RESUMO: Este artigo examina o uso dos Dispute Boards (DBs) em contratos da Administração Pública no Brasil, destacando sua origem, espécies, comparação com a arbitragem e a relevância de sua aplicação. A problemática reside na necessidade de mecanismos eficazes para prevenir e resolver disputas em contratos complexos, especialmente em obras públicas. O objetivo do estudo é analisar as razões jurídicas para a adoção dos DBs, seus prós e contras, custos, consequências de descumprimentos e a responsabilização dos membros do comitê. A pesquisa adota uma metodologia bibliográfica e jurisprudencial, investigando doutrinas relevantes e casos concretos. Conclui-se que os Dispute Boards são uma ferramenta valiosa para a gestão de conflitos, oferecendo celeridade e especialização, apesar de desafios relacionados a custos e limitações de competência. A implementação adequada e o marco regulatório claro são essenciais para maximizar os benefícios deste mecanismo na Administração Pública.
PALAVRAS-CHAVE: Dispute Boards, Administração Pública, Contratos, Resolução de Disputas.
ABSTRACT: This article examines the use of Dispute Boards (DBs) in public administration contracts in Brazil, highlighting their origin, types, comparison with arbitration, and the importance of their application. The problem lies in the need for effective mechanisms to prevent and resolve disputes in complex contracts, especially in public works. The objective of the study is to analyze the legal reasons for adopting DBs, their pros and cons, costs, consequences of non-compliance, and the liability of committee members. The research adopts a bibliographical and jurisprudential methodology, investigating relevant doctrines and case law. It concludes that Dispute Boards are a valuable tool for conflict management, providing speed and specialization, despite challenges related to costs and jurisdictional limitations. Proper implementation and a clear regulatory framework are essential to maximize the benefits of this mechanism in Public Administration.
KEYWORDS: Dispute Boards, Public Administration, Contracts, Dispute Resolution.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Origem e características dos Dispute Boards (DBs). 1.1 Definição, finalidade e características. 1.2 Evolução histórica e aplicação no direito brasileiro. 1.3 Tipos de Dispute Boards. 1.3.1 Quanto ao caráter vinculante das decisões. 1.3.2 Quanto ao momento de instalação. 1.3.3 Quanto ao número de membros. 2. Dispute Boards x Arbitragem: diferenças e complementariedades. 2.1 Diferenças fundamentais. 2.2 Complementariedade entre Dispute Boards e Arbitragem. 3. Aplicação dos Dispute Boards nos contratos da administração pública. 3.1 Fundamentação jurídica e razões para sua utilização. 3.2 Prós e contras na Administração Pública. 3.3 Balizas que orientam a adoção do Dispute Boards em contratos públicos. 3.4 Análise de casos e precedentes. 4. Custos e eficácia econômica dos Dispute Boards. 5. Breves recomendações para estruturação da cláusula de Dispute Boards em contratos públicos. 6. Responsabilização dos membros do comitê. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O ambiente contratual da Administração Pública no Brasil, notadamente em contratos de grande complexidade como os de obras públicas e concessões, é marcado por muitos conflitos. Esses conflitos, quando não adequadamente geridos, podem resultar em paralisações de obras, aumento de custos e ineficiência na prestação dos serviços públicos. Diante dessa realidade, a busca por métodos eficazes de resolução de disputas tornou-se imperativa. Ou, por que não evitar as próprias disputas.
Entre as alternativas surgidas nas últimas décadas, os Dispute Boards (DBs) se destacam como um mecanismo inovador e preventivo, de governança contratual, projetado para prevenir conflitos de maneira contínua e colaborativa, evitando que pequenos desacordos se transformem em litígios complexos. Embora originalmente concebidos no contexto da construção civil internacional, os DBs têm sido cada vez mais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, inclusive na seara dos contratos administrativos.
Este artigo tem como objetivo explorar as características, a aplicabilidade e as limitações dos Dispute Boards nos contratos da Administração Pública brasileira. Será feita uma breve análise de sua origem, evolução e das diferenças em relação à arbitragem, bem como uma avaliação dos prós e contras de sua adoção em contratos públicos. Além disso, serão abordados os aspectos relacionados aos custos, consequências de descumprimentos, balizas, recomendações para a estruturação de cláusulas, responsabilização dos membros do comitê e os limites de sua atuação.
1. ORIGEM E CARACTERÍSTICAS DOS DISPUTE BOARDS (DBs)
1.1 DEFINIÇÃO, FINALIDADE E CARACTERÍSTICAS
Os Dispute Boards (DBs) são comitês compostos por profissionais independentes e especializados, contratados para acompanhar a execução de um contrato e resolver, de maneira preventiva e contínua, eventuais disputas que possam surgir ao longo da execução contratual:
“Os Dispute Boards foram idealizados para funcionar como um 'filtro' que impede que conflitos, ainda em sua fase inicial, escalem para litígios maiores, proporcionando, assim, uma resolução mais célere e econômica das disputas” (LIMA, 2020, p. 45).
A principal finalidade dos DBs é atuar como um mecanismo de gestão de conflitos que oferece soluções rápidas e técnicas, evitando que as partes precisem recorrer ao Judiciário ou à arbitragem para resolver disputas.
Possuem um escopo de atuação bem mais amplo do que um simples método extrajudicial de resolução de conflitos. Trata-se de um instrumento de governança contratual, que visa regular a execução do contrato dentro do prazo previsto, mitigando o risco de que as divergências naturais dos contratantes venham a gerar conflitos que impactem o cumprimento das obrigações contratuais (DOMINGUES, 2022, p. 23).
Igor Gimenes Alvarenga DOMINGUES (2022, p. 24) aponta 4 características do instituto:
“1 – contratualidade, na medida que só pode ser aplicado por expressa vontade dos contratantes, declarada no início do contrato ou após o surgimento da divergência; 2 – imparcialidade, independência e elevada capacidade técnica dos membros, sem as quais as decisões ou recomendações do comitê dificilmente seriam respeitadas pelas partes; 3 – perenidade, pois ainda que seja possível a formação de um comitê ad hoc, é através do acompanhamento integral da execução contratual, desde o seu início, que o instituto apresenta resultados mais rápidos e efetivos; 4 – escopo voltado essencialmente à prevenção de litígios e manutenção da execução contratual”.
Enquanto os demais métodos extrajudiciais de resolução de conflitos criam soluções impostas, sugeridas ou facilitadas para que o conflito possa se dissipar, os DBs já começam a atuar na prevenção de conflitos quando ainda nem existe qualquer reinvindicação formal delimitada, quiçá uma disputa.
O DB não existe para resguardar as pretensões individuais das partes, mas a boa execução do projeto.
DOMINGUES (2022, p. 28-29) reforça que não se está em busca de alcançar a conclusão perfeita, mas busca-se entregar a melhor conclusão possível, diante da premente necessidade de continuidade do projeto.
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Os DBs tiveram sua origem no setor de construção civil internacional, particularmente em grandes projetos de infraestrutura nos Estados Unidos e Reino Unido, onde eram utilizados como uma forma de mitigar riscos e garantir a continuidade dos projetos. O modelo foi introduzido na década de 1970, mas ganhou notoriedade com seu uso em projetos como o da Hidrelétrica de El Cajón, no México, e o Eurotúnel, entre o Reino Unido e a França.
No Brasil, a adoção dos DBs ainda é recente, mas tem ganhado espaço, especialmente em contratos de concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs):
“No Brasil, a evolução dos Dispute Boards acompanha a maturação dos contratos de infraestrutura, particularmente no âmbito das concessões e PPPs, onde a necessidade de uma gestão eficiente de conflitos é imperativa” (SOUZA, 2019, p. 73).
A Lei nº 13.448/17, que dispõe sobre a prorrogação e relicitação de contratos de parceria no âmbito da Administração Pública, menciona explicitamente a possibilidade de utilização dos DBs, demonstrando o reconhecimento legal deste mecanismo no ordenamento jurídico brasileiro.
Embora se trate de um mecanismo absolutamente consensual, percebe-se que grandes agentes financiadores têm imposto esse mecanismo para as empresas, governos e entidades que busquem financiabilidade para os seus projetos.
1.3 TIPOS DE DISPUTE BOARDS
1.3.1 Quanto ao caráter vinculante das decisões
Existem três principais tipos de DBs, cada um com características específicas e aplicáveis a diferentes contextos contratuais:
Dispute Review Board (DRB): Funciona de forma preventiva, emitindo recomendações não vinculativas às partes. O DRB acompanha a execução do contrato desde o início, intervindo nas disputas à medida que surgem, mas suas decisões não obrigam as partes a seguir a recomendação. Possuem o binding effect apenas após transcorrido in albis o prazo de impugnação.
Dispute Adjudication Board (DAB): Neste modelo, as decisões do comitê são vinculativas desde o início e devem ser cumpridas pelas partes, a menos que sejam contestadas judicialmente ou por arbitragem. O DAB é particularmente útil em contratos onde a celeridade e a segurança jurídica são essenciais.
Nesta função adjudicadora o DB acaba por desempenhar o que a doutrina anglo-saxã costuma denominar como rough justice, ou seja, “justiça grosseira” ou “justiça possível”, conforme conceito usado no desastre ambiental envolvendo a mineradora Samarco, na cidade de Mariana/MG (vide TRF2).
Significa que a “justiça possível” fornecida pelos DBs não impede que as partes busquem a “justiça perfeita” por meio de outras vias. Contudo, sob a ótica da Administração Pública e do interesse público, o andamento do projeto não será impactado.
Combined Dispute Board (CDB): Combina as características do DRB e do DAB, podendo emitir tanto recomendações quanto decisões vinculativas, conforme estabelecido no contrato e dependendo da gravidade da disputa.
Assim, “os diferentes tipos de Dispute Boards permitem uma flexibilidade contratual que se adapta às necessidades específicas de cada projeto, oferecendo uma gama de soluções que vão desde recomendações até decisões vinculativas" (PEREIRA, 2021, p. 56).
1.3.2 Quanto ao momento de instalação
Existem dois principais tipos de momentos de constituição dos comitês de DBs:
Standing DB ou Full-term DB: Os comitês são constituídos desde o início do projeto, instalando-se antes do início da execução das obras e atua mesmo após a sua conclusão. Nesse modelo os membros do comitê continuamente são abastecidos pelas partes com informações relevantes sobre a execução do contrato e progresso da obra, além de realizarem visitas rotineiras ao canteiro das obras. Há possibilidade de se fazer um julgamento mais célere e com mais qualidade.
Ad hoc: Os comitês são constituídos após a instalação de alguma disputa formal entre as partes. Nesse modelo os membros do comitê se assemelham ao trabalho dos árbitros, que recebem um conflito já instalado, emitindo uma opinião técnica com base nas narrativas processuais. Costumam ter custos consideravelmente menores em relação aos full-term, contudo, acabam não sendo tão eficazes na missiva de atuação em tempo real, pecando em celeridade, na prevenção disputas e no evitamento de litígios, deixando, assim, de ser um instrumento de governança contratual.
1.3.3 Quanto ao número de membros
A forma mais comum de composição dos comitês é o modelo formado por três membros (cada parte indica um e os dois em conjunto indicam o terceiro).
A depender do projeto esse número pode ser até maior, agregando-se ao comitê profissionais com especialidades plúrimas. É certo que quanto mais membros, mais elevado são os custos de um DB.
Uma alternativa para uso em projetos menores seria a constituição de um comitê com apenas um membro, mas a imparcialidade e nível técnico devem ser ainda mais notórios, sob pena de suas deliberações gozarem de baixa credibilidade e aceitação.
O ideal é que o painel seja composto por um número ímpar de membros.
2. DISPUTE BOARDS x ARBITRAGEM: DIFERENÇAS E COMPLEMENTARIEDADES
Embora os DBs e a arbitragem sejam mecanismos de resolução de conflitos alternativos ao Poder Judiciário, eles possuem características e finalidades distintas, o que os torna complementares em muitos contextos.
Tal qual a arbitragem, o DB é uma forma de heterocomposição, eis que terceiro(os) imparcial(ais) resolve(m) o litígio entre as partes. Ambos os institutos demandam imparcialidade, independência, alta capacidade técnica dos profissionais e previsão contratual expressa.
2.1 DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS
Natureza Preventiva vs. Resolutiva: Os DBs são essencialmente preventivos. Eles acompanham a execução do contrato desde o início, com o objetivo de evitar que pequenas divergências se transformem em litígios mais complexos. Já a arbitragem é um meio resolutivo, acionado apenas após o surgimento de um conflito que as partes não conseguiram resolver por outros meios (ALMEIDA, 2018, p. 89).
Temporalidade: Enquanto os DBs atuam continuamente durante toda a vigência do contrato, a arbitragem é geralmente acionada em um momento específico, após o surgimento de uma controvérsia. Isso faz com que os DBs sejam mais ágeis na prevenção e na resolução de disputas que ocorrem durante a execução contratual.
Poder Decisório: As decisões do DBs são sempre passíveis de revisão, seja pela própria arbitragem, seja pelo Poder Judiciário. No modelo de Dispute Adjudication Board (DAB), as decisões são vinculativas, mas igualmente podem ser contestadas posteriormente, seja judicialmente ou por arbitragem. Na arbitragem, por sua vez, as decisões são finais e vinculativas, com limitadas possibilidades de recurso, salvo em casos de nulidade.
Custo e Tempo: Os DBs tendem a ser menos onerosos e mais rápidos, pois evitam o prolongamento dos conflitos e sua escalada para litígios formais. A arbitragem, embora também possa ser mais rápida que o processo judicial, tende a ser mais cara e demorada, dependendo da complexidade do caso.
Rito: O rito do DB faz uso de instrumentos de mediação e de negociação, enquanto que na arbitragem vigora a lógica adversarial, como regra.
2.2 COMPLEMENTARIEDADE ENTRE DISPUTE BOARDS E ARBITRAGEM
Apesar das diferenças, DBs e arbitragem podem ser complementares. Em muitos contratos complexos, as partes optam por utilizar DBs durante a execução do contrato para a resolução imediata de disputas, reservando a arbitragem para resolver conflitos mais complexos ou para contestar decisões dos DBs que uma das partes considere injustas ou inadequadas:
“A sinergia entre os Dispute Boards e a arbitragem é evidente na medida em que ambos os mecanismos se complementam, garantindo que as partes tenham à disposição soluções rápidas e técnicas para seus conflitos” (BARROS, 2020, p. 102).
Essa complementaridade permite que os DBs atuem como um filtro, reduzindo o número de disputas que precisam ser levadas à arbitragem, economizando tempo e recursos para ambas as partes.
3. APLICAÇÃO DOS DISPUTE BOARDS NOS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
3.1 FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E RAZÕES PARA SUA UTILIZAÇÃO
O primeiro contrato de obra pública que previu a adoção do comitê ocorreu em 2004, com a construção da Linha Amarela do Metrô da Cidade de São Paulo/SP, por exigência do Banco Mundial (BIRD). Posteriormente foi estipulado na PPP para construção do Complexo Criminal Ribeirão das Neves, em Belo Horizonte/MG e em diversos contratos firmados para a construção ou reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014, além de diversos outros, inclusive para a infraestrutura relacionada aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 (DOMINGUES, 2022, p. 48-49).
A primeira experiência brasileira de adoção do DBs em contratos públicos foi fruto de uma exigência do BIRD, o que autorizou sua previsão contratual pelo Poder Público, com fundamento no § 5º, do art. 42, da Lei n. 8.666/931. Nas concessões, extrai sua validade do art. 23-A, da Lei n. 8.987/952 (incluído pela Lei n. 11.196/05). Já em relação aos contratos de parcerias público-privadas, aponta-se o art. 11, inciso III, da Lei n. 11.079/043. Nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário cita-se o art. 31, da Lei n. 13.448/174.
Inexiste qualquer vedação para sua adoção nas normas que regem as contratações públicas. Tanto assim o é que o Conselho da Justiça Federal aprovou na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios três enunciados doutrinários5 que reforçam o cabimento da adoção dos comitês nos contratos administrativos.
Mesmo para modalidades contratuais que não possuam previsão legal expressa, a legalidade da estipulação de um DB decorre da legalidade do próprio contrato em si. Se o agente público possui competência para contratar, também possuirá competência para escolher se adota ou não, um DB, sem que isso implique em qualquer tipo de renúncia de jurisdição (DOMINGUES, 2022, p. 51).
Cabe o registro que a Lei n. 16.873/18 do Município de São Paulo foi, no Direito Brasileiro, a primeira que reconheceu e regulamentou a instalação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos continuados.
Como visto, a aplicação dos DBs em contratos administrativos no Brasil encontra suporte em diversos diplomas legais, incluindo a Lei nº 13.448/17, que regula a prorrogação e relicitação de contratos de parceria.
A Lei n. 14.133/21 veio sedimentar a possibilidade de utilização ampla do DB nos contratos administrativos, em dois dispositivos: arts. 138, II; 151 caput e parágrafo único6.
Denota-se que a legislação brasileira tem se mostrado progressivamente mais receptiva à adoção dos DBs nos contratos administrativos, reconhecendo sua eficácia na prevenção de litígios e na continuidade da execução contratual (FERREIRA, 2022, p. 87).
A razão para a utilização dos DBs pela Administração Pública está ligada à busca por eficiência e economia na execução contratual (manutenção do equilíbrio econômico-financeiro). Os DBs oferecem uma solução rápida e técnica para os conflitos, o que é essencial em contratos de grande vulto, onde atrasos podem gerar prejuízos significativos ao erário e à sociedade.
Relembre-se que o instituto é um instrumento de governança contratual, um verdadeiro “organismo vivo” de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro (DOMINGUES, 2022, p. 62).
Não é de hoje que o Brasil sofre com o grave tormento das obras públicas inacabadas. Segundo auditoria do TCU realizada em 2019 (Acórdão 17079), havia mais de 14.000 obras paralisadas no país, sendo que 10% estavam relacionados a problemas orçamentários/financeiros, enquanto 47% estariam relacionados a problemas técnicos e 12% ao abandono pela empresa (BRASIL, 2024).
3.2 PRÓS E CONTRAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Os benefícios da utilização do DBs na Administração Pública são os seguintes:
a) Celeridade: Os DBs proporcionam uma solução rápida para conflitos, evitando atrasos na execução dos contratos.
b) Especialização: Os membros dos DBs são geralmente especialistas na matéria do contrato, o que aumenta a qualidade das decisões.
“A especialização dos membros do Dispute Board é um dos principais fatores que contribuem para a qualidade das decisões, garantindo que as disputas sejam resolvidas com base em critérios técnicos e não meramente jurídicos” (COSTA, 2019, p. 92).
c) Prevenção de Litígios: Ao resolver conflitos no seu nascedouro, os DBs evitam que disputas menores se transformem em litígios complexos.
Já os pontos negativos que se pode destacar são:
a) Custos: Embora mais baratos que a arbitragem, os DBs ainda representam um custo adicional que pode ser significativo em contratos menores. Se a relação custo-benefício é prejudicial, o instrumento não deverá ser adotado, ainda que haja viabilidade legal, uma vez que a Administração Pública está vinculada ao princípio da eficiência/economicidade.
b) Limitação de Competência: Em alguns casos, os DBs podem ser limitados em sua capacidade de resolver questões de maior complexidade, o que pode levar à judicialização posterior.
c) Desafios na Implementação: A aplicação dos DBs em contratos públicos pode enfrentar resistência, tanto por parte dos gestores quanto por limitações legais e regulamentares:
“A implementação dos Dispute Boards em contratos públicos, embora vantajosa, enfrenta desafios, especialmente em termos de aceitação pelos gestores e adaptação às normas jurídicas vigentes” (MELO, 2021, p. 110).
3.3 BALIZAS QUE ORIENTAM A ADOÇÃO DO DISPUTE BOARDS EM CONTRATOS PÚBLICOS
Não é o tipo de contrato que irá orientar a escolha pelo uso do DB.
A primeira baliza a ser apontada é o valor da contratação. Os custos com DB são expressivamente inferiores aos da arbitragem. O Dispute Resolution Board Foundation (DRBF) não indica que sejam formados comitês no formato padrão de 3 membros em projetos com custo de construção inferior a 10 milhões de dólares americanos. O Projeto de Lei 9.883/18, em seu art. 11, torna obrigatória a utilização do DB para contratos cujo valor seja superior a 50 milhões de reais7.
Outra baliza é que o uso do instituto deve estar ligado a contratos continuados (que não se confunde com serviços e fornecimentos contínuos), ou seja, ligado a ideia de contratos de trato sucessivo ou execução continuada, previstos no art. 478, do Código Civil8.
Outra característica a orientar o uso do DB é a complexidade e o grau de incertezas do objeto contratual. Embora possível, não se mostra recomendável utilizar o DB para contratos que tenham objeto simples e baixa imprevisibilidade das obrigações assumidas pelas partes (a exemplo de fornecimento de alimentos para todo o sistema carcerário de um estado ou licenciamento de uso de software). Diferente de uma construção de uma hidrelétrica, por exemplo, com alto nível de intervenção na natureza e de todas as consequências (imprevisíveis) daí decorrentes.
3.4 ANÁLISE DE CASOS E PRECEDENTES
A análise de casos e precedentes é essencial para entender a aplicação prática dos DBs e sua aceitação no contexto jurídico. O exame da jurisprudência e de decisões de tribunais e órgãos de controle pode fornecer insights sobre como os DBs são tratados em situações concretas e como suas decisões são revisadas ou questionadas.
Em diversos casos judiciais, os DBs foram abordados principalmente em relação ao cumprimento de suas decisões e à sua interação com outros mecanismos de resolução de disputas. No E. STJ existe um único precedente sobre Dispute Boards, mas que em sua essência não pode ser considerado como tal, na medida que previa que a decisão dos avaliadores seria final e definitiva (REsp 1.569.422/RJ).
O caso mais emblemático envolveu o Consórcio TC Linha 4 Amarela e o Metrô de São Paulo. Tratava-se de um DAB em que as partes se comprometeram a executar prontamente as suas decisões. Durante a execução contratual o comitê foi instado a se manifestar e o Metrô de São Paulo apresentou insurgência contra uma das decisões, que havia lhe imputado o pagamento proveniente da disposição de solo contaminado realizado pelo consórcio. Sem cumprir a decisão, o Metrô ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de obrigação c/c revisão de decisão de conselho de resolução de disputas, com pedido de liminar para sustar os efeitos da decisão prolatada pelo comitê (TJSP. Processo n. 1014265-98.2018.8.26.0053, 12 Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Capital).
Curiosamente o juízo de primeiro grau concedeu a liminar para sustar a decisão do comitê e postergou a análise da decisão judicial para depois da instrução. Ora, é justamente porque as decisões do comitê possuem conteúdo técnico e são emanadas por profissionais de alta qualificação, escolhidos pelas próprias partes, que se comprometeram a respeitá-las, que o fumus boni iuris milita em favor da manutenção da decisão do comitê – e não a sua suspensão. E o perigo de demora também recomenda que a decisão do comitê seja mantida, pois as partes só elegem esse mecanismo de resolução quando entendem que o cumprimento imediato das deliberações do comitê é vital para o sucesso do projeto.
Diante disso, em sede de recurso de agravo de instrumento, o E. TJSP cassou a decisão e concluiu, embora plenamente possível o deferimento de tutela de urgência para suspender os efeitos de decisões do DB, isso deve se dar em caráter de exceção, de modo que o acesso ao Judiciário não represente um simples inconformismo para deixar de cumprir a decisão técnica tomada conforme o contrato, o que desnaturaria o instituto.
Conforme acertadamente concluiu DOMINGUES (2022, p. 73) a decisão proferida pelo E. TJSP remete à ideia de Rough Justice, já apontada anteriormente.
O mesmo autor aponta:
“Esta decisão, plenamente válida diante da autonomia da vontade, deve ser respeitada e, mais que isso, protegida pela justiça estatal e arbitral, impedindo que o acesso à jurisdição seja utilizado como maneira oportunística e de má-fé. Relembra-se que o comitê é uma ‘criatura do contrato’, que existe para protegê-lo de interferências indevidas, mesmo que provocadas pelas próprias partes.
Ainda assim, em três hipóteses a intervenção judicial/arbitral precoce seria justificável: i) risco real de perecimento do direito; ii) sérios indícios de ausência de imparcialidade dos membros do comitê; ou iii) demonstração da ocorrência de nulidades insanáveis no procedimento decisório do comitê” (DOMINGUES, 2022, p. 73).
Após a cognição exauriente não haveria qualquer óbice de que a decisão do comitê fosse integralmente revisada, o que em nada desnatura o mecanismo, que, diferentemente da arbitragem, não se presta a estabelecer decisões definitivas e irrecorríveis. Mesmo nesses casos o contrato já estará, na maioria das vezes, cumprido e a discussão se limitará às questões indenizatórias. Há ganho para todas as partes, inclusive para o órgão julgador, visto que não se fará necessário enfrentar as nefastas consequências advindas da paralisação do contrato ao longo do processo.
Registra-se que embora os DBs não possuam jurisdição e suas decisões são desprovidas do enforcement de sentenças judiciais ou arbitrais, elas podem ser executadas na via judicial como títulos executivos extrajudiciais que são. O E. STJ possui firme entendimento de que o contrato administrativo possui natureza jurídica de título executivo9, por ser documento público, a teor do art. 784, II, do CPC10.
Órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Controladorias, também têm se deparado com questões envolvendo DBs, especialmente no que diz respeito à conformidade com as normas de contratação pública e à adequação dos processos. Em um precedente de 2020, o Tribunal de Contas da União apreciou a viabilidade de inclusão de cláusulas de DB em contratos administrativos, levantando preocupações sobre a transparência e a equidade no processo de seleção dos membros do DB:
“Contudo, externo minha preocupação quanto à ausência de regulamentação de questões essenciais ao seu funcionamento, como a experiência a ser exigida dos membros do comitê, o procedimento interno da Agência e a definição das situações concretas excepcionais e complexas.
Ainda que haja previsão na minuta de que os procedimentos para instauração e funcionamento do Comitê de Resolução de Conflitos deverão ser estabelecidos em comum acordo entre as partes, tenho que a matéria mereça um tratamento uniforme para todos os casos, sob pena de se promoverem indesejáveis diferenciações e questionamentos administrativos e judiciais intermináveis. Nesse sentido, ao tratar da autocomposição e da arbitragem, a própria ANTT regulamentou as condições de contorno desses institutos, ou seja, considerou insuficiente o vago art. 23-A da Lei 8.987/1995. [...].
Portanto, proponho determinar a inclusão, na minuta contratual, de dispositivo prevendo que o uso do dispute board só ocorrerá após sua regulamentação pela agência e que eventual omissão desta não conferirá quaisquer direitos subjetivos à concessionária”11.
Na mesma linha, extrai-se da doutrina:
“A fiscalização por órgãos de controle tem enfatizado a necessidade de maior transparência e rigor na seleção dos membros dos Dispute Boards, para garantir a equidade e a conformidade com as normas de contratação pública” (ALMEIDA, 2022, p. 101).
Os casos e precedentes demonstram que, apesar da eficácia dos DBs na resolução de conflitos, a aplicação prática enfrenta desafios relacionados à transparência, imparcialidade e conformidade com a legislação. A jurisprudência e os precedentes destacam a importância de uma gestão adequada dos DBs para garantir sua aceitação e eficácia, o que implica em uma revisão contínua das práticas e procedimentos envolvidos (COSTA, 2023, p. 89).
4. CUSTOS E EFICÁCIA ECONÔMICA DOS DISPUTE BOARDS
A análise dos custos e da eficácia econômica dos DBs é fundamental para entender por que este mecanismo tem ganhado espaço, especialmente em contratos de grande vulto. A prevenção de litígios, o acompanhamento contínuo e as decisões técnicas dos DBs contribuem para uma execução contratual mais eficiente, reduzindo atrasos e custos adicionais que poderiam advir de disputas prolongadas.
Os custos relacionados aos DBs geralmente incluem honorários dos membros do comitê, despesas administrativas e eventuais custos de viagens e reuniões. Embora esses custos sejam significativos, especialmente em projetos menores, eles são frequentemente compensados pela prevenção de litígios maiores e pela manutenção da continuidade dos projetos. Nesse sentido:
“Embora os custos dos Dispute Boards possam parecer elevados em um primeiro momento, eles são frequentemente justificados pela redução de litígios e pela maior celeridade na resolução de disputas” (SANTOS, 2019, p. 67).
Os principais benefícios econômicos dos DBs incluem a redução de custos associados a paralisações de obras, a diminuição de litígios que podem se estender por anos no Judiciário, e a maior previsibilidade na execução contratual:
“Os Dispute Boards se destacam por sua capacidade de reduzir custos ao prevenir a escalada de conflitos e ao assegurar a continuidade dos projetos, resultando em uma maior eficiência econômica” (SOUZA, 2020, p. 93).
Esses fatores contribuem para uma execução mais eficiente dos contratos, com menor risco de aditivos contratuais e aumentos de custos imprevistos.
5. BREVES RECOMENDAÇÕES PARA ESTRUTURAÇÃO DA CLÁUSULA DE DISPUTE BOARDS EM CONTRATOS PÚBLICOS
A eficácia dos DBs também depende de como são tratados os descumprimentos de suas decisões e a responsabilização dos membros do comitê. Esses aspectos são cruciais para garantir a legitimidade e a confiança das partes no processo.
Quando uma das partes descumpre as decisões de um DB, as consequências podem variar desde a aplicação de penalidades contratuais até a instauração de procedimentos arbitrais ou judiciais para compelir o cumprimento. No caso de contratos com a Administração Pública, o descumprimento pode ainda acarretar a imposição de sanções administrativas, além da eventual responsabilização do gestor público envolvido:
“O descumprimento das decisões dos Dispute Boards pode levar a graves consequências, especialmente em contratos públicos, onde a não observância pode resultar em sanções administrativas e na judicialização do conflito” (OLIVEIRA, 2021, p. 115).
As sugestões de caráter propositivas adiante elencadas foram extraídas da obra de Igor Gimenes Alvarenga DOMINGUES (2022, p. 83-109), que apontou 6 etapas a serem seguidas, a fim de se evitar, quanto possível, cláusulas inadequadas ou incompletas.
Importante que gestores e advogados públicos entendam os limites, possibilidades e consequências de cada opção adotada, de modo a escolher aquela que melhor se amolda às características do contrato, sabendo-se que inexiste um modelo perfeito e ideal.
Etapa 1 – Formato do Comitê: A primeira decisão é estabelecer se será utilizado o formato permanente (full-term) ou ad hoc, que impacta diretamente na forma de atuação do comitê e nos seus custos.
Etapa 2 – Tipo de Comitê quanto ao caráter vinculante das decisões: A segunda decisão a ser tomada é verificar se as decisões terão caráter vinculante ou não, podendo ser DRB, DAB ou CDB. Reforça-se que as recomendações não vinculantes irão trazer pouca segurança jurídica aos gestores públicos em relação à pagamentos (CHERN, 2015, p. 8).
A escolha do tipo de Comitê afetará diretamente o nível de risco do contrato. A simples possibilidade de que as decisões sejam vinculantes já serve de importante incentivo para o cumprimento voluntário de simples recomendações ou mesmo orientações informais que venham a ser emitidas pelo comitê.
Recomendável que esse tipo seja escolhido de forma prévia à contratação, quando ainda inexiste qualquer divergência entre as partes.
Etapa 3 – Número de membros e critérios de escolha e substituição: O número de membros do comitê impacta diretamente nos custos de seu funcionamento. A opção de um DB com membro único deve muito bem ser refletida em contratos públicos. Se o contrato não possui volume financeiro que justifique a contratação de um DB com 3 membros, provavelmente é um caso em que o DB não deveria nem ser anotado. Como a escolha de membro único deve ser conjunta entre as partes, pode-se questionar uma quebra no sistema de compliance e integridade da Administração Pública.
Dentre as características dos profissionais que usualmente são apontadas como fundamentais para o bom desenvolvimento dos trabalhos destaca-se o elevado nível técnico, experiência comprovada na área objeto do contrato, reputação ilibada e disponibilidade ao projeto. Recomenda-se que o contrato preveja o mais detalhadamente possível os atributos mínimos exigidos dos membros e a sistemática de sua escolha. Ao menos um membro deveria ter formação jurídica, visto que ainda que indiretamente, haverá a interpretação de cláusulas contratuais e normas de ordem pública, podendo, inclusive, ser o seu presidente. Como inexiste hierarquia entre os membros do comitê, as funções de um presidente equivalem mais à de um secretário, que redige atas, organiza documentos, convoca reuniões, minuta decisões e deliberações etc – mais afetas à expertise de um membro com formação jurídica.
Importante que o contrato estabeleça o prazo e forma para que a outra parte apresente eventual recusa injustificada e que aponte quem irá julgar essa impugnação.
Recomenda-se a não participação de servidores e empregados públicos do entre contratante no comitê, visto que seria tão ilegítimo quanto seria designar um árbitro ou perito judicial nessas condições, já que não se trata de um mecanismo de autocomposição.
Também que contenha regras claras de prazos e procedimentos a serem seguidos em caso de eventual substituição de membros do comitê, inclusive prazo de mandato fixo, com trocas alternadas, em caso de contratos de longa duração, ou a constituição de comitês diferentes para cada ciclo de investimentos. O contrato deve prever, ainda, se o comitê poderá continuar a executar suas funções com número incompleto ou se terá que parar toda e qualquer atividade à espera da recomposição do quadro.
Por fim, se não for prevista a administração do DB por nenhuma câmara, será necessário a assinatura de um contrato tripartite com as partes, em que serão formalizadas as obrigações dos membros e das partes, remuneração, reembolso de despesas, prazos de duração do vínculo, hipóteses de rescisão, dentre outros aspectos.
Etapa 4 – Tipos de controvérsias que poderão ser submetidas ao DB: Na ausência de uma lei nacional específica sobre o mecanismo, há de ser adotado um primeiro filtro objetivo das matérias que podem ser submetidas ao DB, equivalente ao que se observa para a arbitragem (direitos patrimoniais disponíveis) e na mediação (direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação), conforme art. 3º, da Lei 13.140/1512.
Colaciona-se um exemplo sugerido pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos, na Nota Técnica n. 4/2019/STR13:
“1.6. São passíveis de serem submetidas ao Comitê de Prevenção e Resolução de Divergências as divergências que envolvam direitos patrimoniais disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação, ainda que exijam interpretação do Contrato, nas seguintes matérias:
Equilíbrio econômico-financeiro do Contrato;
Execução de serviços e obras e sua adequação aos parâmetros exigidos pela regulação e pelo Contrato; e
Avaliação de ativos e de indenizações”.
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Etapa 5 – Administração do DB por câmaras e instituições especializadas: Embora não seja obrigatório que a cláusula de DB indique regras ou regulamentos externos para utilização suplementar, é recomendável, assim como na arbitragem, que o faça. Se não fizer, o contrato deverá estabelecer de forma minudente todo o regramento a ser aplicado, o que pode importar em uma cláusula excessivamente extensa e, por vezes, confusa.
Pode-se optar, inclusive, pelos regulamentos de organismos internacionais, como a CCI14 ou CIArb15.
É sempre adequado estabelecer que, em caso de eventual conflito entre o contrato e o regulamento, deverá prevalecer o contrato, evitando-se ambiguidades ou mesmo alterações posteriores do regulamento que impactem no que fora contratado.
Como há diferença de valores cobrados por cada câmara o gestor deve justificar de forma transparente e objetiva a opção de determinada câmara em detrimento de outra. Em princípio não há submissão à licitação, eis que a hipótese se enquadra na hipótese de inexigibilidade de licitação (art. 154, da Lei n. 14.133/21).
As câmaras podem prestar serviços mais simples de secretaria até serviços mais complexos, como a nomeação de membros em caso de omissão de alguma parte ou mesmo o julgamento de impugnações a membros indicados por questões relacionadas à imparcialidade.
O grande problema é o orçamentário, na medida em que é impossível prever antecipadamente quando surgirão disputas e qual será seu impacto econômico do litígio. A solução usual que tem sido dada é transferir ao contratado a obrigação de antecipar todos os custos de qualquer demanda, mesmo daquelas que foram instauradas por inciativa exclusiva do ente público, com posterior restituição se houver sucumbência. É nesse sentido que dispõe o art. 9º, do Decreto 10.025/1916.
Em sendo adotado o formato permanente, os custos de funcionamento do comitê, salvo em casos excepcionais, devem ser tidos como um custo do contrato. Se a opção for pelo comitê ad hoc recomenda-se que o contrato estabeleça que os custos devem ser antecipados pela parte quer requereu a instauração do comitê, bem como que a parte sucumbente deverá ressarcir a parte que eventualmente tiver antecipado os custos.
Etapa 6 – Consequências do descumprimento de decisões: É natural que a parte descontente com a decisão possua resistência em cumpri-la. Sendo assim, é recomendável que o contrato preveja consequência que desestimulem este comportamento, tais como multas específicas, possibilidade de rescisão contratual, obrigação da parte sucumbente comprovar o cumprimento da decisão para que possa formular novo pleito ao comitê etc.
É de extrema relevância que o contrato estabeleça expressamente a possibilidade de execução das decisões do comitê no foro adequado. Tratando-se de contratos públicos, a forma de pagamento decorrente de decisão por parte do ente público deve estar muito claramente definida, já que as decisões não possuem natureza de sentença judiciária, tampouco são consideradas como decisões condenatórias definitivas. Na verdade, as decisões complementam o próprio contrato, de modo que cumprir a sua decisão representa o simples adimplemento de uma obrigação contratual (por meio, logicamente, de previsão orçamentária prévia17), razão pela qual o regime de pagamento por precatórios não se aplica ao caso.
É possível que o contrato estabeleça um valor ou percentual limite, abaixo do qual a Administração realizará o pagamento de imediato. Já os pagamentos de maior monta deverão ser incluídos no próximo ano-orçamentário.
Finaliza-se com o registro de que as garantias contratuais não devem levantadas, o que assegurará o ressarcimento da Administração, acaso futuramente reste vencedora de eventual lide decorrente de sua insurgência contra uma deliberação de um DB.
6. RESPONSABILIZAÇÃO DOS MEMBROS DO COMITÊ
Os membros dos DBs têm a responsabilidade de agir com imparcialidade, competência técnica e diligência. Por analogia ao art. 13, § 6º, da Lei de Arbitrage18, os membros devem atuar com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição/confidencialidade. O descumprimento dessas obrigações pode levar à responsabilização civil dos membros, especialmente se suas decisões forem comprovadamente arbitrárias, negligentes ou desprovidas de fundamentação técnica:
“A responsabilidade dos membros dos Dispute Boards é diretamente proporcional à confiança que as partes depositam no comitê. Qualquer desvio de conduta pode resultar em sua responsabilização civil e até mesmo em ações indenizatórias” (FERNANDES, 2020, p. 122).
Como a responsabilização baseada em analogia sempre terá elevado potencial de discussão, além da ausência de legislação específica, devem os deveres e obrigações dos membros dos DBs estar detalhadamente descritos no contrato tripartite, de modo a gerar maior segurança jurídica.
Superada essa fase, a quebra de algum desse dever poderá acarretar a responsabilidade civil, que será subjetiva, ou seja, caberá a parte comprovar a culpa do profissional.
A reforma da decisão do comitê pela via arbitral ou judicial, via de regra, não configura qualquer hipótese de responsabilização, salvo comprovado erro ou culpa grave de todo o comitê ou de um de seus membros.
Também não se pode dizer que os membros dos comitês exerçam cargo, emprego ou função pública, nos termos do art. 327, do Código Penal19, apesar de se tratar de um contrato público. Isso porque não é admissível interpretação ampliativa do conceito de função pública, em prejuízo do réu.
CONCLUSÃO
Os Dispute Boards representam um avanço significativo na administração de conflitos em contratos de grande porte, oferecendo uma alternativa eficiente e proativa na prevenção de litígios, além de poder ser um instrumento de governança contratual. Sua aplicação nos contratos da Administração Pública brasileira, embora relativamente recente, já demonstra potencial para melhorar a execução contratual e minimizar os impactos negativos de disputas não resolvidas de maneira célere. Sua capacidade de prevenir litígios, aliada à especialização técnica de seus membros, faz com que este mecanismo seja cada vez mais adotado no Brasil.
No entanto, a adoção dos DBs deve ser feita com cautela, observando os limites legais e a necessidade de adequação às peculiaridades dos contratos públicos. A comparação com a arbitragem revela que, enquanto esta última oferece uma resolução mais definitiva, os DBs trazem a vantagem de soluções contínuas e menos onerosas, com a possibilidade de evitar que os conflitos escalem para litígios mais complexos.
A análise de casos judiciais e de decisões de órgãos de controle indica que, apesar dos desafios, a integração dos DBs ao ordenamento jurídico brasileiro tem sido vista com bons olhos, desde que respeitados os princípios da legalidade, economicidade e eficiência. A responsabilização dos membros do comitê, os limites de sua atuação e a possibilidade de intervenção judicial ou arbitral são aspectos críticos que ainda precisam de maior clareza e uniformidade na jurisprudência.
A rapidez com que ocorre a resolução dos conflitos também é destacada, contrapondo-se à conhecida morosidade da justiça estatal e até mesmo à demora que se experimenta em muitos procedimentos arbitrais. Os custos são expressivamente inferiores aos da arbitragem. O DB é uma “criatura do contrato”, que serve ao contrato, e não a qualquer parte em específico. Não tem a capacidade nem a pretensão de substituir os demais métodos de resolução de conflitos, dispondo apenas como mais uma ferramenta.
Por fim, conclui-se que os Dispute Boards são uma ferramenta valiosa para a Administração Pública, desde que sua implementação seja acompanhada de um rigoroso controle de legalidade e de práticas que garantam sua eficácia e legitimidade. O sucesso dos DBs nos contratos públicos dependerá, em última instância, da capacidade dos agentes públicos e privados de utilizá-los de forma estratégica e responsável, alinhando-se aos objetivos de interesse público.
Defesa do interesse público não é sinônimo de litigiosidade. Pagar menos não necessariamente é pagar melhor. Agentes públicos não são os únicos ungidos capazes de promover o real interesse público.
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