Termo de ajustamento de conduta no Direito administrativo - disciplinar da polícia civil de São Paulo.

Exibindo página 3 de 4
15/01/2025 às 12:26
Leia nesta página:

10-E A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA SINDICÂNCIA?

A Suspensão Condicional da Sindicância, prevista inicialmente no artigo 267 – A, “in fine”, da Lei 10.261/68 como uma das modalidades de práticas autocompositivas e regulada pelos artigos 267 – N a 267 - P do mesmo diploma não encontra tratamento nem na Portaria DGP 2/2023 nem na Portaria CGPC 1/2023, assim como na Lei Complementar 207/79.

Dessa forma, a única prática autocompositiva aplicável à Polícia Civil é o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC. Não existe previsão de Suspensão Condicional da Sindicância no âmbito policial civil.

Haveria aí eventual infração à isonomia ou igualdade com relação aos demais funcionários públicos?

Nosso entendimento é o de que não há violação à isonomia ou igualdade, considerando que a atividade e os cargos policiais civis são dotados de autoridade e peculiaridades que permitem justificar um tratamento mais rigoroso sob o ponto de vista administrativo – disciplinar.


11-ALGUNS ASPECTOS DESTACÁVEIS DA LEI 10.261/68 QUE NÃO FORAM MELHOR APONTADOS NO DECORRER DO TEXTO

11.1-AS FIGURAS DO FACILITADOR DE JUSTIÇA RESTAURATIVA OU MEDIADOR

No artigo 267 – B, inciso I, da Lei 10.261/68 é determinado que as sessões de autocomposição sejam conduzidas por “facilitador de justiça restaurativa” ou “mediador” devidamente capacitados, em ambiente adequado que resguarde a privacidade dos participantes e a confidencialidade de suas manifestações.

Quanto ao ambiente certamente é possível desde logo providenciar o mesmo procedimento nas unidades corregedoras.

No entanto, as normativas da Polícia Civil não preveem as figuras do “facilitador de justiça restaurativa” e do “mediador”. Tudo fica concentrado na Autoridade Policial Corregedora Presidente da Apuração Preliminar.

Infelizmente, é algo muito corriqueiro na Administração Pública que se criem funções, obrigações etc. e não sejam ofertados os meios humanos e materiais necessários para um bom desempenho.

No caso específico, concentrando-se no Delegado Corregedor todas as funções da justiça restaurativa, há que evitar simplesmente jogar o funcionário (Delegado) numa atividade para a qual não possui formação específica. Seria interessante que a Academia de Polícia do Estado de São Paulo, em suas unidades, ofertasse cursos de capacitação de técnicas de negociação e mediação voltadas para a justiça restaurativa, talvez inicialmente com obrigatoriedade para as Autoridades Policiais e demais servidores lotados nas Corregedorias e Equipes Corregedoras. Ainda numa primeira fase, seria importante incluir na grade curricular de todos os cursos de formação técnica profissional essas matérias, especificamente voltadas para a autocomposição na seara administrativa. Em fase posterior, seria importante ofertar reciclagem para todos os Delegados de Polícia que não tiveram tal formação originalmente e que podem, eventualmente, ocupar cargos correcionais.

11.2-DA VOLUNTARIEDADE E DO IMPEDIMENTO DE DANOS

O mesmo artigo 267 – B ora em destaque, agora em seu inciso II determina que a participação do funcionário nas práticas autocompositivas deverá ser “voluntária”, bem como que sua recusa não pode ser considerada em seu prejuízo.

Como já havíamos destacado linhas volvidas, exige-se “voluntariedade” do funcionário, não sendo necessária a “espontaneidade”. Por outro lado, não é possível admitir que o funcionário seja de qualquer maneira induzido ou coagido a participar de composição restaurativa. Por isso, sua recusa deve realmente ser livre, com plena ciência de que não sofrerá nenhum prejuízo em razão de sua negativa em participar de autocomposição, o que é um direito pessoal seu e não configura recalcitrância, insolência ou rebeldia.

11.3-DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE PRÁTICAS AUTOCOMPOSITIVAS

O § 1º., do artigo 267 – B, da Lei 10.261/68 arrola as várias espécies de práticas autocompositivas aplicáveis à negociação, em rol exemplificativo.

São algumas menções casuísticas:

a)A mediação: método de autocomposição alternativo e colaborativo para a resolução de conflitos, no seio do qual as partes, com vontade autônoma, procuram identificar e solver o conflito por meio de diálogo e cooperação. Sua alternatividade, não significa que seja algo secundário, mas um caminho diferente dos mais usuais que são de caráter conflitivo. É colaborativo, na medida em que contribui de forma relevante para a redução de demandas, reservando a atuação dos órgãos ligados ao processo (judicial ou administrativo) somente para os casos irresolúveis consensualmente, seja por sua gravidade, algo grau conflitivo, complexidade ou relutância das partes. 10

b)A conciliação: é uma prática autocompositiva que se constitui da solução de conflitos por intermédio de um acerto consensual entre os envolvidos. A conciliação é uma espécie de técnica de autocomposição, que também abrange a mediação. Nesta técnica autocompositiva surge um terceiro interventor chamado de conciliador. Cabe a ele mediar e conduzir o processo e, diversamente de um mediador, pode propor às partes eventuais soluções para o conflito. Estas, por sua vez, são dotadas da faculdade, oriunda do princípio da autonomia de vontade, de discordar e não aceitar as soluções propostas pelo conciliador. 11

c)Os processos circulares: são um método de organização dialogal, reflexão e de possibilidade de estabelecimento conjunto de planos de atuação. Essa metodologia foi concebida a partir de vários princípios operativos. A principal influência para a adoção dessa metodologia foi o feitio e os preceitos reguladores das reuniões tribais de nativos norte-americanos do Canadá e dos Estados Unidos. Há nessa técnica um elemento muito destacado de comunitarismo na solução de conflitos. 12

O dispositivo comentado é encerrado, após os casuísmos, com uma fórmula genérica que lhe confere a condição de “numerus apertus”: “outras técnicas de justiça restaurativa”.

11.4-DO ENCAMINHAMENTO ALTERNATIVO OU CONCORRENTE PARA PRÁTICAS AUTOCOMPOSITIVAS

Neste ponto é importante destacar uma diferença entre o trato das técnicas autocompositivas no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo e nas normativas administrativas especiais da Polícia Civil.

A Lei 10.261/68, em seu artigo 267 – C, §§ 1º. e 2º., permite o encaminhamento para práticas autocompositivas de forma “alternativa” ou “concorrente”. Assim também, autorizam as normas enfocadas a aplicação de autocomposição em procedimentos administrativos acusatórios (com potencial punitivo disciplinar), tais como a Sindicância e o Processo Administrativo.

Já no âmbito da Polícia Civil, as regras estabelecidas pelas Portarias DGP 2/2023 e CGPC 1/2023 são bem mais restritivas.

Em primeiro lugar não há espaço para a opção de “concorrência” entre a solução consensual do TAC e o seguimento de Sindicância ou Processo Administrativo. Como já visto neste trabalho, na Polícia Civil, o TAC somente é aplicável na fase de Apuração Preliminar, portanto antecedente à Sindicância ou Processo Administrativo. Tomada a decisão de encaminhamento para a proposta de TAC, a via eleita (consensual ou conflitiva) será exclusiva, não concorrente. Ou seja, na Polícia Civil somente é admitida a via consensual de forma alternativa e nunca concorrente. Mesmo no caso de descumprimento e revogação do TAC ou de insucesso das negociações, o que acontece não é a concorrência, mas a retomada do andamento da Apuração Preliminar e a adoção, se for o caso, de procedimento punitivo disciplinar. Não existe previsão de concomitância entre TAC e Sindicância ou Processo Administrativo.

Ademais, como também já visto neste texto, não há na Polícia Civil previsão legal ou regulamentar para a “Suspensão Condicional da Sindicância”. O formato adotado pela Polícia Civil é aquele em que na fase apuratória inicial, enquanto ainda não se estabelece acusação alguma, é possível a solução consensual. Mas, quando instaurado um feito acusatório, finda a tempestividade e a adequabilidade da única técnica autocompositiva prevista (TAC).

11.5-DA INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 267 – D, § 2º., DA LEI 10.261/68 À POLÍCIA CIVIL

Consta do artigo 267 – D, § 2º., do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, o seguinte:

“Nos casos em que o cumprimento do acordo restaurativo não ensejar a extinção da punibilidade, tal acordo deverá ser considerado pela autoridade competente para mitigação da sanção, objetivando sempre a melhor solução para o serviço público”.

Essa previsão de uma espécie de potencial atenuante no âmbito da Lei 10.261/68 para os casos de acordo restaurativo que não gere extinção de punibilidade se dá para situações em que o referido acordo foi entabulado em “concorrência” com Sindicância ou Processo Administrativo e, “ab initio”, já não ensejaria o efeito de extinção de punibilidade, ainda que devidamente cumprido.

Não se trata, obviamente, de caso de descumprimento do acordo. Nessas situações realmente a extinção de punibilidade não se operará, mas nenhum benefício pode derivar disso. É princípio geral do Direito que ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza (“nemo auditur propriam turpitudinem allegans”).

Então, é evidente que se trata de situação em que o acordo é cumprido, mas há Sindicância ou Processo Administrativo concomitante e, quando de sua decisão, o desvelo do funcionário no cumprimento do acordo deve ser levado em conta como uma espécie de atenuante.

Isso pode se transplantar para a Polícia Civil? Não, é impossível.

Como já observado, não existe possibilidade de adoção concorrente na Polícia Civil de solução consensual e conflitiva. Como o TAC somente é possível na Polícia Civil na fase de Apuração Preliminar e não havendo procedimento acusatório, após seu entabulamento só há duas hipóteses: ou é cumprido e gera extinção da punibilidade, ou é descumprido e o servidor responde pela falta no devido processo administrativo. Note-se que a única maneira em que o acordo na Polícia Civil não enseja a extinção de punibilidade, diversamente do que ocorre na Lei 10.261/68, é a hipótese de descumprimento, a qual não pode jamais gerar qualquer benefício para o agente.

11.6-DO COMETIMENTO DE NOVA FALTA FUNCIONAL DURANTE O PRAZO DE CUMPRIMENTO DO AJUSTE

O artigo 267 – L da Lei 10.261/68 estabelece que o cometimento de nova falta funcional durante o tempo de cumprimento do ajuste pode levar à revogação do TAC.

Esse regramento, a nosso entender, pode ser aplicado também para o TAC na Polícia Civil.

Quando da celebração do ajuste, há o requisito de que o compromissário não tenha sindicância ou processo disciplinar em curso (artigo 14, V, da Portaria CGPC 1/2023). Mas, uma circunstância é a de que no momento da celebração não responda o funcionário por outra falta; outra diferente é a de que após a celebração, venha então a responder por falta subsequente. Nessa situação há que observar os artigos 267 – L e 267 -E da Lei 10.261/68 em combinação com o artigo 16, I, da Portaria CGPC respectiva. Conclui-se então que é obrigação do compromissário ajustar sua conduta aos deveres e proibições previstos nas normas legais e regulamentares. Por obviedade que a reiteração em faltas funcionais é um claro e evidente indicativo de que não houve tal ajustamento, motivo mais que suficiente para a revogação do acordo.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Pode haver alegação de inconstitucionalidade com relação a esse proceder, acenando-se com a Presunção de Inocência, já que o mero cometimento, em tese, de falta funcional, ainda não apurada e punida regularmente, pode ser considerado como uma espécie de presunção de culpabilidade. No entanto, não se trata de impor penalidade ao funcionário pela falta sem o devido processo legal, mas constatar que seu envolvimento, ainda que em tese, em novas infrações não é compatível com a via alternativa do ajustamento de conduta, quando não se trata de juízo exauriente de coisa alguma.


12-CONCLUSÃO

Neste trabalho estudamos as normas regentes do Termo de Ajustamento de Conduta na Polícia Civil, enquanto metodologia de Justiça Restaurativa e Autocompositiva, mais precisamente as Portarias DGP 2/203 e CGPC 1/2023, em suas correlações com a Lei Estadual 10.261/68 e com a Lei Complementar Estadual 207/79.

A administração da Polícia Civil procedeu a um salto de eficácia e celeridade, bem como de modernização em seu âmbito disciplinar pela adoção de um novo modelo consensual de resolução de conflitos, tendo como paradigma a experiência já firmada do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo.

Não houve um transplante puro e simples das normas gerais dos funcionários estaduais para a Polícia Civil, mas uma adaptação, considerando as peculiaridades da atividade policial.

Resta agora um caminho prático a ser desenvolvido no dia a dia das atividades correcionais, objetivando em especial, os interesses do bom funcionamento da administração pública.


13-REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Sâmia Saad Gallotti, SOUZA, William de (orgs.). Apostila para facilitadores de processos circulares do NUPIA – MPPR. Curitiba: Escola Superior do MPPR, 2020.

CALDAS, Carla. A mediação como método autocompositivo eficaz na solução de conflitos. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-mediacao-como-metodo-autocompositivo-eficaz-na-solucao-de-conflitos/606803117 , acesso em 14.01.2025.

COMO fazer memória de cálculo judicial: entenda sua importância e como apresentar uma defesa efetiva. Disponível em https://www.calculojudicialonline.com.br/memoria-de-calculo-judicial

COSTA, José Armando da. Incidência Aparente de Infrações Disciplinares. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

FACHINI, Tiago. Autocomposição: o que é, forma e bases legais. Disponível em https://www.projuris.com.br/blog/autocomposicao/

FOGAGNOLO, Cezar Augusto. Breves apontamentos sobre o procedimento de anos ao erário causados por servidor público no Estado de São Paulo e outras considerações. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/breves-apontamentos-sobre-o-procedimento-de-ressarcimento-de-danos-ao-erario-causado-por-servidor-publico-no-estado-de-sao-paulo-e-outras-consideracoes/2156885180 , acesso em 13.01.2025.

JACCOUD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa. In: SLAKMON C. R. , DE VITTO, R., GOMES PINTO, R. (orgs.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça/ PNUD, 2005.

PALLAMOLLA, Raffaella da Porciúncula. Justiça Restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: IBCCrim, 2009.

ROCHA, Charles dos Santos Cabral. A superação da Súmula Vinculante 5 pelo advento do parágrafo 2º. – A da Lei 8.906/94. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/367703/a-superacao-da-sumula-vinculante-5-pelo-advento-do-paragrafo-2-a , acesso em 13.01.2025.

Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos