Dispute boards nos contratos da administração pública

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08/01/2025 às 15:15
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RESUMO: Este artigo examina o uso dos Dispute Boards (DBs) em contratos da Administração Pública no Brasil, destacando sua origem, espécies, comparação com a arbitragem e a relevância de sua aplicação. A problemática reside na necessidade de mecanismos eficazes para prevenir e resolver disputas em contratos complexos, especialmente em obras públicas. O objetivo do estudo é analisar as razões jurídicas para a adoção dos DBs, seus prós e contras, custos, consequências de descumprimentos e a responsabilização dos membros do comitê. A pesquisa adota uma metodologia bibliográfica e jurisprudencial, investigando doutrinas relevantes e casos concretos. Conclui-se que os Dispute Boards são uma ferramenta valiosa para a gestão de conflitos, oferecendo celeridade e especialização, apesar de desafios relacionados a custos e limitações de competência. A implementação adequada e o marco regulatório claro são essenciais para maximizar os benefícios deste mecanismo na Administração Pública.

Palavras-chave: Dispute Boards, Administração Pública, Contratos, Resolução de Disputas.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Origem e características dos Dispute Boards (DBs). 1.1. Definição, finalidade e características. 1.2. Evolução histórica e aplicação no direito brasileiro. 1.3. Tipos de Dispute Boards. 1.3.1. Quanto ao caráter vinculante das decisões. 1.3.2. Quanto ao momento de instalação. 1.3.3. Quanto ao número de membros. 2. Dispute Boards x Arbitragem: diferenças e complementariedades. 2.1. Diferenças fundamentais. 2.2. Complementariedade entre Dispute Boards e Arbitragem. 3. Aplicação dos Dispute Boards nos contratos da administração pública. 3.1. Fundamentação jurídica e razões para sua utilização. 3.2. Prós e contras na Administração Pública. 3.3. Balizas que orientam a adoção do Dispute Boards em contratos públicos. 3.4. Análise de casos e precedentes. 4. Custos e eficácia econômica dos Dispute Boards. 5. Breves recomendações para estruturação da cláusula de Dispute Boards em contratos públicos. 6. Responsabilização dos membros do comitê. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

O ambiente contratual da Administração Pública no Brasil, notadamente em contratos de grande complexidade como os de obras públicas e concessões, é marcado por muitos conflitos. Esses conflitos, quando não adequadamente geridos, podem resultar em paralisações de obras, aumento de custos e ineficiência na prestação dos serviços públicos. Diante dessa realidade, a busca por métodos eficazes de resolução de disputas tornou-se imperativa. Ou, por que não evitar as próprias disputas.

Entre as alternativas surgidas nas últimas décadas, os Dispute Boards (DBs) se destacam como um mecanismo inovador e preventivo, de governança contratual, projetado para prevenir conflitos de maneira contínua e colaborativa, evitando que pequenos desacordos se transformem em litígios complexos. Embora originalmente concebidos no contexto da construção civil internacional, os DBs têm sido cada vez mais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, inclusive na seara dos contratos administrativos.

Este artigo tem como objetivo explorar as características, a aplicabilidade e as limitações dos Dispute Boards nos contratos da Administração Pública brasileira. Será feita uma breve análise de sua origem, evolução e das diferenças em relação à arbitragem, bem como uma avaliação dos prós e contras de sua adoção em contratos públicos. Além disso, serão abordados os aspectos relacionados aos custos, consequências de descumprimentos, balizas, recomendações para a estruturação de cláusulas, responsabilização dos membros do comitê e os limites de sua atuação.


1. ORIGEM E CARACTERÍSTICAS DOS DISPUTE BOARDS (DBs)

1.1 DEFINIÇÃO, FINALIDADE E CARACTERÍSTICAS

Os Dispute Boards (DBs) são comitês compostos por profissionais independentes e especializados, contratados para acompanhar a execução de um contrato e resolver, de maneira preventiva e contínua, eventuais disputas que possam surgir ao longo da execução contratual:

“Os Dispute Boards foram idealizados para funcionar como um 'filtro' que impede que conflitos, ainda em sua fase inicial, escalem para litígios maiores, proporcionando, assim, uma resolução mais célere e econômica das disputas” (LIMA, 2020, p. 45).

A principal finalidade dos DBs é atuar como um mecanismo de gestão de conflitos que oferece soluções rápidas e técnicas, evitando que as partes precisem recorrer ao Judiciário ou à arbitragem para resolver disputas.

Possuem um escopo de atuação bem mais amplo do que um simples método extrajudicial de resolução de conflitos. Trata-se de um instrumento de governança contratual, que visa regular a execução do contrato dentro do prazo previsto, mitigando o risco de que as divergências naturais dos contratantes venham a gerar conflitos que impactem o cumprimento das obrigações contratuais (DOMINGUES, 2022, p. 23).

Igor Gimenes Alvarenga DOMINGUES (2022, p. 24) aponta 4 características do instituto:

“1 – contratualidade, na medida que só pode ser aplicado por expressa vontade dos contratantes, declarada no início do contrato ou após o surgimento da divergência; 2 – imparcialidade, independência e elevada capacidade técnica dos membros, sem as quais as decisões ou recomendações do comitê dificilmente seriam respeitadas pelas partes; 3 – perenidade, pois ainda que seja possível a formação de um comitê ad hoc, é através do acompanhamento integral da execução contratual, desde o seu início, que o instituto apresenta resultados mais rápidos e efetivos; 4 – escopo voltado essencialmente à prevenção de litígios e manutenção da execução contratual”.

Enquanto os demais métodos extrajudiciais de resolução de conflitos criam soluções impostas, sugeridas ou facilitadas para que o conflito possa se dissipar, os DBs já começam a atuar na prevenção de conflitos quando ainda nem existe qualquer reinvindicação formal delimitada, quiçá uma disputa.

O DB não existe para resguardar as pretensões individuais das partes, mas a boa execução do projeto.

DOMINGUES (2022, p. 28-29) reforça que não se está em busca de alcançar a conclusão perfeita, mas busca-se entregar a melhor conclusão possível, diante da premente necessidade de continuidade do projeto.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

Os DBs tiveram sua origem no setor de construção civil internacional, particularmente em grandes projetos de infraestrutura nos Estados Unidos e Reino Unido, onde eram utilizados como uma forma de mitigar riscos e garantir a continuidade dos projetos. O modelo foi introduzido na década de 1970, mas ganhou notoriedade com seu uso em projetos como o da Hidrelétrica de El Cajón, no México, e o Eurotúnel, entre o Reino Unido e a França.

No Brasil, a adoção dos DBs ainda é recente, mas tem ganhado espaço, especialmente em contratos de concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs):

“No Brasil, a evolução dos Dispute Boards acompanha a maturação dos contratos de infraestrutura, particularmente no âmbito das concessões e PPPs, onde a necessidade de uma gestão eficiente de conflitos é imperativa” (SOUZA, 2019, p. 73).

A Lei nº 13.448/17, que dispõe sobre a prorrogação e relicitação de contratos de parceria no âmbito da Administração Pública, menciona explicitamente a possibilidade de utilização dos DBs, demonstrando o reconhecimento legal deste mecanismo no ordenamento jurídico brasileiro.

Embora se trate de um mecanismo absolutamente consensual, percebe-se que grandes agentes financiadores têm imposto esse mecanismo para as empresas, governos e entidades que busquem financiabilidade para os seus projetos.

1.3 TIPOS DE DISPUTE BOARDS

1.3.1 Quanto ao caráter vinculante das decisões

Existem três principais tipos de DBs, cada um com características específicas e aplicáveis a diferentes contextos contratuais:

  1. Dispute Review Board (DRB): Funciona de forma preventiva, emitindo recomendações não vinculativas às partes. O DRB acompanha a execução do contrato desde o início, intervindo nas disputas à medida que surgem, mas suas decisões não obrigam as partes a seguir a recomendação. Possuem o binding effect apenas após transcorrido in albis o prazo de impugnação.

  2. Dispute Adjudication Board (DAB): Neste modelo, as decisões do comitê são vinculativas desde o início e devem ser cumpridas pelas partes, a menos que sejam contestadas judicialmente ou por arbitragem. O DAB é particularmente útil em contratos onde a celeridade e a segurança jurídica são essenciais.

Nesta função adjudicadora o DB acaba por desempenhar o que a doutrina anglo-saxã costuma denominar como rough justice, ou seja, “justiça grosseira” ou “justiça possível”, conforme conceito usado no desastre ambiental envolvendo a mineradora Samarco, na cidade de Mariana/MG (vide TRF2).

Significa que a “justiça possível” fornecida pelos DBs não impede que as partes busquem a “justiça perfeita” por meio de outras vias. Contudo, sob a ótica da Administração Pública e do interesse público, o andamento do projeto não será impactado.

  1. Combined Dispute Board (CDB): Combina as características do DRB e do DAB, podendo emitir tanto recomendações quanto decisões vinculativas, conforme estabelecido no contrato e dependendo da gravidade da disputa.

Assim, “os diferentes tipos de Dispute Boards permitem uma flexibilidade contratual que se adapta às necessidades específicas de cada projeto, oferecendo uma gama de soluções que vão desde recomendações até decisões vinculativas" (PEREIRA, 2021, p. 56).

1.3.2 Quanto ao momento de instalação

Existem dois principais tipos de momentos de constituição dos comitês de DBs:

  1. Standing DB ou Full-term DB: Os comitês são constituídos desde o início do projeto, instalando-se antes do início da execução das obras e atua mesmo após a sua conclusão. Nesse modelo os membros do comitê continuamente são abastecidos pelas partes com informações relevantes sobre a execução do contrato e progresso da obra, além de realizarem visitas rotineiras ao canteiro das obras. Há possibilidade de se fazer um julgamento mais célere e com mais qualidade.

  2. Ad hoc: Os comitês são constituídos após a instalação de alguma disputa formal entre as partes. Nesse modelo os membros do comitê se assemelham ao trabalho dos árbitros, que recebem um conflito já instalado, emitindo uma opinião técnica com base nas narrativas processuais. Costumam ter custos consideravelmente menores em relação aos full-term, contudo, acabam não sendo tão eficazes na missiva de atuação em tempo real, pecando em celeridade, na prevenção disputas e no evitamento de litígios, deixando, assim, de ser um instrumento de governança contratual.

1.3.3 Quanto ao número de membros

A forma mais comum de composição dos comitês é o modelo formado por três membros (cada parte indica um e os dois em conjunto indicam o terceiro).

A depender do projeto esse número pode ser até maior, agregando-se ao comitê profissionais com especialidades plúrimas. É certo que quanto mais membros, mais elevado são os custos de um DB.

Uma alternativa para uso em projetos menores seria a constituição de um comitê com apenas um membro, mas a imparcialidade e nível técnico devem ser ainda mais notórios, sob pena de suas deliberações gozarem de baixa credibilidade e aceitação.

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O ideal é que o painel seja composto por um número ímpar de membros.


2. DISPUTE BOARDS x ARBITRAGEM: DIFERENÇAS E COMPLEMENTARIEDADES

Embora os DBs e a arbitragem sejam mecanismos de resolução de conflitos alternativos ao Poder Judiciário, eles possuem características e finalidades distintas, o que os torna complementares em muitos contextos.

Tal qual a arbitragem, o DB é uma forma de heterocomposição, eis que terceiro(os) imparcial(ais) resolve(m) o litígio entre as partes. Ambos os institutos demandam imparcialidade, independência, alta capacidade técnica dos profissionais e previsão contratual expressa.

2.1 DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

Natureza Preventiva vs. Resolutiva: Os DBs são essencialmente preventivos. Eles acompanham a execução do contrato desde o início, com o objetivo de evitar que pequenas divergências se transformem em litígios mais complexos. Já a arbitragem é um meio resolutivo, acionado apenas após o surgimento de um conflito que as partes não conseguiram resolver por outros meios (ALMEIDA, 2018, p. 89).

Temporalidade: Enquanto os DBs atuam continuamente durante toda a vigência do contrato, a arbitragem é geralmente acionada em um momento específico, após o surgimento de uma controvérsia. Isso faz com que os DBs sejam mais ágeis na prevenção e na resolução de disputas que ocorrem durante a execução contratual.

Poder Decisório: As decisões do DBs são sempre passíveis de revisão, seja pela própria arbitragem, seja pelo Poder Judiciário. No modelo de Dispute Adjudication Board (DAB), as decisões são vinculativas, mas igualmente podem ser contestadas posteriormente, seja judicialmente ou por arbitragem. Na arbitragem, por sua vez, as decisões são finais e vinculativas, com limitadas possibilidades de recurso, salvo em casos de nulidade.

Custo e Tempo: Os DBs tendem a ser menos onerosos e mais rápidos, pois evitam o prolongamento dos conflitos e sua escalada para litígios formais. A arbitragem, embora também possa ser mais rápida que o processo judicial, tende a ser mais cara e demorada, dependendo da complexidade do caso.

Rito: O rito do DB faz uso de instrumentos de mediação e de negociação, enquanto que na arbitragem vigora a lógica adversarial, como regra.

2.2 COMPLEMENTARIEDADE ENTRE DISPUTE BOARDS E ARBITRAGEM

Apesar das diferenças, DBs e arbitragem podem ser complementares. Em muitos contratos complexos, as partes optam por utilizar DBs durante a execução do contrato para a resolução imediata de disputas, reservando a arbitragem para resolver conflitos mais complexos ou para contestar decisões dos DBs que uma das partes considere injustas ou inadequadas:

“A sinergia entre os Dispute Boards e a arbitragem é evidente na medida em que ambos os mecanismos se complementam, garantindo que as partes tenham à disposição soluções rápidas e técnicas para seus conflitos” (BARROS, 2020, p. 102).

Essa complementaridade permite que os DBs atuem como um filtro, reduzindo o número de disputas que precisam ser levadas à arbitragem, economizando tempo e recursos para ambas as partes.


3. APLICAÇÃO DOS DISPUTE BOARDS NOS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1 FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E RAZÕES PARA SUA UTILIZAÇÃO

O primeiro contrato de obra pública que previu a adoção do comitê ocorreu em 2004, com a construção da Linha Amarela do Metrô da Cidade de São Paulo/SP, por exigência do Banco Mundial (BIRD). Posteriormente foi estipulado na PPP para construção do Complexo Criminal Ribeirão das Neves, em Belo Horizonte/MG e em diversos contratos firmados para a construção ou reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014, além de diversos outros, inclusive para a infraestrutura relacionada aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 (DOMINGUES, 2022, p. 48-49).

A primeira experiência brasileira de adoção do DBs em contratos públicos foi fruto de uma exigência do BIRD, o que autorizou sua previsão contratual pelo Poder Público, com fundamento no § 5º, do art. 42, da Lei n. 8.666/931 . Nas concessões, extrai sua validade do art. 23-A, da Lei n. 8.987/952 (incluído pela Lei n. 11.196/05). Já em relação aos contratos de parcerias público-privadas, aponta-se o art. 11, inciso III, da Lei n. 11.079/043 . Nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário cita-se o art. 31, da Lei n. 13.448/174 .

Inexiste qualquer vedação para sua adoção nas normas que regem as contratações públicas. Tanto assim o é que o Conselho da Justiça Federal aprovou na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios três enunciados doutrinários5 que reforçam o cabimento da adoção dos comitês nos contratos administrativos.

Mesmo para modalidades contratuais que não possuam previsão legal expressa, a legalidade da estipulação de um DB decorre da legalidade do próprio contrato em si. Se o agente público possui competência para contratar, também possuirá competência para escolher se adota ou não, um DB, sem que isso implique em qualquer tipo de renúncia de jurisdição (DOMINGUES, 2022, p. 51).

Cabe o registro que a Lei n. 16.873/18 do Município de São Paulo foi, no Direito Brasileiro, a primeira que reconheceu e regulamentou a instalação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos continuados.

Como visto, a aplicação dos DBs em contratos administrativos no Brasil encontra suporte em diversos diplomas legais, incluindo a Lei nº 13.448/17, que regula a prorrogação e relicitação de contratos de parceria.

A Lei n. 14.133/21 veio sedimentar a possibilidade de utilização ampla do DB nos contratos administrativos, em dois dispositivos: arts. 138, II; 151 caput e parágrafo único 6 .

Denota-se que a legislação brasileira tem se mostrado progressivamente mais receptiva à adoção dos DBs nos contratos administrativos, reconhecendo sua eficácia na prevenção de litígios e na continuidade da execução contratual (FERREIRA, 2022, p. 87).

A razão para a utilização dos DBs pela Administração Pública está ligada à busca por eficiência e economia na execução contratual (manutenção do equilíbrio econômico-financeiro). Os DBs oferecem uma solução rápida e técnica para os conflitos, o que é essencial em contratos de grande vulto, onde atrasos podem gerar prejuízos significativos ao erário e à sociedade.

Relembre-se que o instituto é um instrumento de governança contratual, um verdadeiro “organismo vivo” de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro (DOMINGUES, 2022, p. 62).

Não é de hoje que o Brasil sofre com o grave tormento das obras públicas inacabadas. Segundo auditoria do TCU realizada em 2019 (Acórdão 17079), havia mais de 14.000 obras paralisadas no país, sendo que 10% estavam relacionados a problemas orçamentários/financeiros, enquanto 47% estariam relacionados a problemas técnicos e 12% ao abandono pela empresa (BRASIL, 2024).

3.2 PRÓS E CONTRAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os benefícios da utilização do DBs na Administração Pública são os seguintes:

a) Celeridade: Os DBs proporcionam uma solução rápida para conflitos, evitando atrasos na execução dos contratos.

b) Especialização: Os membros dos DBs são geralmente especialistas na matéria do contrato, o que aumenta a qualidade das decisões.

“A especialização dos membros do Dispute Board é um dos principais fatores que contribuem para a qualidade das decisões, garantindo que as disputas sejam resolvidas com base em critérios técnicos e não meramente jurídicos” (COSTA, 2019, p. 92).

c) Prevenção de Litígios: Ao resolver conflitos no seu nascedouro, os DBs evitam que disputas menores se transformem em litígios complexos.

Já os pontos negativos que se pode destacar são:

a) Custos: Embora mais baratos que a arbitragem, os DBs ainda representam um custo adicional que pode ser significativo em contratos menores. Se a relação custo-benefício é prejudicial, o instrumento não deverá ser adotado, ainda que haja viabilidade legal, uma vez que a Administração Pública está vinculada ao princípio da eficiência/economicidade.

b) Limitação de Competência: Em alguns casos, os DBs podem ser limitados em sua capacidade de resolver questões de maior complexidade, o que pode levar à judicialização posterior.

c) Desafios na Implementação: A aplicação dos DBs em contratos públicos pode enfrentar resistência, tanto por parte dos gestores quanto por limitações legais e regulamentares:

“A implementação dos Dispute Boards em contratos públicos, embora vantajosa, enfrenta desafios, especialmente em termos de aceitação pelos gestores e adaptação às normas jurídicas vigentes” (MELO, 2021, p. 110).

3.3 BALIZAS QUE ORIENTAM A ADOÇÃO DO DISPUTE BOARDS EM CONTRATOS PÚBLICOS

Não é o tipo de contrato que irá orientar a escolha pelo uso do DB.

A primeira baliza a ser apontada é o valor da contratação. Os custos com DB são expressivamente inferiores aos da arbitragem. O Dispute Resolution Board Foundation (DRBF) não indica que sejam formados comitês no formato padrão de 3 membros em projetos com custo de construção inferior a 10 milhões de dólares americanos. O Projeto de Lei 9.883/18, em seu art. 11, torna obrigatória a utilização do DB para contratos cujo valor seja superior a 50 milhões de reais7 .

Outra baliza é que o uso do instituto deve estar ligado a contratos continuados (que não se confunde com serviços e fornecimentos contínuos), ou seja, ligado a ideia de contratos de trato sucessivo ou execução continuada, previstos no art. 478, do Código Civil8 .

Outra característica a orientar o uso do DB é a complexidade e o grau de incertezas do objeto contratual. Embora possível, não se mostra recomendável utilizar o DB para contratos que tenham objeto simples e baixa imprevisibilidade das obrigações assumidas pelas partes (a exemplo de fornecimento de alimentos para todo o sistema carcerário de um estado ou licenciamento de uso de software). Diferente de uma construção de uma hidrelétrica, por exemplo, com alto nível de intervenção na natureza e de todas as consequências (imprevisíveis) daí decorrentes.

3.4 ANÁLISE DE CASOS E PRECEDENTES

A análise de casos e precedentes é essencial para entender a aplicação prática dos DBs e sua aceitação no contexto jurídico. O exame da jurisprudência e de decisões de tribunais e órgãos de controle pode fornecer insights sobre como os DBs são tratados em situações concretas e como suas decisões são revisadas ou questionadas.

Em diversos casos judiciais, os DBs foram abordados principalmente em relação ao cumprimento de suas decisões e à sua interação com outros mecanismos de resolução de disputas. No E. STJ existe um único precedente sobre Dispute Boards, mas que em sua essência não pode ser considerado como tal, na medida que previa que a decisão dos avaliadores seria final e definitiva (REsp 1.569.422/RJ).

O caso mais emblemático envolveu o Consórcio TC Linha 4 Amarela e o Metrô de São Paulo. Tratava-se de um DAB em que as partes se comprometeram a executar prontamente as suas decisões. Durante a execução contratual o comitê foi instado a se manifestar e o Metrô de São Paulo apresentou insurgência contra uma das decisões, que havia lhe imputado o pagamento proveniente da disposição de solo contaminado realizado pelo consórcio. Sem cumprir a decisão, o Metrô ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de obrigação c/c revisão de decisão de conselho de resolução de disputas, com pedido de liminar para sustar os efeitos da decisão prolatada pelo comitê (TJSP. Processo n. 1014265-98.2018.8.26.0053, 12 Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Capital).

Curiosamente o juízo de primeiro grau concedeu a liminar para sustar a decisão do comitê e postergou a análise da decisão judicial para depois da instrução. Ora, é justamente porque as decisões do comitê possuem conteúdo técnico e são emanadas por profissionais de alta qualificação, escolhidos pelas próprias partes, que se comprometeram a respeitá-las, que o fumus boni iuris milita em favor da manutenção da decisão do comitê – e não a sua suspensão. E o perigo de demora também recomenda que a decisão do comitê seja mantida, pois as partes só elegem esse mecanismo de resolução quando entendem que o cumprimento imediato das deliberações do comitê é vital para o sucesso do projeto.

Diante disso, em sede de recurso de agravo de instrumento, o E. TJSP cassou a decisão e concluiu, embora plenamente possível o deferimento de tutela de urgência para suspender os efeitos de decisões do DB, isso deve se dar em caráter de exceção, de modo que o acesso ao Judiciário não represente um simples inconformismo para deixar de cumprir a decisão técnica tomada conforme o contrato, o que desnaturaria o instituto.

Conforme acertadamente concluiu DOMINGUES (2022, p. 73) a decisão proferida pelo E. TJSP remete à ideia de Rough Justice, já apontada anteriormente.

O mesmo autor aponta:

“Esta decisão, plenamente válida diante da autonomia da vontade, deve ser respeitada e, mais que isso, protegida pela justiça estatal e arbitral, impedindo que o acesso à jurisdição seja utilizado como maneira oportunística e de má-fé. Relembra-se que o comitê é uma ‘criatura do contrato’, que existe para protegê-lo de interferências indevidas, mesmo que provocadas pelas próprias partes.

Ainda assim, em três hipóteses a intervenção judicial/arbitral precoce seria justificável: i) risco real de perecimento do direito; ii) sérios indícios de ausência de imparcialidade dos membros do comitê; ou iii) demonstração da ocorrência de nulidades insanáveis no procedimento decisório do comitê” (DOMINGUES, 2022, p. 73).

Após a cognição exauriente não haveria qualquer óbice de que a decisão do comitê fosse integralmente revisada, o que em nada desnatura o mecanismo, que, diferentemente da arbitragem, não se presta a estabelecer decisões definitivas e irrecorríveis. Mesmo nesses casos o contrato já estará, na maioria das vezes, cumprido e a discussão se limitará às questões indenizatórias. Há ganho para todas as partes, inclusive para o órgão julgador, visto que não se fará necessário enfrentar as nefastas consequências advindas da paralisação do contrato ao longo do processo.

Registra-se que embora os DBs não possuam jurisdição e suas decisões são desprovidas do enforcement de sentenças judiciais ou arbitrais, elas podem ser executadas na via judicial como títulos executivos extrajudiciais que são. O E. STJ possui firme entendimento de que o contrato administrativo possui natureza jurídica de título executivo9, por ser documento público, a teor do art. 784, II, do CPC10.

Órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Controladorias, também têm se deparado com questões envolvendo DBs, especialmente no que diz respeito à conformidade com as normas de contratação pública e à adequação dos processos. Em um precedente de 2020, o Tribunal de Contas da União apreciou a viabilidade de inclusão de cláusulas de DB em contratos administrativos, levantando preocupações sobre a transparência e a equidade no processo de seleção dos membros do DB:

“Contudo, externo minha preocupação quanto à ausência de regulamentação de questões essenciais ao seu funcionamento, como a experiência a ser exigida dos membros do comitê, o procedimento interno da Agência e a definição das situações concretas excepcionais e complexas.

Ainda que haja previsão na minuta de que os procedimentos para instauração e funcionamento do Comitê de Resolução de Conflitos deverão ser estabelecidos em comum acordo entre as partes, tenho que a matéria mereça um tratamento uniforme para todos os casos, sob pena de se promoverem indesejáveis diferenciações e questionamentos administrativos e judiciais intermináveis. Nesse sentido, ao tratar da autocomposição e da arbitragem, a própria ANTT regulamentou as condições de contorno desses institutos, ou seja, considerou insuficiente o vago art. 23-A da Lei 8.987/1995. [...].

Portanto, proponho determinar a inclusão, na minuta contratual, de dispositivo prevendo que o uso do dispute board só ocorrerá após sua regulamentação pela agência e que eventual omissão desta não conferirá quaisquer direitos subjetivos à concessionária” 11 .

Na mesma linha, extrai-se da doutrina:

A fiscalização por órgãos de controle tem enfatizado a necessidade de maior transparência e rigor na seleção dos membros dos Dispute Boards, para garantir a equidade e a conformidade com as normas de contratação pública” (ALMEIDA, 2022, p. 101).

Os casos e precedentes demonstram que, apesar da eficácia dos DBs na resolução de conflitos, a aplicação prática enfrenta desafios relacionados à transparência, imparcialidade e conformidade com a legislação. A jurisprudência e os precedentes destacam a importância de uma gestão adequada dos DBs para garantir sua aceitação e eficácia, o que implica em uma revisão contínua das práticas e procedimentos envolvidos (COSTA, 2023, p. 89).

Sobre o autor
Rafael Schreiber

Procurador do Município de Joinville (SC), MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, Especialista em Direito Público pela LFG, formado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB com habilitação em Direito Internacional. Advogado OAB/SC 21.750.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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