Em 2013, o Brasil passou a reconhecer os direitos dos trabalhadores domésticos de maneira mais ampla, com a aprovação da PEC das Domésticas. A emenda constitucional, promulgada em abril daquele ano, ampliou uma série de direitos para os profissionais que atuam nessa categoria, antes muito precarizada em termos de garantias trabalhistas. A medida foi vista como uma grande conquista para as cerca de 7,2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos que, até então, não usufruíam de direitos básicos como o 13º salário, férias, horas extras e FGTS.
Hoje, 10 anos depois, é momento de refletir sobre os avanços e desafios dessa transformação, analisando os impactos dessa reforma tanto na vida dos trabalhadores quanto no mercado de trabalho. A seguir, abordaremos as principais mudanças e um comparativo estatístico para entender como a PEC das Domésticas alterou a realidade dessa categoria.
Principais mudanças trazidas pela PEC
Com a aprovação da PEC das Domésticas, os trabalhadores domésticos passaram a ter direitos que antes eram exclusivos de outras categorias profissionais. Dentre as principais mudanças estão:
Jornada de trabalho limitada: A PEC passou a garantir uma jornada máxima de 44 horas semanais para os trabalhadores domésticos, com limite de 8 horas diárias, além do pagamento de horas extras.
Descanso semanal remunerado: Assim como em outras profissões, o trabalhador doméstico passou a ter direito ao descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.
Férias e 13º salário: Os trabalhadores domésticos passaram a ter direito ao 13º salário e a férias anuais de 30 dias, com a remuneração correspondente.
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS): A PEC tornou obrigatório o depósito mensal de 8% do salário em uma conta vinculada ao FGTS.
Seguro-desemprego: Trabalhadores domésticos que foram dispensados sem justa causa passaram a ter direito ao seguro-desemprego, algo inédito para a categoria.
Equiparação a outras profissões: Direitos como auxílio-doença, aposentadoria e licença-maternidade também passaram a ser assegurados para esses profissionais.
O impacto 10 anos depois
Dez anos após a promulgação da PEC, é possível observar avanços significativos, mas também desafios persistentes.
Aumento da formalização
Um dos maiores impactos da PEC das Domésticas foi o aumento da formalização do trabalho. Em 2013, aproximadamente 25% dos trabalhadores domésticos estavam registrados, ou seja, com carteira assinada. Atualmente, o número de trabalhadores domésticos formalizados subiu para 50%, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) de 2023. Este aumento da formalização reflete a maior fiscalização e os incentivos para que empregadores regularizem os contratos de trabalho.
O custo do trabalho doméstico
Entretanto, a formalização do trabalho doméstico não veio sem desafios. A PEC aumentou o custo do trabalho doméstico para os empregadores, que passaram a ter que arcar com a contribuição para o FGTS, além de pagar as férias e o 13º salário. Esses custos acabaram por gerar uma série de mudanças no comportamento dos empregadores. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de empregadores que contrataram trabalhadores domésticos caiu, de 6,2 milhões em 2013 para 5,4 milhões em 2023. Isso reflete uma certa resistência à formalização por parte de alguns patrões, que optam por reduzir a contratação de trabalhadores, contratando-os de forma informal ou com outras modalidades de trabalho.
Desigualdade salarial e direitos
Apesar das melhorias nas condições formais de trabalho, a disparidade salarial ainda persiste como um dos maiores desafios para os trabalhadores domésticos. Dados do IBGE de 2023 apontam que 80% dos trabalhadores domésticos são mulheres, e em sua maioria, negras. A disparidade de gênero e raça no setor reflete um cenário de desigualdade salarial ainda significativo. O salário médio de um trabalhador doméstico é 50% inferior ao de outras categorias profissionais, mesmo com os avanços garantidos pela PEC. A média salarial dos trabalhadores domésticos no Brasil é de R$ 1.400, enquanto o salário médio de outras categorias é de aproximadamente R$ 2.800.
Além disso, apesar da formalização, a implementação de todos os direitos garantidos pela PEC não é uniforme. Muitos trabalhadores, especialmente os que atuam em domicílios de famílias de baixa renda, continuam sem o cumprimento pleno de seus direitos, como férias e 13º salário, o que levanta discussões sobre a fiscalização das leis.
O caminho a seguir
Embora a PEC tenha sido um marco importante para a inclusão dos trabalhadores domésticos nas leis trabalhistas, ainda há um longo caminho a percorrer. A luta pela igualdade salarial, pelo combate à discriminação de gênero e raça, e pela garantia de que todos os direitos sejam efetivamente cumpridos continua sendo central. Além disso, a adaptação das famílias empregadoras à nova realidade legal tem sido desafiadora, e a formalização plena do trabalho doméstico ainda esbarra na resistência de parte dos empregadores.
Ao olhar para os próximos anos, é fundamental que o governo intensifique a fiscalização das novas leis, promovendo campanhas de conscientização tanto para empregadores quanto para trabalhadores. A formalização do trabalho doméstico pode e deve ser um caminho para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas, para isso, é necessário que todos os direitos sejam respeitados de maneira plena e que as condições de trabalho melhorem de forma consistente.
Conclusão
Dez anos após a aprovação da PEC das Domésticas, houve avanços significativos na melhoria das condições de trabalho dessa categoria. A formalização, o aumento dos direitos trabalhistas e o reconhecimento das condições de desigualdade foram pontos essenciais dessa transformação. No entanto, desafios como a desigualdade salarial e a resistência à formalização ainda precisam ser superados, e o caminho para garantir igualdade de oportunidades e de remuneração segue sendo uma prioridade para o futuro.