Dispute boards nos contratos da administração pública

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08/01/2025 às 15:15
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4. CUSTOS E EFICÁCIA ECONÔMICA DOS DISPUTE BOARDS

A análise dos custos e da eficácia econômica dos DBs é fundamental para entender por que este mecanismo tem ganhado espaço, especialmente em contratos de grande vulto. A prevenção de litígios, o acompanhamento contínuo e as decisões técnicas dos DBs contribuem para uma execução contratual mais eficiente, reduzindo atrasos e custos adicionais que poderiam advir de disputas prolongadas.

Os custos relacionados aos DBs geralmente incluem honorários dos membros do comitê, despesas administrativas e eventuais custos de viagens e reuniões. Embora esses custos sejam significativos, especialmente em projetos menores, eles são frequentemente compensados pela prevenção de litígios maiores e pela manutenção da continuidade dos projetos. Nesse sentido:

“Embora os custos dos Dispute Boards possam parecer elevados em um primeiro momento, eles são frequentemente justificados pela redução de litígios e pela maior celeridade na resolução de disputas” (SANTOS, 2019, p. 67).

Os principais benefícios econômicos dos DBs incluem a redução de custos associados a paralisações de obras, a diminuição de litígios que podem se estender por anos no Judiciário, e a maior previsibilidade na execução contratual:

“Os Dispute Boards se destacam por sua capacidade de reduzir custos ao prevenir a escalada de conflitos e ao assegurar a continuidade dos projetos, resultando em uma maior eficiência econômica” (SOUZA, 2020, p. 93).

Esses fatores contribuem para uma execução mais eficiente dos contratos, com menor risco de aditivos contratuais e aumentos de custos imprevistos.


5. BREVES RECOMENDAÇÕES PARA ESTRUTURAÇÃO DA CLÁUSULA DE DISPUTE BOARDS EM CONTRATOS PÚBLICOS

A eficácia dos DBs também depende de como são tratados os descumprimentos de suas decisões e a responsabilização dos membros do comitê. Esses aspectos são cruciais para garantir a legitimidade e a confiança das partes no processo.

Quando uma das partes descumpre as decisões de um DB, as consequências podem variar desde a aplicação de penalidades contratuais até a instauração de procedimentos arbitrais ou judiciais para compelir o cumprimento. No caso de contratos com a Administração Pública, o descumprimento pode ainda acarretar a imposição de sanções administrativas, além da eventual responsabilização do gestor público envolvido:

“O descumprimento das decisões dos Dispute Boards pode levar a graves consequências, especialmente em contratos públicos, onde a não observância pode resultar em sanções administrativas e na judicialização do conflito” (OLIVEIRA, 2021, p. 115).

As sugestões de caráter propositivas adiante elencadas foram extraídas da obra de Igor Gimenes Alvarenga DOMINGUES (2022, p. 83-109), que apontou 6 etapas a serem seguidas, a fim de se evitar, quanto possível, cláusulas inadequadas ou incompletas.

Importante que gestores e advogados públicos entendam os limites, possibilidades e consequências de cada opção adotada, de modo a escolher aquela que melhor se amolda às características do contrato, sabendo-se que inexiste um modelo perfeito e ideal.

  1. Etapa 1 – Formato do Comitê: A primeira decisão é estabelecer se será utilizado o formato permanente (full-term) ou ad hoc, que impacta diretamente na forma de atuação do comitê e nos seus custos.

  2. Etapa 2 – Tipo de Comitê quanto ao caráter vinculante das decisões: A segunda decisão a ser tomada é verificar se as decisões terão caráter vinculante ou não, podendo ser DRB, DAB ou CDB. Reforça-se que as recomendações não vinculantes irão trazer pouca segurança jurídica aos gestores públicos em relação à pagamentos (CHERN, 2015, p. 8).

A escolha do tipo de Comitê afetará diretamente o nível de risco do contrato. A simples possibilidade de que as decisões sejam vinculantes já serve de importante incentivo para o cumprimento voluntário de simples recomendações ou mesmo orientações informais que venham a ser emitidas pelo comitê.

Recomendável que esse tipo seja escolhido de forma prévia à contratação, quando ainda inexiste qualquer divergência entre as partes.

  1. Etapa 3 – Número de membros e critérios de escolha e substituição: O número de membros do comitê impacta diretamente nos custos de seu funcionamento. A opção de um DB com membro único deve muito bem ser refletida em contratos públicos. Se o contrato não possui volume financeiro que justifique a contratação de um DB com 3 membros, provavelmente é um caso em que o DB não deveria nem ser anotado. Como a escolha de membro único deve ser conjunta entre as partes, pode-se questionar uma quebra no sistema de compliance e integridade da Administração Pública.

Dentre as características dos profissionais que usualmente são apontadas como fundamentais para o bom desenvolvimento dos trabalhos destaca-se o elevado nível técnico, experiência comprovada na área objeto do contrato, reputação ilibada e disponibilidade ao projeto. Recomenda-se que o contrato preveja o mais detalhadamente possível os atributos mínimos exigidos dos membros e a sistemática de sua escolha. Ao menos um membro deveria ter formação jurídica, visto que ainda que indiretamente, haverá a interpretação de cláusulas contratuais e normas de ordem pública, podendo, inclusive, ser o seu presidente. Como inexiste hierarquia entre os membros do comitê, as funções de um presidente equivalem mais à de um secretário, que redige atas, organiza documentos, convoca reuniões, minuta decisões e deliberações etc – mais afetas à expertise de um membro com formação jurídica.

Importante que o contrato estabeleça o prazo e forma para que a outra parte apresente eventual recusa injustificada e que aponte quem irá julgar essa impugnação.

Recomenda-se a não participação de servidores e empregados públicos do entre contratante no comitê, visto que seria tão ilegítimo quanto seria designar um árbitro ou perito judicial nessas condições, já que não se trata de um mecanismo de autocomposição.

Também que contenha regras claras de prazos e procedimentos a serem seguidos em caso de eventual substituição de membros do comitê, inclusive prazo de mandato fixo, com trocas alternadas, em caso de contratos de longa duração, ou a constituição de comitês diferentes para cada ciclo de investimentos. O contrato deve prever, ainda, se o comitê poderá continuar a executar suas funções com número incompleto ou se terá que parar toda e qualquer atividade à espera da recomposição do quadro.

Por fim, se não for prevista a administração do DB por nenhuma câmara, será necessário a assinatura de um contrato tripartite com as partes, em que serão formalizadas as obrigações dos membros e das partes, remuneração, reembolso de despesas, prazos de duração do vínculo, hipóteses de rescisão, dentre outros aspectos.

  1. Etapa 4 – Tipos de controvérsias que poderão ser submetidas ao DB: Na ausência de uma lei nacional específica sobre o mecanismo, há de ser adotado um primeiro filtro objetivo das matérias que podem ser submetidas ao DB, equivalente ao que se observa para a arbitragem (direitos patrimoniais disponíveis) e na mediação (direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação), conforme art. 3º, da Lei 13.140/1512 .

Colaciona-se um exemplo sugerido pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos, na Nota Técnica n. 4/2019/STR13 :

“1.6. São passíveis de serem submetidas ao Comitê de Prevenção e Resolução de Divergências as divergências que envolvam direitos patrimoniais disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação, ainda que exijam interpretação do Contrato, nas seguintes matérias:

  1. Equilíbrio econômico-financeiro do Contrato;

  2. Execução de serviços e obras e sua adequação aos parâmetros exigidos pela regulação e pelo Contrato; e

  3. Avaliação de ativos e de indenizações”.

  1. Etapa 5 – Administração do DB por câmaras e instituições especializadas: Embora não seja obrigatório que a cláusula de DB indique regras ou regulamentos externos para utilização suplementar, é recomendável, assim como na arbitragem, que o faça. Se não fizer, o contrato deverá estabelecer de forma minudente todo o regramento a ser aplicado, o que pode importar em uma cláusula excessivamente extensa e, por vezes, confusa.

Pode-se optar, inclusive, pelos regulamentos de organismos internacionais, como a CCI14 ou CIArb15 .

É sempre adequado estabelecer que, em caso de eventual conflito entre o contrato e o regulamento, deverá prevalecer o contrato, evitando-se ambiguidades ou mesmo alterações posteriores do regulamento que impactem no que fora contratado.

Como há diferença de valores cobrados por cada câmara o gestor deve justificar de forma transparente e objetiva a opção de determinada câmara em detrimento de outra. Em princípio não há submissão à licitação, eis que a hipótese se enquadra na hipótese de inexigibilidade de licitação (art. 154, da Lei n. 14.133/21).

As câmaras podem prestar serviços mais simples de secretaria até serviços mais complexos, como a nomeação de membros em caso de omissão de alguma parte ou mesmo o julgamento de impugnações a membros indicados por questões relacionadas à imparcialidade.

O grande problema é o orçamentário, na medida em que é impossível prever antecipadamente quando surgirão disputas e qual será seu impacto econômico do litígio. A solução usual que tem sido dada é transferir ao contratado a obrigação de antecipar todos os custos de qualquer demanda, mesmo daquelas que foram instauradas por inciativa exclusiva do ente público, com posterior restituição se houver sucumbência. É nesse sentido que dispõe o art. 9º, do Decreto 10.025/1916 .

Em sendo adotado o formato permanente, os custos de funcionamento do comitê, salvo em casos excepcionais, devem ser tidos como um custo do contrato. Se a opção for pelo comitê ad hoc recomenda-se que o contrato estabeleça que os custos devem ser antecipados pela parte quer requereu a instauração do comitê, bem como que a parte sucumbente deverá ressarcir a parte que eventualmente tiver antecipado os custos.

  1. Etapa 6 – Consequências do descumprimento de decisões: É natural que a parte descontente com a decisão possua resistência em cumpri-la. Sendo assim, é recomendável que o contrato preveja consequência que desestimulem este comportamento, tais como multas específicas, possibilidade de rescisão contratual, obrigação da parte sucumbente comprovar o cumprimento da decisão para que possa formular novo pleito ao comitê etc.

É de extrema relevância que o contrato estabeleça expressamente a possibilidade de execução das decisões do comitê no foro adequado. Tratando-se de contratos públicos, a forma de pagamento decorrente de decisão por parte do ente público deve estar muito claramente definida, já que as decisões não possuem natureza de sentença judiciária, tampouco são consideradas como decisões condenatórias definitivas. Na verdade, as decisões complementam o próprio contrato, de modo que cumprir a sua decisão representa o simples adimplemento de uma obrigação contratual (por meio, logicamente, de previsão orçamentária prévia17), razão pela qual o regime de pagamento por precatórios não se aplica ao caso.

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É possível que o contrato estabeleça um valor ou percentual limite, abaixo do qual a Administração realizará o pagamento de imediato. Já os pagamentos de maior monta deverão ser incluídos no próximo ano-orçamentário.

Finaliza-se com o registro de que as garantias contratuais não devem levantadas, o que assegurará o ressarcimento da Administração, acaso futuramente reste vencedora de eventual lide decorrente de sua insurgência contra uma deliberação de um DB.


6. RESPONSABILIZAÇÃO DOS MEMBROS DO COMITÊ

Os membros dos DBs têm a responsabilidade de agir com imparcialidade, competência técnica e diligência. Por analogia ao art. 13, § 6º, da Lei de Arbitrage18, os membros devem atuar com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição/confidencialidade. O descumprimento dessas obrigações pode levar à responsabilização civil dos membros, especialmente se suas decisões forem comprovadamente arbitrárias, negligentes ou desprovidas de fundamentação técnica:

“A responsabilidade dos membros dos Dispute Boards é diretamente proporcional à confiança que as partes depositam no comitê. Qualquer desvio de conduta pode resultar em sua responsabilização civil e até mesmo em ações indenizatórias” (FERNANDES, 2020, p. 122).

Como a responsabilização baseada em analogia sempre terá elevado potencial de discussão, além da ausência de legislação específica, devem os deveres e obrigações dos membros dos DBs estar detalhadamente descritos no contrato tripartite, de modo a gerar maior segurança jurídica.

Superada essa fase, a quebra de algum desse dever poderá acarretar a responsabilidade civil, que será subjetiva, ou seja, caberá a parte comprovar a culpa do profissional.

A reforma da decisão do comitê pela via arbitral ou judicial, via de regra, não configura qualquer hipótese de responsabilização, salvo comprovado erro ou culpa grave de todo o comitê ou de um de seus membros.

Também não se pode dizer que os membros dos comitês exerçam cargo, emprego ou função pública, nos termos do art. 327, do Código Penal19, apesar de se tratar de um contrato público. Isso porque não é admissível interpretação ampliativa do conceito de função pública, em prejuízo do réu.


CONCLUSÃO

Os Dispute Boards representam um avanço significativo na administração de conflitos em contratos de grande porte, oferecendo uma alternativa eficiente e proativa na prevenção de litígios, além de poder ser um instrumento de governança contratual. Sua aplicação nos contratos da Administração Pública brasileira, embora relativamente recente, já demonstra potencial para melhorar a execução contratual e minimizar os impactos negativos de disputas não resolvidas de maneira célere. Sua capacidade de prevenir litígios, aliada à especialização técnica de seus membros, faz com que este mecanismo seja cada vez mais adotado no Brasil.

No entanto, a adoção dos DBs deve ser feita com cautela, observando os limites legais e a necessidade de adequação às peculiaridades dos contratos públicos. A comparação com a arbitragem revela que, enquanto esta última oferece uma resolução mais definitiva, os DBs trazem a vantagem de soluções contínuas e menos onerosas, com a possibilidade de evitar que os conflitos escalem para litígios mais complexos.

A análise de casos judiciais e de decisões de órgãos de controle indica que, apesar dos desafios, a integração dos DBs ao ordenamento jurídico brasileiro tem sido vista com bons olhos, desde que respeitados os princípios da legalidade, economicidade e eficiência. A responsabilização dos membros do comitê, os limites de sua atuação e a possibilidade de intervenção judicial ou arbitral são aspectos críticos que ainda precisam de maior clareza e uniformidade na jurisprudência.

A rapidez com que ocorre a resolução dos conflitos também é destacada, contrapondo-se à conhecida morosidade da justiça estatal e até mesmo à demora que se experimenta em muitos procedimentos arbitrais. Os custos são expressivamente inferiores aos da arbitragem. O DB é uma “criatura do contrato”, que serve ao contrato, e não a qualquer parte em específico. Não tem a capacidade nem a pretensão de substituir os demais métodos de resolução de conflitos, dispondo apenas como mais uma ferramenta.

Por fim, conclui-se que os Dispute Boards são uma ferramenta valiosa para a Administração Pública, desde que sua implementação seja acompanhada de um rigoroso controle de legalidade e de práticas que garantam sua eficácia e legitimidade. O sucesso dos DBs nos contratos públicos dependerá, em última instância, da capacidade dos agentes públicos e privados de utilizá-los de forma estratégica e responsável, alinhando-se aos objetivos de interesse público.

Defesa do interesse público não é sinônimo de litigiosidade. Pagar menos não necessariamente é pagar melhor. Agentes públicos não são os únicos ungidos capazes de promover o real interesse público.

Sobre o autor
Rafael Schreiber

Procurador do Município de Joinville (SC), MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, Especialista em Direito Público pela LFG, formado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB com habilitação em Direito Internacional. Advogado OAB/SC 21.750.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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