Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a violência policial sob o viés da criminologia, com a problemática do porquê os números associados à violência policial são tão grandes, e que se dão principalmente pela desigualdade socioeconômica e preconceito existente em nosso país, além da falta de punição aos órgãos de segurança por parte do Estado. Também são apresentados conceitos sobre o fenômeno da violência, suas espécies e formas, o histórico da violência policial no Brasil, violência institucional, e os números dessa violência, com base em análise de dados do Governo Federal, também se questiona a licitude dos atos praticados pelas forças de segurança. Este trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, adotando como procedimento metodológico a pesquisa documental e revisão bibliográfica a partir da literatura das ciências criminais e sociológicas que debatem o assunto da violência.
Palavras-chave: Violência; criminologia; violência policial; abuso de autoridade; racismo;
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Violência. 2. Espécies de violência. 3. Histórico da violência policial no Brasil. 4. Violência Institucional. 5. Medidas de enfrentamento à violência policial. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Dentre as ações existentes nas relações humanas, a violência se expressa como um fenômeno social percebido pela sua forte presença e de diversas formas na sociedade, visto como um problema estrutural que afeta uma ou mais pessoas em graus variáveis, associado em parte a fatores como a desigualdade social, corrupção das instituições públicas, educação e segurança.
Não é um fenômeno moderno, pois desde a antiguidade, a partir do momento em que se constituiu uma sociedade, já começaram a existir os conflitos pelo desejo de poder político, social ou por causas diversas, assim como hoje. Como afirmou Karl Marx em O Capital, “a violência é a parteira de toda a sociedade velha que está prenhe de uma sociedade nova” (MARX, 2013, p. 821).
Implica um modo de relação historicamente produzido, mas também um elemento constitutivo inerente à vida em sociedade, estando presente em todas as configurações sociais (PIVETA, 2018, p.173).
“A violência é um fenômeno social, complexo, que compromete o direito fundamental à vida, à saúde, ao respeito, à liberdade e à dignidade humana” (VIEIRA, 2003, p.48). “É um fenômeno biopsicossocial, cuja complexidade dinâmica emerge na vida em sociedade, sendo que esta noção de violência não faz parte da natureza humana por não possuir raízes biológicas” (MINAYO, 1994 apud HAYECK, 2009, p.3). A filósofa Hannah Arendt (1969) também afirma que a violência não é algo natural, e não faz parte da natureza humana, ela encontra problemas naqueles que procuram sustentar o fenômeno da violência através de argumentos biológicos. É um fenômeno cultural. Afeta a qualidade de vida e o convívio social das pessoas, pois é evidente que onde há ameaça à segurança das pessoas, não existe um bem-estar. “A prática da violência, como toda ação, muda o mundo, mas a mudança mais provável, é para um mundo mais violento” (ARENDT, 1994, p. 58).
No Brasil, uma das justificativas para a forte presença desse fenômeno seria a formação do Estado brasileiro, que se difundiu a partir de uma cultura política de autoritarismo, patrimonialismo e opressão. É fruto do processo histórico e tens suas origens na colonização.
Esta pesquisa traz o conceito, espécies e formas de violência, com foco principal na forma institucional, que se desenvolveu juntamente com o processo histórico da sociedade brasileira, a crítica criminológica às desigualdades sociais, o perfil das vítimas e as normas usadas para combatê-la.
1. Conceito de violência
O termo “violência” não é nem um pouco incomum para nós, pelo contrário, quase todos somos capazes de tentar conceituá-lo à nossa maneira, com nossas próprias palavras assim que se ouve falar dele, e é visto como algo ruim, que causa medo, revolta, indignação. É um fenômeno que faz parte do nosso cotidiano, está presente nas mais variadas formas em nossa sociedade, aparece nos noticiários na televisão, na internet, no local onde vivemos. Não se deve admiti-lo como parte da condição humana, já que em todos os momentos da história da humanidade se desenvolveram sistemas religiosos, filosóficos, legais e comunais para evitá-lo e restringi-lo.
“O conceito de violência é ambíguo, complexo, implica vários elementos e posições teóricas e variadas maneiras de solução ou eliminação. As formas de violência são tão numerosas que é difícil elencá-las de modo satisfatório (PAVIANI, 2016, p.8).
A origem do termo violência vem do latim violentia, que remete a vis, força, vigor, emprego de força física ou os recursos do corpo para exercer sua força vital. É o ato de violar outrem ou de se violar. “Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física, e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser” (CHAUI, 1998, p.337). “As ciências partem de diferentes definições de violência, a partir do objeto e do método de sua investigação. Pode ser descrita, analisada e interpretada pela sociologia, antropologia, biologia, psicologia, psicanálise, teologia, filosofia e direito” (PAVIANI, 2016, p. 9).
A Organização Mundial da Saúde (OMS 2002), em seu relatório considera a violência como um problema de saúde pública, definindo-a como “o uso da força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psíquico, desenvolvimento prejudicado ou privação.”
Marilena Chaui, conceitua a violência da seguinte forma:
Se é isso a violência, é evidente que ela se opõe à ética, porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos, instrumentos para o uso de alguém. Na medida em que a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, vontade, liberdade e responsabilidade é trata-lo não como humano e sim como coisa, fazendo-lhe a violência nos cinco sentidos em que demos a esta palavra (CHAUI, 2017)
Atualmente é um grande desafio conviver com a violência, devido a sua forte presença na sociedade, são necessários novos parâmetros para compreendê-la e enfrentá-la. Enquanto questão social, “é um conceito de difícil caracterização, tendo em vista que se trata de um fenômeno complexo e multifacetado, que se manifesta de inúmeras formas nas diversas configurações da sociedade” (PIVETA, 2018, p. 173). Possui ligações profundas com a desigualdade entre as classes e a exclusão social, dessa forma, seu enfrentamento não pode eximir-se do sistema de proteção social, do fortalecimento de políticas sociais e da garantia de direitos. Para Soares (2016) no Brasil ,”a violência se mostra intrínseca ao processo de formação da sociedade, presente no autoritarismo e imposição cultural desde os tempos da colonização.” A sociedade brasileira está longe da concretização de direitos, pois está polarizada entre as carências das camadas populares e os privilégios das camadas dominantes e dirigentes” (CHAUI, 2017).
Para Minayo (1994) é unânime a ideia de que a violência é um fenômeno desenvolvido pela vida em sociedade, ou seja, um fenômeno biopsicossocial, portanto não faz parte da natureza humana, não é algo biológico, os humanos não nascem violentos, eles se tornam através do convívio social.
A violência é tão antiga quanto todas as sociedades. Ela é resultado de certa soma de poder desferida contra alguém que, ao ser alvo de violência, procura revidar. Começou a ser discutida e caracterizada como um fato social a partir do século XIX:
Para Santos (2004):
“No limiar do século XIX, o panorama mundial é marcado por questões sociais mundiais que se manifestam, de forma articulada e com distintas especificidades, nas diferentes sociedades. Paradoxalmente, o internacionalismo está fundado em problemas sociais globais, tais como a violência, a exclusão, as discriminações por gênero, os vários racismos, a pobreza, os problemas do meio ambiente, e a questão da fome”
O Sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) afirmou que a violência deveria ser analisada sob a perspectiva de fato social, decorrente de fatores como a desigualdade, condições financeiras e sociais, e seu uso provém da necessidade de poder que os indivíduos de uma determinada realidade tem. É um fato social patológico, que se desenvolve fora da norma e foge da normalidade esperada por uma sociedade.
Max Weber (1864-1920) foi um grande estudioso sobre a violência na sociedade afirmando que há uma batalha intensa na vida social das pessoas e vê a violência como uma maneira de se resolver esses conflitos”, e também que o Estado utiliza também a violência afim de mudar algo que está errado na sociedade. Um exemplo são as intervenções policiais, fogo principal deste artigo, onde através do Estado, a polícia usa da violência e sempre acaba exagerando e fazendo mal uso de seu poder.
A criminalidade é um fator social atrelado à violência. Estudiosos da criminologia afirmavam que o comportamento humano criminoso se dava por desajustes provocados no meio social (JÚNIOR, 2011, p.1). Estes estudiosos também traçavam um perfil de cada criminoso, o crime e suas causas, assim como observa Mirabete:
O delito e o delinquente, na Criminologia, não são encarados do ponto de vista jurídico, mas examinados, por meio de observação e experimentação, sob enfoques diversos. O crime é considerado como fato humano e social; o criminoso é tido como ser biológico e agente social, influenciado por fatores genéticos e constitucionais, bem como pelas injunções externas que conduzem à prática da infração penal, e, numa postura moderna, agente de comportamento desviante. Em resumo, estuda-se na criminologia a causação do crime, as medidas recomendadas para tentar evita-lo, a pessoa do delinquente e os caminhos para sua recuperação. (MIRABETE, 2007, p. 12).
Na realidade brasileira, sabe-se o que “criminoso” possui estereótipos. Por exemplo prostitutas, pobres, moradores de rua e negros, condenados pela sua miséria e condição social. Em qualquer abordagem feita por qualquer agente de criminalização secundária, têm-se esses como principais suspeitos.
Para Peruzzolo (1990) não se pode atrelar a violência à pobreza. A pobreza não pode ser acusada de ter uma condição criminogênica, ser pobre não é sinônimo de ser criminoso, ser violento, a favela não é um mundo inferior e as pessoas que nela residem são iguais às que vivem em luxuosos apartamentos. “A vigilância sobre os indivíduos se exerce aos níveis, não do que se faz, mas do que se é; não do que se faz, mas do que se pode fazer” (FOUCAULT, 2003, p.104). Não há classe social para a violência, mas a verdadeira responsável por acioná-la é sem dúvidas a grande desigualdade social.
Essas características gerais do conceito de violência variam no tempo e no espaço, segundo os padrões culturais de cada grupo ou época, e são ilustradas pelas dificuldades semânticas do conceito (PAVIANI, 2016, p.8).
Após conceituar o fenômeno da violência, entender que se trata de um problema social e cotidiano, no próximo capítulo serão apresentadas algumas de suas espécies e formas.
2. Espécies de violência
Além do conceito de violência, o fenômeno se apresenta de inúmeras formas. Já foi visto que seu conceito é amplo e dificilmente sua classificação abrange todas as formas, mas sua tipologia é útil para visualizar suas modalidades.
Sabemos que a violência não se limita à agressão física, ela se difere a partir da forma que se manifesta, podendo ser através de força física ou poder sobre si mesmo, pessoa ou grupo, causando algum tipo de dano. Os tipos de violência podem ser classificados como física, psicológica, moral, sexual, econômica, social, e o foco principal deste trabalho, que é a violência institucional, entre outras.
É importante destacar que algumas situações podem apresentar mais de um desses tipos. A violência física ofende a integridade e saúde corporal; a forma psicológica apresenta-se por meio de ameaças, humilhações, manipulação, perseguição, chantagem, insultos, ridicularização ou qualquer outro meio que possa causar prejuízo a saúde psicológica de outrem; a moral configura ofensa à honra, calúnia, injúria e difamação; violência sexual é aquela que ofende a liberdade sexual do indivíduo, conduta que provoque constrangimento, relação indesejada, mediante coação, intimidação, uso da força, chantagem ou manipulação; violência econômica ou patrimonial caracteriza-se pela subtração de bens ou imposição de dependência econômica, retenção de bens, roubo ou furto; violência social é a repressão ou opressão a grupos minoritários, por meio de discriminação, segregação e intolerância. A violência institucional, objeto desta pesquisa, será descrita com maiores detalhes no decorrer do trabalho, mas em resumo pode-se defini-la como a violência praticada por órgãos e agentes públicos que deveriam responder pelo cuidado, proteção e defesa dos cidadãos.
Para Yves Michaud (1989, p.10):
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja na sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais
É possível fazer a distinção de alguns tipos de violência como: estrutural, sistêmica e doméstica, simbólica, etc. A forma estrutural é um tipo indireto, pois não há apenas um ator identificável, mesmo que haja danos, sofrimento ou morte, não há um responsável concreto para essa espécie de violência, refere-se a qualquer cenário em que uma estrutura social perpetua a desigualdade, causando o sofrimento evitável das necessidades humanas fundamentais, e, por ser evitável é grande causa de morte prematura e desnecessária e está intimamente ligada a injustiça social.
O termo “violência estrutural” foi cunhado pelo sociólogo norueguês Johan Galtung, introduzido em seu artigo “Violence, Peace, and Peace Research” e refere-se a uma forma de violência em que alguma estrutura social ou instituição pode prejudicar as pessoas, impedindo-as de atender às suas necessidades básicas. Galtung propõe que adultismo institucionalizado, preconceito de idade, classicismo, elitismo, etnocentrismo, nacionalismo, especismo, racismo e sexismo são exemplos de violência estrutural.
Para Galtung, 1969:
Nós nos referiremos ao tipo de violência onde há um agente que comete a violência como violência pessoal ou direta, e a violência onde não há tal ator como violência estrutural ou indireta. Em ambos os casos, indivíduos podem ser mortos ou mutilados, atingidos ou machucados em ambos os sentidos dessas palavras, e manipulados por meios de estratégias de cenoura e porrete. Mas enquanto no primeiro caso essas consequências podem ter sua origem traçada de volta até pessoas e agentes concretos, no segundo caso isso não é mais significativo. Talvez não haja nenhuma pessoa que diretamente cause dano a outra na estrutura. A violência é embutida na estrutura e aparece como desigualdade de poder e consequentemente como chances de vida. (GALTUNG, 1969, p. 171)
A violência estrutural pode revelar-se pela ausência de proteção e garantia de direitos e necessidades como por exemplo o acesso à saúde e alimentação, que são essenciais para a manutenção da vida. Também pode aparecer em decisões políticas, como as ditas “medidas de austeridade”, que conduzem a um empobrecimento coletivo e à um retrocesso nos direitos sociais e acesso a bens essenciais, favorece o surgimento de atos de violência direta, como a criminalidade, e política como a discriminação.
Para Minayo, a violência estrutural “caracteriza-se pelo destaque na atuação das classes, grupos ou nações econômica ou politicamente dominantes, que se utilizam de leis e instituições para manter a sua situação privilegiada como se isso fosse um direito natural.” A existência da violência estrutural, portanto, não é natural, mas sim histórica e socialmente produzida.
Existe ainda a violência simbólica, seu conceito foi elaborado pelo sociólogo francês Pierre Bordieu..
Para Bordieu:
Os seres humanos possuem quatro tipos de capitais, são eles: 1) o capital econômico, a renda financeira; 2) o capital social, suas redes de amizade e convívio; 3) o cultural, aquele que é constituído pela educação, diplomas e envolvimento com a arte; 4) capital simbólico, que está ligado à honra, o prestígio e o reconhecimento. É através desse último capital que determinadas diferenças de poder são definidas socialmente. Por meio do capital simbólico, é que instituições e indivíduos podem tentar persuadir outros com suas ideias. (BORDIEU)
A violência simbólica se dá justamente pela falta de equivalência desse capital entre as pessoas ou instituições. É a dominação de uma classe sobre a outra, que faz uma espécie de “domesticação aos dominados. O conceito foi definido por Bourdieu como uma violência que é cometida com a cumplicidade entre quem sofre e quem a pratica, sem que, frequentemente, os envolvidos tenham consciência do que estão sofrendo ou exercendo.
No Brasil, uma forma de violência simbólica está no uso dos estereótipos relacionados aos negros. Segundo o sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932-2014) a estereotipagem é parte da manutenção da ordem social e simbólica. Alguns estereótipos nacionais associam a figura do negro à preguiça e a figura da mulher negra a expressão racista “mulata”, mulher feita para apenas suprir prazeres sexuais. É importante lembrar que o combate ao racismo pode começar na linguagem.
O sistema penal brasileiro também demonstra que os estereótipos fazem o encarceramento ter cor e classe social, e é um dos mais falhos do mundo. O retrato prisional brasileiro mostra injustiça, racismo, exclusão social, um estudo realizado em 2016 mostrou que pelo menos 40% são presos provisórios, não foram a julgamento. E que cerca de 55% representam a população pobre, jovens entre 18 e 29 anos e com baixo grau de escolaridade.
Enquanto a população negra representa 53 %, no Brasil, nos presídios estão 64 %, no sudeste a situação é mais grave ainda 72% são negros e na população da região este índice é de 42%. Observa-se, portanto, um retrato da injustiça social, com as marcas do racismo. (GOMES, 2019.)
Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) organizou um seminário sobre Questões Raciais e Poder Judiciário, destacando que existe uma política de Estado que rotula negros como criminosos. O racismo velado faz com que o negro seja considerado criminoso, antes mesmo de ser processado.
Diante de todo o exposto, percebe-se que a crítica criminológica às desigualdades sociais nunca esteve tão atual.
3. Histórico da violência policial no Brasil
No Brasil, a violência cotidiana que faz parte do cenário atual, é herança da colonização, que trouxe diversos problemas sociais e foi atribuída à população pobre e negra, por esse se tratar de um seleto grupo social. “O surgimento das Polícias Militares em nosso país, remonta à época do Brasil Colonial e a origem destas tropas em cada estado federativo é fruto de um sistema implementado por Portugal, pouco antes da chegada da Coroa ao território brasileiro, em 1808”. (SODRÉ, 1979)
Após abolida escravidão, no fim do século XIX havia um novo cenário, o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho dos imigrantes, e na nova concepção, os negros era um problema social, pois não contemplavam as características de quem traria algum progresso ao país. Até hoje essa população em sua maioria segue à margem da sociedade.
Com a chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil, foi criada em 10 de maio de 1808, no Rio de Janeiro a primeira instituição policial Brasileira, chamada de Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, e tinha o objetivo de implantar ordem na cidade, onde havia forte presença negra. As atividades da instituição eram variadas e diferentes da atual, pois além da manutenção da ordem, haviam ações de preservação de espaços públicos e abastecimento de água e limpeza urbana. A nobreza sentia medo por viver numa cidade com muitos negros escravos. Dom João criou, então, a Guarda Real de Polícia de Lisboa. Em 1808, a Coroa regressou para o Brasil, a fim de estabelecer um governo mais próximo, já que havia diversos povos interessados em nosso território” (SODRÉ, 1979). A guarda era encarregada apenas pela segurança e manutenção da ordem. “O estabelecimento de uma força policial militar permanente na capital deu-se em função do crescimento populacional do Rio de Janeiro e da necessidade de garantir a segurança da nobreza recém chegada de Portugal.” (MIRANDA, 2020, p.16).
A disciplinarização e controle objetivava principalmente os escravos e negros libertos, sendo a violência marca fundamental de tratamento. Curiosamente, mesmo a violência sendo uma estratégia de controle sobre os negros, a vida dos transgressores deveria ser preservada, tendo em vista que a mão-de-obra negra representava importância para a economia colonial, além de serem tratados como “mercadorias valiosas”, a eles não cabiam penas capitais.
Após a abolição da escravidão, e transformação política do país, o olhar policial passou dos negros escravos e libertos também para trabalhadores pobres e ex-escravos.
Não obstante as mudanças ocorridas na vida política e na economia brasileira, o “modus operandi” policial permaneceu quase que intocado, a manutenção da ordem continuou a ser feita através da violência institucionalizada contra o corpo das pessoas. A truculência no tratamento das camadas mais pobres prosseguiu, sendo aceita e utilizada como estratégia de controle (DireitoNet,2008. Disponível em direitonet.com.br. Acesso em 29/11/2022)
Diante disso, percebe-se que a violência institucional contra negros e pobres faz parte do processo de criação da sociedade brasileira.
Passaram-se os anos e o Brasil tornou-se uma república, onde as autoridades brasileiras seguiram aceitando as práticas violentas. Na década de 1950, o Presidente Juscelino Kubitschek, inaugurou o chamado “esquadrão da morte”, afim de reduzir o crescimento da violência na capital brasileira, que era a cidade do Rio de Janeiro. Esse esquadrão foi responsável pelo assassinato de inúmeros cidadãos brasileiros, e muitos dos seus integrantes ocuparam postos importantes em organismos como o DOI-CODI e o SNI (Sistema Nacional de Informações) durante a Ditadura Militar.
A ditadura militar deixou heranças para o aparato da segurança brasileiro. Uma característica que permanece hígida atualmente é o uso de violência como meio de controle e manutenção da ordem (SILVA, EBERHARDT, 2021, p. 9).
Sem dúvidas, a Ditadura Militar, pela qual passou o Brasil por 21 anos, é responsável direta pela formatação institucional de uma parte considerável do nosso sistema policial, naquela época, a Polícia Militar foi usada como extensão dos órgãos de repressão da ditatura e o uso da violência e a tortura se tornaram rotina e práticas autorizadas pelo Estado.
Inúmeras chacinas marcam a história da polícia brasileira: Massacre do Carandiru (1992), Chacina da Candelária (1994), Vigário Geral (1993), Eldorado dos Carajás (1996), Urso Branco (2002), Queimados (2006). A violência estatal através das policias, além de ser parte de um processo histórico é ainda uma grave violação dos direitos humanos, por outro lado os Direitos Humanos passaram a ser vistos como ideologicamente filiados à esquerda e depois passaram a ser vistos como “defensores de bandidos”.