Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal de estudar a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas no Brasil, tendo em vista sua previsão na Constituição Federal de 1988. O tema se mostra de grande relevância, diante da necessidade que o país tem de arrecadar cada vez mais impostos, e a possibilidade dessa arrecadação extra ser investida em programas sociais que visem a diminuição da desigualdade social. Além disso, existe uma discussão acerca dos benefícios e prejuízos de uma possível regulamentação desse imposto, o que deve ser estudado a fim de se chegar num consenso. O trabalho será realizado através de uma revisão bibliográfica, onde serão apresentados posicionamentos doutrinários acerca do tema abordado. Por fim, conclui-se que é preciso um estudo aprofundado no tema, tendo em vista a relevância de qualquer imposto nas contas públicas, além de serem analisados minuciosamente quais benefícios e malefícios que podem surgir como consequência da instituição de um novo imposto.
Palavras-chave: Direito Tributário. Imposto Sobre Grandes Fortunas. Instituição. Regulamentação
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo do presente trabalho é o Imposto Sobre Grandes Fortunas, e será analisado se é viável a implementação desse novo imposto no país. O IGF encontra previsão na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 153, inciso VII, sendo de competência da União sua regulamentação, que deve ser feita através de uma Lei Complementar. Entretanto, até a presente data, mesmo com alguns projetos de lei já apresentados, o aludido imposto ainda não foi instituído.
O tema gera discussões mesmo sem ter sido regulamentado, tendo em vista que lida com o reflexo financeiro que tal imposto pode gerar, ao passo que explora os problemas da justiça fiscal.
Por ser um tema complexo, que envolve várias particularidades, sempre que entra em pauta, traz consigo discussões entre políticos, tributaristas e também economistas, com um lado sempre defendem seu posicionamento, seja contrário ou a favor da instituição do referido imposto. Utilizam-se de argumentos com a desigualdade social, que poderia ser diminuída com a arrecadação e investimento do IGF, bem como possíveis casos de bitributação, fuga de capitais do país ou dificuldade na definição do que seja uma “grande fortuna”.
Neste trabalho, argumentos contrários à instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas serão analisados, sendo estes derrubados através de uma análise doutrinária do tema, mostrando que a regulamentação do imposto é possível e pode trazes benefícios para a saúde fiscal do país, e para tanto, a técnica que será utilizada é a pesquisa bibliográfica e documental.
O primeiro capítulo tratará de apresentar o Imposto Sobre Grandes Fortunas para o leitor, a fim de contextualizar ao tema. O segundo capítulo ficará encarregado de analisar alguns dos argumentos mais utilizados aos que são contrários à regulamentação do referido imposto no país.
1. O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO BRASIL
O Imposto Sobre Grandes Fortunas trata-se de um imposto federal, sendo de competência exclusiva da União, que, no entanto, necessita de uma regulamentação a ser realizado por uma Lei Complementar. Pode ser considerado um imposto direto e pessoal, por incidir diretamente sobre as características pessoais do contribuinte, como por exemplo, o Imposto de Renda.
De acordo com Sacha Calmon Navarro Coêlho,
O imposto sobre grandes fortunas (direto e pessoal) surgiu na Constituição embora nunca tenha sido regulamentado. Criaram-se várias contribuições indiretas sobre o consumo (COFINS e quejandos). Somente sobre movimentações financeiras a onerar o sistema nacional de pagamentos e o processo de produção, circulação e consumo de bens e serviços criamos um imposto (IPMF) e uma contribuição (CPMF). (COÊLHO, 2006, p.10)
Este imposto é o único que encontra previsão na Constituição Federal, que é de competência exclusiva da União e que ainda não foi instaurado. De acordo com Hugo de Brito Machado, “[...] ainda não foi regulamentado por razões políticas, pois, as grandes fortunas estão nas mãos de poucos, porém, investidos de poder, ou de alguma maneira envolvidos e com muita influência sobre os que ali estão”.1 (MACHADO, 2013, p. 355)
Vale ressaltar ainda que o conceito de grande fortuna ainda não foi delimitado, e dessa forma, precisa ser determinado através de uma Lei Complementar. Contudo, percebe-se que o legislador não diz respeito à obtenção de renda, tendo em vista que o imposto incidirá somente sobre grandes fortunas, e não em riquezas ou fortunas.
Como dito, o referido imposto encontra-se expresso na Constituição Federal, mas não foi regulamentado ainda em nosso país. De acordo com Roque Antônio Carraza, “[...] criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota, dependendo para sua efetiva eficácia de legislação infraconstitucional”.2 (CARRAZA, 2013. p.45)
E assevera Alexandre de Moraes, dizendo que “[...] esse tipo de norma é uma daquelas que necessitam de normas infraconstitucionais posteriores para que passem a possuir eficácia e atinjam os efeitos esperados”.3 (MORAES, 2004, p. 43)
Neste sentido, como não aconteceu a regulamentação do imposto constante no inciso VII, do artigo 153, da Carta Magna, não é possível que o mesmo seja, de fato, cobrado.
Dessa forma, vale destacar que muitos países optaram por desconsiderar a cobrança de imposto sobre grandes fortunas, tendo em vista o baixo volume de arrecadação, aliado ao alto custo de fiscalização e implantação, e dessa forma, o Brasil segue também sem implementar o referido imposto. De acordo com Ives Gandra da Silva Martins,
[...] o volume de arrecadação do Imposto sobre Grandes Fortunas não compensa o alto custo operacional de sua administração, fiscalização e cobrança. O controle seria extremamente complexo, com a necessidade de um considerável número de medidas para regulá-lo e fiscalizar a sua aplicação.4 (MARTINS, 2008, p. 22)
Como é de fácil constatação, a desigualdade social no Brasil é um problema habitual de nossa sociedade. E sobre isso, Júlio Villaverde elucida, dizendo que:
Os 10 por cento mais ricos da população brasileira detêm mais de 75 por cento da riqueza do país e tem uma carga tributária proporcionalmente menor, o que agrava o quadro de desigualdade social, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (VILLAVERDE, 2008)
Sendo assim, a implementação do Imposto Sobre Grandes Fortunas pode ser uma forma de atingir um certo nível de justiça social, ao cobrar mais impostos de pessoas que detêm maior capital.
Entretanto, vários doutrinadores são contra a implantação de um imposto desse tipo, e alegam que são muitas as dificuldades práticas em sua instituição, o que poderia trazer mais prejuízos para o Estado do que realmente ganhos.
Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins explica que a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas poderia estimular a aplicação de grandes valores em outros países:
Desestimularia a poupança, com efeitos negativos sobre o desenvolvimento econômico; geraria baixa arrecadação, criando mais problemas que soluções (nos países que o adotaram, a média da arrecadação correspondeu de 1% a 2% do total dos tributos arrecadados); o controle seria extremamente complexo, com a necessidade de um considerável número de medidas para regulá-lo e fiscalizar a sua aplicação; por fim, poderia gerar fuga de capitais para países em que tal imposição inexiste (a esmagadora maioria não tem o IGF). (MARTINS, 2008, p. 22-23)
Dessa forma, de acordo com autor supracitado, a instituição desse imposto poderia acarretar num grande esforço administrativo para seu controle, o que não seria refletido no valor arrecadado.
Um fator citado por Raquel de Góes Pontes diz respeito a um possível efeito dominó:
É um imposto que pelo fato de incidir sobre grandes fortunas acabe onerando única e exclusivamente os mais ricos. Todos estão interligados de alguma forma. Onerar os mais ricos é onerar também os mais pobres, é desestimular investimentos, é estagnar o crescimento, é alardear por aí: não poupem. É, inclusive, diminuir salários e vagas de emprego. (PONTES, 2014, p. 19).
Além disso, há também a fuga de capitais, como explica Marcília da Silva Gonçalves:
Além das dificuldades concernentes à administração e à fiscalização do IGF, do risco de redução da poupança interna, do resultado insignificante da arrecadação e do perigo da fuga de capitais, o grande complicador prático da regulamentação do imposto é o critério de avaliação dos bens que compõem o patrimônio das pessoas físicas. A eficiência da tributação depende do grau de confiabilidade do levantamento do patrimônio do contribuinte e dos parâmetros de avaliação utilizados, porém há um grau de subjetividade muito grande no processo de avalição. Com isso, os contribuintes seriam os mais prejudicados, tendo em vista que os projetos de lei complementar que tramitam no Congresso Nacional apontam que o imposto sobre grandes fortunas seria lançado por declaração. (GONÇALVES, 2016, p. 44).
Contudo, noutro sentido é o posicionamento de outra parte da doutrina, que defende a implementação do Imposto Sobre Grandes Fortunas visando uma diminuição na desigualdade social. De acordo com Onofre Alves Batista Júnior,
[...] o Estado Redistribuidor, para cumprir seu intento de reduzir as desigualdades sociais e minimizar os efeitos perversos do capitalismo, deve tributar a riqueza e propiciar condições que garantam uma vida digna para todos, seja por meio de sua atuação direta ou indireta. No Estado Redistribuidor a garantia de recursos necessários para que o Estado Tributário possa fazer frente aos dispêndios com as políticas sociais necessárias, em decorrência do estabelecimento de direitos fundamentais, é a um só tempo, um problema social e uma questão jurídica. Nesse sentido, o Estado Redistribuidor, por um lado firma deveres fundamentais, como dever de pagar tributos, que adquirem uma função redistributiva, e, por outro lado, estabelece direitos fundamentais destinados a dar satisfação às necessidades básicas de cada indivíduo. (BATISTA JÚNIOR, 2015, p. 89-90)
Conclui-se então que a doutrina não chega a um consenso sobre o IGF. Dessa forma, passaremos a estudar alguns dos argumentos utilizados pelos doutrinadores que são desfavoráveis à implantação do referido imposto.
2. OBSTÁCULOS À REGULAMENTAÇÃO DO IGF NO BRASIL
Como dito, este capítulo abordará as principais dificuldades e considerações acerca da instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas no Brasil, ressaltando que um dos principais obstáculos enfrentados diz respeito a falta de interesse de quem possui o poder para instituí-lo.
2.1. CONCEITO DE GRANDE FORTUNA E O CUSTO DE FISCALIZAÇÃO
O primeiro grande problema enfrentado pela implantação do imposto se refere à limitação do que venha a ser “grande fortuna”. Tendo em vista que é um conceito intangível, vago, é normal que seja difícil determiná-lo.
É importante primeiro que seja definido o que venha a ser “fortuna”, para que então seja possível determinar o que é uma “grande fortuna”, tendo em vista que “fortuna” já é uma grande quantia de dinheiro, então uma “grande fortuna” se refere a uma quantidade ainda maior de dinheiro.
Entretanto, definir esse conceito é complicado, pois além de ser abstrato, pode ser considerado também relativo e subjetivo. Pois vai variar de acordo com quem esteja mensurando a quantidade de dinheiro, onde é possível considerá-la uma fortuna ou uma quantia pequena.
Por exemplo, para uma pessoa que esteja na porção mais pobre da sociedade, um milhão de reais pode ser tido como uma grande fortuna, o que enquadraria uma pessoa possuidora desse patrimônio como contribuindo para o Imposto Sobre Grandes Fortunas. Ao passo que uma pessoa já rica, o mesmo valor não representaria uma grande fortuna.
Em 26 de março de 2008 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar número 277, que trata como grande fortuna o valor de dois milhões de reais, ou seja, quem possuir um patrimônio maior que esse valor, estaria sujeito à cobrança do IGF. Vale ressaltar que, para o cálculo do valor, estão exclusas as ferramentas de trabalho até determinado valor, itens de antiguidade, coleção, arte e também alguns bens de grande valor social, seja econômico ou ecológico.
Entretanto, de acordo com José Luis Oreiro, esse valor não deve ser tratado como uma grande fortuna:
Em função da notável valorização dos imóveis residenciais ocorrida nos últimos seis anos no Brasil, o valor acima referido está bem longe de ser considerado, nos dias de hoje, como representativo de “grande fortuna”. Com efeito, boa parte dos imóveis residenciais da classe média alta de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília tem preços de mercado próximos a esse valor. Dessa forma, sugiro que o valor a partir do qual começa a cobrança do imposto sobre grandes fortunas seja aumentado para, no mínimo, R$ 10.000.000,00 em moeda de poder aquisitivo de 01 janeiro de 2014. (OREIRO, 2015)
Assim, de acordo com a citação acima transcrita, o valor para início da incidência do IGF é muito baixo, tendo em vista que até mesmo imóveis de classe média-alta em alguns locais pelo Brasil já possuem preços acima do valor determinado na Lei em apreço, o que obviamente não caracterizaria uma “grande fortuna”, sendo necessário então estipular valor mínimo mais alto para a incidência do imposto.
Assim, essa discussão sobre o que pode ser considerado como uma “grande fortuna” vem se consolidando como um dos principais obstáculos para a implementação do IGF em nosso país.
Porém, uma saída para esse dilema seria realizar uma extensa pesquisa, em nível nacional, para concluir qual o valor que pode ser considerado uma “grande fortuna” levando em consideração a distribuição de renda do país. Além disso, seria possível ter uma percepção mais abrangente da realidade socioeconômica do Brasil, sendo possível então estipular um valor justo para ser considerado uma “grande fortuna”.
Um empecilho para a realização de uma pesquisa desse porte em nosso país é claramente a falta de interesse dos políticos em instituir um imposto que vise tributar grandes volumes de dinheiro.
Há doutrinadores, como visto anteriormente, que tratam a dificuldade em fiscalizar efetivamente a cobrança do Imposto Sobre Grandes Fortunas, ou o grande esforço da administração para sua arrecadação, como outro fator decisivo para a não implementação desse imposto, se baseando em experiências de outros países mundo afora. Como explicam Ives Gandra da Silva Martins e Rogério Gandra Martins:
Como exemplos no mundo podemos citar a França; Alemanha (criado em 1922, mas declarado inconstitucional em 1995); Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália que estudaram a viabilidade mas concluíram por não instituir pelo baixo volume de arrecadação, alto custo na cobrança/administração, mesmas razões que levaram Itália, Irlanda e Japão a instituir o tributo, mas revogá-lo posteriormente; Espanha: adotou o tributo em 1977. Em 2008, o tributo é suprimido, pois não alcança os objetivos, mas devido à profunda crise europeia é restabelecido como fonte arrecadatória provisória para os anos de 2011-2015; Suíça: alíquotas extremamente baixas, não passando de 1% e não representando significativo impacto tributário na carga fiscal global. (MARTINS; MARTINS, 2016)
Entretanto, em nossa realidade esse argumento não se solidifica, tendo em vista que o sistema fiscal do Brasil é muito bem aparelhado e com uma boa informatização, sendo a Receita Federal tratada como uma referência internacional. Como consta no próprio site da Receita Federal:
A RFB ganhou o Prêmio à Inovação na Administração Tributária 2011, concedido pelo CIAT (Centro Interamericano de Administrações Tributárias), pela implementação do “e-Processo – Processo Administrativo Digital”. O prêmio existe desde 2009 para reconhecer as boas práticas inovadoras que contribuam com o alcance e a consolidação dos atributos necessários para uma administração tributária sã e eficaz, como integridade, transparência e eficiência.
A conquista representa o reconhecimento internacional da capacidade de a RFB se modernizar e se adequar aos novos desafios do século XXI. E representa o reconhecimento do esforço de uma equipe que conseguiu transformar um sonho em realidade, comemora João Paulo Martins da Silva, supervisor geral do e-Processo, [...] explicando que as diretrizes do sistema envolvem responsabilidade e compromisso com a transparência e a rastreabilidade de todo ato público, permitindo que os contribuintes enxerguem o que os servidores da RFB estão fazendo no momento em que os atos são realizados. (BRASILIA, 2015)
Nesse mesmo sentido, explica José Roberto Rodrigues Afonso:
A RFB é reconhecida internacionalmente como uma das mais modernas e ágeis – como também são, aliás, muitas administrações fazendárias estaduais e municipais. O Brasil é pioneiro em experiências exitosas como são exemplos o recurso à internet para declaração de imposto, a emissão de nota fiscal eletrônica e a adoção de sistemas digitais de informações fiscais. (AFONSO, 2014, p. 39)
E assevera Nilton da Silva Henrique:
O cruzamento de informações a partir de um banco de dados confiável permitiu ao governo brasileiro mitigar ilegalidades tributárias a partir de auditorias eletrônicas, dessa forma, fomentando um ganho de eficiência arrecadatória não só pelo advento do SPED, mas principalmente pela utilização da NF-e com seus algoritmos de inteligência artificial, notificando o fisco em tempo real a cada emissão de uma nova nota fiscal. (HENRIQUE, 2012, p. 45)
Percebe-se então que o Brasil já possui todas as ferramentas necessárias para fiscalizar e arrecadar um possível novo imposto, por ter uma boa integração entre a Receita Federal, bancos e outras instituições financeiras nacionais, além de uma integração das informações da União, estados e municípios.
Ou seja, a alegação de que seria custosa e trabalhosa a instituição, fiscalização e arrecadação do Imposto Sobre Grandes Fortunas não se sustenta, tendo em vista a robustez do sistema fiscalizatório e arrecadador que o Brasil possui, sendo possível que o país não sofra com os mesmos problemas enfrentados por outros países ao tratar do referido imposto.
2.2. A ELISÃO FISCAL E SUA RELAÇÃO COM O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS
Inicialmente, antes de abordarmos mais uma critica à instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas feita por quem é contra a implementação do imposto no país, é preciso estudarmos a diferença entre elisão e evasão fiscal, que são formas de burlar o sistema de tributação considerando a licitude do ato.
Assim ensina Ricardo Alexandre:
A elisão fiscal é a conduta consistente na prática de ato ou celebração de negócio legalmente enquadrado em hipótese visada pelo sujeito passivo, importando isenção, não incidência ou incidência menos onerosa do tributo. A elisão é verificada, no mais das vezes, em momento anterior àquele em que normalmente se verificaria o fato gerador. Trata-se de planejamento tributário, que encontra guarida no ordenamento jurídico, visto que ninguém pode ser obrigado a praticar negócio da maneira mais onerosa. [...] A evasão fiscal, é uma conduta ilícita em que o contribuinte, normalmente após a ocorrência do fato gerador, pratica atos que visam evitar o conhecimento do nascimento da obrigação tributária pela autoridade fiscal.5 (ALEXANDRE, 2014, p. 283)
Então, considera-se como elisão fiscal, o ato de se utilizar de caminhos lícitos para evitar o pagamento do imposto, ou mesmo diminuir o valor a ser pago, ao passo que a evasão fiscal consiste na utilização de meios ilícitos para se eximir do pagamento de algum tributo.
Isto posto, indivíduos contrários a instituição do IGF sustentam que sua implementação pode causar uma fuga de capitais do país. Ou seja, haveria uma grande elisão fiscal, pois ao fazerem um planejamento tributário, muitos investidores e empresas multinacionais que estão instaladas no país mudariam para outros países que não cobrasse tantos impostos.
Assim entende Ives Gandra da Silva Martins: “[...] por fim, poderia gerar fuga de capitais para países em que tal imposição inexiste (a esmagadora maioria não tem o IGF)”.6 (MARTINS, 2008, p. 23)
Com isso, o autor anuncia que a implementação do Impostos Sobre Grandes Fortunas tem o condão de, sozinho, espantar empresas e investidores que se encontram no país.
Porém, Amir Khair tem entendimento diferente do autor citado acima, ao dizer que:
Eu queria saber que patrimônio que iria para outros países. E se for, que vá. Será bom até que vá. O que interessa é que o grosso do patrimônio fica no nosso País. E os que pensam que vão lucrar com essa questão de sair do País se enganam porque nos outros países o Imposto de Renda não é tão baixo como aqui, com 27,5%, a alíquota mais baixa do mundo. Em outros países é 40%, 50%, 60%. Então se alguém pensa que vai para outro país para se dar bem… pode ser que exista alguma ilha no mundo, mas talvez não caiba tanta gente. (KHAIR, 2015)
Assim fica claro que, de acordo com o economista, a implantação do novo imposto não seria capaz de dar causa a uma grande elisão fiscal dos investidores aqui instalados, tendo em vista que, mesmo que os demais países não possuam o IGF, possuem outros impostos ainda mais caros, o que não tornaria esse ato vantajoso.
Além disso, Jules Michelet Pereira Queiroz Silva explica que:
Todavia, é possível desde logo observar que o exame da exata causalidade entre estes fatos não se mostra de fácil execução. Em primeiro lugar, porque a fuga de capitais de um determinado país é de difícil mensuração. Em segundo lugar, porque essa mesma fuga ocorre por uma série de razões, não apenas em virtude da instituição de um tributo em específico. Nesse passo, inclusive, podemos chegar a uma situação de evidente causalidade reversa: na hipótese de ocorrer fuga de capitais de um determinado país com a instituição de IGF, a arrecadação deste será, com o tempo, reduzida. Daí perquirir-se: foi a arrecadação do tributo que promoveu a fuga de capitais ou foi esta que reduziu a arrecadação do tributo? Na verdade, a taxa de crescimento econômico tanto pode ser definida por vários fatores como pode também definir esses mesmos fatores. Entre estes está a instituição de novos tributos. Para poder aferir uma exata causalidade, bem como apresentar medidas de comparação da arrecadação do IGF e da fuga de capitais dela decorrente, seria necessário acompanhar uma grande série histórica de dados econômicos nacionais. De tais dados, teriam que ser isolados fatores diversos da instituição do tributo, bem como os efeitos desses fatores isolados. Em economias de crescente complexidade como são as contemporâneas, tal demanda chega próxima da impossibilidade. (SILVA, 2015, p. 4)
Assim, estamos diante de mais um argumento que não se consolidaria diante da implantação do IGF, sendo que um só imposto não é capaz de dar causa a uma retirada de capitais de um país, além da questão que uma retirada de valores tão altos do país não é uma tarefa tão simples assim.
Vale destacar ainda que existem formas de evitar a fuga de capitais de um país, como explicam Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva e José Evande Carvalho Araújo:
[...] o combate à elisão fiscal passa necessariamente pela detecção de atos simulados e negócios aparentes, firmados pelos contribuintes com o objetivo exclusivo de afastar a incidência tributária. Embora os julgadores administrativos e judiciais tenham avançado nos últimos anos na desconstituição de planejamentos fiscais abusivos, o Brasil ainda carece de uma norma geral antielisiva. Mais do que conferir mecanismos de investigação às autoridades fiscais, a norma geral antielisiva conferiria segurança ao contribuinte no momento de planejar sua vida tributária. A previsibilidade e segurança, nesse caso, teriam o condão de reduzir os efeitos nefastos que as atuais formas de planejamento fiscal causam ao sistema tributário brasileiro – tanto ao sujeito tributante quanto ao tributado.7 (SILVA; ARAÚJO, 2015, p. 14)
Então estamos diante de mais um argumento contrário à instituição do IGF que não se consolida, pois sua instituição por si só não seria capaz de afugentar empresas e investidores que aqui estão.
Ou seja, a simples instituição do imposto não tem o poder de trazer os prejuízos anunciados pelos que são contrários ao IGF, pois além da dificuldade de uma fuga em massa de capitais de um país, existem ainda medidas que evitam a elisão fiscal, que podem ser adotadas pelo governo.
2.3. A BITRIBUTAÇÃO GERADA PELO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS
A bitributação também é um dos fatores apontados aos contrários à instituição do IGF. Como no tópico anterior, é necessário diferenciar a bitributação e o bis in idem, tendo em vista que são semelhantes e podem dar ensejo a algumas dúvidas durante a abordagem do tema.
De acordo com Ricardo Alexandre, temos como conceito de bitributação o seguinte:
Ocorre a bitributação quando entes tributantes diversos exigem do mesmo sujeito passivo tributos decorrentes do mesmo fato gerador. Em face de a Constituição Federal estipular uma rígida repartição de competência tributária, a bitributação está, como regra, proibida no Brasil e os casos concretos verificados normalmente configuram conflitos aparentes de competência, devendo, portanto, ser resolvidos à luz dos respectivos dispositivos constitucionais. (ALEXANDRE, 2015, p. 206)
E o mesmo autor conceitua ainda o bis in idem:
Ocorre o bis in idem (duas vezes sobre a mesma coisa) quando o mesmo ente tributante edita diversas leis instituindo múltiplas exigências tributárias, decorrentes do mesmo fato gerador. Apesar de não se coadunar com o princípio da praticabilidade que deve nortear todo sistema tributário, não há, no texto constitucional brasileiro, uma genérica vedação expressa ao bis in idem. Assim, a União está autorizada a criar contribuição social para financiamento da seguridade social incidente sobre a receita ou faturamento (CF, art. 195, I, b). No exercício de tal competência, a União Federal instituiu não somente uma, mas duas contribuições (COFINS e PIS), num cristalino exemplo de bis in idem. (ALEXANDRE, 2015, p. 206)
Assim, temos como bitributação o ato de entes da federação diferentes cobrarem, do mesmo contribuinte, impostos incidentes sobre o mesmo fato gerador. Ao passo que o bis in idem é a possibilidade do mesmo ente federativo cobrar do mesmo contribuinte, mais de uma vez, um imposto incidente sobre o mesmo fato gerador.
Existe uma vedação presente na Constituição Federal que proíbe a bitributação, porém não existe nada expresso que vede o bis in idem.
Dessa forma, os que são contrários à instituição do IGF alegam que criar um imposto sobre grandes fortunas seria uma forma de bitributação, portanto, proibida pela Constituição Federal. Alegam esse fato fundamentando-se na questão de que tanto a renda quanto o acúmulo de riquezas já são alvos de tributos.
Assim explica Ives Gandra da Silva Martins:
O Imposto sobre Grandes Fortunas é um imposto em que a fortuna foi feita com todas as tributações anteriores. Por exemplo, alguém que vai fazer uma fortuna e tem uma empresa ele pagou ICMS, ISS, IPTU e pagou o imposto de renda e a CSLL e teve um patrimônio que ele vai aplicando. Isso é um patrimônio estático. Tudo que ele vai ganhar, ele tributa. Agora sobre o patrimônio estático cobrar, significa que todo o ano ele vai ficar com menos dinheiro. Então, ele vai ficar com menos para investir. (MARTINS, 2008, p. 24)
Assim, alegam que o Imposto de Renda, o Imposto sobre Operações Financeiras, o Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, o Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores já são impostos que incidem sobre os bens ou riqueza dos contribuintes.
Entretanto, Amir Khair mais uma vez tem posicionamento contrário: “[...] Não teria nenhum conflito com os impostos existentes, pois sua base tributária é o valor total dos bens”. (KHAIR, 2015)
Porém, como visto, de acordo com o conceito de bitributação, é necessário que mais de um ente da administração pública tributasse os mesmos contribuintes sobre o mesmo fato gerador. Mas percebe-se que isso não ocorre com a instituição do IGF, tendo em vista que somente a União é capaz de tributar as grandes fortunas, conforme está previsto pela própria Constituição Federal. Além disso, o IGF é um imposto que incide sobre a totalidade dos bens e riquezas do contribuinte, sendo então o fato gerador diferente dos outros impostos já presentes em nosso sistema tributário.
Sendo assim, é mais um argumento não busca justificar a não instituição do IGF que não se consolida, tendo em vista que a bitributação não ocorreria ao regulamentar a cobrança de imposto sobre grandes fortunas.