Os impactos da estigmatização do assunto “política” no sistema eleitoral brasileiro

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RESUMO

O presente artigo propõe uma reflexão sobre os malefícios da estigmatização do assunto “política”. Este, objetivou apresentar as consequências de um sistema eleitoral sem conscientização política. Tratou-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, utilizando-se da técnica da revisão de literatura de artigos, monografias, revistas e livros referentes ao sistema democrático, a corrupção e a apatia do cidadão brasileiro quanto a temática. Historicamente, o ser humano desenvolve “política” desde a sua estruturação em sociedade, contudo, somente após a transição da Monarquia para a República, foi possível estabelecer o sufrágio universal, garantindo a maior participação do povo nas decisões do país por meio do voto. Entretanto, o desinteresse pela temática passou a imperar após a eclosão recorrente de escândalos corruptos. A classe burguesa é a maior beneficiada por este desinteresse, visto que, estando no poder, manipulam a máquina estatal em prol de suas predileções, gerando ainda mais corrupção. Assim, a apatia política dos cidadãos, mostra-se como principal demolidor do sistema democrático, pois descredibiliza a importância transformativa do voto consciente. Concluiu-se que a educação política é imprescindível para a reforma do sistema atual.

Palavras-chave: Apatia Política. Corrupção. Democracia. Política.

ABSTRACT

This article proposes a reflection on the harmful effects of stigmatizing the subject of “politics.” Its objective was to present the consequences of an electoral system without political awareness. This was an exploratory and descriptive study, using the literature review technique of articles, monographs, magazines, and books related to the democratic system, corruption, and the apathy of Brazilian citizens regarding the subject. Historically, human beings have developed “politics” since their structuring in society. However, it was only after the transition from Monarchy to Republic that it was possible to establish universal suffrage, ensuring greater participation of the people in the country’s decisions through voting. However, disinterest in the subject began to prevail after the recurrent outbreak of corruption scandals. The bourgeois class is the one that benefits the most from this disinterest, since, once in power, they manipulate the state machinery in favor of their preferences, generating more corruption. Thus, the political apathy of citizens is shown to be the main destructor of the democratic system, as it discredits the transformative importance of conscious voting. It was concluded that political education is essential for the reform of the current system.

Keywords: Political Apathy. Corruption. Democracy. Politics.


1 INTRODUÇÃO

No Brasil, o termo “política” carrega consigo conotações pejorativas. A estigmatização desse termo ocorre quando, frequentemente, é limitado a ideias negativas, como corrupção, interesses particulares, barganhas de poder, falta de ética e ineficiência, o que leva à desvalorização do debate público e ao afastamento da população.

Assim, o estudo dos malefícios desse estigma, mostra-se indispensável, considerando que a política está inteiramente presente na vida de todos e representa um dos pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, pautada no sistema democrático.

Ademais, parte-se da hipótese de que tal estigmatização contribui para o aumento da abstenção, votos nulos e brancos, além de favorecer discursos populistas e enfraquecer o engajamento cívico, o que compromete a legitimidade do processo eleitoral e o fortalecimento das instituições democráticas.

Diante disso, propõe-se o debate científico, a fim de promover mudanças significativas no cenário político e social atual, visando traçar estratégias de incentivo à efetiva participação cidadã e resgar a confiança no sistema eleitoral adotado.

Portanto, o objetivo geral consiste em: analisar os impactos da estigmatização do assunto “política” no sistema eleitoral brasileiro, identificando como esse fenômeno influencia a participação popular, a representatividade democrática e a legitimidade do processo eleitoral.

Como objetivos específicos, tem-se os seguintes: investigar as causas históricas, sociais e culturais da estigmatização da política no Brasil; examinar como essa estigmatização afeta o comportamento eleitoral, incluindo abstenção, votos brancos e nulos; propor estratégias para mitigar os efeitos da estigmatização, incentivando maior engajamento cívico e participação política.

Para tanto, valeu-se da pesquisa exploratória e descritiva, utilizando-se da técnica da revisão de literatura de artigos, monografias, revistas e livros referentes ao sistema democrático, a corrupção e a apatia do cidadão brasileiro quanto a temática.

Nesse interim, o problema de pesquisa deste artigo busca compreender de que maneira a estigmatização da política impacta o sistema eleitoral brasileiro, especialmente no que diz respeito a participação popular e a representatividade democrática.

À vista disso, o presente trabalho foi estruturado em cinco capítulos para melhor atender aos fins da pesquisa. Inicialmente, realizou-se uma análise histórica acerca do surgimento do termo “política”. Em seguida, no segundo capítulo, é apresentado uma linha do tempo, desde o regime monárquico ao regime republicano. Já o terceiro capítulo trata de forma mais profunda das raízes da corrupção. No quarto capítulo foi feita uma relação entre a apatia política e o favorecimento dos interesses políticos da burguesia. Por fim, no quinto e último capítulo tratou-se do direito ao voto como uma garantia constitucional.


2 COMPREENDENDO O SURGIMENTO DO TERMO

Historicamente, o ser humano desenvolve “política” desde a sua estruturação em sociedade. Os primeiros registros de formação de sociedades se deram na chamada Revolução Agrícola (por volta de 10000 a.C), quando, percebendo a possibilidade de gerar alimentos sem a necessidade de se deslocar constantemente, abandonou o nomadismo e passou a concentrar seu grupo em local fixo, valendo-se da agricultura e pecuária (Gomes, 2024).  

Naquele contexto, os humanos compreenderam e desenvolveram gradativamente uma estrutura administrativa capaz de organizar o agrupamento, mais tarde, nominados Estados e Formas de Governo. Desse modo, as pequenas aldeias transformaram-se em cidades bem estruturadas (Coelho; Viana, 2021; Gomes, 2024). 

 Contudo, a criação do termo “política” e o modelo sistêmico semelhante ao adotado hoje no Brasil, ocorreu apenas com o advento organizacional da civilização grega diante de suas Cidades-Estados. A etimologia vem do grego politikos, onde polis significa cidade e tikós significa bem-comum dos cidadãos. Sobre esta origem, Borges (2022, p.1) explica: 

A política, no seu germinal grego, surgiu como uma forma de rompimento com os ditames das hordas, com o poder patriarcal, isto é, exercido pelo patriarca ou pelo chefe político. O que o ser humano queria era proteção econômica, militar e familiar. Assim, foram criados os laços de dependência e também de lealdade dos súditos em relação ao soberano.

Nesse sentido, emerge a definição do homem como “animal político por natureza”, assim definido por Aristóteles (2010, p. 34), vez que, os humanos exerceram desde os primórdios alguma espécie organizacional.


3 DA MONÁRQUIA À REPÚBLICA

A República Federativa do Brasil chegou a esse legado após 67 (sessenta e sete) anos de Monarquia, depois do golpe de 15 de novembro de 1889. A partir dessa nova instituição, surgiu a preocupação em se reestruturar o Estado de Direito, o que levou os republicanos a elaborar e aprovar decretos com o intuito de reconstituir a ordem constitucional do país.

Neste sentido, o Decreto nº 01 da República foi definido, segundo Paulo Bonavides e Paes de Andrade (1991, p. 210), como: “produzira uma Constituição de bolso, emergencial, para reger o país, evitar o caos e decretar as bases fundamentais da organização política imediatamente estabelecida”, ou seja, a República Federativa sendo vista como uma forma de governo que fora dada à nação.

Seguidamente, houve a nomeação de uma comissão especial composta por 05 (cinco) membros para elaborar o anteprojeto desta Constituição Federativa, bem como, a determinação do período eleitoral para que fosse feita a escolha do Chefe do Poder Executivo e dos seus representantes, na Assembleia Constituinte, em 03 de dezembro de 1889 com o Decreto nº 29 bem como o Decreto nº 78-B, datado do dia 21 de dezembro do mesmo ano (Brasil, 1889a; Brasil, 1889b).

Após novas passagens, mais especificamente em 1893, quando a República estava dando os seus primeiros passos em uma nova era, o novo regime passou a ser visto como um regime incapaz de instaurar no Brasil uma República livre e, Silvio Romero (1893, p. 244), destacou:

E depois este sistemático desdém pelo povo, declarado incompetente para fazer a escolha de seus representantes políticos e acoimado de vícios do manejo desse direito... é nada menos do que a pretensão desairosa e extravagante de dividir ainda e sempre a maioria válida de uma nação em dois grupos – de um lado os privilegiados, os possuidores sem monopólio das luzes e da dignidade moral, e de outro lado, os ineptos e viciados, os incapazes de qualquer ação política acertada. Àqueles o governo, a direção, o mandado, aos outros a eterna tutela, a minoridade, a incompetência perpétua. É o regime do privilégio na sua mais recente edição, porém sempre o privilégio, queremos dizer o abuso e a compreensão.

Tendo acrescido no mesmo entendimento que: “este banqueirismo governativo não passa de uma aristocracia do dinheiro, de um patricialismo do capital, a mais viciada e bastarda de todas as aristocracias” (1893, p. 56).

Mediante tantas mudanças, fazer a conciliação entre a Democracia e o Constitucionalismo passou a ser uma tarefa difícil haja vista que, o povo passou a decidir sobre as questões da sociedade através do voto e o constitucionalismo, impõe limites à soberania popular.

Em 1999, houve um debate na Cardozo Law School, entre Jurgen Harbermas e Frank Milcheman acerca de uma das falas apresentadas do livro Brennan and Democracy, de autoria deste primeiro supracitado:

O paradoxo da democracia constitucional assume várias formas. A democracia aparece como auto-governo do povo – as pessoas de país decidindo por si mesmas os conteúdos decisivos e fundamentais das normas que organizam e regulam a sua comunidade política. O constitucionalismo aparece como a contenção da tomada de decisão popular através de uma norma fundamental, a constituição – law of lawmaking, projetada para controlar até onde as normas podem ser feitas, por quem e através de quais procedimentos. É parte essencial da noção de constitucionalismo que a norma fundamental deva ser intocável pela política majoritária (que ela deve limitar) (Milcheman, 1999, p. 01).


4 A INCIDÊNCIA DA CORRUPÇÃO

Precipuamente, é fundamental desmistificar a ideia de que a corrupção é um problema recente ou que se restringe à sociedade brasileira. Nas palavras de Romano (2019): 

O termo é dos mais complexos e sua origem, antiga, tanto quanto a invenção da escrita. Todas as sociedades experimentam instantes em que os costumes e os valores perdem validade, os governantes não mandam, os cidadãos deixam de obedecer, os professores abandonam o ensino, os sacerdotes ignoram regras santas (Romano, 2019, p.7).

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É preciso ter em mente que os desvios de um governo não são a única forma de demonstração corrupta. Bobbio, et.al (1991), classificaram a corrupção em três níveis distinto -suborno, nepotismo e peculato. Parafraseando a compreensão dos autores, basta verificar o interesse individual de alguém sobrepondo as normas de legalidade, a fim de obter benefício próprio, que lá estará a corrupção, independentemente de sua modalidade criminal ou do ambiente de incidência.  

Observando qualquer sociedade, em qualquer das épocas, encontrar-se resquícios de corrupção. Especificamente na ceara política, convém memorar alguns registros históricos: 

Basta lembrar os deputados franceses que ao mesmo tempo votavam leis para abrir ferrovias e delas eram beneficiários enquanto acionistas. No governo dos dois soberanos que ostentavam o nome de Napoleão, o tio e o sobrinho, a venalidade, a falta de escrúpulos no manejo dos bens coletivos bateu o teto.  Não foi diferente nas repúblicas francesas que sucederam os imperadores. Nos regimes nazista e fascista, e também no stalinista, com a censura e a ausência da livre imprensa, de políticas democráticas e de direitos humanos, a corrupção atingiu níveis espantosos (Romano, 2019, p.11).  

Na contemporaneidade, a organização Transparency International, divulga anualmente, desde 2001, o Corruption Perception Index, que revela detalhadamente, os índices de corrupção do setor Público de 180 Países. O Brasil ocupa a 36ª posição, em que, segundo o tal, quanto mais próximo de 0 (zero), maior é o nível de corrupção (anexo 1).  

No geral, “o Índice de Percepção da Corrupção de 2023 (CPI) mostra que a corrupção está prosperando em todo o mundo” (Transparency International, 2023). Essa situação impacta negativamente no juízo político do cidadão, sobretudo em países subdesenvolvidos, com graves problemas econômicos e sociais, cujo, escândalos corruptos tiveram grande repercussão (Avritzer, 2016; Gonçalves; Andrade 2019; Transparency International, 2023).

À vista da figura 1, é possível notar um padrão entre os países mais próximos do ápice da corrupção: possuem um sistema de governo ditatorial ou semi-ditatorial. Ora, ausente a participação do povo na atividade governamental, é desembaraçadamente simples governar apenas para o interesse pessoal do governante ou do seu grupo, intensificando, portanto, a incidência da corrupção (Bonifácio; Ribeiro, 2016).

Diante disso, importa referenciar o discurso político do Primeiro-Ministro britânico Winston Churchill (1947), o qual proclamou que “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras que já foram tentadas”, reconhecendo que apesar das imperfeições, é a melhor sistemática a ser adotada.


5 A BURGUESIA E A APATIA POLÍTICA

A burguesia, ou classe média alta, muitas vezes se beneficia do desconhecimento e do repúdio aos temas políticos, de diversas maneiras. A elite brasileira desde os primórdios da vida política no Brasil, procurou controlar, através de fraudes, o destino daqueles que não tinham ciência da importância do ato de votar. Conforme Lilia Moritz Schwarcz, em seu livro sobre o autoritarismo brasileiro:

Dessa maneira, e como uma forma de ingerência dos interesses privados na lógica pública do Estado, fraudes acompanhavam todas as fases do processo eleitoral, sendo o voto entendido como moeda de troca. O “voto de cabresto”, por exemplo, converteu-se numa prática político-cultural – um ato de lealdade do votante ao chefe local. Por sua vez, o “curral eleitoral” aludia ao barracão onde os votantes eram mantidos sob vigilância e ganhavam uma boa refeição, dali só saindo na hora de depositar o voto – que recebiam num envelope fechado – diretamente na urna. (Schwarcz, 2019, p. 54)

Primeiramente, a falta de compreensão sobre questões políticas pode levar à apatia, fazendo com que a população não se interesse ou perca o senso crítico acerca de decisões que afetam diretamente suas vidas. Isso pode resultar em um ambiente onde interesses privados, como os da burguesia, são priorizados em detrimento do bem público, levando ao ciclo repetitivo que temos presenciado a longo da história mundial e nacional. Segundo Paulo Freire, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o apressor” (Freire, 1987, p. 25).

Além disso, a apatia política pode ser usada como uma ferramenta de controle. Quando a população está desinteressada ou desinformada, é mais fácil para grupos privilegiados influenciar políticas e decisões sem resistência. Isso pode levar à manutenção de um status quo que favorece a concentração de riqueza e poder nas mãos de poucos. Conforme ressalta Zygumunt Bauman, em uma sociedade consumista, os interesses da maioria são manipulados para satisfazer as demandas da elite privilegiada (Bauman, 2001, p. 45).

A ausência de um debate político ativo e consciente também enfraquece as instituições democráticas, uma vez que sem a participação engajada, os mecanismos de fiscalização e a controle tornam-se ineficazes, abrindo caminho para práticas corruptas e antiéticas se renovarem e prosperarem. Assim, a apatia política não apenas beneficia a burguesia, mas também se torna um fator destrutivo para a democracia, pois promove a deslegitimação das instituições e a alienação dos cidadãos em relação ao processo político. Em conformidade com a ideia apresentada, Norberto Bobbio, entende que a democracia só funciona adequadamente quando há vigilância constante por parte dos cidadãos, pois o controle social é a base para legitimar as instituições democráticas (Bobbio, 2000, p. 48).

Resumidamente, o desconhecimento sobre a política e a apatia em relação à ela criam um ciclo vicioso que favorece a burguesia e prejudica a democracia, tornando essencial a promoção da educação política e do engajamento cívico para fortalecer a participação democrática. A educação política é uma forma de se emancipar, capaz de transformar o habitus coletivo em direção à ação democrática (Bourdieu, 2003, p. 62).

Podemos perceber a incidência do desinteresse ainda considerável em participar da forma mais justa que o cidadão tem de ser representado em Câmaras ou mesas do Senado, e consequentemente na escolha ativa e participação na construção da sociedade, o voto direto. Muitas pessoas atualmente ainda preferem se abster de eleger políticos sob diversas justificativas.

Eleitores de várias categorias compuseram os quadros de faltosos feito pelo Tribunal Superior Eleitoral nos últimos anos, dentre elas jovens, adultos, idosos. Classificados ainda por gênero, grau de instrução, possuidores de deficiência ou mesmo nome social, pode-se perceber que se tratam de números elevados mesmo dentro de tais categorias, e que cada uma delas é consequência de um passado ou presente onde a valorização do voto talvez seja insuficiente, fator que gerará também futuras situações sociais que poderiam ser melhores para esse mesmo eleitorado.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, 2024.

Percebe-se no gráfico acima a quantidade ainda grande de jovens que nessas eleições escolheram ou foram obrigados a deixar de votar, reforçando o infeliz dado de faltas daqueles que supostamente deveriam estar mais engajados nos cuidados na participação da governança brasileira.

Como observa Lilia (Schwarcz, 2019), a respeito da educação e dos índices de analfabetismo no Brasil:

O Brasil sempre manteve a maior taxa de analfabetismo dentre os países latino-americanos. No grupo mais alfabetizado, e guardando índices semelhantes, encontram-se Argentina, Chile e Costa Rica. Tal situação está ligada a padrões históricos que acabam por diferenciar perspectivas do presente.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, 2024.

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