Capa da publicação Ação rescisória e manifesta violação à norma jurídica
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Manifesta violação à norma jurídica, ação rescisória e a Súmula nº 343 do STF

04/12/2024 às 17:13

Resumo:


  • A ação rescisória é um instrumento processual previsto para corrigir injustiças flagrantes, especialmente quando há violação manifesta à norma jurídica.

  • O Código de Processo Civil de 2015 reforçou o caráter excepcional da ação rescisória, exigindo que o erro ou violação seja grave o suficiente para desconstituir a coisa julgada.

  • O §5º do artigo 966 do CPC/2015 prevê a possibilidade de ação rescisória quando uma decisão desconsidera o distinguishing entre o caso concreto e a tese firmada em súmulas vinculantes ou em julgamentos de casos repetitivos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A manifesta violação à norma jurídica e a correlação com a ação rescisória

A coisa julgada, consagrada no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, é um dos pilares do Estado de Direito, protegendo a segurança jurídica ao assegurar que decisões judiciais definitivas não possam ser continuamente questionadas. Contudo, a imutabilidade dos julgados não é absoluta, uma vez que o sistema processual prevê instrumentos para corrigir injustiças flagrantes, dentre os quais se destaca a ação rescisória.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

O Código de Processo Civil de 2015 reforçou o caráter excepcional da ação rescisória. O artigo 966 prevê hipóteses restritas para o cabimento dessa ação, exigindo que o erro ou violação seja grave o suficiente para justificar a desconstituição da coisa julgada. O inciso V, especificamente, trata da possibilidade de rescindir uma decisão que "violar manifestamente norma jurídica" 1

A princípio, destaca-se que a norma jurídica não se confunde com o texto legal (Marinoni, 2017, p. 71). Apesar de a teoria formalista ainda estar “presente no pensamento jurídico comum e no estilo da fundamentação das decisões judiciais” (ibidem, p. 72), a corrente influenciada pela Escola da Exegese se encontra superada (ibidem, 71).

Assim, disciplina Alexandre Câmara (2014, p. 195):

Outra novidade [do CPC/2015] está no aperfeiçoamento do texto. No projeto [posteriormente aprovado], em vez de se prever a rescisão por violação de ‘literal disposição de lei’, fala-se em rescisão quando a decisão ‘violar manifestamente a norma jurídica’. Trata-se de uma melhoria substancial do sistema, já que deixa claro que a ofensa que torna possível a rescisão não é a do texto da lei, mas de seu sentido, isto é, a ofensa à norma jurídica, ao direito em tese. Mais uma vez, registra-se aqui a adoção, pelo projeto, do entendimento que neste trabalho sempre se sustentou.

Marinoni (ibidem) destaca que: “Seria possível imaginar que o legislador aludiu a ‘norma jurídica’ para evidenciar que a ação rescisória não é cabível apenas em caso de violação de lei, mas também na hipótese de violação de princípio ou de norma consuetudinária”.

Resta-se claro que a norma jurídica transcende a mera literalidade do texto legal, embora esteja relacionada a ele (Pescador, 2015, p. 67).

Dessa forma, surge o entendimento de que a violação manifesta não ocorre apenas quando há desrespeito literal à lei, mas, quando a interpretação dada à norma pela decisão rescindenda é evidentemente incompatível com o seu conteúdo (Theodoro Jr., 2014, p. 721).

Com a introdução do regime de precedentes obrigatórios pelo CPC/2015, o §5º do artigo 966 desempenha um papel crucial. Prevê a possibilidade de ação rescisória quando uma decisão desconsidera o distinguishing 2 entre o caso concreto e a tese firmada em súmulas vinculantes ou em julgamentos de casos repetitivos (ibidem, p. 723).

Sendo assim, em caso de aplicação errônea de uma tese jurídica vinculante, cabe ação rescisória, conforme previsto no regime de precedentes obrigatórios do Código de Processo Civil. A medida assegura a correta aplicação das decisões vinculantes, preservando a uniformidade e a coerência do sistema jurídico.

Nesse sentido, caberá ao Judiciário não apenas concretizar as cláusulas gerais e verificar a conformidade das leis com a Constituição, mas também interpretar o direito e adaptá-lo em consonância com as demandas provenientes das transformações sociais (Marinoni, 2015).

Marinoni (2015) traz a reflexão de que a função da Suprema Corte vai além de corrigir decisões, como tradicionalmente se vê nas cortes de civil law. Ao decidir, o STJ contribui para a formação do direito vinculante, que não se limita mais à lei escrita. Suas decisões influenciam a sociedade e estabelecem diretrizes para casos futuros (ibidem).

Portanto, a reconstrução judicial do conteúdo legislativo só garantirá igualdade, liberdade e segurança jurídica se os precedentes forem respeitados por juízes e tribunais inferiores (ibidem).


Entendimentos da Súmula 343 do STF

A Súmula 343 do STF dispõe que “Não cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais" (Portal STF).

Com o advento do CPC/2015 e a introdução de um sistema de precedentes mais robusto, essa súmula passou a ser relativizada, inclusive quando o objeto da controvérsia envolve matéria constitucional, o STF tem admitido exceções ao seu enunciado, em busca de preservar a força normativa da Constituição (ibidem).

Afastamento da Súmula 343 e interpretação constitucional

A Súmula 343 do STF estabelece que não cabe ação rescisória quando a decisão questionada foi baseada em interpretação controvertida de lei. No entanto, essa regra é mais flexível em casos que envolvem matéria constitucional.

Embora a Súmula em questão continue aplicável às ações rescisórias em temas constitucionais, seu afastamento não pode ser absoluto. Ou seja, em casos de violação direta à Constituição, a súmula pode ser relativizada para garantir a supremacia da norma constitucional.

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Súmula 343 e ofensa à Constituição

A Súmula 343 do STF estabelece que não cabe ação rescisória quando a decisão questionada se baseou em interpretação controvertida à época. No entanto, em questões constitucionais, essa regra é relativizada.

O STF entende que, se a decisão estiver alinhada com a jurisprudência vigente no momento de sua prolação, não pode ser rescindida apenas porque houve mudança posterior de entendimento (Tema 136 - RE 590.809). Contudo, se a decisão violar frontalmente a Constituição ou contrariar entendimento consolidado do STF, a rescisão pode ser admitida, mesmo que a controvérsia existisse na época.

Súmula 343 e à ofensa à literal disposição em lei.

A Súmula 343 do STF estabelece que não cabe ação rescisória por violação a literal disposição de lei quando a decisão questionada se baseou em interpretação controvertida à época do julgamento. O

Sobre as teses de Repercussão Geral:

1. A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485. do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). [Tese definida no RE 730.462, rel. min. Teori Zavascki, P, j. 28-5-2015, DJE 177 de 9-9-2015, Tema 733].

2. Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente. [Tese definida no RE 590.809, rel. min. Marco Aurélio, P, j. 22-10-2014, DJE 230 de 24-11-2014, Tema 136].


Notas

1 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: V - violar manifestamente norma jurídica;

2 Ocorre quando o Tribunal profere decisão que não aplica a jurisprudência da Corte, porque o caso em julgamento apresenta particularidades que não se amoldam adequadamente à jurisprudência consolidada.


Referências

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 01 de dez. 2024

BRASIL, Lei nº 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 01 de dez. 2024

CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MARINONI, Luiz Guilherme. Ação rescisória baseada em violação de norma jurídica. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, v. 29, n. 11/12, p. 71-90, nov./dez. 2017. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/117115/acao_rescisoria_baseada_marinoni.pdf Acesso em: 01 de dez. 2024.

MARINONI, Luiz Guilherme. A função das cortes supremas e o Novo CPC. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mai-25/direito-civil-atual-funcao-cortes-supremas-cpc/ Acesso em 02 de dez. 2024

PESCADOR, Rafael Bertoldi. Ação rescisória por manifesta violação à norma jurídica fundada em jurisprudência divergente à decisão rescindenda: hipóteses de (des)cabimento e análise de critérios. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Curso de Direito, Florianópolis. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/133844/Pescador%2c%20Rafael%20Bertoldi.%20A%C3%A7%C3%A3o%20rescis%C3%B3ria%20por%20manifesta%20viola%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20norma%20jur%C3%ADdica%20fundada%20em%20jurisprud%C3%AAncia%20divergente%20%C3%A0%20decis%C3%A3o%20rescindenda..pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 01 de dez. 2024.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Aplicação da Súmula das Súmulas do STF. Informações do portal STF disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=1472 Acesso em: 02 de dez. 2024

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Rio de Janeiro: Editora Forense, 55 ed., v.1, 2014.

Sobre a autora
Joana Beatriz dos Santos

Escritora. Pesquisadora na área de processo e arbitragem. Colunista. Monitora acadêmica em Dir. Civil, Dir. Constitucional, Dir. Penal e Teoria Geral do Processo. Estagiária da Procuradoria Geral da União - PRU5.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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