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Stanislaw Ponte Preta como princípio no cumprimento de sentença nos Juizados Especiais Federal e Fazendário

03/11/2024 às 09:32
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O autor critica a escolha do juiz em ignorar a omissão da lei e adotar um procedimento mais longo, associando-a a uma frase cínica do escritor Sérgio Porto.

Meu primeiro contato com o escritor Stanislaw Ponte Preta, heterônimo do jornalista Sérgio Porto, foi na escola, nas aulas de língua portuguesa e literatura do ensino fundamental. Esbarramo-nos mais tarde, alguns anos depois, na época do vestibular, pois ele era figurinha fácil nos simulados, revisitando questões de concursos anteriores – uma única breve crônica poderia render várias questões, de sintaxe à semântica.

Stanislaw voltou a fazer parte da minha vida quando jovem adulto e recém-advogado, por conta de um chefe em uma grande banca de advocacia. Esse querido e saudoso mentor tinha o hábito de repetir ad nauseam piadas de cunho duvidoso e tiradas de humor ácido – algumas eram paráfrases do referido escritor.

Curiosamente, essa personalidade brotou na minha memória recentemente, década depois, por conta da irresignação com um despacho de um juiz no Juizado Especial Federal, no cumprimento de sentença de um caso cuja fase de conhecimento durou 7 (sete) anos. Por suposta falta de previsão legal no procedimento especial, o magistrado utilizou uma regra do procedimento geral, com potencial para esticar o caso por longos meses, quiçá anos, em uma nova via crucis.

Vou tentar explicar melhor essa improvável associação. Ao verificar que o magistrado, diante de um suposto problema, fez a escolha mais fácil de conduzir a ação por um caminho bem mais longo para resolvê-lo, ignorando a omissão intencional da lei, uma das clássicas frases de Stanislaw ecoou em minha cabeça: (…) sua ausência preenche uma lacuna”. Apesar de dirigida com cínico pesar a pessoas um pouco menos queridas, não pareceu ser um absurdo associá-la no pequeno entrevero judicial – e, admito, foi bem mais divertido do que pensar na já batida e insossa expressão “silêncio eloquente”.

Stanislaw retratou o cotidiano como se conversasse com um amigo de longa data num boteco, tomando um chope gelado, de maneira informal, direta e ágil, sem deixar de ser questionador e criativo – assim como a atuação das partes e dos demais sujeitos do processo requer, ainda mais nos Juizados Especiais. Então, nas próximas linhas, a intenção é utilizá-lo de forma lúdica como inspiração principiológica, compartilhar breves ideias e “Por Vários Motivos Principais1 sugerir um caminho melhor a seguir a partir do obstáculo identificado.

É sabido que no âmbito dos Juizados Especiais Federal (Lei nº 10.259/2001 – “LJEF”) e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009 – “LJEFaz”), o cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, inclusive para pagamento de quantia certa ocorre de forma distinta do procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil (“CPC”). Neste procedimento geral, o credor dá início ao cumprimento de sentença, indicando o valor que entende devido, atualizado com base na decisão transitada em julgado e requerendo a intimação do devedor, nos termos do artigo 534 e seguintes do CPC. Por sua vez, naqueles procedimentos especiais, a satisfação do credor em regra ocorre por meio de simples requisição pelo juiz ao devedor após o trânsito em julgado da ação, que deverá providenciar o pagamento da obrigação em até 60 (sessenta) dias, independentemente de precatório, quando respeitado o valor do teto legal de cada ente, via Requisição de Pequeno Valor (“RPV”), conforme o artigo 17 da LJEF e o artigo 13 da LJEFaz.

Os Tribunais chamam esse procedimento específico de execução invertida, na qual a parte devedora, com base em sentença de condenação já líquida e em tese acompanhada de planilha de cálculos do contador judicial (artigo 38, parágrafo único e artigo 52, incisos I a IV, da Lei nº 9.099/1995 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis – “LJEC”), de forma espontânea e colaborativa se antecipa à execução pelo credor. Ao colaborar sem resistência com as providências para o pagamento, respeitado o prazo de cumprimento da requisição, o devedor tem como contrapartida positiva o afastamento da condenação em honorários advocatícios, além de acelerar o trâmite da ação (vide STF: ADPF 219/DF e STJ: AREsp 2.014.491/RJ).

Há a presunção de que as decisões que condenam ao pagamento de quantia certa serão planilhadas, com todos questionamentos sobre a fixação do valor devido já solucionados durante a fase de conhecimento (com a indicação detalhada de todos os critérios para futuras atualizações, por meio de operação aritmética simples), permitindo que sejam prontamente cumpridas pelo devedor, sem a intervenção ou a participação do credor.2

Até porque não se pode esquecer que neste procedimento é permitida a participação como autores apenas pessoas físicas e jurídicas de pequeno porte ou microempresas (inclusive sem o auxílio de advogados, na primeira instância, a depender do valor em discussão), que são hipossuficientes processuais perante os réus, entes públicos. Justamente por isso, essa legislação especial federal e fazendária não prevê de forma expressa como regra um momento específico para a resistência ou para a (re)discussão do valor a ser pago pelo devedor após o trânsito em julgado, tal qual o tradicional incidente de impugnação de cumprimento de sentença do procedimento comum.

Todavia, não raras vezes nesses procedimentos especiais a sentença não contém as instruções detalhadas de liquidação, tampouco a conversão de índices, eventuais custas e honorários de sucumbência, de juros e de outras parcelas decorrentes da condenação. Quase sempre a decisão final condenatória está desacompanhada de planilha de cálculos elaborada pelo contador judicial, que deveria chancelar o entendimento do juízo quanto ao valor devido. Então, o que era para ser exceção no pagamento de quantia certa contra a Fazenda Pública está se tornando a regra, transferindo atribuições e responsabilidades, alterando a fluidez do rito sumaríssimo, bem como contrariando a prática originariamente desenhada para o sistema dos Juizados Especiais Federal e Fazendário.

Ademais, em razão da lacuna procedimental entre o momento do trânsito em julgado e a efetiva requisição de pagamento pelo juiz ao devedor – que não é preenchida por regramentos infralegais3 –, o credor fica tateando no escuro por inexistir um norte indicando o valor exato a que tem direito de receber na execução invertida. Diante da inércia do juízo e do devedor, faz bem o credor que, mesmo diante de sua hipossuficiência, busca antecipar eventuais questionamentos que já deveriam ter sido solucionados previamente na fase de conhecimento, apresentando seus próprios cálculos e evitando assim o (re)trabalho para receber a eventual complementação do valor.

Como a exceção tem virado regra e como não há a compreensão desse hiato legislativo proposital, muitos magistrados têm aplicado o artigo 535, caput, do CPC de forma subsidiária4 e sem qualquer ressalva, concedendo o longo prazo de 30 (trinta) dias do procedimento comum para a Fazenda Pública devedora se manifestar, seja para apresentar seus cálculos próprios, seja para impugnar os cálculos apresentados de forma adiantada pelo credor, que muito lembra o sambarilove do controlador de voo de “A Mensagem5.

A aplicação do procedimento de impugnação ao cumprimento de sentença de pagar quantia certa pela Fazenda Pública do CPC não é incompatível nos Juizados Especiais Federal e Fazendário, embora tenha nítidos contornos de gambiarra processual6. Acontece que, na verdade, o principal problema reside na aplicação do extenso prazo do procedimento geral sem os devidos ajustes necessários para os céleres procedimentos específicos, federal e fazendário, criando um gargalo. Este é o cerne da questão.

Num primeiro momento, pode parecer raso perquirir qual seria o prazo aplicável em questão tão específica ou se essa diferença seria material o suficiente para de fato influenciar a tramitação e a conclusão do feito. Ora, “Quem Não Tem Cão7 caça com o artigo 535 do CPC… No entanto, não se pode deixar de analisar a questão inserida no contexto da razão de ser dos Juizados Especiais, de concretização de uma política pública de democratização do acesso efetivo à justiça, da rápida prestação jurisdicional e da redução da litigiosidade e da recorribilidade, inclusive pelo constante estímulo à composição.

Uma análise com mais cautela – com olhos mais atentos do que os do fiscal aduaneiro de “A Velha Contrabandista8 – revela uma potencial influência negativa no tempo de tramitação e de extinção do processo, pois tangencia outras questões conexas, tais como: a sistemática da intimação eletrônica nos processos digitais; a inexistência de prazos rígidos para o Poder Judiciário (notadamente para os contadores judiciais e para os magistrados); a não deflagração do prazo de pagamento pelo devedor na execução invertida; a necessidade de se respeitar o contraditório e a ampla defesa, concedendo prazos idênticos de manifestação para as partes; bem como os desafios de implementar a execução da parcela incontroversa9 de valores contra a Fazenda Pública, mesmo via RPV.

Essas questões provavelmente vão fazer com que o cumprimento de sentença leve bem mais tempo do que o necessário para seu desfecho, quiçá até mais do que a própria ação de conhecimento, subvertendo os princípios da simplicidade, da informalidade, da economia processual, da celeridade da tramitação dos processos e da eficiência, todos sustentáculos dos microssistemas integrados dos Juizados Especiais10. Isso precisa ser evitado a todo custo.

Em um procedimento especial de rito sumaríssimo, ainda mais em reta final para efetivação de direitos, é desproporcional e desarrazoado conceder um prazo de 30 (trinta) dias para a Fazenda Pública se manifestar sobre o início do cumprimento de sentença, até porque esta poderá se insurgir em hipóteses muito restritas e de forma bem fundamentada11. A divergência provavelmente consistirá em pequenos excessos de execução, de simples resolução, seja pelo baixo valor de alçada imposto para a fixação da competência absoluta12, seja pela baixa complexidade dos cálculos de liquidação, seja pela altíssima expertise dos contadores do juízo e das Fazendas Públicas, ainda mais num contexto de gradativa implementação de recursos digitais, além do gerenciamento de dados pessoais e fiscais, com o auxílio da inteligência artificial.

Para fins de comparação entre prazos e providências, repare que o prazo de 30 (trinta) dias é 3 (três) vezes maior do que o prazo de 10 (dez) dias para interposição do recurso inominado contra sentença13 e contra decisão sobre tutela antecipada14 ou de apresentação de assistente técnico e quesitos15. Além disso, é 2 (duas) vezes maior do que o prazo de 15 (quinze) dias do pedido de uniformização de interpretação de lei federal e do recurso extraordinário, nos quais efetivamente há uma deliberação ampla de mérito por um órgão colegiado. Esse prazo também equivale à metade de todo o prazo de 60 (sessenta) dias para a Fazenda Pública mobilizar a máquina administrativa para contabilizar, reservar e efetivamente pagar o credor de forma voluntária, nos casos de RPV.

A desproporcionalidade do prazo do artigo 535, caput, do CPC fica ainda mais evidente quando é analisada num conjunto de regras que expressamente afasta do procedimento dos Juizados Especiais algumas prerrogativas da Fazenda Pública do procedimento comum, como, por exemplo, prazos diferenciados (estendidos) e reexame necessário16.

A aplicação de prazo tão longo nessas hipóteses vai de encontro à orientação firmada no III Fórum Nacional dos Juízes Federais, por meio do Enunciado FONAJEF nº 58, no sentido de que, exceto nos casos previstos de forma diversa na lei, todos os prazos em primeira instância no Juizado Especial Federal e Fazendário são de 10 (dez) dias.

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Num toró de ideias (ou brainstorming), como em “Pensamentos do Lalau”17, à luz dos princípios que regem os Juizados Especiais Federal e Fazendário e dos enunciados, a melhor forma de conjugar esses procedimentos é providenciar a efetiva liquidação da obrigação o mais rápido possível. A visão do julgador comprometido com os objetivos do procedimento especial e da execução invertida deve considerar como meta moral o período de 30 (trinta) dias para a solução do incidente como um todo – e não apenas para a manifestação do devedor sobre o valor da obrigação da qual já deveria estar ciente e pronto para adimplir.

O ideal é que a fixação do valor atualizado devido, inclusive com a solução de eventual incidente para esse fim, se necessário, ocorra em até 30 (trinta) dias do recebimento dos autos pelo juízo responsável pelo cumprimento de sentença. Esse prazo pode ser repartido em até 3 (três) partes sucessivas de 10 (dias): a) para o devedor; b) para o credor (ou ao contrário, em caso de antecipação deste); e c) ao final, de forma conjunta, ao contador judicial (em caso de divergência) e ao juízo para julgamento e expedição do ofício de requisição (da totalidade do valor ou da parcela incontroversa, conforme o caso).

A partir desse momento, com o retorno ao rito original e o recebimento da requisição pela Fazenda Pública, começará a fluir o prazo de 60 (sessenta) dias para pagamento do RPV, o qual, se não respeitado, dará ensejo ao acréscimo de honorários de sucumbência (Súmula STJ 517), porém sem multa de mora18 (Tema STJ 1.190). O mesmo prazo deverá ser respeitado em caso de RPV suplementar, sendo que esta nova requisição já deverá ser acrescida de honorários de sucumbência (apenas sobre a parcela outrora controversa), em razão do desprovimento de recurso interposto pela Fazenda Pública; tampouco será devida a multa de mora. Em ambas as hipóteses, o descumprimento do referido prazo de pagamento poderá dar ensejo ao sequestro imediato de valores em contas públicas, inclusive por meio online19.

Sem entrar em um embate maior com a questionada prática jurídica que vem se consolidando, esse simples ajuste dos prazos de manifestação na fase de cumprimento de sentença dos Juizados Especiais Federal e Fazendário é uma alternativa conciliadora e teleológica. Essa providência permitirá o retorno sem demora ao procedimento especial expresso da execução invertida e viabilizará a definitiva entrega da prestação jurisdicional.

Tenho “Certas Esperanças20 de que essa sintonia fina na reta final de cumprimento de sentença nos procedimentos dos Juizados Especiais Federal e Fazendário seja suficiente para reduzir o risco de novos incidentes, conciliando os interesses de todas as partes envolvidas e permitindo que o processo caminhe de forma tranquila e rápida para seu término. É preciso fazer como o “Escritor Realista21, que percebeu que é sim possível recorrer a soluções simples, sem floreios, sem melismas ou sem ornamentos exagerados – e que isso não reduz a beleza, a emoção e o cuidado com a vida (e com as vidas).


Notas

1 A Fina Flor de Stanislaw Ponte Preta: COSTA E SILVA, Álvaro (Org.). 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 163.

2 E mesmo quando não é possível a fixação do valor devido de antemão pelo contador judicial durante a fase de conhecimento por circunstâncias específicas do caso concreto – por exemplo, nos casos de relação de trato continuado variável ou em que o devedor não possui todas as informações disponíveis, por estarem de posse exclusiva do credor –, admite-se excepcionalmente a flexibilização e a correção do feito em momento posterior. Isso pode ocorrer de ofício pelo juízo ou pelo devedor quando intimado, antes do início da execução invertida, sem desvirtuá-la ou retardá-la. Vide o Enunciado FONAJEF 129.

3 Vide, por exemplo, a Resolução CNJ 303/2019 e a Resolução CJF 822/2023.

4 Artigo 52 da LJEC, artigo 1º da LJEF e artigo 27 da LJEFaz.

5 Texto publicado no livro “10 em Humor”. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1968, pág. 42.

6 Até porque o referido procedimento não destoa significativamente dos embargos à execução de sentença nos próprios autos dos Juizados Especiais Cíveis. Vide artigo 52, inciso IX, da LJEC, Enunciado FONAJEF 13 e Enunciado FONAJE 121.

7 COSTA E SILVA, op. cit., p. 199.

8 Ibid., p. 90.

9 E, frise-se, definitiva. Essa distinção é importante para o afastamento do Enunciado FONAJEF 35.

10 Vide artigo 5º, LXXVIII, artigo 24, inciso X, artigo 37, artigo 98, inciso I, todos da CF, bem como artigo 2º da LJEC.

11 Vide Enunciado FONAJEF 177.

12 Vide artigo 3º, parágrafo 3º, da LJEF e artigo 2º, parágrafo 4º, da LJEFaz.

13 Vide artigo 42 da LJEC.

14 Vide Enunciado FONAJEFaz 5, bem como artigo 2º, inciso I, parágrafo 1º, da Resolução CJF nº 347/2015.

15 Vide artigo 12, parágrafo 2º, da LJEF.

16 Vide artigo 9o e artigo 13 da LJEF e artigos 7º e 11 da LJEFaz.

17 SÉRGIO, Renato. Dupla Exposição. Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998/99.

18 Vide artigo 85, parágrafo 7º, artigo 523 e artigo 534 parágrafo 2º, do CPC, mutatis mutandis.

19 Vide artigo 17, parágrafo 2º, da LJEF e artigo 13, parágrafo 1o da LJEFaz, bem como Enunciado FONAJEFaz 7.

20 Texto publicado na revista “Manchete" nº 193, de 31/12/1955.

21 COSTA E SILVA, op. cit., p. 199.

Sobre o autor
Alaim Rodrigues Neto

Advogado, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - Faculdade Nacional de Direito (UFRJ/FND) e especialista em Direito Tributário, inscrito na OAB/RJ desde 2003.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES NETO, Alaim. Stanislaw Ponte Preta como princípio no cumprimento de sentença nos Juizados Especiais Federal e Fazendário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7795, 3 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111554. Acesso em: 21 nov. 2024.

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