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Capa: Pavel Danilyuk/Pexels

Os desafios da representação sindical no Brasil frente às intervenções do poder público

19/11/2024 às 17:52

Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da Liberdade Sindical no Brasil, garantindo autonomia às entidades sindicais para tratar de interesses coletivos e individuais.

  • O sistema sindical brasileiro enfrenta contradições entre a liberdade prevista na Constituição e a prática, com normas ultrapassadas da CLT que dificultam a atuação das entidades.

  • A intervenção do Poder Público na atividade sindical gera incertezas e insegurança jurídica, com interferências do Judiciário e Legislativo em questões que deveriam ser tratadas pelas entidades sindicais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A autonomia sindical no Brasil sofre com frequentes intervenções do Poder Público. Como garantir liberdade sindical diante de decisões judiciais e limitações legislativas?

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficou consagrado no Brasil o princípio da liberdade sindical, que assegura às entidades sindicais a autonomia necessária para tratar de assuntos de interesse coletivo ou individual de sua representação e do sindicalismo de modo geral. Esse princípio é exercido principalmente por intermédio da normatização coletiva, via Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho.

Além dessa normatização, a Carta Magna, em seu artigo 8º, determina que é livre a associação em sindicato, profissional ou empresarial, sem que se exija do Estado autorização para a sua fundação, vedadas, ainda, a interferência e a intervenção do Poder Público na atividade sindical.

É justamente essa intervenção do Poder Público na atividade sindical o ponto focal da presente análise.


1. Liberdade sindical e autonomia das entidades

O Direito Coletivo do Trabalho no Brasil vive em constante contradição. A liberdade e a autonomia dos sindicatos, direitos fundamentais previstos na Constituição, não se refletem na prática do sistema sindical brasileiro.

Nesse cenário de incertezas e insegurança jurídica, encontram-se as entidades sindicais. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), datada de 1943, ainda possui em seu texto vigente mais de cem artigos dedicados à organização sindical, muitos deles ultrapassados, o que acaba por criar ainda mais dificuldades.

A liberdade sindical pressupõe a possibilidade de trabalhadores e empregadores se organizarem em sindicatos para realizar a gestão de sua representação. Entretanto, até mesmo a definição das categorias econômicas e profissionais permanece disciplinada pela CLT.


2. Unicidade sindical

As entidades sindicais enfrentam também o desafio de serem reconhecidas como representantes legítimas de suas categorias. Isso porque o texto constitucional, além de prever a autonomia e a liberdade sindicais, consagra também o princípio da unicidade sindical.

O inciso II do artigo 8º da Constituição estabelece que não é permitida a criação de mais de um sindicato representativo da mesma atividade econômica ou profissional, dentro da mesma base territorial, que não pode ser inferior a um município.

Como o sistema sindical brasileiro pressupõe a vinculação automática de trabalhadores e empregadores às entidades sindicais, a unicidade sindical complementa a regra, determinando que todos estejam representados pelo sindicato de sua categoria e região.

Surge aqui mais um desequilíbrio, pois a mesma Constituição prevê que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (inciso V do artigo 8º). Em outras palavras, empresas e empregados estão automaticamente vinculados aos sindicatos, e as ações das entidades — especialmente as convenções coletivas de trabalho — aplicam-se às atividades exercidas, ainda que optem por não se associar.

Para a efetividade do princípio da unicidade sindical, é de extrema importância que os sindicatos tenham segurança jurídica para atuar em prol de seus representados, uma vez que detêm a prerrogativa exclusiva de representação no âmbito das relações de trabalho.


3. A atuação do Poder Público

As incertezas enfrentadas pelas representações sindicais de empregadores e empregados se iniciam com as questões submetidas à Justiça do Trabalho, que, em diversas situações, não permite que as entidades atuem de maneira autônoma, em respeito à liberdade constitucional.

A recente discussão acerca da obrigatoriedade do recolhimento das contribuições assistenciais vinculadas às negociações coletivas é um claro exemplo, pois envolve tema diretamente relacionado à negociação coletiva, que, em tese, não poderia ser regulado pela via judicial. Cabe às entidades, dentro de suas prerrogativas de representação, normatizar o valor, a forma de pagamento e o exercício do direito de oposição.

Esse assunto, contudo, há anos está na pauta do Judiciário. O STF inicialmente reconheceu que as contribuições não eram obrigatórias, mas, posteriormente, mudou sua posição, passando a admiti-las como obrigatórias, desde que garantido o direito de oposição.

Ora, se o princípio da liberdade sindical fosse seguido à risca no Brasil, o tema seria discutido exclusivamente nas assembleias sindicais, e a obrigatoriedade, bem como o direito de oposição, seriam definidos apenas pelos interessados: trabalhadores e empregadores representados pelas entidades.

Trata-se, portanto, de clara intervenção do Judiciário na atividade sindical, em contrariedade à autonomia e à liberdade asseguradas pela Constituição.

Outro exemplo é a recente Proposta de Emenda Constitucional que busca limitar a jornada de trabalho em oito horas diárias e trinta e seis horas semanais. A flexibilização das relações de trabalho já é prerrogativa das entidades sindicais, via negociação coletiva, independentemente de legislação. A prevalência do negociado sobre o legislado, prevista na Lei nº 13.467/2017, reafirma o texto constitucional nesse aspecto.

Nesse caso, a interferência decorre do Poder Legislativo, e não do Judiciário, ao restringir prerrogativas das entidades sindicais. Como reconhecer e valorizar as negociações coletivas, e, consequentemente, a liberdade sindical, se se pretende alterar o texto constitucional para criar limites às negociações sobre jornada de trabalho?

Esses são apenas dois exemplos, bastante recentes, da interferência do Poder Público na atividade sindical, mas poderiam ser citados inúmeros outros ocorridos desde a promulgação da Constituição Federal em 1988.

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Conclusão

A importância do movimento sindical na estrutura das relações de trabalho brasileiras é inegável. A legislação nacional concede às entidades prerrogativas únicas de representação, que as tornam peças fundamentais para o equilíbrio das relações laborais, assegurando-lhes liberdade e autonomia. Esses são princípios essenciais para concretizar a previsão da Carta Magna no que se refere à atuação sindical.

Os sindicatos não podem permanecer à mercê de decisões judiciais e de propostas legislativas que aumentam a insegurança jurídica e comprometem sua credibilidade.

Como negociar regras que atendam às demandas de empresas e empregados e vê-las posteriormente anuladas por decisão judicial? Ou, ainda, qual a segurança em negociar temas que simultaneamente tramitam em projetos de lei?

Somente com segurança jurídica as entidades poderão exercer efetivamente sua representação, dentro dos limites e previsões constitucionais. A norma constitucional deve servir exclusivamente como norte para a organização sindical, de maneira ampla, deixando a cargo dos sindicatos o ajuste das regras específicas de interesse de seus representados, de acordo com as particularidades regionais e setoriais.

A liberdade e a autonomia na regulação das relações de trabalho por empregadores e trabalhadores são direitos fundamentais, que devem ser exercidos por organismos criados e mantidos pelos próprios interessados.

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Sobre o autor
Rafael Souza de Arruda

Advogado, especialista em Direito Sindical e do Trabalho, Assessor Jurídico Sindical da Fecomércio SC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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