DO HOMICÍDIO 1
Inicialmente, vale destacar neste estudo que, em ambos os crimes, o verbo “matar” constitui o ponto fulcral do tipo penal. Nessa perspectiva, o sujeito passivo principal é a vítima, ou seja, a pessoa que é morta — aquela que sofre diretamente a agressão resultante em sua morte.
Diante dessa consideração, infere-se que o sujeito passivo secundário eventual pode ser a família da vítima e, até mesmo, a sociedade, que também padece os efeitos indiretos do homicídio, tais como o luto, o impacto social e psicológico e a perda de um membro da comunidade.
Desse modo, tais sujeitos são relevantes para a compreensão do delito, sendo o foco basilar o sujeito passivo direto, qual seja, a vítima do homicídio.
O direito à vida está positivado no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida(...)” (grifo nosso).
Cuida-se de analisar que o crime de homicídio consiste no ato de uma pessoa matar outra, conforme o artigo 121 do Código Penal brasileiro, que dispõe:
“Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos. ”
É evidente que o sujeito ativo do delito de homicídio é sempre uma pessoa física. Da mesma forma, o sujeito passivo também é uma pessoa física, considerada como tal o filho de uma mulher humana nascido com vida.
O homicídio simples consiste no ato de matar outra pessoa, podendo ocorrer de forma dolosa, quando há intenção de cometer o crime, ou culposa, quando não há essa intenção. Conforme o artigo 121 do Código Penal, a pena prevista é de seis a vinte anos de reclusão.
Segundo o § 1º do mesmo dispositivo, a pena pode ser diminuída se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima.
Por seu turno, o homicídio qualificado ocorre quando o crime é cometido com circunstâncias agravantes que aumentam a pena.
Dispõe o § 2º do referido artigo que o homicídio será qualificado se for cometido:
-
mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe;
-
por motivo fútil;
-
com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou que possa resultar em perigo comum;
-
à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
-
ou ainda, para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime.
Nesses casos, a pena é de reclusão de doze a trinta anos.
O homicídio culposo, por sua vez, é tratado no § 3º do artigo 121, que estabelece pena de detenção de um a três anos.
O § 4º prevê o aumento de pena no homicídio culposo em um terço, quando:
-
o crime resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício;
-
o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato; ou
-
foge para evitar prisão em flagrante.
Sendo o homicídio doloso, a pena também é aumentada de um terço se o crime for praticado contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos.
Por fim, o § 5º dispõe que, na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
DO FEMINICÍDIO 2
Nesse diapasão, o feminicídio constitui uma qualificadora do crime de homicídio, incluída no Código Penal pelo artigo 121, § 2º, inciso VI. No caso em tela, essa qualificadora transforma o homicídio simples em homicídio qualificado quando o crime é cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”.
Observa-se que não há possibilidade de feminicídio culposo no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se, portanto, de uma qualificadora específica do homicídio doloso, o que significa que o feminicídio somente ocorre quando há dolo direto ou eventual, isto é, intenção de matar ou aceitação do risco de causar a morte.
Com base no § 2º-A do artigo 121 do Código Penal, consideram-se razões da condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou quando é cometido em contexto de menosprezo ou discriminação à condição de mulher — isto é, quando motivado por ódio, desprezo ou discriminação de gênero.
É patente que o feminicídio constitui uma forma agravada de homicídio, com pena significativamente mais severa: reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Ainda, não existe modalidade culposa para o feminicídio no direito brasileiro.
As causas de aumento de pena estão previstas no § 7º do artigo 121 do Código Penal, que estabelece majoração de 1/3 (um terço) até a metade (1/2) se o crime for cometido:
-
durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto;
-
contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência;
-
na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima (filho, neto, pai, mãe ou avós); ou
-
em caso de descumprimento de medidas protetivas de urgência.
Essas causas refletem a gravidade do crime e buscam aumentar a punição quando o feminicídio ocorre em contextos de maior vulnerabilidade ou sofrimento para a vítima e seus familiares.
A Lei nº 13.104/2015 incluiu o feminicídio no rol de crimes hediondos, com penas mais elevadas (de 12 a 30 anos), conforme destaca Eluf (2020):
“A Lei nº 13.104/2015 acrescentou a figura do feminicídio ao artigo 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal, em vigor desde 1940, atendendo ao clamor social pela punição mais severa dos assassinatos de mulheres praticados por seus maridos, namorados, companheiros, conhecidos ou ex-parceiros de qualquer natureza (...)” (ELUF, 2020).
Trata-se, portanto, de um crime de ódio, conceito originado na década de 1970, que representa um processo contínuo de violências cujas raízes misóginas se caracterizam pelo uso de violência extrema contra a mulher.
Conforme a autora, a previsão legal, introduzida pela Lei nº 13.104/2015, transformou o feminicídio em homicídio qualificado e o incluiu no rol dos crimes hediondos. O feminicídio ocorre quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação em razão do gênero feminino, configurando-se como qualificadora do homicídio.
Eluf (2020) destaca que o tipo penal do feminicídio permanece vigente e representa crime contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. As causas de aumento de pena estão associadas à discriminação de gênero, à falta de igualdade de direitos e ao aumento da violência doméstica.
Ainda segundo Eluf (2020), a pena pode ser reduzida quando o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima, podendo o juiz reduzi-la de um sexto a um terço. Contudo, o condenado por feminicídio só terá direito à progressão de regime após cumprir mínimo de 55% da pena, percentual superior ao ordinário de 50%.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Supervisão Editorial: Jair Lot Vieira. 5ª ed. São Paulo: Edipro, 1995.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 29/08/2024 às 00h39min.
ELUF, Luiza Nagib. Feminicídio e demais qualificadoras do artigo 121 do CP. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-nov-18/escritos-mulher-feminicidio-demais-qualificadoras-artigo-121-cp/> Acesso em 29/08/2024 às: 01:21min.
BRASIL. Lei n.: 13.104 de 09 de março de 2015. Altera o art. 121. do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm. Acesso em: 29/08/2024 às: 18h16min.
Notas
1 Homicídio é quando uma pessoa mata a outra.
2 Feminicídio, ou femicídio, taxado como expressão que caracteriza crime de ódio baseado no gênero, mais definido como o assassinato de mulheres em violência doméstica ou em aversão ao gênero da vítima, todavia, as definições oscilam a depender do contexto cultural
3 Aversão e também ódio por mulheres