Sumário: 1. Introdução. 2. Hipótese. 3. Legalidade e moralidade. 4. Entrave. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Chama à atenção a possibilidade de um vereador eleito ceder seu lugar ao suplente em troca de secretaria ou de administração de regional em municípios.
Estaria o vereador agindo contra a vontade de seus eleitores, uma vez que o elegeram para a vereança e não para que cedesse seu lugar a outro?
De fato, o vereador pode ocupar o cargo de secretário, de administrador regional ou ainda outros cargos, como veremos adiante.
No entanto, quando enxergamos tais possibilidades, acreditamos que alguma indignação logo surja no povo.
Afinal, é o povo que concede poderes políticos ao cidadão, por meio do voto, para que o represente no poder legislativo, cuja função é legislar e fiscalizar, independentemente, o poder executivo.
Diante disso, o texto que segue procurará brevemente abordar essa questão levantada, endereçada aos cidadãos de bem em todos os municípios brasileiros.
2. HIPÓTESE
Normalmente, com fulcro na Lei Orgânica Municipal, o vereador poderá ocupar o cargo de secretário municipal, de administrador regional ou outro cargo federal ou estadual, de que seja demissível pela vontade de alguém (“ad nutum”), desde que se licencie do exercício do mandato.
Ademais, em regra, o vereador poderá optar pela remuneração do mandato, ou seja, por uma maior remuneração.
Assim sendo, para que o vereador ocupe, por exemplo, uma secretaria municipal, basta cumprir regras constantes em Lei Orgânica Municipal.
Disso, surge hipótese, que pode dar espaço a manipulações, jogadas, tanto do Legislativo como do Executivo, e também dar margem a condutas de má-fé.
VEREADOR – SECRETÁRIO MUNICIPAL OU ADMINISTRADOR REGIONAL
Vereador se licencia para exercer, por exemplo, o cargo de secretário ou de administrador regional. Após, seu suplente assume vaga aberta, passando a receber a remuneração do mandato.
Neste ponto, é importante mencionar que os secretários municipais e os administradores regionais são auxiliares diretos do prefeito, sendo que esses cargos são de livre nomeação e exoneração do prefeito. Neles, é necessária a existência de “relação de confiança” para a nomeação.
Assim, passando detidamente à análise da possibilidade de licenciamento do vereador, vêm alguns questionamentos.
Estariam, com o cargo de vereador, dando emprego ao suplente do vereador, uma vez que o suplente não conseguiu se eleger?
O suplente é um vereador não eleito pelo povo, sendo que, em regra, quando convocado em caráter de substituição, não poderá ser eleito para os cargos da Mesa Diretora de Câmara Municipal, nem de presidente, nem de vice-presidente de comissão.
O vereador pode optar pela remuneração do mandato, ou seja, por maior remuneração1.
Ainda que permitido por Lei Orgânica Municipal e Regimento Interno de Câmara Municipal, a nosso juízo, é certamente imoral e injusto que, como secretário municipal, por exemplo, o vereador possa receber a remuneração de vereador.
Observe-se que os outros secretários municipais não poderão requerer equiparação de remuneração com o vereador, porque o vereador é secretário, porém, vereador licenciado, amparado por lei.
Existe a hipótese de o vereador poder optar pela remuneração de secretário e esta pode dar margem a fraude, envolvendo o suplente, o vereador e o prefeito, conjuntamente.
Imagine-se que o vereador tenha optado pela remuneração de secretário municipal, que, naturalmente, é inferior à remuneração do vereador.
No caso, o vereador poderá combinar com o suplente o recebimento dessa remuneração. De forma oculta, o vereador receberia a remuneração do mandato e o suplente receberia a remuneração de secretário. Isso seria perfeitamente possível, porque haveria uma troca de remunerações, enfim, uma chicana.
Se o suplente não ganhava nada antes de ser vereador, passaria agora a ser remunerado como secretário, o que seria, ainda, uma vantagem para ele.
Fique esclarecido que há a possibilidade de o suplente não querer mais cumprir o acordo e querer receber a remuneração do mandato, ou seja, a maior remuneração.
Acontece que, caso o suplente queira descumprir o acordo, o prefeito poderá exonerar o vereador do cargo de secretário, ocasionando a saída do suplente do cargo de vereador.
Ocupando cargo de secretário ou de administrador regional, o vereador certamente não aceitaria, absolutamente, receber remuneração total inferior à remuneração do suplente, que venha a ocupar sua cadeira na câmara municipal.
Esse vereador investido argumentaria que passou a trabalhar mais horas por dia, já que exerce cargo em secretaria ou em administração regional, o que justificaria o recebimento de sua maior remuneração.
Noutro ângulo, a investidura de vereador no cargo de administrador regional pode propiciar a utilização da máquina pública para a própria promoção pessoal. Investido no cargo de administrador regional, o vereador certamente faria assistencialismo político no comando da administração regional, e esse assistencialismo muito contribuiria para sua reeleição.
Por último, poderia ocorrer até a ascensão do segundo suplente de determinado vereador. O prefeito nomearia, por exemplo, determinado vereador como administrador regional e o primeiro suplente desse vereador como secretário municipal, assumindo a vaga deixada o segundo suplente. Tal hipótese oneraria ainda mais as finanças da prefeitura.
VICE-PREFEITO – SECRETÁRIO MUNICIPAL
O vice-prefeito também pode exercer o cargo de secretário municipal, todavia, não pode acumular remuneração de vice-prefeito com remuneração de secretário. Os detentores de mandato eletivo e os secretários municipais serão remunerados por subsídio em parcela única, de forma exclusiva, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.
Assim, nessa hipótese, a investidura de vice-prefeito no cargo de secretário municipal não onera os cofres públicos. Ao revés, gera economia na folha de pagamento da prefeitura, pois quando se paga o subsídio ao vice-prefeito, se paga automaticamente ao secretário municipal, uma vez que o vice-prefeito e o secretário municipal são a mesma pessoa. O vice-prefeito deixa de ter função secundária ou acessória.
SÚMULA VINCULANTE Nº 13
A Súmula Vinculante nº 13 veda o Nepotismo nos três poderes, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Em sintonia com a Moralidade, está proibida a contratação de parentes de autoridades ou de servidores para exercerem cargo ou função de confiança no serviço público.
A Súmula Vinculante nº 13 também veda o Nepotismo Cruzado, isto é, aquele que ocorre quando dois agentes públicos empregam parentes reciprocamente em troca de favores.
Contudo, os cargos de caráter político, aqueles exercidos pelos agentes públicos políticos (secretários e ministros), não estão alcançados pelo conteúdo da Súmula Vinculante nº 13. Assim sendo, a nosso juízo, a prática do nepotismo poderia ser exercida na hipótese.
Se o prefeito de determinado município desloca um vereador, que seja seu sobrinho, para o cargo de secretário municipal, este vereador não poderá ser retirado do cargo em que passa a ocupar.
Como reportado acima, a investidura desse vereador no cargo de secretário municipal poderia propiciar a utilização da máquina pública para promoção pessoal, já que, investido, por exemplo, no cargo de secretário, o vereador certamente realizaria seu assistencialismo político no comando da secretaria, assistencialismo esse que muito contribuiria para sua reeleição.
Observe-se que, dentre as outras hipóteses, somente para os cargos políticos, não foi discernido a Moral.
Infelizmente, o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do poder judiciário brasileiro, não conseguiu extirpar o Nepotismo da vida pública brasileira. O Supremo Tribunal Federal tentou resolver o problema, mas não combateu a questão do Nepotismo na sua essência, eficazmente, pois em verdade tal problema, para a infelicidade de nosso povo, continua permeando a nossa sofrida sociedade.
Por tudo dito, é necessário advertir finalmente que a investidura de vereador no cargo de secretário ou de administrador regional aumenta a despesa com a folha de pagamento da prefeitura.
Se a despesa pública com a folha de pagamento aumenta, consequentemente diminui progressivamente o dinheiro para ser aplicado, por exemplo, em setores importantes como a Educação, a Saúde e o Saneamento Básico.
3. LEGALIDADE E MORALIDADE
Chegando ao fim deste texto, cumpre enfocar que Legalidade, Moralidade e Justiça nem sempre são coincidentes.
Viu-se que Lei Orgânica Municipal pode gerar prejuízo para o povo, uma vez que permite o pagamento de remuneração de vereador para o cargo de secretário ou de administrador regional. A hipótese, a nosso juízo, afronta o senso de Moralidade e também de Justiça.
Em sentido amplo, a lei deve ter fundamento em valores morais, conter virtudes morais, imprescindível à sua validade. Não nos esqueçamos de que a Moral é indicadora da boa-fé e da honestidade. Como conjunto de valores, deve ser introduzida na lei, na medida em que considerada relevante para o progresso da sociedade.
Portanto, fundamentado na Moral e na noção de Justiça, não deveria ser permitido que vereador ocupe o cargo de secretário, de administrador regional, ou outro cargo qualquer, recebendo ou não a remuneração de vereador. Em princípio, o vereador deve ser vereador e nada mais.
Com consciência e bom combate do povo, as regras de Lei Orgânica Municipal possam não ser aplicadas.
Desejoso por um município melhor, o povo buscará encontrar nas mentes de seus agentes políticos o respeito à Ética, à Honradez e à Probidade.
4. ENTRAVE
A título reflexivo, necessário reportar que a norma do artigo 56 da Constituição Federal é norma constitucional originária, elaborada pelo Poder Constituinte Originário, não podendo ser objeto de controle de constitucionalidade.
Em razão do “princípio da simetria federativa”, tal norma é replicada pelas Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas Municipais. Dessa forma, vereador pode ocupar cargo de secretário em município.
Contrário ao entendimento exposto, Otto Bachof2, constitucionalista alemão, defende a inconstitucionalidade de normas constitucionais, teoria que atualmente não é aplicada no Direito Brasileiro.
Segundo Bachof, “uma norma constitucional pode ser nula, se desrespeitar os postulados fundamentais da justiça.”3
5. REFERÊNCIAS
Constituição Federal (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm).
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
NOTAS
1 Normalmente, a remuneração total do vereador é composta de duas partes, sendo a primeira parte denominada “Subsídio” e a segunda parte conhecida como “Verba de apoio à atividade parlamentar”. Tal verba é totalmente vinculada ao mandato de vereador e não pode recebê-la o vereador investido no cargo de secretário ou de administrador regional. A legalidade e a legitimidade da verba de apoio à atividade parlamentar é discutível, sendo que o vereador deve prestar contas dela.
2 Otto Bachof (*6 de março de 1914 em Bremen, † 21 de janeiro de 2006) foi um jurista alemão que, além de professor de Direito Público, exerceu a função de Juiz do Tribunal Estadual de Baden-Württemberg (https://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_Bachof).
3 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais?