previstos na Constituição Federal e em outro Códigos, como o Civil e o de Defesa do Consumidor, que nem sempre são assegurados dada a existência de teses como o “mero aborrecimento”. Ainda que conforme o ICJBrasil, “89% afirmaram que buscariam o Judiciário para solucionar um problema decorrente das relações de consumo”.
Apesar de não ser o Brasil, um país que adote o Common Law, a legislação acaba por trazer elementos alienígenas ao Direito Processual, como o Sistema de Precedentes, que se acredita pode gerar uma segurança jurídica, mas o que já era aplicado antes do Código de Processo Civil de 2015, já demonstra que há novamente um erro de origem.
É importante frisar que a TV Justiça é um canal de transparência do judiciário para com o cidadão médio, que apesar dos esforços, como dito anteriormente, acaba por apresentar o vocábulo jurídico, ou vulgarmente chamado de ‘juridiquês’ trazendo aos leigos dificuldade de compreensão.
Sistema de precedentes e legislação
Um dos grandes problemas sobre o sistema de precedentes é que a sua utilização se adequa desigualmente à sociedade. Assim sendo, não são observados critérios que o tempo altera. Para fins de exemplificação, o precedente utilizado para a inscrição indevida não tem seu valor atualizado desde quando fora fixado em 2009.
RESPONSABILIDADE CIVIL. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DA CLIENTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL PRESUMIDO. VALOR DA REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO DO QUANTUM. I - O dano moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplente é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. III - Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, atendendo às peculiaridades do caso concreto, o que, na espécie, não ocorreu, distanciando-se o quantum arbitrado da razoabilidade. Recurso Especial provido (STJ - REsp: 1105974 BA 2008/0260489-7, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 23/04/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 20090513 --> DJe 13/05/2009)
Desde lá houve alterações significativas no valor da moeda, o que anteriormente era R$ 10.000,00 deveria ser hoje aproximadamente R$ 23.660,20, ou se fizer a comparação através do salário mínimo, temos que à época o salário era de R$ 465,00, logo a indenização seria aproximadamente 21,50 salários mínimos. Atualmente, em 2024, o salário mínimo é de R$ 1.412,00, multiplicado por 21,5, o montante de R$ 30.358,00.
Logo, o montante pago hoje, é ineficaz para cumprir a finalidade punitiva e pedagógica.
Além disso, outro problema quanto ao sistema de precedentes é a inobservância dos magistrados quanto às fixações. Não se espera que uma empresa cujo capital social seja de R$ 100.000,00, seja condenada em R$ 10.000,00, em caso de inscrição indevida, isso porque feriria o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Contudo, o que se observa, são empresas que reportam lucros milionários e bilionários, sendo condenadas a pagar montantes pequenos, variando entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00.
Apelação Cível. Ação Reparatória por Danos Morais. Instituição Financeira. Verbete n.º 297 da Súmula do Colendo Tribunal da Cidadania. Alegação pela demandante de inscrição de seu nome em cadastros protetivos de crédito com base em débito oriundo de relação jurídica que alega desconhecer. Sentença de improcedência. Irresignação autoral. Demandada que não logrou apresentar o contrato que teria ensejado o débito objeto da inscrição dos dados da Requerente nos cadastros de inadimplentes. Ré que se restringe a juntar extratos do seu sistema interno de controle, desprovidos de força probatória, já que produzidos unilateralmente, e faturas do suposto cartão de crédito titularizado pela Postulante, das quais não é possível extrair o número de contrato constante da certidão de cessão de crédito realizada com o Banco Itaú. Ausência, ademais, de comprovação de efetiva comunicação à Requerente da cessão e da negativação. Correspondência enviada para endereço diverso daquele indicado como de domicílio da Postulante. Falha na prestação do serviço configurada. Requerida que não se desincumbiu do ônus constante do art. 14, § 3º, do CDC. Cobrança de débito cuja existência e origem não restou demonstrada. Consectária ilegitimidade da inscrição da Demandante em cadastros restritivos. Dano moral in re ipsa. Incidência do entendimento consolidado no Verbete n.º 89 da Súmula de Jurisprudência Predominante desta Egrégia Corte Estadual ("A inscrição indevida de nome do consumidor em cadastro restritivo de crédito configura dano moral, devendo a verba indenizatória ser fixada conforme as especificidades do caso concreto, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade."). Verbete Sumular n.º 385 do STJ que não se aplica ao caso. Ausência de anotações pré-existentes à época do apontamento desabonador incluído pela Demandada. Critério bifásico para a quantificação do dano moral. Verba compensatória que deve ser fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em harmonia com os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade e com precedentes deste Nobre Sodalício em casos análogos. Reforma da sentença vergastada para condenar o Requerido ao pagamento de compensação por danos morais, com incidência de juros de mora da inscrição indevida, nos termos do Verbete Sumular n.º 54 do STJ, e correção monetária a partir do arbitramento, conforme Verbete Sumular n.º 362 da Nobre Corte da Cidadania. Redistribuição dos ônus sucumbenciais, com a atribuição integral de tais encargos tão somente à Apelada. Conhecimento e provimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 00327542120188190208 202300171952, Relator: Des(a). SÉRGIO NOGUEIRA DE AZEREDO, Data de Julgamento: 04/09/2023, VIGÉSIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 11ª CÂM)(grifo nosso)
Há então uma distorção que, em não sendo corrigida, gera ainda mais injustiça, sob o pretexto de enriquecimento ilícito, porque se penaliza o autor do processo, possível vítima, em detrimento do réu, possível infrator.
Da maneira que se encontra hoje, o dano moral não tem qualquer condão punitivo-pedagógico, isso porque magistrados podem não observar os precedentes e, quando observarem e eventualmente aplicarem, podem gerar em uma pequena empresa um dano maior que o previsto.
Não obstante o problema apontado, ainda surgem teses e teorias que são no mínimo desrespeitosas para com o cidadão, como incentivadoras de uma ineficiência estrutural, cita-se como exemplo, a famigerada tese do mero aborrecimento. O fato de a vida cotidiana, trazer estresses e inconvenientes frequentes, não pode servir de parâmetro para que o cidadão tenha seus direitos violados, devendo ser exatamente o oposto.
O cidadão que enfrenta 4 a 5 horas de trânsito para ir e voltar do seu emprego, não deve suportar ter que adentrar um labirinto telemático para poder falar com um atendente e ainda esperar 1 hora para poder cancelar um serviço que não lhe é mais útil. É premiar a empresa por prestar um serviço medíocre e requerer do consumidor que aceite um estresse que a empresa poderia sanar por meio de diversos outros meios.
Outro ponto, importante se refere à independência real do poder judiciário, não é incomum observar eventos realizados por tribunais, cujo patrocínio para a realização são de empresas que são ou serão julgadas por aquela corte, um exemplo, notável é o que a imprensa optou por chamar de “Gilmarpalooza”.
O evento, cujo verdadeiro nome é, Fórum Jurídico de Lisboa, ocorre na capital portuguesa e é promovido pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) conta com a presença de diversos parlamentares, ministros de Estado e das Cortes Superiores, bem como chefes do Executivo e até mesmo magistrados.
Durante sua realização, eventos paralelos são promovidos por bancos, varejistas e outros nomes de peso do PIB brasileiro, que podem estar sendo autores e/ou réus em ações que serão julgadas pelas cortes, país afora.
A quem serve o enriquecimento ilícito
Por fim, mas não menos importante, há ainda um excesso de zelo pregado pelos magistrados, quando da aplicação dos precedentes. Diz-se que o cidadão, não pode utilizar o judiciário para se enriquecer ilicitamente.
No artigo 884, do Código Civil, diz que “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
Na lição de Acquaviva, enriquecimento sem causa é:
"Aumento de patrimônio de alguém, pelo empobrecimento injusto de outrem. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso". E quanto à denominação ilícito muitas vezes utilizada, esclarece: "É o proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso de direito, ensejando uma reparação".
Observe que só, conforme entendimento apresentado, só seria enriquecimento sem causa, caso aumentasse o patrimônio de um, com o empobrecimento injusto de outrem, dois pontos devem ser observados, primeiro, o empobrecimento não ocorre de forma injusta, mas sim na forma punitivo-pedagógica, logo há uma questão de justiça sendo questionada, ainda, falar em empobrecimento de empresas que lucram bilhões de reais, é no mínimo controverso.
Ora, o que ocorre é, na verdade, um prêmio ao enriquecimento ilícito, de alguns, empresas bilionárias, em detrimento de outros, cidadãos que não lucram bilhões, gerando uma sensação de revolta e de crença de que a impunidade é o melhor caminho para se viver no Brasil.
Em lista publicada pelo CNJ dos maiores litigantes no que diz respeito ao polo passivo, entre os 20 maiores, 9 são entes da Administração Pública, 8 são bancos, 2 são empresas de telecomunicação e 1 empresa de energia elétrica.
Através disso, pode-se observar que as empresas, em sua maioria, são causadoras de alguns danos recorrentes aos seus consumidores e, em consequência disso, acabam por ser mais acionadas no judiciário.
Contudo, dos 210 milhões de habitantes do Brasil, segundo o CNJ, apenas, 143 a cada mil habitantes ingressaram com uma ação em 2023. Não é factível acreditar que apenas 1% da população teve algum problema com os grandes litigantes e, consequentemente, tal situação gera aos litigantes um enriquecimento ilícito baseado no que se deixa de demandar judicialmente.
Com a descrença da população em ter sanado os seus problemas no judiciário, dadas as barreiras de entrada, quais sejam, desconhecimento da legislação, teses como a do mero aborrecimento e até mesmo a vergonha de ter o seu nome em um processo judicial, gera um abismo, onde poucos são privilegiados com algum saneamento de seus litígios e muitos ficam à margem do Estado.
Um exemplo simples, mas emblemático, é a perda da comanda, que alguns estabelecimentos transferem aos consumidores o dever de zelar pelo controle dos seus gastos e, em caso de perda desta, pagam uma multa. Há uma grande discussão sobre a ilegalidade da cobrança, mas na maioria das situações o consumidor não tem como isentar-se de pagar.
Não é estranho no judiciário haver a devolução dos valores, sem a condenação em danos morais. A empresa realiza o procedimento com diversas pessoas, mas aqueles que não têm conhecimento jurídico, acabam por não serem ressarcidos, gerando um enriquecimento ilícito por parte da empresa. Para fins de exemplificação:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO AUTOR. PERDA DE CARTÃO DE ESTACIONAMENTO. COBRANÇA DE TAXA POR EXTRAVIO. ABUSIVIDADE CONSTATADA. COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO (ART. 42, PAR. ÚNICO, DO CDC). NÃO CABIMENTO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANOS MORAIS. PREPOSTOS DA EMPRESA QUE AGIRAM EM EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO, SEM EXCESSOS. COBRANÇA INDEVIDA QUE CARACTERIZA MERO DISSABOR DO COTIDIANO. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS, NOS TERMOS DO § 11, DO ART. 85, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C. Cível - XXXXX-37.2017.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende - J. 05.12.2020) (TJ-PR - APL: XXXXX20178160194 PR XXXXX-37.2017.8.16.0194 (Acórdão), Relator: Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende, Data de Julgamento: 05/12/2020, 9ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/12/2020)
Situações como essa são mais comuns do que deveriam, porque as empresas geralmente possuem corpo jurídico que as orienta nas melhores práticas, mas ter o judiciário como aliado, passa a ser o melhor dos mundos para elas.