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Aplicabilidade do acordo de não persecução penal (ANPP) na audiência de custódia

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Resumo:


  • O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um instituto que visa evitar a propositura de uma denúncia, condicionando o não ajuizamento de ação penal à confissão formal e detalhada do investigado.

  • Aspectos constitucionais do ANPP têm sido questionados, especialmente em relação à necessidade de confissão formal e circunstanciada, podendo violar princípios como o direito ao silêncio e a presunção de inocência.

  • O ANPP proporciona vantagens como celeridade processual, economia de custos, reparação do dano à vítima e despenalização, mas a sua aplicabilidade na audiência de custódia tem gerado debates sobre a necessidade de previsão legal e respeito aos princípios constitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal abordar sobre a possibilidade de oferecimento e homologação do ANPP na audiência de custódia, bem como debater sobre as vantagens e (in) constitucionalidades do ANPP, conforme o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, o objeto de estudo é focado no Acordo de Não Perseguição Penal (ANPP), na qual a metodologia de pesquisa é dada através de bibliografias e através de um estudo qualitativo exploratório. Foi encontrar respostas para o problema da aplicação possível do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) na audiência de custódia, pois, uma vez que há possibilidade de aplicação, conforme parte da doutrina, há também a necessidade de previsão legal para a sua aplicação, justamente como ocorre na própria implementação do acordo no Art. 28-A do Código de Processo Penal. Finalmente, carece de inovação legislativa para que de facto seja possível a aplicação do ANPP na audiência de custódia.

Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal, Custódia, Aplicação, Celeridade e Possibilidade.


1. INTRODUÇÃO

As resoluções 181/2017 e 183/2018 versavam sobre o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nesse contexto verifica-se que após o advento da lei 13.964/2019 (pacote anticrime) que o referido instituto estava devidamente regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro.

Para Avena (2023), conceitua-se o referido instituto do ANPP, como:

Ajuste celebrado, em determinadas circunstâncias e presentes os requisitos legais, entre o Ministério Público e o investigado (acompanhado de seu advogado), por meio do qual são estipuladas condições cujo cumprimento implicará não ajuizamento de ação penal e extinção da punibilidade.

Nesse contexto, o ANPP visa evitar a propositura de uma denúncia, assim seria incorreto o oferecimento da denúncia com o acordo (Lima, 2020). Ademais, caso haja o adimplemento integral do acordo por parte do acusado, evitará a propositura de ação penal, bem como haverá a extinção da punibilidade (Lima, 2020). Logo, descumprido o acordo por parte do investigado, o Ministério Público comunicará ao Poder Judiciário mediante requerimento de rescisão do acordo e vista dos autos, para posterior propositura de denúncia.


2. ASPECTOS (IN) CONSTITUCIONAIS DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)

Em primeiro momento, observa-se que o Acordo de Não Persecução Penal foi aplicado a princípio pela resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, momento que a sua constitucionalidade foi questionada perante o Superior Tribunal Federal (STF), por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adis) nº 5.790 e 5.793.

É evidente que o art. 18. da Resolução n. 181. do CNMP versa sobre matéria processual, porquanto introduz no ordenamento a verdadeira exceção ao princípio da obrigatoriedade. Se se trata de matéria atinente à ação penal, tal matéria jamais poderia ser objeto de criação por uma Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão de natureza administrativa, até mesmo porque é a própria Constituição Federal que confere ao Ministério Público, dentre suas funções institucionais, a de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (CF, art. 129,1) (Lima, 2020, p. 222).

Nesse contexto, houve a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal no Art. 28-A do Código de Processo Penal, porém ainda remanescem críticas a seu respeito. Com isso, dentre as críticas, cabe ressaltar que a principal crítica quanto a sua (in)constitucionalidade, seria a necessidade de realizar confissão formal e circunstanciada, de modo que as críticas argumentam no sentido de que os princípios constitucionais da não autoincriminação e presunção de inocência são violados, bem como há o questionamento do Juiz competente para homologação do acordo.

Igualmente, o princípio nemo tenetur se detegere, estabelece que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Bem como, determinado princípio está fundamentado nos incisos LXIII (direito ao silêncio), LV (princípio da ampla defesa) e LVII (princípio da presunção de não culpabilidade), ambos do artigo 5º da Constituição Federal.

Noutro giro, a legislação não estabelece um limite para a confissão por parte do acusado, de modo que o ato voluntário por parte do investigado poderia influenciar em outros procedimentos, como um processo cível de indenização sobre o fato. Diante o exposto, é importante que se possa ter um limite em relação ao efeito probatório da confissão, sendo vedado o compartilhamento da confissão em outros meios que não seja especificamente o ANPP (Lopes Jr, 2022, n.p).

Ademais, surge o questionamento quanto ao valor da confissão em caso de rescisão do acordo, pois seria muito difícil o magistrado “esquecer” e “desconsiderar” o que o acusado confessou para que venha a absolvê-lo, ainda que as provas dos autos sejam frágeis (Lopes Jr, 2022, n.p).

Aliado a isso, há o Enunciado n. 27. do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GCCRIM):

ENUNCIADO 27 CNPG (ART. 28-A, § 10): Havendo descumprimento dos termos do acordo, a denúncia a ser oferecida poderá utilizar como suporte probatório a confissão formal e circunstanciada do investigado (prestada voluntariamente na celebração do acordo)

A denúncia apresentada pelo Ministério Público poderá incluir, como suporte probatório, a confissão formal e detalhada do investigado durante a celebração do acordo.

Com isso, se o investigado não cumprir as obrigações acordadas e, assim, provocar a rescisão do pacto, é evidente que não se podem ignorar as informações que fornecidas pelo próprio acusado (Lima, 2020, p. 235).

“Não se pode exigir que o imputado, na fase de investigação preliminar, onde muitas vezes sequer tem consciência dos fatos investigados, faça uma confissão mirando uma proposta de acordo que não sabe se virá a ser oferecida” (Lopes Jr, 2022, n.p).

Nessa toada, parte da doutrina entende que a exigência de confissão para o acordo é inconstitucional, já que poderia levar à autoincriminação do investigado. Porém, a mesma ideia não é compartilhada, ao passo que, para a formalização do pacto de não persecução penal, a exigência de uma confissão formal e circunstanciada não é inconstitucional, pois a decisão de celebrar o acordo é voluntária. Assim, se o investigado optar por negociar com o Ministério Público, ele deve cumprir os requisitos legais, bem como, é importante lembrar que a Constituição proíbe a autoincriminação de ordem penal e processual penal, o que não se aplica no presente caso, uma vez que o acordo é um ato voluntário do imputado (Avena, 2023, n.p).

A confissão do investigado é vista como uma contribuição à investigação criminal e pode influenciar um futuro processo penal, caso as condições do acordo não sejam cumpridas, desde que o investigado tenha sido devidamente informado sobre seu direito de não se auto incriminar e não sofra constrangimentos, não há conflito entre essa exigência e o direito ao silêncio. Em resumo, qualquer investigado ou acusado pode optar por confessar voluntariamente, cabendo a ele, com o apoio da defesa, decidir se deseja ou não celebrar o acordo de não persecução penal (Lima, 2020, p.231).

Assim, (Carvalho, 2021, p. 42-43), menciona:

Dessa forma, mesmo que o investigado tenha negado a prática delituosa no inquérito policial, o membro do Ministério Público, verificando pelos autos que os demais pressupostos e requisitos do ANPP estão presentes no caso concreto, deve designar audiência extrajudicial na sede penal do Ministério Público para explicar o ANPP ao investigado e seu defensor e esclarecer que o ANPP pressupõe a confissão formal e circunstanciada da prática delituosa, deixando a critério do investigado se deseja confessar – e ter o ANPP – ou manter a negativa da prática já exposta durante o inquérito policial.

Igualmente, verifica-se que não há violação do direito ao silêncio, uma vez que o investigado pode escolher confessar ou não o crime, ou seja, ele tem a liberdade de permanecer em silêncio ou de relatar detalhadamente o que ocorreu, se demonstra uma decisão do investigado, que age de acordo com sua autonomia e com o acompanhamento de defesa técnica (Carvalho, 2021, p. 39).

“O pressuposto de confissão para o ANPP apenas serve de reforço para a opinio delict já formada, nada tendo a ver com o reconhecimento de culpa, inclusive pelo fato de não existir processo formado” (Carvalho, 2021, p. 46).

Nesse sentido, permite observar que a confissão não é um ato obrigatório por parte do acusado, de modo que ainda não venha a confessar o delito em sede policial, não significa que não possa ser beneficiado pelo Acordo de Não Persecução Penal posteriormente.

Além disso, o direito ao silêncio também é assistido ao investigado, que pode ficar em silêncio tanto em sede policial quanto na sede do Ministério Público e rejeitar o acordo, já que a confissão para entabulação do acordo é um ato voluntário, de modo que o possível beneficiário deve estar assistido por advogado, que poderá durante as negociações fazer a sua escolha em relação às possibilidades que lhe são propostas.

Ademais, a questão do Juiz competente em relação ao Acordo de Não Persecução Penal é um tema bastante discutido na doutrina, em que se discute a competência entre o Juiz Natural ou ao então chamado Juiz das Garantias. Nesse sentido, conforme o Art. 3-B, inciso XVII do Código de Processo Penal, define que o Juiz competente para homologar o acordo é o Juiz das Garantias.

Outrossim, as ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 foram julgadas, ao passo que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do chamado Juiz das Garantias (Art. 3-B do Código de Processo Penal) e assim para sua validade foi estipulado o prazo de 12 (doze) meses para o seu efetivo funcionamento, podendo prorrogar por igual período, a contar da data de julgamento (24/08/2023).


3. AS VANTAGENS DA APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O instituto do Acordo de Não Persecução Penal proporciona diversas vantagens, seja para o acusado, a justiça, o Estado ou a vítima. Nesse sentido, é importante destacar que variados benefícios que o acordo proporciona, como por exemplo, a celeridade processual, a economia de custos, reparação do dano à vítima, “desafogamento” do judiciário, dentre outras vantagens.

Nessa perspectiva, vale mencionar que o Acordo de Não Persecução Penal não é sanção penal, não implica em punição, uma vez que se trata de negócio extrajudicial e voluntário entre Ministério Público, defesa e investigado. Assim, entabulado o acordo, as condições ajustadas serão cumpridas, como prestação pecuniária, serviço comunitário e restituição da coisa a vítima ou reparação do dano.

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O acordo de não persecução penal foi criado em vista da necessidade de se buscar soluções céleres e efetivas referentes a crimes de baixa e média gravidade, visando ser um mecanismo de solução consensual no âmbito criminal e voltado à fixação de uma política criminal realizada pelo Ministério Público (Carvalho, 2021, p. 24).

Pode-se observar que o ANPP tem por um dos objetivos evitar a ação penal, se evidencia assim como um instituto despenalizador (Carvalho, 2021, p. 25).

Em relação a prestação pecuniária, determinada prática é admirável, ao passo que o valor deverá ser destinado a entidade pública ou de interesse social, sendo responsabilidade do juízo de execução a escolha da destinação dos recursos arrecadados ante a prestação pecuniária, conforme art. 28-A, inciso IV, do Código de Processo Penal:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45. do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;

Nessa toada, outro ponto benéfico em relação ao acordo é que ocorrerá a extinção de punibilidade do investigado, em caso de cumprimento integral das condições pactuadas, bem como o acordo homologado e cumprido não constará nos antecedentes criminais do acusado, somente servirá para verificar a vedação de oferecimento de um novo benefício penal pelos próximos 5 (cinco) anos, conforme os §§ 12 e 13, do art. 28-A, do Código de Processo Penal.

Uma vez cumprido o acordo firmado, tal não constará de ficha de antecedentes do acusado (ou seja, manterá seu status de primário e de bons antecedentes). Contudo, se descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de rescisão e posterior oferecimento de denúncia (Lebre, 2020,p.148).

Noutro giro, o Acordo de Não Persecução Penal possui uma vasta possibilidade de ser aplicado em diversos delitos, como exemplo, em crimes ambientais que não caibam transação penal, em diversos crimes previstos nas leis 9.605/98, 7.802/89 e 6.766/79. Além disso, o acordo é cabível em crimes eleitorais, uma vez que já cabe transação penal e suspensão condicional do processo, não havendo vedação legal para oferecimento do ANPP (Carvalho, 2021, p. 102-103).

O Acordo de Não Persecução Penal, em tese, pode ser aplicado ao tráfico privilegiado, uma vez que não possui vedação no Art. 28-A do Código de Processo Penal, bem como o próprio Supremo Tribunal Federal compreende que o tráfico privilegiado não é crime hediondo, outro requisito que possibilita a aplicação do acordo.

Nessa toada, ainda que os requisitos para oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal estejam cumpridos, no caso concreto, pode ser que o acordo não seja oferecido, em razão do acordo não ser suficiente para a reprovação e prevenção da conduta criminosa por parte do acusado (Art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal), de modo que se deve avaliar a dimensão social do fato, para que se possa justificar o não oferecimento ou o oferecimento do acordo, devidamente fundamentado pelo Ministério Público (Carvalho, 2021, p. 98).

Outra vantagem de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal é a possibilidade de se oferecer o acordo em crimes contra a Administração Pública, como por exemplo, crimes de peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, corrupção ativa, descaminho, contrabando, todos do Código Penal, dentre outros, desde que cumpridos todos os requisitos.

Outrossim, é importante destacar que existe a necessidade de se verificar no caso concreto, se a aplicação do acordo é suficiente e necessário para a repressão dos crimes destacados, uma vez que os crimes nessa modalidade possuem uma enorme relevância social, o qual poderá o Ministério Público de maneira fundamentada, recusar o acordo, se for o caso, entendendo não ser suficiente a sua aplicação.

O Acordo de Não Persecução Penal em suas cláusulas pactuadas, possui a previsão de que o investigado faça o pagamento de prestação pecuniária (Art. 28-A, inciso IV do Código de Processo Penal). Com isso, a prestação pecuniária tem como destino entidades públicas ou de interesse social, com preferência a que tenha como função a proteção de bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo crime, sendo determinado posteriormente pelo Juízo da Execução Penal a sua destinação (Carvalho, 2021, p. 125).

Nota-se, portanto, que entre as inúmeras vantagens do acordo de não persecução penal temos: ausência de instauração de ação penal com incidência de custas processuais em caso de condenação; inocorrência de reincidência em caso de cometimento de nova infração penal; não cominação de pena privativa de liberdade e pena de multa (Silva, 2020, p. 193).

A despenalização no contexto do Acordo de Não Persecução Penal é também um aspecto benéfico, uma vez que reforça uma abordagem humanizada ao sistema de justiça criminal, promovendo a evolução das ferramentas alternativas para infrações de baixo e médio potencial ofensivo. Assim, como já abordado, o acordo não é sanção, é um benefício ao acusado, uma vez celebrado e devidamente cumprido, não haverá a persecução penal e, caso tenha a existência do dano, poderá ser reparado, mediante condições comuns na celebração do acordo.

Desse modo, a despenalização cria uma ideia de mudança em relação à punição, de modo que o sistema judiciário possa criar e utilizar formas mais céleres e eficazes para se combater os delitos de pequena e média gravidade, com foco na reparação do dano, serviço comunitário e prestação pecuniária. Essa cultura da despenalização para delitos de menor gravidade promove um ambiente mais cooperativo entre as partes, de modo que a vítima seja ressarcida e o dano reparado, bem como ao acusado há a oferta de uma nova oportunidade, para que não pratique outros delitos e não venha a ser reincidente, bem como posteriormente preso, sofrendo assim sanções penais, removendo a ideia de sistema punitivista. Logo, a despenalização auxilia na sobrecarga do judiciário, para que não ocorra tamanha morosidade e que os recursos economizados possam ser destinados à resolução de crimes com maior impacto e complexidade.

Noutro giro, outro benefício é a celeridade processual que o acordo poderá proporcionar, sendo essencial para a eficácia da justiça, sobretudo criminal. Assim, no momento em que as partes (promotor, acusado e defesa) chegam a um acordo e, que as condições sejam efetivamente cumpridas, isso reduz drasticamente o tempo de tramitação dos processos, que ao contrário de tramitar no caminho tradicional da persecução penal, passam a tramitar de maneira mais célere, uma vez que evitam a propositura de ação penal. Portanto, isso propicia um desfecho rápido e previsível ao acusado, ao passo que ele terá ciência de que ao cumprir as condições propostas, sua punibilidade será extinta, sem lhe causar qualquer estresse e incerteza que uma ação penal poderia lhe oferecer.

Com ferramentas eficientes como ao Acordo de Não Persecução Penal, face ao sistema judiciário sobrecarregado, não evidencia tão somente a eficiência que a celeridade poderá trazer, mas também se adapta às demandas e realidade da sociedade, apresentando dinamismo e menos burocracia.


4. A (IN) APLICABILIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Cumpre salientar que a audiência de custódia foi abordada primeiramente em 1966 no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ao passo que o item 3 do artigo. 9º diz:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência e a todos os atos do processo, se necessário for, para a execução da sentença.

Nesse contexto, somente em 06 de julho de 1992 que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi promulgado pelo Brasil.

A audiência de custódia consiste, portanto, na condução da pessoa presa, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura (Paiva, 2018, n.p.).

Dessa maneira, somente após a resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça que houve efetivamente introdução da audiência de custódia no Brasil, de modo que o custodiado deve ser apresentado perante o Juiz no prazo de 24 horas, momento que haverá a oitiva do representante do Ministério Público e da defesa, ao passo que o Juiz avaliará a legalidade e necessidade da prisão, bem como poderá determinar diligências para verificar a ocorrência de possíveis irregularidades e violência. Por fim, em caso de prisão ilegal ela deverá ser relaxada, bem como a prisão poderá ser homologada e convertida em prisão preventiva, ocorrer à liberação condicionada a medidas cautelares diversas, liberdade provisória, dentre outras possibilidades.

Diante deste cenário, surge a possibilidade de se ofertar ou não o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) na audiência de custódia. Nesse modelo, verifica-se que a resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público em seu Art. 18. já versava sobre o ANPP, sofrendo modificações com a resolução 183/2018 do CNMP. Assim, no §5º do Art. 18. da citada resolução 181, dizia:

Art. 18. Nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal, desde que este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir os seguintes requisitos, de forma cumulativa ou não:

§ 5º O acordo de não-persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia.

Noutro giro, verifica-se que a possibilidade de ofertar o Acordo de Não Persecução Penal na audiência de custódia já era prevista, porém ambas as resoluções 181 e 183 do Conselho Nacional do Ministério Público sofreram críticas quanto a sua constitucionalidade formal, ao passo que versavam sobre assuntos que só a lei poderia regulamentar.

A Lei no 13.964/2019, popularmente conhecida como “pacote anticrime”, introduziu o Art. 28-A no Código de Processo Penal, ao passo que o referido artigo aborda o Acordo de Não Persecução Penal e, assim, é perceptível a repetição e cópia de alguns trechos que já continham nas resoluções 181 e 183 do Conselho Nacional do Ministério Público, mas não constava outros trechos, de modo que o Art. 28-A do Código de Processo Penal não versa sobre audiência de custódia.

Na oportunidade, cumpre salientar que a resolução 357/2020, alterou a resolução 329/2020, ambas do Conselho Nacional de Justiça e, assim, com alterações, passou a tratar em seu Art. 19, §3o sobre o acordo de não persecução penal na audiência de custódia, a saber:

Art. 19. Admite-se a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ no 213/2015, quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial.

§ 3º A participação do Ministério Público deverá ser assegurada, com intimação prévia e obrigatória, podendo propor, inclusive, o acordo de não persecução penal nas hipóteses previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

A resolução 329/2020 foi revogada pela resolução 481/2022, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Noutro giro, existem críticas sobre o acordo de não persecução penal na audiência de custódia, sobretudo em razão da resolução 213/2015 do CNJ, a qual veda a apreciação do mérito na audiência de custódia, bem como em 2020 o do Conselho Nacional de Justiça destacou que o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal na audiência de custódia não era adequado.

Outrossim, (Carvalho, 2021, p. 150-151) compreende ser incabível a realização do Acordo de Não Persecução Penal na audiência de custódia, uma vez que não se deve discutir o mérito na audiência, conforme a resolução no 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, que expressamente consta que não serão formuladas perguntas que estejam atreladas ao mérito dos fatos que constam nos autos da prisão em flagrante e, assim, tal situação seria incompatível com a formalidade da audiência de custódia.

Igualmente, (Carvalho, 2021, p. 151) narra que considerando os princípios da eficiência, celeridade e economia processual, uma vez que na audiência estarão presentes a defesa, o Ministério Público e o acusado, a doutrina sugeriu que o oferecimento do acordo fosse ao momento posterior ao término da audiência de custódia, e que a solução seria em uma nova audiência, a possibilidade de se discutir os termos e a celebração do acordo e consequente homologação judicial, em um mesmo ato.

Nesse entendimento, Cabral (2020, p. 200):

Isso porque, o que se pretende com o referido dispositivo é tão somente possibilitar que o Membro do Ministério Público possa aproveitar a presença física do investigado e – em ato separado da audiência de custódia, mas na mesma oportunidade – eventualmente propor e celebrar o acordo, economizando-se, assim, recursos públicos, além de dinamizar e agilizar, ainda mais, o procedimento consensual, evitando-se a realização de novos atos de comunicação. Em suma, depois de realizada a audiência de custódia, com o encerramento da ata e assinatura, o Ministério Público, se for o caso, apresentaria proposta para a realização do acordo de não persecução penal, que, caso acolhida, seria realizado logo na sequência. De tal maneira, não deverá o acordo ser proposto no mesmo ato jurídico da audiência de custódia (mesmo porque, nesse ato específico, não se pode realizar perguntas sobre o mérito do caso penal, v.g., art. 8o, VIII e § 1º da Res. 213/15-CNJ), mas sim, como dito, logo depois desse ato. Veja-se que, inclusive, uma vez celebrado o acordo, já na mesma oportunidade poderia ele ser submetido ao Juiz, que já poderia, também realizar a audiência prevista no § 4º, do art. 28-A, CPP, e verificado o preenchimento dos requisitos objetivos, subjetivos e os pressupostos de existência e validade, já poderia o juiz homologar o acordo. Tudo isso de forma célere e concentrada.

Noutro giro, (Carvalho, 2021, p. 154) narra que somente com o fim das investigações que o Ministério Público terá total capacidade de se analisar a possibilidade de oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal e, defende que em regra o oferecimento deve ser realizado antes da denúncia e após a parte pré-processual, uma vez presentes seus requisitos e pressupostos. Bem como, opina que nem sempre o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) conterá elementos suficientes e necessários para se avaliar o cabimento do acordo, uma vez que requisitos como qualificação da vítima e pormenorização dos bens obtidos com a prática delitiva não constem completamente nos autos.

Além disso, (Carvalho, 2021, p. 155) narra que o Juiz das Garantias é o competente para que se tenha a homologação do acordo, a realização da audiência de custódia e o recebimento da denúncia, de modo que isso não ofenderia o juiz natural, uma vez que é seria o mesmo Juiz competente nos casos. Desse modo, a mesma situação pode não ocorrer no Ministério Público, uma vez que o promotor que realize a audiência de custódia não seja o mesmo que detêm a possibilidade para oferecimento da ação penal, de modo que nos plantões nem sempre o juiz plantonista seria o mesmo juiz da ação penal, do mesmo modo ocorre em relação ao Ministério Público.

É compreensível que somente poderia ocorrer o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal após a audiência de custódia, se o mesmo Juiz e Promotor da audiência de custódia fossem os mesmos para análise do caso.

Dito isto, para corroborar a presente narrativa, Barros e Romaniuc (2018, p. 66):

Para que haja acordo de não-persecução penal, é necessário que o magistrado que preside a audiência, bem como o membro ministerial atuante naquela ocasião, sejam, respectivamente, o juiz e o promotor natural do caso. Muitas vezes, por ausência de quantitativo de membros em determinado Estado da Federação, as audiências de custódia são celebradas por juízes e promotores plantonistas. Dessa forma, seria temerário que tais membros tomassem medidas definitivas acerca do destino do caso concreto, sobretudo quando não possuem atribuição para julgar nem para formar a opinio delicti sobre a materialidade e autoria do caso. Sendo assim, mais prudente, em tais casos, que os membros plantonistas não invistam na análise dessa matéria, restringindo-se tão somente à apreciação do flagrante, sobretudo diante da celeridade do procedimento. [...] Ademais, visualizando a possibilidade do acordo, nada impede que o Promotor de Justiça, no uso de sua independência funcional, pugne pela liberdade provisória do acusado para posterior estudo de viabilidade e celebração do acordo.

Em síntese, cumpre salientar que o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal é viável após a audiência de custódia, de modo que não seja no mesmo momento, mas que seja após a finalização da custódia, em razão de não se debater o mérito em sede de custódia. Contudo, nota-se que não seria viável a aplicação do acordo em toda e qualquer situação, somente em casos que efetivamente já tenha tudo preparado, mas para que ocorra é preciso que exista previsão legal.

Sobre os autores
Adailton dos Reis Soares Junior

Acadêmico de Direito da UNIMONTES

João Pedro Ribeiro Assis Araújo

Acadêmico de Direito da UNIMONTES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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