Resumo: Este texto analisa as cifras negras e a falência múltipla do Estado, a partir de um fato concreto ocorrido na cidade de Contagem/MG.
Palavras-chave: cifras negras; falência; Estado; criminologia; Contagem.
As cifras coloridas representam situações concretas estudadas pela Criminologia no contexto da criminalidade. Elas desempenham um papel essencial no direcionamento das ações do Poder Público, especialmente na formulação e implementação de políticas de segurança pública.
Para ilustrar o tema, apresentamos um caso ocorrido em Contagem/MG. No dia 21 de janeiro de 2025, por volta das 10h, um casal realizava compras em um supermercado. Em determinado momento, o segurança do estabelecimento percebeu que o casal tentava sair com uma sacola sem passar pelo caixa. Ao notar que seriam abordados, os indivíduos abandonaram a sacola e fugiram. Ao ser questionado por um cliente sobre o motivo de não acionar a polícia, o segurança explicou:
“Nós apenas recolhemos os produtos. Se chamarmos a polícia, acabamos indo para a delegacia, onde os criminosos são liberados antes de nós. Além disso, ao término do procedimento policial, o supermercado já estará fechado, e chegaremos em casa muito tarde. Por isso, é mais prático apenas reaver os itens furtados e deixar os criminosos irem embora.”
Esse caso reflete um aspecto das cifras coloridas na Criminologia, revelando lacunas no sistema de justiça e segurança pública.
BOTELHO, em estudos sobre as cifras, comenta acerca da origem do termo:
Há quem afirme que o estudo das cifras negras ou cifras ocultas se deu por intermédio do sociólogo Edwin Sutherland, no final dos anos 30, para explicar os crimes de colarinho branco, White collar crimes, e nesse estudo teria sido ele o precursor das chamadas cifras douradas, para explicar que nessa categoria entram tão somente os delitos da estatística oficial do estado. Existem também os fatos que são computados nas cifras douradas, mas por razões de falta de estrutura do Estado, acabam por operar as prescrições legais, sejam nas Unidades de Polícia ou no Poder Judiciário. 1
As Cifras Negras representam os crimes que ocorrem, mas não são registrados oficialmente, seja por falta de denúncia, falhas na apuração ou outros fatores. Elas são um indicador da ineficiência estatal em combater e prevenir a criminalidade, comprometendo a credibilidade do sistema de justiça.
Além das cifras negras, existem outras cifras estudadas pela Criminologia, como:
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Cifras Douradas: Representam crimes registrados oficialmente, mas que não ocorreram de fato, muitas vezes devido a denúncias falsas ou erros nos registros.
Cifras Cinzas: Envolvem delitos parcialmente conhecidos, como casos denunciados, mas investigados de maneira inadequada ou que não chegam a uma resolução.
Cifras Verdes: Relacionam-se a crimes ambientais, muitas vezes subnotificados ou negligenciados pelo sistema.
Essas cifras evidenciam diferentes graus de falência estatal no enfrentamento da criminalidade. No caso das cifras negras, destacam-se os reflexos diretos na percepção de impunidade e na desconfiança da população em relação às instituições públicas. Por outro lado, as cifras douradas e cinzas expõem fragilidades nos processos de registro e apuração, enquanto as cifras verdes revelam um descaso com delitos que impactam a coletividade e o meio ambiente.
Assim, vale frisar que o fato concreto definido linhas atrás se enquadra no artigo 155, § 4º, IV, do Código Penal, rotulado como furto qualificado pelo concurso de duas ou mais pessoas, com pena de reclusão de dois a oito anos, e multa. Não se poderia alegar furto famélico porque dentro da sacola existem três de litros de whisky e outros objetos, sendo que a bebida alcoólica afasta a alegação de ter subtraído os produtos para matar a fome, excluindo, inclusive, qualquer tentativa de defesa pela aplicação do princípio da insignificância ou bagatela.
Portanto, trata-se de um fato grave, que nunca chegará ao conhecimento do Estado, porque as pessoas não acreditam na atuação do sistema de justiça criminal do país. O estudo dessas cifras é essencial para compreender as falhas estruturais e propor estratégias eficazes que fortaleçam o Estado na garantia da segurança e justiça para a sociedade.
Diante da temática apresentada, ainda que se tracem as linhas gerais sobre a matéria sem a pretensão de esgotá-la, é evidente que a mera criação de novas leis, sem o comprometimento efetivo em aplicar e cumprir as já existentes, resulta inevitavelmente em uma inflação legislativa. Esse fenômeno reflete um direito penal simbólico, carente de eficácia e substância, incapaz de produzir mudanças concretas na realidade social.
Nesse contexto, surgem novas cifras policromas – sejam vermelhas, azuis, fúnebres ou rosas –, cada uma simbolizando nuances da falência do sistema. No Brasil, essa situação é agravada pela clara inabilidade e incompetência das autoridades governamentais, que se mostram incapazes de implementar políticas públicas eficazes para enfrentar o crime e restaurar a ordem pública, constantemente fragilizada e desrespeitada.
Sem um compromisso verdadeiro com a gestão eficiente e a aplicação rigorosa da lei, o ciclo de desordem e insegurança tende a perpetuar-se, comprometendo ainda mais a confiança da sociedade nas instituições e nos mecanismos de justiça.
REFERÊNCIAS
BOTELHO. Jeferson. Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38792/breves-comentarios-sobre-as-cifras-negras-cinzas-amarelas-e-douradas-da-criminologia>. Acesso em 22 de janeiro de 2025.
Nota
1 BOTELHO. Jeferson. Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38792/breves-comentarios-sobre-as-cifras-negras-cinzas-amarelas-e-douradas-da-criminologia>. Acesso em 22 de janeiro de 2025.