Resumo:
O presente artigo tem como intuito a análise do REsp 1.497.574/SC inserido no informativo de número 795 do STJ, em que é discutido no processo a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre os contratos empresariais de empréstimo entre pessoas jurídicas que visam o lucro. Ante o exposto, o presente autor deste artigo em questão defende a decisão do STJ, com uma visão liberal da escola austríaca de economia, beirando ao libertarianismo jurídico e econômico, relacionada ao Direito Empresarial e ao Direito do Consumidor, de que não cabe sobre relações empresariais a incidência da Lei 8.078/1990, por ser o Direito Empresarial um ramo autônomo da área jurídica, devendo ele ser respeitado frente ao microssistema do Direito do Consumidor.
Introdução
O recente julgamento do STJ, incluído no seu informativo de número 795, do REsp 1.497.574/SC reconheceu que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contratos de empréstimo entre sociedades empresárias. Tal decisão se guia pela teoria finalista do conceito de consumidor, aplicada esta em vários julgados da corte superior, contra a aplicação da teoria finalista aprofundada, que amplia o conceito de consumidor para sociedades empresárias devido à sua vulnerabilidade e hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica, comprovada esta no caso concreto.
Dessa forma, tem-se a ementa do julgado do Superior Tribunal de Justiça, que o presente autor transcreve abaixo:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CLÁUSULAS ABUSIVAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INCIDÊNCIA DO CDC. LIMITAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. CONTRATOS CELEBRADOS A PARTIR DA LEI 9.298/96. TAXA SELIC. CUMULAÇÃO COM CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. MULTA DIÁRIA. INTIMAÇÃO PESSOAL. IMPRESCINDIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, em regra, com base na Teoria Finalista, não se aplica o CDC aos contratos de empréstimo tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço e não pode ser considerada consumidora, limitando-se a revisão automática das cláusulas contratuais aos casos em que constatada a existência de relação de consumo, afastada a revisão em contratos relativos a relações de insumo. 2. "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada". 3. Nos termos da Súmula 285/STJ, "A redução da multa para 2%, tal como definida na Lei nº 9.298, de 01.08.1996, somente é possível nos contratos celebrados após sua vigência". 4. Conforme entendimento pacificado no STJ, é vedada a incidência cumulativa da taxa SELIC com outro índice de atualização monetária, devendo ser afastada a correção monetária pelo índice do INPC no que tange aos valores a serem devolvidos pela instituição bancária. 5. "É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil" (EREsp 1.360.577/MG, Relator para o acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2018, DJe de 07/03/2019). 6. Recurso especial a que se dá parcial provimento.
(STJ - REsp: 1497574 SC 2014/0306400-2, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 24/10/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/11/2023).
Diante da ementa transcrita do Recurso Especial, o presente autor do artigo em questão tem a opinião procedente com a decisão do Ministro Raul Araújo, que será exposta ao longo do trabalho que aqui se escreve, pois o Direito Empresarial é um ramo autônomo da ciência jurídica – com princípios ancorados principalmente na autonomia privada, na livre iniciativa e na livre concorrência – que não deve ser imiscuído nem unificado com o Direito Civil ou qualquer outro ramo do Direito, prevalecente no Direito Comercial os princípios do liberalismo, com as teses dos grandes economistas de Chicago, neoclássicos e austríacos – como Ludwig Von Mises, Eugen Von Bom Bawerk, Friderich August Von Hayek, Milton Friedman, Carl Menger e diversos outros extraordinários pensadores do liberalismo –, que devem ser respeitados enquanto pensamento intrínseco ao Direito das Empresas.
O Código de Defesa do Consumidor e a proteção dos vulneráveis negociais
A Lei 8.078/1990 entrou em vigor com a finalidade de proteger os vulneráveis nas relações de consumo frente às megaempresas que possuem uma hiperssuficiência técnica, econômica e fática frente aos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor é, basicamente, um microssistema que, em tese, deveria ser restrito às relações de consumo, em que há um fornecedor e há um consumidor no mercado, este consumindo os produtos ou serviços daquele.
Visto isso, o conceito de fornecedor se encontra no artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor, transcrito a seguir:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Pessoas físicas ou pessoas jurídicas são fornecedoras, se fornecem no mercado produtos – sendo estes quaisquer bens móveis materiais ou imateriais – ou serviços, atividades, sejam elas, bancárias, financeiras, serviços domiciliares ou mesmo escolares.
Também, deve-se atentar para o artigo 966 do Código Civil de 2002, transcrito a seguir:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Para se considerar fornecedor – unindo os ramos do Direito do Consumidor, do Direito Civil e do Direito Empresarial – faz-se mister considerar o conceito de empresário. Para ser considerado este, a pessoa física ou jurídica deve exercer profissionalmente atividade econômica organizada com o fim de circular bens ou serviços. Ou seja, nas lições de CRUZ (2024), para se caracterizar o elemento empresa, sendo esta uma abstração jurídica e econômica a qual se vale o empresário, tem de ser levado em conta os seguintes elementos: exercer profissionalmente; atividade econômica; organizada; para circular bens ou serviços.
Se, porventura, não se tem nenhum destes elementos, não se tem caracterizado o empresário. A empresa, por outro lado, é uma abstração da qual se vale o empresário a fim de exercer profissionalmente a atividade econômica organizada com o fito de circular bens e serviços. Dessa forma, para CRUZ (2024) o elemento organizacional da empresa chefiada por um empresário, que para SOUZA (2005) são terra, capital e mão de obra, são fundamentais para se ter o elemento crucial de que se forma a empresa.
Ante o exposto sobre o empresário e o fornecedor tanto no Direito Empresarial quanto no Direito do Consumidor, ir-se-á para o conceito de consumidor dado pela doutrina atual acerca deste. Consumidor, para o artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor, é:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
A teoria doutrinária adotada pelo CDC, é a teoria finalista. Entende-se esta, como leciona TARTUCE e NEVES (2024), como todo destinatário fático-final e fático-econômico de quaisquer produtos ou serviços. Ou seja, são todas pessoas físicas ou jurídicas que não utilizam o produto ou serviço fornecidos no mercado para a obtenção de lucro e são os últimos da cadeia produtiva a utilizarem ele, retirando aquele produto do mercado para a satisfação de suas necessidades.
Entretanto, a doutrina e a jurisprudência divergem a respeito do conceito de consumidor, existindo diversas teorias doutrinárias a respeito deste tema. A teoria que cresce na atualidade é a chamada teoria finalista aprofundada, defendida por Flávio Tartuce e Cláudia Lima Marques. Leciona e define da seguinte maneira MARQUES (2010, p. 87) o seguinte:
"Realmente, depois da entrada em vigor do CC/2002 a visão maximalisa diminuiu em força, tendo sido muito importante para isto a atuação STJ. Desde a entrada em vigor do CC/2002, parece-me crescer uma tendência nova da jurisprudência, concentrada na noção de consumidor final imediato (Endverbraucher), e de vulnerabilidade (Art. 4º, I), que poderíamos denominar aqui de finalismo aprofundado.
É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Essa nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério de finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29º do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o de vulnerabilidade."
Cláudia Lima Marques, grande doutrinadora do Direito do Consumidor, define muito bem o conceito desta teoria. Esta amplia o conceito de consumidor, não apenas na literalidade do caput do artigo 2° do CDC, mas estendendo-o para as pessoas jurídicas, como a EPP e o MEI, se, comprovada no caso concreto, estas empresas forem vulneráveis e hipossuficientes frente a outras empresas mais fortes do que elas.
Esta tese é justificável em alguns casos específicos, como no julgado a seguir:
Processo civil e consumidor. (…). Relação de consumo. Caracterização. Destinação final fática e econômica do produto ou serviço. Atividade empresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. (…). Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A ‘paridade de armas’ entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido” (STJ – RMS 27.512/BA – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 20.08.2009 – DJe 23.09.2009).
Porém, deve-se levar em conta o problema do seguinte artigo: cabe, realmente, a interferência do judiciário em relações empresariais, como no caso citado anteriormente? E no caso do REsp 1.497.574/SC, que o STJ decidiu o contrário, sendo esta ementa mais recente, da teoria finalista mitigada? Qual a tese mais correta e por quê? São perguntas a serem respondidas nos tópicos a seguir.
O Direito Empresarial frente à intervenção judiciária e o Direito do Consumidor
O Direito Empresarial, como se sabe, é um ramo autônomo do Direito, com princípios próprios, regras próprias, contudo sua parte geral se encontra, por incrível que pareça e discorda o presente autor desta unificação, no Código Civil de 2002.
O Direito do Consumidor, como um ramo também autônomo e como microssistema do Direito Privado Contemporâneo, todavia interfere em outros ramos do ordenamento jurídico, como é o caso do Direito Empresarial. A exemplo dos contratos empresariais, muitas vezes há incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre eles, pois no caso concreto o juiz constata a vulnerabilidade técnica e econômica, ou mesmo fática, de uma empresa sobre a outra.
Mas, no caso do REsp 1.497.574/SC, decidiu o STJ o contrário, concordando o autor do presente artigo inteiramente com a corte superior. Contratos empresariais, primeiramente, guiam-se por meio de princípios de liberdade do Direito Comercial, como a autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos, o consensualismo e a relatividade dos efeitos contratuais. Todos estes princípios são a base dos contratos empresariais, de sua teoria geral. A teoria econômica austríaca define que o empresário é aquele que se guia pelos lucros e perdas do mercado por meio a assunção de riscos, alocando os recursos escassos da economia por meio disso, sem a interferência do Estado na economia, pois esta gera consequências nefastas por distorcer a ordem econômica fundada na livre iniciativa, na livre concorrência e na ordem natural do mercado, que, segundo, SMITH (2021) o mercado se guia naturalmente por uma mão invisível e por meio do sistema de preços, consequência da oferta e demanda.
Dessa forma, o empresário se arrisca a tomar prejuízos, sendo algo natural dentro da economia de mercado, que se guia pelos lucros e perdas, nas palavras de MISES (2017). Se há um protecionismo do Estado de Direito no mercado, que se guia pela mão invisível de Adam Smith, há distorções na alocação dos recursos materiais e econômicos sociais, o que ocasiona mais escassez destes, variações de preços artificiais e más escolhas feitas pelo Estado. Aprofundando nesta última, cita o economista austríaco, auto de “Ação Humana” e o “O Cálculo Econômico em uma Comunidade Socialista”, que é impossível o Estado alocar os recursos escassos naturais e da sociedade sem prejudicar o seio social, pois o mercado e o empresário se guiam via lucros e perdas ou prejuízos, visto que há inerentemente à atividade empresarial a assunção dos riscos, e o Estado não consegue saber como alocar estes recursos, porquanto somente a propriedade privada dos meios de produção, que se guia pela lógica de oferta e demanda e preços, lucros e prejuízos, é capaz de organizar o livre mercado da forma mais eficiente possível, principalmente no que tange ao capital – seja ele capital humano ou capital físico –, nas palavras de MISES (2018).
Portanto, o Código de Defesa do Consumidor tem, sim, sua importância nas relações entre fornecedores e consumidores, no entanto ele não deve, de forma alguma, incidir sobre as relações entre pessoas jurídicas fornecedoras que buscam alocar os recursos da sociedade – ou seja, fazer circular bens ou serviços –, porque o mercado se autorregula por meio da oferta e demanda e, consequentemente, pelo sistema de preços que se origina da propriedade privada dos meios de produção, sendo inadmissível que o Estado, com o seu dirigismo paternalista e protecionista, possa alocar recursos de forma eficiente como faz o sistema de livre mercado. Há casos que, sim, EPP e MEI são hipossuficientes e vulneráveis, sendo uma exceção à regra, mas esta é da autonomia do Direito Comercial, que se ancora na liberdade negocial, no risco da atividade empresarial e pelo sistema do mercado livre, que deve ser respeitada como um ramo autônomo do Direito. Dessa forma, agiu o STJ acertadamente ao restringir o conceito de consumidor utilizando-se da teoria finalista em sentido estrito, visto as teses jurídico-econômicas expostas durante o presente artigo pelo autor deste.
Conclusão
Conclui-se, diante do exposto, que o STJ agiu com razão, de forma lúcida e acertadamente, tendo em vista que o dirigismo do Estado nas relações privadas pelo meio jurídico, via de regra, distorcem a alocação de recursos feitas pelo livre mercado, que no Brasil o presente autor questiona veementemente se realmente ele vigora. Espera-se que as cortes superiores ajam da maneira mais racional possível, levando em conta que quanto mais o Estado é presente, menos a liberdade é presente – seja para o indivíduo, que na República Federativa do Brasil, pela Constituição de 1988, é livre para escolher viver como bem enseja, pela sua dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. III da CF/88), seja para pactuar livremente com outras pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.
Referências Bibliográficas
TARTUCE, F; NEVES, D. A. A. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. Rio de Janeiro: Editora Método, 2024.
MARQUES, C.L; BENJAMIN, A. H.; BESSA, L. R. Manual de Direito do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Editora RT, 2010.
MISES, L.V. O cálculo econômico em uma comunidade socialista. São Paulo: LVM Editora, 2018.
MISES, L.V. Lucros e Perdas. São Paulo: LVM Editora, 2017.
SMITH, A. A riqueza das Nações. São Paulo Editora Edipro, 2021.
CRUZ, A.S. Manual de Direito Empresarial. Bahia: Editora Juspodivm, 2024.
SOUZA, N.J.. Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Editora Atlas, 1993.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Brasília.