Resumo
O presente artigo versa a respeito da democracia formal, defino esta como a “letra da lei”, amparada na legalidade e na igualdade em sentido formal ou perante a lei, e a democracia substancial, a democracia de fato, ou a democracia efetiva e real, aquela que põe em prática a defesa das liberdades básicas, dos direitos sociais e difusos ou coletivos, com eficácia jurídico-política. O artigo que escrevo é a respeito das diferenças entre ambos os tipos de democracia citados e uma defesa de sua efetiva aplicação e eficácia na realidade fática.
Palavras-chave: democracia formal; democracia substancial; democracia; Estado democrático de Direito; Estado de Direito.
Democracia: conceito, democracia formal e substancial
A democracia, de acordo com Aristóteles, é uma forma de governo cujo poder é exercido pela maioria. O estagirita, em sua filosofia, separa as formas de governo em seis, sendo três boas e três más:
Monarquia: exercido o poder por um governante em prol do povo;
Tirania: exercido o poder por um governante em benefício próprio;
Aristocracia: exercido o poder por alguns governantes em prol do povo;
Oligarquia: exercido o poder por alguns governantes em benefício próprio;
Politeia ou democracia: exercido o poder por muitos em prol do povo;
Demagogia: exercido o poder por muitos em benefício próprio.
Então, tem-se o primeiro conceito de democracia, que por mim será adotado: coisa do povo (res publica). No entanto, a coisa não deve ser somente do povo, mas deve ser em prol do povo – e é daí que vem a acepção da palavra república, de res (coisa) e publica (do povo). Então, trabalharei no presente artigo com essa definição.
MALUF (2019, p. 420) diz o seguinte:
“Nesta altura já se percebe claramente que a ideia de democracia pode ser tomada em duplo sentido — formal e substancial. Ou seja: um sentido estrito e outro amplo.
Em sentido formal ou estrito, democracia é um sistema de organização política em que a direção geral dos interesses coletivos compete à maioria do povo, segundo convenções e normas jurídicas que assegurem a participação efetiva dos cidadãos na formação do governo. É o que se traduz na fórmula clássica: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Neste conceito, são pressupostos os princípios da temporariedade e eletividade das altas funções legislativas e executivas.
Em sentido substancial, sobre ser um sistema de governo temporário e eletivo, democracia é um ambiente, uma ordem constitucional, que se baseia no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana.”
Decerto, que há a separação entre a democracia em sentido formal – sendo os procedimentos atinentes ao regime democrático; e democracia em sentido substancial, possuindo um fim. O Estado é o órgão político-jurídico possuidor de um território, povo, soberania e com uma finalidade, alcançar o bem público (AZAMBUJA, 2008). A democracia não é, como considerada por Aristóteles, uma forma de governo, sendo as formas de governo na atualidade a monarquia e a república, podendo ambas serem democráticas ou não (sendo uma questão de regime governamental, em minha visão). A finalidade de um Estado Democrático de Direito, sendo pela própria etimologia democrático, deve ser alcançar o bem comum ou o bem público, pela própria ideia de um Estado (AZAMBUJA, 2008). Tal ideia de finalidade é defendida desde a antiguidade, passando por Platão, Aristóteles a Rousseau. E a democracia, por excelência no que tange ao sentido substancial dela, resguarda os direitos e garantias fundamentais de 1ª, 2ª e 3ª geração (adicionaria eu a 4ª e a 5ª, criadas por Bobbio e Bonavides), criadas por Karel Vasak. Desse modo, um Estado que se diz democrático deve resguardar os direitos e garantias fundamentais, como a igualdade e a liberdade – basilares estes princípios à democracia contemporânea.
Dessa maneira, se não houver dentro de um Estado, por excelência e como principal, a defesa do bem comum e, se num Estado democrático, não houver os princípios, objetivos, direitos e garantias fundamentais sendo defendidos, então, não deve ser chamado de Estado democrático (muito menos de Direito).
Por uma democracia substancial
A democracia substancial é a verdadeira democracia, porquanto é por meio dela que se tem efetivamente a defesa dos direitos humanos e dos direitos fundamentais! Direitos esses conquistados, princípio da relatividade, e que devem receber a devida proteção (BOBBIO, 2004). A democracia substancial, dessa maneira, efetiva a dignidade humana, estatuída na Constituição brasileira de 1988, nos termos seguintes:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Cada ser humano deve ter as devidas condições para ter a liberdade e ser livre para buscar o seu próprio bem-estar na sociedade, e isso é garantido pelo Estado, possuidor de uma finalidade: o bem comum. MALUF (2019, p. 422) leciona que:
Vale dizer que a democracia serve ao Estado como um meio para atingir o seu fim, e o fim do Estado só pode ser o mesmo da sociedade civil que o organizou e em função da qual ele existe.
O fim do Estado não consiste simplesmente em realizar a democracia. O Estado tem um fim imediato, que é o de manter a ordem sócio-ético-jurídica; e também um fim mediato, que é o de estabelecer, para todos, indistintamente, condições propícias tendentes à realização dos imperativos naturais da pessoa humana. A grande vocação do Estado, como afirmou Angelo Bruculleri, é servir à pessoa humana. O Estado não visa a realizar a democracia apenas para ser democrático, assim como o indivíduo não pode pretender a liberdade apenas para ser livre. A democracia para o Estado, assim como a liberdade para o indivíduo, é um meio e não um fim. Procuram, o Estado e o homem, atingir os seus fins pelo caminho do ideal democrático.
A democracia, portanto, é o meio ideal para se alcançar o bem-estar comum, um instrumento nas mãos do Estado para servir à pessoa humana e os direitos fundamentais positivados, vide direito à educação pública, direito à igualdade (formal e material) e direito às liberdades básicas (em sentido amplo), todos imprescindíveis à personalidade dos indivíduos ou do povo.
Conclusão
Conclui-se, diante do exposto, vê-se claramente que Estado e democracia são uma combinação fundamental: Estado, pois alcança o bem comum; e democracia (substancial), porque defende os direitos fundamentais e a busca pela felicidade, via autonomia, corolário da dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2022). Ambos, desse modo, democracia em sentido substancial e Estado, unidos, garantem o desenvolvimento dos seres humanos num regime democrático, pela defesa do bem comum e dos direitos humanos fundamentais.
Referências bibliográficas
AZAMBUJA, D. Teoria geral do Estado. 2 ed. São Paulo: Editora Globo, 2008.
BARROSO, L.R. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. 1 ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2022.
BOBBIO, N. A era dos direitos. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora GEN LTC, 2004.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 9 dez. 2024.
MALUF, S. Teoria geral do Estado. 35 ed. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019.