O conceito e aplicabilidade da figura do homem médio dentro do ordenamento jurídico brasileiro

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06/01/2025 às 11:12

Resumo:


  • O homem mediano é um conceito utilizado no direito para analisar a culpabilidade do agente em um delito, levando em consideração a conduta esperada do "homem médio".

  • Esse conceito não se restringe apenas ao direito penal, sendo aplicado também em outras áreas do direito, como no direito civil, para analisar a diligência normal esperada em negócios jurídicos.

  • A figura do homem mediano apresenta desafios em sua definição e aplicação, sendo muitas vezes subjetiva e dependente do contexto social, cultural e histórico em que está inserida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: O homem mediano trata-se de construção doutrinária utilizada no intuito de esmíuçar a culpabilidade enquanto elemento na teoria tripartida de delito, nesse sentido, por tratar-se de pensamento difundido na doutrina jurídica, é realizado pesquisa doutrinária sobre o tema, não somente, na seara criminal, mas também apresentando conceitos intrínsecos ao entendimento do homem mediano, qual seja, quando se evidencia a mnifesta vontade livre do agente, seja pela inconsciência de ilicitude, seja pela inexigibilidade de conduta adversa, pois, não somente, apresentar este conceito, se faz necessário discorrer sobre a possibilidade de sua aplicação, já que, ao analisarmos este instituto, verifica-se que existem preceitos inerentes à sociedade, que consequentemente, afetam a utilização e aplicabilidade de forma imparcial, não somente, mas também, verifica-se a aplicação desse instituto em outras áreas do direito que utilizam desta fundamentação por analogia, sendo também discorridas neste presente artigo.

Palavras-chave: conduta; interdisciplinaridade; moral; manifestação de vontade.


1. INTRODUÇÃO

Neste artigo, será analisado um instituto que emerge na doutrina criminalística brasileira, trata-se de uma análise da utilização da figura do homem mediano em conceitos teóricos aplicáveis.

Em diversos casos, este conceito doutrinário de hipotético grau intermediário de consciência que se espera do individuo que está sob análise, utiliza-se como sinônimo à este, grau de exigibilidade de atitude diversa, em comparação à conduta que possua interesse legal criminal.

Ou seja, trata-se de discussão acadêmica sobre conceito presente dentro da teoria tripartícipe do delito, a culpabilidade; a qual, realiza a avaliação de evento danoso, analisando a conduta esperada do homem mediano e a ação real tomada pelo indivíduo autor da ação, logo, em caso de realizar a conduta esperada, a depender do caso em análise, até mesmo pode não ser culpabilizado por seus atos.

De modo análogo, essa forma de verificação da conduta do sujeito, como forma de avaliar o seu grau de culpabilidade, não possui somente aplicabilidade dentro da seara criminal, se extendendo a outros ramos do direito.

Por exemplo, na área do direito público, em que, no decreto-lei n° 13.655/2018, como através de disposição legal que visa segurança jurídica e maior eficiência na criação e aplicação do direito público, apresenta como forma de responsabilização do administrador público que, analisando a possibilidade de erro grosseiro do gestor público, não demonstra diligência mediana, cautela e lealdade em sua ação, conforme se espera do “administrador médio”.

Não somente, na seara civilista brasileira, quando se observa os negócios jurídicos que são realizados, analisa-se o erro sobre elemento da negociação, em caso de possibilidade de percepção de erro substancial do negócio pelo homem mediano e a utilização do princípio da vontade presumível; em caso de negativa possibilidade de discernimento de erro negocial pelo homem mediano, pode até mesmo ensejar a anulação do feito.

Já em outra seara, de forma mais exemplificativa, o direito do consumidor, no texto do código de defesa do consumidor ao discorrer sobre a oferta e publicidade, aponta que sejam de modo preciso o suficiente para que se torne clara sua compreensão, de facil e imediata identificação pelo consumidor. Como está dessa forma descrita, em diversos julgados pelos tribunais brasileiros, foram utilizados o conceito de homem médio no intuito de aferir se a publicidade/oferta realmente era clara e perceptível que um homem mediano poderia facilmente compreender.

Desse modo, o que se verifica é que a figura do homem médio, trata-se de conceito difundido dentro do direito brasileiro, ademais, que apresenta grande incerteza de sua aplicabilidade, ora pois, enquanto nação de tamanho continental, que em sua atualidade apresenta grande desnível social e intelectual, como apontar o homem brasileiro mediano?

O artigo será apresentado em três partes, sendo estas, em um primeiro momento, explanar a historicidade do conceito de homem médio e algumas nuances sobre livre arbítrio e moralidade que estão presentes intrísecamente ao conceito principal de homo medius, seu entendimento ao discorrer do tempo e explanação jusfilosófico-social, para que então, em segunda análise, seja apresentado, seus desdobramentos na seara jurídica brasileira, para ao final, demonstrar exemplos de sua aplicabilidade.


2. REFERENCIAL TEÓRICO

A classificação/categorização de o que seria o homem acompanha a humanidade desde seus primórdios em todas as áreas do saber. Segundo Perine em seu escrito, Mito e Filosofia(2008), após a passagem da cosmogonia para a cosmologia, rompe-se o elo de utilização de figuras divinas para a explicação de acontecimentos físicos e compreensão acerca do homem; Após essa transição, com a cosmologia, o que se busca, é apresentar de forma lógica como ocorrem os efeitos naturalísticos, não somente eles, mas também apresentar o conceito de homem de forma mais racional, justamente, para se autocompreender e apresentar uma definição mais rebuscada sobre nossas características singulares.

Durante toda a trajetória humanística, como dito, nos deparamos com diversos ensaios de categorizações e particularidades de oque seria o homem, um adendo, entende-se “homem”, uma forma generalista de remeter a figura humana, seja esta de sexualidade masculina ou feminina.

Pois bem, desde a evolução humana, os atributos e conceitos de homem sempre foram muito volátil, encontrando em Platão o entendimento de uma alma imortal aprisionada em corpo transitório, em Aristóteles, compreendia o homem como um animal político, destinado a viver em sociedade.

Prosseguindo, em um entendimento histórico medieval, denotam que a figura do homem relaciona-se ao livre arbítrio do ser, sua capacidade de escolhas, ou seja, era sua capacidade de raciocinar, de socializar e se desenvolver; ao passar do tempo, com o desenvolvimento de diversas áreas do saber, essa definição foi conquistando significados ainda mais complexos a depender da ótica de análise.

Ora, observemos na segunda parte do primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 que preconiza: “Todos os seres humanos (...). São dotados de razão e consciência.”; logo, nos traz um cerne do entendimento basilar coletivo contemporâneo de o que é o homem, ou seja, trata-se de pessoa com razão e consciência do mundo ao seu redor.

Em síntese, o Professor Dr. Dílson Passos Junior, ao escrever A Evolução do Conceito de Homem na História e na Filosofia Até o capitalismo, apresenta um parâmetro histórico de o que era a compreensão de homem ao longo dos anos de forma brilhante, vejamos:

Na Grécia antiga os filósofos associavam o homem perfeito ao cidadão. Na era cristã ele é concebido como pessoa. No século XIII, especialmente na Universidade de Paris sob o influxo do pensamento aristotélico, a racionalidade será o atributo que mais plenifica o ser humano. O Iluminismo e o Positivismo elevarão a racionalidade a uma quase veneração. Na Revolução Industrial o homem será coisificado como mera engrenagem na cadeia produtiva. O liberalismo, e, posteriormente o neoliberalismo, terão no lucro e no acúmulo de riqueza o elemento propulsor da organização social em detrimento do homem (JUNIOR, p.02)

Logo, na seara jurídica não é diferente, Maria Helena Diniz em seu livro Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil, 40ª edição, do ano de 2023, descreve que pessoa é “o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direitos” (DINIZ, p. 116, 2023)

O intuito deste artigo não está em zerar os variados conceitos que podem ser apresentados quando temos o “homem” como foco de estudo, mas sim, fazer uma breve apresentação da volatilidade que este conceito possui, evidenciando diversas formas e sentidos a depender do local de análise, seu tempo e forma de observação, por isso, superados esses entendimentos inicial sobre o homem, adentramos à explanação de o que seria o homem médio.

Ora, Lambert Adolphe Jacques Quételet (1796-1874), foi o pioneiro de estudos da antropometria, ou, “física social” como preferia o polímata belga, Lambert é um dos mais importantes e influentes pesquisadores sociais de seu período, em que, através de seu escrito Sur l'homme et le développement de ses facultés (Sobre o homem e o desenvolvimento das suas faculdades), como um exímio estatístico e sociólogo, apresenta as primeiras concepções de o que seria futuramente o homem mediano.

A figura do homem médio é um conceito amplamente utilizado no campo jurídico, porém, de notória dificuldade em sua definição de maneira específica. Isso ocorre porque, além de construções doutrinárias que permeiam e auxiliam in momentum de aplicação dos dispositivo legal que se fundamentam neste conceito, não existem protocolos claros ou diretrizes estabelecidas que possam ser seguidas para caracterizar essa figura e deixar em evidência sua forma de aplicabilidade, pois, quando os operadores do direito recorrem à figura do homem médio para fundamentar suas argumentações e em consequência, suas decisões, o que se observa é uma interpretação altamente subjetiva da conduta que está sendo avaliada.

A questão central é, como se faz a análise de que determinada conduta estaria ou não alinhada com a figura do homem mediano, ora, quem é o homem médio? Logo, buscasse por uma melhor compreensão do que exatamente constitui a figura do homem médio.

Nisso, conforme aponta Willis Santiago Guerra Filho e Rodrigo Francisconi Costa Pardal em seu artigo O homem médio como produto da eugenia teológica, publicado na revista jurídica, Adolphe Quetelet, foi quem realizou uma junção do que se considera como ciências naturais, a estatística, juntamente com as ciências sociais, dessa fusão, resultando em “física social”, realizando o que se chama como estatística social, embasando dentro do direito penal o sistema causal-naturalista - Lizst-Beling, em que se utiliza da análise de variaveis genéticas, psicológicas e ambientais ao investigar o “homem”. (FILHO; PARDAL, 2022).

Ao tempo em que se formulou sua linha de raciocínio, é visível que Quetelet utiliza-se de preceitos teológicos em seus escritos, visto que, compreende que a realidade não se aplica ao ser individual, mas sim, na espécie como um todo, com isso, por haver uma espécie que possui leis, as quais regem sua realidade, existiria assim, um homem que seria a média de toda a espécie. Em um primeiro momento, focou-se somente em critérios corporais, como, crânio, membros, no entanto, após isso, extendeu-se para aspectos também morais e intelectuais do ser humano. (PICH. p 851, 2013)

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Isto se torna visível nos últimos escritos do livro “Sur I’homme et le développement de ses facultés” de Quételet, citado por Junior e Pardal:

O homem médio, com efeito, é para uma nação o que o centro da gravidade é para um corpo; é levando-o em consideração que é possível a percepção de todos os fenômenos do equilíbrio e do movimento (QUÉTELET, 1835, p.251 apud FILHO; PARDAL, 2022).

Ora, ao momento em que se analisa um agrupamento social utilizando de singularidade, acaba por deslocar aquilo que se entende como a pluralidade e peculiaridade dos seres, para tão somente, fazer uma leitura simplista e genérica de uma nação, evidenciando uma ideia genérica e distante da realidade intrínseca a cada sujeito, evidenciando reprovabilidade ou não de uma conduta, a partir de valoração de ação correta ou errônea que nada mais se trata de uma construção sócio-cultural-temporal.

Conforme doutores e mestres em teologia Rafael Maria, Leonardo Henrique e Talyta Manso em seu artigo “O livre arbítrio e o homem na visão de Santo Agostinho: O reconhecimento da falibilidade humana como contraponto ao paradigma do “homem médio”, Compreende-se que para que exista uma ação que esteja à escolha do indivíduo, este, deve agir com liberdade e responsabilidade de condução de suas próprias ações, ou seja, ser portador de livre arbítrio para que possa escolher entre o bem ou o mal, liberdade esta, que seria conferida por Deus ao homem. (RAFAEL; LEONARDO; TALYTA. p. 123-124. 2022).

No entanto, essa liberdade conferida não é possível ao homem segundo Santo Agostinho, pois conforme o filósofo, de modo pessimista discorre que o homem após o pecado de Adão e Eva está corrompido ao mal e que somente pela graça de Deus consegue alcançar a liberdade e o bem. Por esse motivo, o juízo face à condutas humanas deve ser feito, levando em consideração que o homem agostiniano que possui além de regulações sociais que fogem ao seu controle, é dotado de insuficiências, imperfeição e falhas. (RAFAEL; LEONARDO; TALYTA. p. 139. 2022).

Como também assevera no artigo supracitado,

Portanto, voltando para a questão da existência ou não da autonomia da vontade, conclui-se que observando a realidade, seria realmente difícil dizer que os seres humanos são totalmente livres e plenamente autônomos, principalmente se forem considerados fatores relevantes no curso da existência humana, como o inconsciente, as desigualdades e, por que não dizer, retornando a Agostinho, o pecado que arrasta. (RAFAEL, LEONARDO, TALYTA. p.163. 2022).

Desse modo, pode-se aferir que o conceito de homem médio enquanto entendimento de um comportamento padrão apresenta falhas, pois, conforme entendimento supracitado, falta ao indivíduo a livre possibilidade de escolha em suas ações, pois não possuem autonomia em sua conduta que está contaminada pelo pecado, desigualdade e potencial engessamento de sua consciência, que é o fato principal de subjetividade a cada ser humano, dentre outras variáveis.

Logo, tendo em vista que o homem médio demonstra-se como uma construção de moralidade social mediana esperado pelo aplicador da lei, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche foi um grande e importante pensador, que com sua genialidade, apresentou críticas a esta forma de pensamento, descrevendo que estes atributos, foram construído através de forte tendência cristã á epoca, que invariavelmente, não manifesta de forma livre, consciente e espontânea do ser, mas sim, arraigada de preceitos anteriores à ele.

Nietzsche em seu livro a gaia ciência, apresenta diversas críticas à institutos como a moral e o livre arbítrio, apresentando que estes conceitos estão envoltos de terminologias generalistas, que ao longo do tempo, abafaram a real manifestação de vontade genuína do ser, para serem induzidos pelo “efeito rebanho” de pensar e agir, logo, inexistindo a verdadeira força de vontade inerente ao indivíduo, vejamos:

Esses artigos de fé errados, transmitidos hereditariamente através das gerações, acabaram por se tornar uma espécie de massa, de fundo humano: admite-se, por exemplo, que há coisas que são iguais, que existem objetos, matérias e corpos, que uma coisa é o que parece ser, que a nossa vontade é livre, que aquilo que é bom para um é bom em si. Só muito tardiamente é que apareceram, pessoas que negaram ou puseram em dúvida este gênero de proposições (...) (NIETZSCHE. p. 175. 2000)

Continuando suas críticas, Nietzche explana que a problemática dessa forma de pensar social se dá pelos doutrinadores europeus que tão somente reafirmavam uma forma de conduta estribada em conceitos históricos religiosos de boa convivência:

Esses historiadores da moral (ingleses na maior parte) não fazem nada de realmente importante: obedecem ainda em geral, eles próprios ingenuamente, a qualquer moral definida de que são, sem disso desconfiarem, os porta-escudos, a escolta; quase todos ficam escravos do preconceito popular que a Europa cristã continua a repetir ingenuamente, segundo a qual a caraterística da ação moral reside num ilusório altruísmo, num espírito de sacrifício, piedade ou mesmo compaixão (NIETZSCHE. 200. p. 175).

Pois bem, o que se busca evidenciar é que, em um primeiro momento, a conduta do homem mediano deve ser estribada em potencial consciência da ilicitude do fato atrelado ao grau de reprovação que sua conduta possui face à sociedade em que está inclusa, nesse sentido, as palavras de Nietzsche evidenciam que não existe a livre manifestação de vontade do indivíduo.

Ora, se o grau de culpabilidade atribuído a uma conduta é totalmente subjetivo aos padrões morais e sociais aceitos pelo aplicador do direito. Nesse sentido, como se esperar a aplicabilidade imparcial de um instituto culpabilizante que evidencia o mais alto grau de subjetividade e pessoalidade em sua aplicação.

(...) Os homens foram pensados como “livres”, para que pudessem ser julgados e punidos – para que pudessem ser culpados. Conseqüentemente, toda ação precisaria ser considerada como desejada, a origem de toda ação como estando situada na consciência. (Nietzsche. P. 49. 2000).

Esta máxima resta evidenciada no seguinte trecho dos escritos de Bertot o qual relaciona à moral em preceitos intelectuais e conceitos socialmente “bons”, mas que em seu processo de construção de se tornar uma atitude “boa”, nada mais perfaz que uma forma errônea de compreensão sobre a moralidade e a liberdade do ser:

Nietzsche passa a relegar a moral a uma série de crenças intelectuais. Critica as categorias éticas, mas também a consciência moral, e os preconceitos a respeito da ação. O que se denominava uma “boa ação”, uma “qualidade moral” não seria mais do que um mal-entendido. Ações ou qualidades semelhantes de modo algum são possíveis, se nos atemos às características da vida. Como pensador imoralista, ele se opõe, assim, aos formuladores da ética, que muitas vezes acreditaram em propriedades que não podem existir do modo como eles as concebiam. (BERTOT. Pg. 115-142. 2023)

1.1 - O HOMEM MÉDIO E O DIREITO PENAL BRASILEIRO

Dentro da seara criminal, vislumbra-se a criação a utilização do conceito de homem médio pela doutrina como forma de valoração da ação humana, ou seja, de teor causalista entre conduta, vontade de ânimo e consciência, segundo o doutrinador Cesar Roberto Bitencourt em seu escrito – Tratado de Direito Penal: Parte Geral (2012), o pensador jurista Hans Welzel entendia da seguinte forma a finalidade da ação e sua causalidade:

ação humana é exercício de atividade final. A ação é, portanto, um acontecer “final” e não puramente “causal”. A “finalidade” ou o caráter final da ação baseia-se em que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua conduta. Em razão de seu saber causal prévio pode dirigir os diferentes atos de sua atividade de tal forma que o oriente o acontecer causa exterior a um fim e assim o determine finalmente. (apud WELZEL. p. 53. 1970)

O conceito clássico de delito, que possui fortes contribuições de Von Liszt, utilizava de forma exacerbada de formalidade para tratar da ação humana, atrelado à um conceito objetivo normativo, o qual seria a norma delituosa, por fim, a culpabilidade, onde observava o teor subjetivo descritivo do delituoso. (BITENCOURT. p. 101. 2012)

Neste sentido, Bittencourt, primeiramente aponta os princípios do Direito Penal, para então, demonstrar as evoluções epistemológicas que transcorreu pela área criminal, até chegarmos ao Direito Penal como é compreendido atualmente. Apontou a construção dogmática do neokantismo, conforme suas palavras, “os neokantistas propõem um conceito de ciência jurídica que supervalorize o dever ser”, ora, para Kant, o sentido da pena era de ordem ética, ou seja, com base no valor moral da lei que estava sendo vilipendiada, ele compreendia a norma como um imperativo categórico. (BITTENCOURT. p. 40. 2012)

Ou seja, o pensamento neokantista em sua busca pelo dever ser, evidencia em um “homem hipotético”, valores culturais, sociais, linguísticos e morais a toda população, evidenciando que, esses valores estão presentes na média de toda a população.

Ao analisarmos o desenvolver histórico da seara do direito, é notório perceber que grande parcela de todo o conceito doutrinário desenvolvido no século XX, utiliza-se de uma linha de raciocínio positivista, no entanto, estes nobres doutrinadores são o resultado do momento histórico em que a ciência se encontrava, ou seja, o pós positivismo e racionalismo, conforme aponta Bitterncourt:

Na perspectiva filosófica, o positivismo é uma corrente do pensamento que propõe fazer das ciências experimentais o modelo por excelência de produção do conhecimento humano em substituição às especulações metafísicas ou teológicas. O método científico indutivo seria, com esse ponto de partida, a autêntica fonte do saber humano, de modo que toda produção científica estaria submetida ao método causal explicativo5. Essa corrente filosófica foi desenvolvida a princípios do século XIX, especialmente pelo francês Auguste Comte (1798-1857) e pelo inglês John Stuart Mill (1806-1873), influenciando a compreensão do fenômeno delitivo e do Direito Penal dessa época.

Com efeito, no século XIX surgiram inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma sistemática, segundo determinados princípios fundamentais. A principal característica desse período é o repúdio do caráter científico das valorações jurídicas do delito e a consequente substituição destas pelo método da sociologia, da antropologia, biologia etc., com o consequente desenvolvimento da Criminologia como ciência autônoma dedicada ao estudo do delito (BITENCOURT, 2012.).

Bittencourt apresenta um recorte histórico de como se deu a mudança de um direito penal arraigado de conceitos e compreensões religiosas, para que, fosse tão somente evidenciado o positivismo, ou seja, a utilização do método causal-explicativo em que se utiliza de outras áreas do saber como embasamento no direito penal da época.

Conseguinte, o homem médio possui grande usualidade dentro da seara criminal, haja vista que o homem mediano está presente no conceito tripartido de crime – fato típico, ilícito e culpável, mais precisamente, dentro do elemento “culpável”.

Crime culposo - II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente (BRASIL, 1984).

Em primeira análise, entendemos que o conceito de culpa se ramifica em imprudência, negligência e imperícia de conduta do autor do fato delituoso, ora pois, é desse modo apresentada a culpabilidade no ordenamento penal brasileiro

Ademais, não devemos nos ater ao conceito legal de culpabilidade, pois em toda sua forma, não expressa claramente a culpabilidade enquanto instituto exposto pela doutrina penal. Ainda em razão da culpabilidade, ademais a culpabilidade enquanto conceito utilizado na teoria tripartida do delito, conforme nos ensina Borges de Albuquerque Mello:

Quando se define o fundamento material da culpabilidade, está se fazendo, na verdade, um recorte na definição jurídica de pessoa: trata-se o culpável como alguém dotado de características e capacidades hábeis a torna-lo responsável, em face dos demais membros da comunidade em que vive, pelas infrações penais que lhe forem atribuídas. O conceito de pessoa culpável delimita uma concepção de ser humano como indivíduo responsável. Segue-se, em certa medida, uma tradição histórica de se atribuir ao ser humano características morais, intelectuais e espirituais que o tornam distinto dos demais seres vivos. (MELLO, p. 148. 2021)

Ora, o conceito de homem médio é visualizado na culpabilidade justamente pelo teor subjetivista que o instituto contém, veja, nesse momento de análise do delito, é observado o contexto subjetivo moral, a racionalidade do autor e a negatividade da conduta do agente, para então, demonstrar sua culpabilidade face à uma conduta que é reconhecida como delituosa dentro da sociedade que o agente está incluso. (MELLO, p. 143. 2021)

1.2 - O HOMEM MEDIANO E O DIREITO CIVILISTA BRASILEIRO

Adentrando a seara cível, também se faz visível a figura do homem de diligência mediana (homem médio) in momentum de pactuação de negócios jurídicos, conforme expresso no artigo 138 do Código Civil Brasileiro, observemos:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. (BRASIL. 2002)

Conforme informado, por mais que se trate de conceito amplamente utilizado no direito criminal, a figura do homem mediano, “de diligência normal” também possui suas usualidades em outras áreas do direito, neste caso, a figura do homem normal/mediano, refere-se ao erro em negócios jurídicos que poderia ser visto pela pessoa de diligência normal.

Outrora, novamente indaga-se, qual é esta pessoa de diligência normal? Como aplicar, analisar e afirmar que uma pessoa possui diligência mediana/normal?

Na seara civilista, conforme aponta o consultor legislativo do Senado Federal em direito civil, o professor Carlos Eduardo Elias de Oliveira em seu escrito – O princípio da vontade presumível no direito civil: fundamento e desdobramentos práticos, apresenta ao leitor o princípio da vontade presumível, que segundo ele:

Trataremos de um importante princípio do Direito Civil: o princípio da vontade presumível. [...]

O princípio da vontade presumível consiste em submeter as soluções de Direito Civil à vontade presumível do homo medius (OLIVEIRA. p. 02. 2023)

Oliveira apresenta em seu escrito diversos casos em que de modo intrínseco, o legislador, ao momento de produção do código civilista brasileiro, utilizou desse conceito do homem mediano para formular seus artigos, vejamos, em relação ao instituto da tutela, Oliveira nos diz que “Preocupado em definir quem será nomeado curador, o legislador indica uma ordem preferencial baseada na vontade presumível da pessoa, levando em conta o padrão do homo medius” (OLIVEIRA. p. 12. 2023)

Como também, nesse momento, aplica a figura do homem mediano através da ótica civilista, de modo prático, informa que em caso hipotético de partilha de bens deixados por um falecido, deverá ser realizado uma análise que retrate a vontade presumível do de cujus, com base, no padrão do homem mediano. (OLIVEIRA. p. 05. 2023)

1.3 - HOMEM MÉDIO E A CRIAÇÃO DO “ADMINISTRADOR MEDIANO” CONFORME TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A categorização de um homem de inteligência mediana não permanece somente na seara da doutrina criminal e cível brasileira, trata-se de instituto que transborda da área penal e se derrama em diversas outras áreas de aplicação do direito.

Nesse caso, demonstra-se interessante explanar as atualizações trazidas pela Lei n° 13.655/2018, a qual, inseriu e modificou diversos artigos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – Decreto-Lei n° 4.657/2018, de modo específico, traz às claras a mudança do artigo 28 da LINDB, veja-se o texto:

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

É perceptível pelo texto legal que se trata de matéria de ordem pública, que busca responsabilizar o agente público que de sua conduta resulte em dano, seja ele com dolo ou erro grosseiro.

Nessa análise, aponta-se o instituto do erro grosseiro na responsabilização do administrador, logo, vejamos o acórdão:

Acórdão 2860/2018- Plenário

Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman

RELATÓRIO DE AUDITORIA. APURAÇÃO DE PREJUÍZOS CAUSADOS AO POSTALIS - INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS. AUDIÊNCIA DE GESTORES DO INSTITUTO. AVALIAÇÃO DAS CONDUTAS DOS GESTORES. ACOLHIMENTO PARCIAL DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 58, INCISO II, DA LEI 8.443/1992. DETERMINAÇÃO À ECT. [...]

Ao refletir sobre esse tema, tenho entendido que o "erro grosseiro" previsto no art. 28. da Lei 13.655/2018 se equivale à "culpa grave", ou seja, à negligência extrema, imperícia ou imprudência extraordinárias, que só uma pessoa bastante descuidada ou imperita comete. É o erro que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio.

Não se trata, portanto, de "culpa" simples ou leve, de mera culpa atribuível a qualquer desvio em relação à postura do homem médio.

No caso apresentado, verificamos a utilização do termo, “administrador médio”, qual seja, trata-se de aplicação por analogia do homem médio dentro da seara do direito público, em que de modo subjetivo ao julgador, se faz juízo da conduta do agente público, avaliando se a conduta danosa do administrador que ensejou em erro grave, ora, vemos que de igual modo ao apresentado nesse artigo, o Tribunal de Contas da União também utiliza desse conceito como forma de julgar e avaliar a conduta do indivíduo, mensurando sua reprovabilidade através de conceito genérico.

Sobre o autor
Jose Augusto Caldas Gomes

Acadêmico da Faculdade Guarapuava, cursando o 9° Período do Curso de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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