SUMÁRIO
O texto explora as várias teorias que buscam justificar a causa da obrigação tributária. Parte-se das duas noções principais derivadas de Aristóteles: a causa eficiente e a causa final. No contexto do direito tributário, essas ideias são interpretadas de diversas formas. A causa eficiente é vista como a ação legislativa que cria a obrigação tributária, enquanto a causa final seria a razão econômica e social que fundamenta essa obrigação, como a necessidade de financiar o bem-estar público. O texto analisa o impacto dessas noções, desde as influências do direito privado até adaptações para o direito público, e apresenta teorias adicionais que se concentram na relação entre o tributo e a capacidade contributiva dos cidadãos. O documento conclui que a aplicação dos conceitos de causa no direito tributário é complexa e, por vezes, controversa, pois muitos autores defendem que a causa em si não é um elemento constitutivo da obrigação tributária, sendo mais apropriado pensar em termos de fontes legais e princípios constitucionais.
Palavras-chave: relação causal, obrigação tributária, capacidade contributiva
ABSTRACT:
The text explores various theories that seek to justify the cause of the tax obligation. It starts with two main notions derived from Aristotle: the efficient cause and the final cause. In the context of tax law, these ideas are interpreted in various ways. The efficient cause is seen as the legislative action that creates the tax obligation, while the final cause is the economic and social reason that underpins this obligation, such as the need to finance public welfare. The text analyzes the impact of these notions, from influences in private law to adaptations in public law, and presents additional theories that focus on the relationship between the tax and the taxpayers' ability to pay. The document concludes that the application of the concepts of cause in tax law is complex and, at times, controversial, as many authors argue that the cause itself is not a constitutive element of the tax obligation, being more appropriate to think in terms of legal sources and constitutional principles.
1. INTRODUÇÃO
Um dos mais discutidos temas em direito das obrigações é a teoria da causa. Esta, segundo alguns, seria um dos elementos constitutivos da obrigação, junto com os sujeitos ativo e passivo e o objeto (ou prestação). Há outros, porém, que afirmam que aqueles estariam incluindo um quarto vértice no triângulo já formado.
Para alguns autores, estudo do tema é de grande importância para estabelecer os elementos constitutivos, ou integrantes, da obrigação, em especial a tributária. Afinal, uma vez definidos, a ausência de um desses implicaria na inexistência da própria obrigação, conforme Rubens Gomes de Souza:
O exame da causa tributária é importante na prática para se verificar se o tributo é, ou não, devido seja como matéria de defesa nos processos de cobrança, seja como fundamento do pedido de restituição (1975, p. 99).
Conforme será demonstrado, a determinação da causa e o reconhecimento, ou não, da sua existência, dentro do direito tributário, dependem do próprio conceito de causa adotado. Nesse sentido, afirma Gilberto de Ulhôa Canto:
O que transtorna consideravelmente a pesquisa é o fato de alguns autores procurarem a causa de determinada obrigação tributária, especificamente considerada, e outros a genérica (fundamento) do direito do Estado a impor tributos (1955, p.2).
Por isso, o presente trabalho inicia com a análise do conceito de causa e segue com a apresentação das diferentes teorias conforme o conceito adotado: ou a causa formal ou causa final. Por fim discutir-se-á a possibilidade de aplicação da idéia de causa, teoria oriunda do direito civil, ao direito público, em especial o direito tributário.
2. CONCEITO DE CAUSA
No presente capítulo apresentaremos as duas principais noções de causa que foram inicialmente apresentadas por Aristóteles: a causa eficiente e causa final.
Aristóteles define a causa eficiente como aquilo "de onde provém o começo primeiro da mudança ou do repouso" (2009, p. 48). Essa ideia remete à ação ou agente que inicia um processo, como um escultor que dá forma a uma estátua ao transformar a matéria bruta. Já a causa final, que ele descreve como "aquilo em vista de que" algo ocorre, é o objetivo ou finalidade para a qual um objeto existe (2009, p. 59). No mesmo texto, Aristóteles exemplifica a causa final na construção de uma casa, onde o fim é proporcionar abrigo e segurança para os seus ocupantes.
Assim, causa eficiente de alguma coisa é o elemento que lhe dá origem. Está advém da idéia de causa-efeito, oriunda das ciências naturais, que é bem sintetizada nas leis físicas de Isaac Newton. A primeira lei afirma que os corpos tendem a permanecer em inércia, se não houver qualquer elemento que sirva como causa da mudança de estado; portanto, se não há causa não há efeito. Do mesmo modo, o deslocamento de um objeto tem como causa uma força de igual proporção. E, por fim, toda força é causa de outra força em sentido oposto.
Enquanto na relação de causa e efeito são necessários dois elementos, o conceito de causa no seu sentido final requer a existência de um ser titular de vontade específica para atribuir a determinado ato uma finalidade própria. Assim, uma pessoa, ao constituir um contrato de compra e venda com outra, tem como causa a alienação do bem.
O conceito de causa final teve maior repercussão no direito privado como elemento constitutivo dos atos negociais, mas diferencia-se da noção de motivo. Este seria constituído pelos interesses extrajurídicos do sujeito, como as oportunidades negociais e perspectiva de realização de um bom negócio. Do outro lado, a causa estaria relacionada ao diretamente ao aspecto jurídico do ato, como afirma Pontes de Miranda:
Entre motivo e causa a diferença logo ressalta se tomamos o exemplo do empréstimo: a causa é credendi, mas pode bem ser que só se tenha feito por impulso de amizade, para que o devedor pagasse outra dívida, ou fizesse outra operação. Ora, esses motivos são estranhos ao direito, que os desconhece no vigiar se o negotium entra em alguma figura jurídica. Juridicamente, tais motivos são sem importância; mas a causa, não. É o fundamento jurídico, o alicerce para construção da figura, porque só excepcionalmente se admitem negócios jurídicos abstratos, como os títulos ao portador e - necessariamente - a cambia: são casas lacustres, sem as paredes alicerçantes, abstraídas as causae. Mas, como a vontade das partes é poderosa, o direito permite que ela eleve os motivos, de modo a lhe conferir relevância jurídica (MIRANDA, 1954, p. 98) (grifos no original).
A teoria causalística aplicada ao direito obrigacional não apresentou tantos problemas como no direito tributário. Isso porque as obrigações tributárias não se originam de uma vontade, como ocorre no direito privado2. Gilberto Ulhôa Canto, ao distinguir a causa final da causa eficiente, dá maior ênfase à primeira para solucionar o problema jurídico:
Vimos que a acepção dominante de causa, no direito obrigacional é a de razão bastante, motivo próximo e determinante, enfim, a razão econômico-jurídica. Há, ainda, a noção de causa eficiente, que visa definir a razão por que a obrigação ganha efetividade e tem sua gênese. A primeira (causa final) explica “porque”, e a segunda “por força de que”. Quanto à sua fonte, ou causa eficiente, as obrigações podem ser de dois tipos: as que se originam da vontade, e pois, nela têm sua causa eficiente, e as que a encontram na lei. A causa final será, em qualquer hipótese, a razão determinante da causa eficiente. Nas obrigações do primeiro tipo (oriundas da vontade) a causa final está no motivo próximo e imediato (de vez que os motivos mediatos, remotos, razões particulares fogem ao âmbito do direito) que leva a vontade a constituir a obrigação, ao passo que nas de segundo tipo (as que resultam em lei) sê-lo-á logicamente o motivo próximo e imediato que determina a lei (CANTO, 1955, p. 21).
Já o Rubens Gomes de Souza define causa somente no sentido de causa eficiente, conceito este que o leva, por fim a definir a causa da obrigação tributária como a lei.
O quarto e último elemento da obrigação é a causa. Causa da obrigação é a razão jurídica por força da qual o sujeito ativo tem o direito de exigir do sujeito passivo a prestação que constitui o objeto da obrigação; inversamente, é também a razão jurídica por força da qual o sujeito passivo está obrigado a cumprir a favor do sujeito ativo a prestação que constitui o objeto da obrigação (SOUSA, 1975, p. 98)
O conceito de causa eficiente confunde-se com o conceito de fonte de direito3. Por exemplo, no texto abaixo, Antonio Berliri, ao indicar a fonte da obrigação tributária como o fato gerador correspondente à hipótese de incidência legal, apresenta uma definição de fonte que corresponde à idéia anteriormente apresentada de causa eficiente:
De La Fuente de la Obligacion Tributaria: Presupuesto de Hecho y Parametro
Por ello se afirma que en el ordenamiento jurídico el nacimiento de las obligaciones depende de dos causas solamente: una, la voluntad humana dirigida a dar vida a la obligación (negocio jurídico); outra, cualquier hecho previsto por la ley, de tal forma que en la primera hipótesis la obligación encuentra su fuente inmediata (la mediata es siempre la ley) en la voluntad del obligado, mientras que en el segundo, en cabio, las fuentes inmediata y mediata están en la ley o, mas concretamente, en un hecho jurídico de cuya verificación nace la obligación. De aquí la distinción fundamental entre obligaciones voluntarias (o contractuales) y obligaciones legales.
Por fuente debe entenderse el acto y la situación jurídica que origina la relación oblicatoria, la cual no nace ex nihilo sino de un presupuesto o “título” que explica y legitima la sujeción del deudor al deber de cumplimiento como la causa justifica el efecto (BERLIRI, 1971, p.189-290).
Se, por um lado, a noção de causa eficiente confunde-se com a de fonte, por outro lado, a adoção do conceito de causa final nos conduz a idéias de causa que não integram a relação obrigacional tributária, como a necessidade de financiamento do Estado e o seu exercício de soberania4. Essas idéias apenas tentam justificar a cobrança de tributos pelo Estado, tema que foge ao direito tributário e ingressa no direito constitucional e financeiro, segundo Dino Jarach, que, embora tenha defendido o conceito de causa final, acaba por concluir que o resultado da pesquisa pode estar fora do direito tributário.
Evidentemente remontando a escada dos “porquês” chega-se a um campo fora do direito tributário, entrando para o constitucional, saindo para o direito geral, entrando para a especulação metafísica, e o que mais importa, metajurídica, das razões da existência do Estado, de seu poder e de suas necessidades (JARACH, 1989, p. 102).
Assim, partindo do conhecimento dos problemas apresentados por cada uma das concepções de causa, passaremos a expor brevemente as teorias desenvolvidas pela doutrina.
3. TEORIAS DA CAUSA FINAL:
3.1. OS GASTOS PÚBLICOS COMO CAUSA
Segundo Ezio Vanoni a causa é um elemento da relação jurídica, constitui a "finalidade prática da relação, justificativa da tutela concedida pela lei” (1950, p. 132). Por isso, a instituição dos tributos teria como finalidade o financiamento da atividade pública5, coletivamente considerada. Por isso, o autor afirma que a causa do tributo não estaria ausente nos casos em que o serviço público fosse insuficiente, ineficiente, ou de qualquer forma não atingisse seus objetivos. Só deixaria de haver no caso em que "falte toda e qualquer atividade, ou quando os proventos do tributo sejam empregados para a obtenção de finalidades, a que a consciência jurídica coletiva recuse o caráter de finalidades públicas" (1950, p. 135).
Vanoni afirma também que a finalidade da atividade pública somente de modo individual nos casos de taxas e contribuições, que seriam verdadeiras contraprestações ao serviço público, conforme segue:
Na taxa e na contribuição verifica-se assim uma hipótese paralela à dos negócios causais do direito privado: a falta de causa importa na ineficácia jurídica da relação de direito. Quando o juiz verifica que não ocorreu a prestação exigida pela lei como justificativa do tributo, deve declarar a inexistência da obrigação tributária (1950, p. 138).
Gilberto de Ulhôa Canto também adota a tese que identifica a causa da obrigação tributária nos gastos públicos, conforme segue:
Posto assim o problema, parece-nos que a única concepção aceitável, de quantas examinamos, porque atende à conveniência de definir o fundamento do direito do Estado aos tributos é a de Vanoni que explica tal fundamento pela necessidade do poder público contar com meios econômicos com que preencher seus fins coletivos. Somente essa tese define um fim prático da lei tributária. Circunstâncias diversas indicarão objetivos particularizados, de realização de certas despesas, mas constituirão motivos peculiares da lei, ao passo que o fundamento uniforme e constante seria sempre a necessidade de meios para o cumprimento de finalidades coletivas, pelo emprego do que fosse arrecadado, em despesas públicas (1955, p. 22).
Diz o ilustre professor em Cagliari que, tal como nos grupos menores, o Estado tem finalidades a preencher, em função de sua própria índole de ser coletivo, e essas dependem de um esforço comum de seus membros. Otto Mayer já definira o imposto como determinado pelo propósito de aumentar o patrimônio do Estado. Mas Vanoni objeta que tal escopo é insuficiente, porque o acréscimo patrimonial per si não corresponde a finalidade alguma, sendo pois impossível abstrair a destinação genérica, que é sempre um desiderato coletivo. Entre o Estado, em sua atividade peculiar, e impostos, há uma relação de fim e meio, à qual o direito não é indiferente. Desde que se admitia a existência do Estado e a sua necessidade orgânica, resulta necessariamente como razão econômico-jurídica do imposto, ou seu fim prático, a necessidade de colocar aquele em condições de satisfazer seus próprios desígnios. Nisso reside a causa jurídica do imposto (1955, p. 20).
3.2. CONCEPÇÕES EXTRAFISCAIS
As teorias extrafiscalistas afirmam que seria a causa da obrigação tributária promover a justiça social ou o exercício do poder de polícia.
Grandes apologistas dessa tese foram o clássico Wagner e Babeuf, que consideravam o imposto o meio de reforma social por excelência, e capaz de promover o nivelamento das riquezas (socialismo de cátedra), notadamente o incidente sobre sucessões (CANTO, 1955, p. 11).
Atualmente alguns tributos apresentam aspectos extrafiscais como, por exemplo, os impostos sobre comércio exterior, cuja função extrafiscal é de proteção do mercado interno contra as oscilações de preço das mercadorias negociadas fora do país. Neste sentido, afirma Ricardo Lobo Torres:
A extrafiscalidade é finalismo que informa qualquer tributo. O imposto sobre produtos industrializados e os impostos sobre o comércio exterior oferecem largo campo para o intervencionismo. O ICM, que de início tinha pretensões neutralistas, exerce papel importante na formação de preços, especialmente das mercadorias de amplo consumo. O imposto territorial rural é notável instrumento de reforma agrária. Até o que se justifica em face de sua natureza não exclusivamente remuneratória, eis que também subordinada ao princípio da capacidade contributiva; é o que ocorre com a taxa rodoviária única utilizada para incentivar o consumo de álcool na frota nacional de autoveículos.
No federalismo a extrafiscalidade pode ser manipulada por qualquer dos entes tributantes, desde que, amalgamada ao tributo que lhe pertencer, tenha por objeto influir sobre o campo que se situe sob o seu poder de polícia (TORRES, 1986. p. 634-635).
4. TEORIAS DA CAUSA EFICIENTE:
4.1. SUBMISSÃO À SOBERANIA ESTATAL
As primeiras doutrinas, que buscavam uma explicação racional para o exercício do poder de tributar, surgiram na idade média e afirmavam ser o direito ao imposto atributo essencial da soberania, fundando-se apenas na submissão dos súditos ou na supremacia de fato sobre povos estrangeiros. Tais concepções foram retomadas posteriormente por Di Paolo, o inspirador da política tributária do fascismo (CANTO, 1955, p. 8).
Criticando as teses autoritárias, afirma Canto que são incompatíveis com o Estado de Direito, conforme segue:
Ademais, a tese autoritária justificaria toda a sorte de tirania tributária, o que evidentemente não cabe na construção moderna do Estado de Direito, cuja conduta é autolimitada pelas regras que o próprio Estado (poder constituinte e legislativo ordinário) cria para regular sua atuação. (...) A concepção não tem cunho científico, nem é peculiar à obrigação tributária (1955, p. 9).
4.2. CONTRAPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
Os iluministas, como Rousseau, Montesquieu, Hobbes e Locke, tentaram apresentar uma teoria que confrontasse as idéias de Estado Absoluto, fundado na concepção do Contrato Social, que não somente explicava o fundamento do Estado, mas também indicava o modo de relacionamento entre este e os indivíduos. Deste modo, fundam o direito de tributar na relação de prestação e contraprestação entre indivíduo e Estado, tornando válida a tributação somente quando houver o fornecimento de serviços públicos úteis aos cidadãos. Vanoni critica os partidários da doutrina da prestação e da contraprestação da seguinte forma:
A teoria que enxerga no imposto um contrato entre Estado e contribuinte, não é mais que a aplicação, ao tributo, da doutrina contratualista do Estado, e não pode merecer foros de cidade do direito público moderno, que superou a concepção do contrato social (1950, p. 52).
Essa concepção de causa, porém, além de não ter qualquer utilidade, por não trazer soluções para os principais problemas do direito tributário, somente é admissível nos casos de cobrança de taxas em que o contribuinte possa optar por não pagá-las. Outrossim, justificam que a maior carga tributária recaia sobre os menos afortunados que acabam por utilizar mais os serviços públicos (CANTO, 1955, p. 10).
4.3. GRIZZIOTI: VANTAGENS PARA O INDIVÍDUO
Inicialmente Grizzioti apresenta como causa as vantagens obtidas por cada indivíduo em função do serviço público e do fato de pertencer a uma comunidade. Em um segundo momento, porém, insere a noção de capacidade contributiva, conforme segue:
O Estado organizando-se em sociedade, produz riqueza, mediante a prestação de serviços públicos, com o que aumenta o poder aquisitivo e a possibilidade de poupança de seus componentes; portanto a riqueza e capacidade contributiva (aspectos subjetivos e objetivos respectivamente) dependem intimamente dos serviços públicos e constituem indícios indiretos das vantagens deles resultantes (CANTO, 1955, p. 19).
4.4. JARACH: CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Jarach adota como causa da obrigação tributária do imposto a capacidade contributiva, conforme segue:
Temos sustentado em outras ocasiões, e repetimos, que a capacidade contributiva constitui o que, com a extensão de um conceito já elaborado e usado no direito privado, ainda que, todavia, matéria de discussões e divergências, poder-se-ia titular causa jurídica do imposto (1989, p 99-100).
Entretanto, a causa das taxas e das contribuições, segundo o autor, seriam respectivamente a contraprestação e a vantagem econômica:
Na obrigação de taxa, esta razão é a contraprestação de um serviço administrativo; na contribuição é a vantagem econômica que o particular recebe de um gasto ou de uma obra pública. (p 108)
Jarach critica Griziotti afirmando que a causa deve consistir na “ponte lógica entre a vontade da lei e a situação de fato, das quais ao mesmo tempo deriva a relação jurídica” (p. 111). O autor também afirma que a causa deve estar próxima da relação tributária:
A causa técnico-jurídica do imposto, ao contrário, não pode ser encontrada, senão, na causa próxima entre as inumeráveis causas, na causa que é imanente do mesmo fato jurídico da relação tributária e explica sua natureza e suas características.
No direito privado, a nosso ver, passa o mesmo; a causa jurídica não pode ser encontrada em uma causa qualquer, no sentido comum do negócio jurídico, sendo na causa próxima; de outra maneira se saímos do terreno do direito, para penetrar nas especulações psicológicas e metafísicas sobra as causas primeiras e os movimentos absolutos do trabalho humano (p. 102).
José Marcos Domingues Oliveira, sem se filiar a qualquer corrente de causa da obrigação, também afirma a importância da observação do princípio da capacidade contributiva como condição para o exercício da atividade tributária. Porém, a capacidade consistiria na própria condição de legitimidade do Estado de tributar.
Manifestamo-nos, a propósito, nossa divergência com o sempre invocado e eminente Professor SAINZ DE BUJANDA quando sustenta que a capacidade contributiva, não sendo a causa da obrigação tributária, não poderia ensejar a pesquisa de sua presença nos casos concretos, sob pena de se perder a generalidade que toda norma jurídica deve ter.
Pensamos que, demonstrado ser o princípio capacidade contributiva o fundamento jurídico-constitucional do fato gerador do tributo, mesmo prescindindo do conceito de causa (que aqui descaberia debater) tem-se que, não se verificando aquele pressuposto, inexistirá substrato de legitimidade para o nascimento de quaisquer obrigações tributárias concretas exatamente por faltar-lhes a seiva em que buscariam força para frutificarem. Se não há fundamento para o tributo já nem será necessário pensar-se em causa da obrigação de pagá-lo (OLIVEIRA, 1998, p. 151-152) (grifos no original).
Giannini critica Griziotti e Jarach, quando afirmam que o aplicador da norma tributária deve observar a existência de capacidade contributiva, na qualidade de causa, a fim de verificar a gênese da obrigação tributária:
O, infatti, si vuol dire che nell'interpretare al legge d'imposta e nell'accertare se siasi verificato il presupposto del tributo, occorre anche risalire alla ragione che há indotto il legislatore a ricollegare a una data situazione di fatto l'obbligazione d'imposta, e si enuncia un concetto esttissimo, ma, allora, la famosa causa altro non sarebbe se non la ragione giustificatrice della norma tributaria, quella che si usa chiamare ratio o mens legis, non quindi, un elemento a sè dell'obbligazione tributaria, la quale sorge, ineluttabilmente, quando si verifica il presupposto stabilito dalla legge. O invece, si vuol dire che, pur concorrendo le condizioni oggettive e soggettive previste dalla legge (interpretata, s'intende, come s'interpetra ogni legge), l'autorità finanziaria non può legittimamente accertare il debito d'imposta, qualora, nel caso concreto, quelle condizioni non appaiano manifestazioni d'una certa capacità contributiva, secondo la concezione da cui è mosso il legislatore nello stabilire il tributo, e alora realmente la causa assurgerebbe ad elemento autonomo dell'obblicazione d'imposta; ma cosi risalta in pieno l'erroneità d'una concezione, per la quale - oltre i limiti consentiti dall'interpretazione logica della legge - essa dovrebbe essere disapplicata, quando a giudizio dell'interprete, apparisse non adeguata al caso concreto (GIANNINI, 1953, p. 60-61).
4.5. A LEI COMO CAUSA ÚNICA
Há também autores que afirmam que a lei é causa única e suficiente da obrigação tributária, como D’Alessio e Blumenstein. Enquanto nas obrigações de direito privado haveria uma causa imediata (manifestação da vontade) e outra imediata (a lei), as obrigações ex lege teriam a lei assumido esses dois papéis.
Essa teoria é criticada primeiramente por desconsiderar que, para aplicar a lei, primeiramente é necessário que ocorra um fato correspondente à hipótese nela prevista. Como já foi afirmado, também é criticada por Vanoni, segundo o qual seus partidários confundem causa com fonte e por consideram apenas os aspectos formais:
Blumenstein percebe a necessidade de completar a construção jurídica do tributo com uma indicação sobre a acausa da relação tributária: mas incide em grave erro quando afirma que a causa da relação esteja na lei. A lei, ou seja a tutela, não pode confundir-se com o objetivo prático da relação, cuja obtenção a lei considere digna de garantia." ... "Ainda que se queira admitir por um momento, que na lei esteja a fonte da obrigação tributária concreta, é evidente que a causa da relação tributária, concebida como o elemento essencial da própria relação, como a função que esta relação deve exercitar, como a razão prática que justifica a garantia que o ordenamento jurídico lhe empresta, não pode ser constituída pela lei (1950, p. 129-130).
4.6. A OCORRÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE FATO
A concepção de causa como pressupostos de fato, é defendida por Tesoro que, porém, afirma que as taxas seriam exceção, pois teriam como causa a vantagem individual.
Vitor António Duarte Faveiro diferencia obrigação civil da fiscal por terem fontes e naturezas distintas, acabando por concluir que a causa da obrigação tributária é a subsunção do fato à norma tributária tipificadora, conforme segue:
... para constituição de um vínculo jurídico da prestação pecuniária por parte do contribuinte é necessário um conjunto de elementos e requisitos: a existência de uma norma de incidência real e de sujeição pessoal contendo tipos normativos de vínculos previstos que só se concretizam em relação aos fatos quando eles ocorrerem; e em relação às pessoas, quando possuam as qualidades ou as características de imputabilidade previstas no referido tipo legal. De onde resulta uma relação causal constituída precisamente pela correspondência da factologia da realidade e da caracterologia do sujeito com os elementos do tipo legal de incidência real e de sujeição pessoal. (FAVEIRO, 1984. v. 1. p. 376). (grifos no original)
Gilberto de Ulhôa Canto critica a adoção dos pressupostos de fato como causa do seguinte modo:
Não nos parece que baste o pressuposto de fato, para causa da obrigação tributária, porque se confunde com o objeto ou com a fonte da mesma, conforme se lhe empreste sentido mais ou menos lato. Quanto à explicação de Bühler, deixa ela irrespondida a questão de qual o escopo prático, que urge atender, em tema de causa (1955, p. 14).
4.7 PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS
Os defensores dessa teoria partem da idéia de desvio de poder, “que permite a anulação do ato viciado de um escopo ou um intento não conforme a legalidade ou moralidade administrativa” (CANTO, 1955, p. 15). Para tal, Trotabas, principal defensor, baseia-se na jurisprudência da corte administrativa-constitucional francesa.
Não se pode generalizar as praxes do Conselho de Estado de Fança até o ponto de admitir que a lei deva deixar de ser aplicada a determinado contribuinte que se encontre nitidamente no caso de ser tributado, apenas porque a atuação do agente administrativo revele peculiaridades condenáveis ou subjetivamente inadequadas.” (CANTO, 1955, p. 16)