RESUMO
O presente estudo visa analisar a interação do Estado – Sociedade por meio da governança eletrônica e a utilização de tecnologias digitais com fincas de diluir o afastamento da sociedade das decisões governamentais, bem como facilitar o acesso desta aos instrumentos de dados, documentos e transparência geridos pela administração pública. O trabalho, municiado dos métodos descritivo e de revisão sistemática da literatura, tem como objetivo principal verificar como a governança eletrônica vem favorecendo a participação da população nos processos governamentais e de gestão de riscos da democracia participativa. Neste diapasão, o estudo através da apresentação de algumas ferramentas de governança eletrônica existentes, demonstra a sua aplicação e como essas possibilitam a participação mais ativa da sociedade nas decisões de governo e auxiliam no processo democrático.
Palavras-chave: Governança eletrônica. Ferramentas digitais. Gestão de risco democrática. Sistema político.
ABSTRACT
This study aims to analyze the interaction of the State - Society through electronic governance and the use of digital technologies in order to dilute society's distance from government decisions, as well as facilitating its access to data, documents and transparency instruments managed by public administration. The work, armed with descriptive methods and systematic literature review, has as its main objective to verify how electronic governance has been favoring the participation of the population in governmental and risk management processes of participatory democracy. In this vein, the study through the presentation of some existing electronic governance tools, demonstrates their application and how these enable a more active participation of society in government decisions and help in the democratic process.
Keywords: Electronic governance. Digital tools. Democratic risk management. Political system.
INTRODUÇÃO
A era do conhecimento e da globalização, as mudanças econômicas, sociais e políticas, além da consolidação da democracia no Brasil, fizeram com que os governantes tivessem que adequar suas práticas a um mundo mais complexo moderno. Inserida neste contexto, construiu-se a sociedade da informação, onde essa ferramenta se tornou de fácil acesso e essencial para o desenvolvimento pessoal e coletivo (LUCIANO, WIEDENHOFT, DOS SANTOS, 2018, p.105). Isso tudo exigiu que os governos adotassem modelos de gestão inovadores, bem como novas formas e instrumentos de administração utilizando-se das tecnologias de informação e comunicação (TIC’s), que fazem com que a abordagem da gestão pública caminhe para uma relação Estado-sociedade mais participativa e transparente, configurando novas estruturas de governança (SOARES JÚNIOR E SANTOS, 2007, p.30).
Neste contexto, a evolução da informática, dos meios de comunicação e particularmente da Internet definiu (e define cada vez mais) novos modelos para o relacionamento Estado/sociedade, configurando novas estruturas de governança. Essas novas tecnologias, portanto, teriam potencial para construir uma nova relação entre governantes e cidadãos, pressupondo-se que possibilitam uma administração pública mais eficiente, democrática e transparente.
Identificado como uma inovação na área administrativa, o governo eletrônico, também chamado "e-gov" ou "e-governo", representa, essencialmente, o acesso via Internet a informações e serviços oferecidos pelos governos. Essa prestação eletrônica de serviços igualmente envolve outros aspectos, como a governança eletrônica, que conforme definem os autores Rezende e Frey (2005, p.5) “pode ser entendida como a aplicação dos recursos da TI na gestão pública e política das organizações desse tipo”. Trazendo outro enfoque, é possível dizer que a Governança Eletrônica pode ser entendida como a "união dos cidadãos, pessoas-chave e representantes legais para participarem das comunidades, junto ao governo, por meios eletrônicos" (FERGUSON, 2002, p.104).
Nessa perspectiva, entende-se que a governança eletrônica, tem como foco utilizar um conjunto de ações, baseada no uso das TIC’s que visam facilitar o acesso à informação e conhecimento sobre o processo político para melhorar a atuação social (Holzer e Kim, 2005, p.59). A governança eletrônica não abrange somente a disponibilização de serviços online e da geração de eficiência na administração pública, mas permite um desenvolvimento das formas de governo através do incremento da participação social na atividade decisória e no controle das ações governamentais.
No cenário da administração pública brasileira, faz-se necessário apresentar a definição de governança eletrônica, sua estruturação e ferramentas e como ocorre a promoção da participação cidadã. O tema em questão, encontra-se atualmente na fase embrionária de discussão, com poucos trabalhos teóricos, além de ser visto como integrante do governo eletrônico, o qual, no Brasil, ocupa situação de destaque, desde 1999, quando elaborou-se uma política sistemática de governo eletrônico no Brasil, com a implantação do projeto Sociedade da Informação (SocInfo) do Ministério da Ciência e índice de governança eletrônica dos Estados Brasileiros, no âmbito do poder executivo. O governo eletrônico no Brasil tem se desenvolvido de forma significativa e isso é acompanhado por parte dos cidadãos e empresas, utilizando-o para melhorar suas condições de vida, principalmente pelo acesso a serviços e informações pela internet. Esse desenvolvimento é confirmado por Lau et al. (2008, p. 9) quando diz que, o Brasil, juntamente com Argentina e México, situa-se entre as nações mais avançadas, em nível mundial, em termos de presença na web, baseada em um relatório comparativo de governo eletrônico das Nações Unidas.
A partir das constatações feitas, surge então o problema que este artigo busca resolver: Como as ferramentas da prática de governança eletrônica possibilitam a participação e favorecem a população nos processos governamentais?
O objetivo deste trabalho é analisar as práticas de governança eletrônica no Brasil, e a partir de uma revisão sistemática da literatura verificar como a governança eletrônica vem favorecendo a participação da população nos processos governamentais. Através da apresentação de algumas ferramentas de governança eletrônica existentes, será demonstrada sua aplicação e como essas possibilitam a participação mais ativa da sociedade nas decisões de governo e auxiliam no processo democrático.
Este estudo justifica-se no sentido de que com o advento das TICs, a governança eletrônica aparece como uma tendência emergente para reinventar o funcionamento do governo, especialmente na oferta de serviços públicos e participação cidadã na gestão, de maneira on-line, sendo importante entender o funcionamento prático deste conceito e o panorama dos estudos sobre o assunto através da revisão de literatura.
DESENVOLVIMENTO
A palavra governança vem do latim gubernare, e está relacionada com o governo, com a administração em um sentido mais genérico (PAIVA, 2002, p. 41). Com o advento da tecnologia e da ampla utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC’s), surgiram novas formas de administração e isso aprimorou e inovou a relação Estado-sociedade (MELLO, 2009, p. 89). A governança eletrônica tem relação com a melhoria da forma de governar do Estado e na formulação de suas políticas, construindo um canal de comunicação entre o governo e o cidadão, possibilitando uma administração mais eficiente, democrática e transparente (FABRIZ, BERTOLINI, DE MELLO, 2017, p. 269).
A governança eletrônica é um conceito que surge juntamente com democracia, sociedade civil, participação social, dentre outros termos que remetem a interação da população nos processos governamentais (OKOT-UMA, 2000, p. 97). Assim, a governança eletrônica deve possibilitar à sociedade uma participação mais efetiva, gerando um processo político inclusivo e democrático.
O contexto da governança eletrônica insere-se no cenário da evolução das TIC’s e transformações sociais, proporcionando uma melhoria na prestação dos serviços públicos e fomentando o fornecimento de informações públicas à sociedade, encorajando sua participação.
As possibilidades de otimização de processos de gestão governamental - ou mesmo de criação de novos processos - baseados em soluções de tecnologias de informação e comunicação, passam por princípios definidos pelos conceitos de governo eletrônico, que “aceita conceituações diversas” (MEDEIROS e GUIMARÃES, 2003, p.9).
Dentre as diferentes concepções de e-gov apresentadas pela literatura, duas definem o termo de modo claro e objetivo. Para a Intosai (2003, p.3), trata-se da “oferta e troca de informações eserviços governamentais on-line para cidadãos, empresas e outras agências governamentais”. Segundo as Nações Unidas (2002, p.1), é a “utilização da Internet e da Web para ofertar informações e serviços governamentais aos cidadãos”.
Assim, a governança pode ser traduzida como a capacidade financeira e administrativa de implementar políticas públicas que objetiva tornar o Estado mais forte e menor pela superação da crise fiscal, pela delimitação da sua área de atuação, distinção entre o núcleo estratégico e as unidades descentralizadas, pelo estabelecimento de uma elite política capaz de tomar as decisões necessárias e pela dotação de uma burocracia capaz e motivada.
Governança versus Governabilidade
A governança se traduz na forma através da qual o governo gerencia os recursos econômicos e sociais do Estado visando o interesse coletivo da sociedade. Refere-se à capacidade administrativa e financeira, de um governo implementar as políticas públicas.
Segundo o Banco Mundial (1992), governança é: “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento”.
Em outros termos, a governança é a organização dos recursos públicos com vistas à otimização gerencial da máquina pública, à transformação dos objetivos governamentais em ações públicas, para o atendimento das demandas da sociedade e o alcance dos objetivos do Estado.
Diz respeito às competências técnicas, financeiras e gerenciais, tendo como origem os agentes públicos, em sentido amplo; e os servidores públicos, em sentido estrito.
A governança pode envolver a articulação em rede de outros entes públicos ou organizações privadas em cooperação, de modo que a qualidade das interações entre os atores estatais e não estatais está diretamente ligada ao grau de governança e ao processo de elaboração de políticas públicas.
Lado outro, a governabilidade se refere à capacidade política do Estado de governar e decidir, originada da sua legitimidade democrática e política perante a sociedade no exercício da autoridade, reflete a credibilidade e a extensão estatal do exercício do poder.
Compreende o exercício de poder de um governo, da relação entre os poderes e da estabilidade entre forças políticas divergentes. Dessa forma, relaciona-se com a estrutura política de governo.
Segundo Santos (1997) a governabilidade se trata das “condições sistêmicas e institucionais sob as quais se dá o exercício do poder, tais como as características do sistema político, a forma de governo, as relações entre os Poderes, o sistema de intermediação de interesses”.
Na concepção do autor Diniz (1995), a governabilidade representa um conjunto de atributos essenciais ao exercício do governo, sem os quais nenhum poder pode ser exercido. Em outras palavras, podemos aferir que sem legitimidade, não há que se falar em governabilidade.
A governabilidade é a capacidade que a Administração Pública tem de atender aos diferentes interesses da sociedade e desenvolver um objetivo comum afim de equilibrar o sistema político.
Governança Eletrônica no Brasil
Nos últimos tempos, a tecnologia no Brasil passou de um status de dar apenas suporte administrativo, para um papel mais estratégico, auxiliando na tomada de decisões. Com a evolução da globalização juntamente com a consolidação da democracia no Brasil, a sociedade passou a ser mais exigente, demandando mais do poder público para defesa de seus direitos, aumentando com isso a procura por informações governamentais, que obrigou o Estado a ter uma maior transparência em suas ações (GOMES, MOREIRA E SILVA, 2020, p. 26).
Outrossim, o uso das TIC’s possibilitou ao governo uma facilidade para atingir os seus objetivos, tornando-o mais eficiente e efetivo, facilitando o acesso das pessoas aos serviços e facilitando a transparência nas informações governamentais (BARROS, 2017, p. 14).
De acordo com informações do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI, 2013, p. 1), o aumento da utilização das TIC’s por parte governamental, encontra-se apoiada na estruturação dos programas de governo eletrônico (e-gov), que surgem com o objetivo de modernizar a administração pública, trazendo maior desenvolvimento da máquina estatal, através de impactos positivos nos cenários econômico, social e político e aumento da interação entre o Estado e os cidadãos.
Ferramentas de prática de governança eletrônica
A administração pública tem avançado muito rapidamente no âmbito tecnológico, e com isso, surge a necessidade de coordenar esforços para conhecimento e práticas de boa governança eletrônica. Algumas práticas bem-sucedidas podem ser destacadas: a declaração anual de Imposto de Renda da Receita Federal, o sistema de compras governamentais por meio do pregão eletrônico e os sistemas de eleições com o uso das urnas eletrônicas.
3.1. O aumento da participação popular na gestão e o favorecimento à população aos mecanismos de governança eletrônica no fomento à democracia brasileira
A estrutura adotada por Holzer e Kim (2005, p. 78) considera que a governança eletrônica, engloba o governo eletrônico (prestação de serviços públicos) e a democracia eletrônica (participação cidadã no governo) e que esses dois são representados por cinco subgrupos de práticas: conteúdo, serviços, participação cidadã, privacidade e segurança e usabilidade acessibilidade.
As práticas de conteúdo são classificadas por Holzer e Kim (2005, p. 89) em cinco áreas: acesso a informações de contato, documentos públicos, informações sensíveis e materiais multimídia. As práticas de serviços podem ser classificadas em serviços que possibilitam que a população interaja com o governo (instrumentos que permitam a consulta de informações, acesso a informações sobre educação, indicadores econômicos, instituições educacionais, meio ambiente, saúde, ferramentas para possíveis denúncias, disponibilização de informações sobre políticas públicas etc.) e serviços que permitam que a sociedade possa registrar-se nos eventos e nos serviços (pagamentos de tributos, concessão de licenças, certidões ou permissões, pregões eletrônicos etc.).
Diante disso, com relação a prática de participação cidadã, Holzer e Kim (2005, p. 64) explicam que ela refere-se à existência de ferramentas que permitam contato online dos cidadãos com os gestores públicos, incentivando a participação popular em decisões de orçamento e planejamento e a possibilidade da realização de críticas e sugestões sobre temas diversos.
Mello (2009, p. 22) explica que os sítios devem possuir práticas de privacidade e segurança, apresentando confidencialidade e segurança na transmissão dos dados, devendo as informações disponibilizadas nos sítios serem protegidas contra acesso a manipulação e uso indevido, tendo em vista que se os usuários verificarem segurança nos portais eletrônicos preferiram interagir com os governantes por meio eletrônico.
Nesta seara, partindo para a análise da governança eletrônica enquanto ferramenta e propulsora da promoção da participação popular nas decisões da gestão, baseando nos graus de democracia definidos por Gomes (2005, p. 19), Caetano et al. (2016, p. 298), identificam alguns recursos e iniciativas associadas ao processo de democracia digital.
Assim, os autores elucidam que no primeiro grau, que há várias iniciativas no Brasil sejam na esfera federal, estadual ou municipal, a fim de disponibilizar informações e serviços online aos cidadãos, . Na esfera federal os autores citam a solicitação de passaporte no Portal da Polícia Federal, o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Na esfera estadual, os autores citam o website do Governo de Minas Gerais. Já na esfera municipal são elencados os sites da Prefeitura do Rio de Janeiro e da Prefeitura de Salvador.
No segundo grau de democracia, no qual as TICs são utilizadas para coletar opinião pública e fazer uso dessa informação para a tomada de decisão política, Caetano et al. (2016, p. 44) citam a plataforma Participa.br e o Programa e-Cidadania do governo federal. O Participa.br é um espaço virtual de participação social com o objetivo de proporcionar a interação entre administração pública e sociedade civil, a divulgação de conteúdo, fóruns de debate, salas de bate papo, entre outros recursos.
Já o Portal e-Cidadania, criado em 2012 pelo Senado Federal, disponibiliza ferramentas para a interação no processo de fiscalização, no processo legislativo, e para interação direta com senadores.
As ferramentas de participação oferecidas pelo Portal e-Cidadania são (SENADO, 2018): a) ideia legislativa: enviar e apoiar ideias legislativas, isto é, sugestões de alteração na legislação vigente ou de criação de novas leis. Assim as ideias que recebem 20 mil apoios são encaminhadas para parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH); b) evento interativo: audiências públicas, sabatinas e outros eventos abertos. São criadas páginas específicas para cada audiência/sabatina/evento com transmissão ao vivo, espaço para comentários, apresentações, notícias e documentos referentes ao evento; c) consulta pública: possibilidade dar opinião sobre projetos de lei, propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias e outras proposições em tramitação no Senado Federal até a deliberação final.
No terceiro grau, que segundo Gomes (2005, p. 83) consiste nos princípios da transparência e da prestação de contas (accountability), Caetano et al. (2016, p. 58) destacam o Portal Brasileiro de Dados Abertos, que atua como uma biblioteca de dados publicados pelos órgãos do governo, e o Portal VisPublica, que procura facilitar a transparência de dados públicos e a tomada de decisão através de técnicas de visualização de informação.
No quarto grau de participação, que se refere a criação de mecanismos e processos de diálogo em busca de decisão baseada no consenso, para Caetano et al. (2016, p. 70) ainda são poucas as iniciativas. No entanto, os autores citam como exemplo o plebiscito em que os cidadãos do Estado do Pará foram consultados, através de votação, sobre a divisão do Estado e a criação do Estado do Carajás e do Estado do Tapajós. Isso considerando os plebiscitos, referendos e iniciativas populares como iniciativas do quarto grau.
Assim sendo, pode-se dizer que a democracia digital brasileira se encontra em um estágio maduro, conforme apontado por Sampaio (2013, p. 91). Para o autor, o Projeto de Democracia Digital do Brasil ainda é uma exceção e não uma regra, e algumas medidas são experimentais e podem ser abandonadas a qualquer momento. Há ainda que se destacar que devido ao Brasil ser um país continental, deve-se destacar as enormes diferenças entre todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal).