A real responsabilidade das plataformas digitais hoje no Brasil
Esse é um tema de bastante debate no mundo jurídico, pois o mesmo é complexo, de um lado temos o Marco Civil da Internet que expressamente determina em seu artigo 19 que as plataformas digitais só serão responsabilizadas por conteúdos postado por outrem, em casos descumprimento de ordem judicial que determina a exclusão do conteúdo. Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor, por meio de seu art. 37 define como proibido qualquer tipo de publicidade enganosa, logo, percebe-se o porquê da complexidade, porém, João Victor Archegas, pesquisador sênior do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), acredita que o artigo 19 isenta as plataformas digitais de responsabilidade por anúncios fraudulentos ou enganosos. “Você pode aplicar o CDC ao anunciante em si, porque entre o anunciante e o consumidor tem uma relação de consumo”, dispõe o próprio (LOBATO, 2023).
Ante o exposto, a opinião acima mencionada vai de encontro com a REsp 604.172/SP, de 2007, nela a terceira turma da corte concluiu que “os veículos de comunicação não respondem por eventual publicidade abusiva ou enganosa. Tal responsabilidade toca aos fornecedores-anunciantes, que a patrocinaram” (BARROS, 2007).
Todavia, a corrente de pensamento vem mudando nos últimos anos, um grande movimento que ocorreu foi o tema 987 do STF (TOFFOLI, 2023), no qual debatia sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), este processo ainda está em andamento, logo não tem uma decisão, porém, já é uma iniciativa significativa visando a mudanças na responsabilidade das plataformas digitais.
Paralelo a isto, em 02 de fevereiro de 2024, o Jornal Nacional fez uma reportagem sobre anúncios falsos que usavam imagem de ministros do STF, na matéria, foi entrevistado o ministro do Supremo Dias Toffoli, que destacou o seguinte:
“Independente do marco civil que está em julgamento aqui no Supremo e que o Congresso Nacional busca aprimorar a legislação, o fato é que o próprio código civil brasileiro, ele diz claramente que aquele que causa um dano à terceiro, deve repará-lo. Então, é evidente que aí as plataformas têm corresponsabilidade nesses anúncios fraudulentos. Se elas são os veículos pelos quais são utilizadas essas imagens, e hoje ainda mais com inteligência artificial, é evidente que isso facilmente é identificável e tem que ser retirado. Porque, na verdade, se são anúncios, elas estão ganhando dinheiro com a imagem alheia (NERY, 2024, p.1)"
Diante desse cenário, fica claro que a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros continua sendo um tema controverso e em constante evolução. A jurisprudência e as opiniões jurídicas divergem, refletindo a complexidade de equilibrar a proteção ao consumidor e a liberdade das plataformas. A discussão em torno do artigo 19 do Marco Civil da Internet e a interpretação do Código de Defesa do Consumidor revelam as nuances legais envolvidas. Com processos ainda em andamento, como o tema 987 do STF, e declarações públicas de figuras importantes como o ministro Dias Toffoli, é evidente que o debate sobre a corresponsabilidade das plataformas por anúncios fraudulentos está longe de ser concluído, indicando possíveis mudanças futuras na legislação e na aplicação da lei.
Responsabilidade dos influenciadores digitais acerca dos anúncios fraudulentos
Antes de aprofundar sobre o tema, é preciso entender o que é um influenciador digital, logo, Gasparotto, Freitas e Efing (2019, p. 68) demonstram o seguinte:
“Os influenciadores digitais são grandes formadores de opinião, sendo capazes de modificar comportamentos e mentalidade de seus seguidores, visto que em razão da exposição de seus estilos devida, experiências, gostos, preferências e, principalmente, da interação social acabam conquistando a confiança dos usuários ora consumidores (conhecidos como seguidores).”
Exposto o conceito de influenciador digital, nota-se que ao promover um produto ou serviço, o influenciador digital assume a responsabilidade pelos itens oferecidos. A atividade pode implicar responsabilidade objetiva, já que envolve a exposição de produtos e serviços de terceiros.
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) reconhece o consumidor como a parte mais vulnerável na relação de consumo, baseando-se nos princípios da confiança e boa-fé. Portanto, o influenciador deve seguir a legislação consumerista e ser transparente ao divulgar marcas ou serviços. O CDC, em seu artigo 7.º, parágrafo único, determina que todos os envolvidos em uma ofensa são solidariamente responsáveis pelos danos causados. Isso significa que tanto o influenciador quanto a empresa do produto ou serviço podem ser responsabilizados solidariamente por eventuais danos aos consumidores (BRASIL, 1990).
Assim sendo, ao divulgar um produto ou serviço, o influenciador se torna parte da cadeia de fornecedores. Se houver disparidade na divulgação, induzindo o consumidor ao erro e causando prejuízo, o influenciador pode ser responsabilizado solidariamente, conforme o artigo 18 do CDC (BRASIL, 1990).
Paralelo a isto, destaca-se, conforme REsp 1.840.239/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que influenciadores digitais podem ser responsabilizados por danos aos consumidores resultantes de publicidade enganosa, independentemente da intenção o conhecimento prévio das informações falsas (JUSBRASIL, 2021).
Diante dessas considerações, é evidente que os influenciadores digitais desempenham um papel crucial na relação de consumo, atuando como intermediários entre as marcas e os consumidores. A responsabilidade que eles assumem ao promover produtos e serviços não pode ser subestimada, especialmente em um cenário onde a confiança e a transparência são fundamentais. A legislação consumerista, em particular o Código de Defesa do Consumidor, estabelece diretrizes claras para proteger o consumidor, considerando-o a parte mais vulnerável.
Assim, é imprescindível que os influenciadores estejam cientes de suas obrigações legais e éticas, garantindo que suas recomendações sejam honestas e precisas. A decisão do STJ reforça essa responsabilidade, sublinhando a necessidade de um compromisso constante com a veracidade e a integridade na publicidade digital.
Modelo de negócio das Plataformas, postura das Big Techs e a garantia da liberdade de expressão
Modelo de negócio de negócio das plataformas e a postura das big techs diante das propostas de regulamentação
Como exposto em tópicos anteriores, o alcance das redes sociais é extremamente amplo, o que o torna extremamente atrativo para os comerciantes, mas, não é somente isto, nas redes sociais é muito simples anunciar um produto, basta criar sua conta, definir seu público-alvo, fazer o formato de mídia do anúncio e ir para os valores, porém, não é só a praticidade que conquista, o preço também, pois, tanto no Facebook quanto no Youtube já é possível anunciar por um valor de seis reais por dia nos planos mais básicos (ENCINAS, 2021).
Este modelo de negócio de publicidade se mostrou muito lucrativo, e hoje ele já é a principal fonte de receita das plataformas, para mensurar, a Meta teve uma receita de 116,6 bilhões de dólares, sendo que 97,7% desta receita veio da publicidade digital (SANTINI et al., 2023). Assim, percebe-se o quão importante é a publicidade digital para as grandes plataformas digitais, esta informação será importante para o que será abordado a seguir.
Nos últimos anos tivemos alguns embates entre as plataformas digitais (Big Techs) e figuras do estado sobre o tema da regulamentação da internet. Talvez, o mais relevante seja o que envolve a PL 2360/2020 (Lei da Fake News), nele tivemos as big techs fazendo um lobby intenso contra a referida lei, como por exemplo, Google enviesando pesquisas sobre a PL (Meneses, 2023), big techs supostamente “contratando Influenciadores para irem contra a PL (Saconi, 2023), além do STF (Fraga, 2023) determinando que o Telegram apagasse a mensagem que o mesmo enviou a seus usuários, na mensagem o app afirmava que a PL das Fake News “acabar com a liberdade de expressão” (Tortella, 2023).
Portanto, nota-se que a postura das Big Techs é contrária a qualquer medida que visa regulamentar o ambiente digital, cabe destacar que este posicionamento das plataformas não é exclusivo do Brasil, pois, as plataformas também tentaram fazer lobbying contra a Digital Services Act (DSA) da União Europeia (Amaro, 2020), assim, conclui-se que as Big Techs adotam uma postura globalmente contrária à regulamentação do ambiente digital, buscando proteger seus modelos de negócios lucrativos baseados em publicidade.
A Liberdade de Expressão em meio ao combate dos Anúncios Fraudulentos
Hoje, em nosso atual ordenamento jurídico, a liberdade de expressão é disposta como um direito fundamental com base no art. 5º, incisos VI, VIII e IX, da Constituição Federal de 1988, este é um dos pilares fundamentais da democracia e uma das mais importantes garantias constitucionais. Agora sobre o aspecto jurídico da liberdade de expressão, Tavares (2021, p. 209) explica:
"É um direito genérico que finda por abarcar um sem número de formas e direitos conexos, e que não pode ser restringido a um singelo externar sensações ou intuições, com a ausência de elementar atividade intelectual, na medida em que a compreende"
À vista disso, entende-se que a liberdade de expressão é um direito amplo que engloba diversas formas de comunicação e está interligado com muitos outros direitos. Ela não se limita apenas à expressão de sensações ou intuições momentâneas, mas inclui a comunicação de ideias e opiniões que resultam de um processo intelectual profundo. Isso é crucial para debates públicos e o desenvolvimento da sociedade, garantindo um ambiente de troca livre e reflexiva de ideias.
Logo, constatada a relevância do direito à liberdade de expressão, é importante destacar que este direito, assim como todos os outros direitos fundamentais não são absolutos, acerca disto, Nakamura (2016, p. 155) leciona o seguinte:
“Os direitos fundamentais, apesar da sua grande importância, não são absolutos. Um direito absoluto é uma contradição em si mesmo, visto que não poderia conviver com outros direitos decorrentes do ordenamento jurídico. Um direito fundamental pode ser objeto de restrições decorrentes de sua necessária convivência com outros direitos fundamentais também previstos no ordenamento jurídico.”
Deste modo, pode-se entender que para que vários direitos fundamentais possam ser garantidos e respeitados simultaneamente, eles precisam ser equilibrados uns com os outros. Isso significa que um direito fundamental pode sofrer restrições para permitir a convivência harmoniosa com outros direitos igualmente importantes.
Consoante a isto, é válido citar de forma análoga a ADPF 572 do Supremo Tribunal Federal, esta arguição refere-se ao "inquérito das fake news" (Inquérito nº 4.781). Esta investigação aborda as ameaças e ataques direcionados aos ministros da Suprema Corte e à própria instituição. Além disso, investiga a disseminação de conteúdos falsos e antidemocráticos nos meios de comunicação, especialmente na internet e nas redes sociais. O Plenário, por uma maioria de 10 votos a 1, decidiu pela validade e constitucionalidade do Inquérito 4781, seguindo o entendimento do relator, Ministro Edson Fachin, com o único voto contrário sendo do Ministro Marco Aurélio (FACHIN, 2021).
Portanto, analisando está ADPF, conclui-se que o STF considera que a liberdade de expressão não deve ser limitada devido a opiniões impopulares ou errôneas. No entanto, quando se trata de disseminação intencional de alegações falsas ou discurso de ódio, essa liberdade será restringida. Nesses casos, há um desvirtuamento ou abuso do direito à liberdade de expressão.
Por fim, foi evidenciado que a liberdade de expressão é um direito fundamental e um pilar da democracia, crucial para a troca livre e reflexiva de ideias. No entanto, como todos os direitos fundamentais, não é absoluto e pode ser restringido para garantir a convivência harmoniosa com outros direitos igualmente importantes.
A regulamentação da liberdade de expressão, especialmente no contexto dos anúncios fraudulentos, exemplifica essa necessidade de equilíbrio. O combate à disseminação de informações falsas e discursos de ódio, como evidenciado pela ADPF 572, demonstra que tais restrições são necessárias para proteger a integridade das instituições e dos consumidores. Assim, assegurar a veracidade na publicidade é essencial para manter a confiança e a justiça no mercado, refletindo a importância de regulamentos que protejam os direitos dos consumidores sem comprometer a liberdade de expressão legítima.
Possíveis soluções para o combate contra os anúncios fraudulentos
Assim, após expor todo o contexto dos anúncios fraudulentos, é essencial definir estratégias para combater esse problema. Talvez a maneira mais eficaz seja fortalecer a legislação brasileira, inspirando-se em práticas internacionais bem-sucedidas, como a Digital Services Act (DSA) da União Europeia e a NetzDG da Alemanha. Isso pode incluir a imposição de obrigações rigorosas às plataformas digitais, a definição de diretrizes claras para incentivar medidas de segurança e prevenção de fraudes, e a criação de órgãos reguladores especializados nesse tipo de crime.
Além disso, a transparência e a prestação de contas das plataformas digitais são cruciais. Isso envolve a verificação dos anunciantes, a divulgação de informações relevantes para os usuários e o estabelecimento de mecanismos de responsabilização em caso de violações. Dessa forma, destaca-se a relevância do uso do direito comparado para fortalecer a legislação. Sobre isso, Carvalho (2007, p. 145) aduz o seguinte:
“Uma das mais importantes utilidades do Direito Comparado é a recepção legislativa; fenômeno por meio do qual as ordens jurídicas se alinham com o que há de mais avançado no campo do Direito. Não obstante, essa atualização do ordenamento jurídico interno deve ser precedida de uma análise crítica bastante lúcida para não se importar instituto fadado à ineficácia.”
Ante o exposto, cabe destacar que estão ocorrendo avanços quanto ao combate contra os anúncios fraudulentos nas redes sociais, um grande movimento foi a PL 2630/20 (Lei das Fake News), este projeto lei compartilha semelhanças com o DSA da União Europeia, pois ambos visam regular a atividade das plataformas digitais para combater a desinformação e proteger os usuários. Enquanto o PL das Fake News foca na transparência, responsabilidade na moderação de conteúdo, e proteção de dados, o DSA também inclui obrigações para plataformas sobre a remoção de conteúdo ilegal e a transparência dos algoritmos usados para recomendar conteúdo.
Assim, embora o projeto tenha gerado debates sobre possíveis impactos na liberdade de expressão e privacidade, não pode se negar que ele é talvez um pioneiro no debate sobre a responsabilidade das plataformas digitais aos anúncios fraudulentos, porém, felizmente, ele não é o único, recentemente tivemos a elaboração de dois projetos leis que versam sobre este tema, quais sejam: PL 123/24 e PL 390/24.
Em resumo, o Projeto de Lei nº 123/2024, proposto por André Janones, pretende modificar o Marco Civil da Internet para que as relações de consumo mediadas por provedores de aplicações de internet sejam regidas pelas normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A proposta responsabiliza civil, administrativa e penalmente as plataformas que veiculam publicidade enganosa, exigindo que as mesmas estabeleçam canais eficientes para reclamações e publiquem relatórios de transparência semestrais sobre conteúdo patrocinado. O objetivo é combater a disseminação de publicidade fraudulenta e enganosa, especialmente nas redes sociais (BRASIL, 2024).
Consoante a isto, o Projeto de Lei nº 390/2024, proposto por Camila Jara, visa alterar o Código Civil para reconhecer como fraude anúncios de produtos falsos e golpes financeiros que utilizam a manipulação de imagem e voz por inteligência artificial. A proposta define tais práticas como atos ilícitos, sujeitando os infratores a multas proporcionais à gravidade da fraude e a indenizações por danos morais e materiais às vítimas. Além disso, permite que autoridades determinem a remoção imediata das fraudes. O Poder Executivo regulamentará a aplicação das sanções, que incluem critérios para a graduação das multas. A lei busca combater o aumento alarmante de fraudes online, especialmente as que usam inteligência artificial (BRASIL, 2023).
Portanto, diante dos avanços legislativos e das propostas que visam combater a proliferação de anúncios fraudulentos nas plataformas digitais, é evidente que a busca por um ambiente online mais seguro e transparente está em curso. Além das iniciativas mencionadas, a recente determinação da Senacon para que Facebook e Google removam anúncios fraudulentos sobre o governo reforça a necessidade de uma ação firme e coordenada (MUGNATO, 2023). Essa medida destaca a importância da responsabilidade das plataformas digitais em proteger os consumidores e manter a integridade das informações veiculadas.
Em suma, a combinação de uma legislação fortalecida, inspirada em práticas internacionais, com uma fiscalização rigorosa e a colaboração entre setores público e privado, são passos fundamentais para enfrentar o desafio dos anúncios fraudulentos e garantir um espaço digital mais confiável e seguro.