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As cifras negras e a falência do Estado

06/03/2025 às 19:15

Resumo:


  • O texto aborda a análise das cifras negras e a falência do Estado a partir de um caso em Contagem/MG.

  • As cifras coloridas são essenciais para orientar as ações do Poder Público na formulação de políticas de segurança pública.

  • Além das cifras negras, existem as cifras douradas, cinzas e verdes, que revelam lacunas no sistema de justiça e segurança pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As cifras negras representam crimes não registrados oficialmente, seja por falta de denúncia, falhas na apuração ou desconfiança no sistema de justiça. Como a Criminologia pode auxiliar na superação dessas lacunas?

Resumo: Este texto analisa as cifras negras e a falência múltipla do Estado, a partir de um fato concreto ocorrido na cidade de Contagem/MG.

Palavras-chave: cifras negras; falência; Estado; criminologia; Contagem.


As cifras coloridas representam situações concretas estudadas pela Criminologia no contexto da criminalidade. Elas desempenham um papel essencial no direcionamento das ações do Poder Público, especialmente na formulação e implementação de políticas de segurança pública.

Para ilustrar o tema, apresentamos um caso ocorrido em Contagem/MG. No dia 21 de janeiro de 2025, por volta das 10h, um casal realizava compras em um supermercado. Em determinado momento, o segurança do estabelecimento percebeu que o casal tentava sair com uma sacola sem passar pelo caixa. Ao notar que seriam abordados, os indivíduos abandonaram a sacola e fugiram. Ao ser questionado por um cliente sobre o motivo de não acionar a polícia, o segurança explicou:

“Nós apenas recolhemos os produtos. Se chamarmos a polícia, acabamos indo para a delegacia, onde os criminosos são liberados antes de nós. Além disso, ao término do procedimento policial, o supermercado já estará fechado, e chegaremos em casa muito tarde. Por isso, é mais prático apenas reaver os itens furtados e deixar os criminosos irem embora.”

Esse caso reflete um aspecto das cifras coloridas na Criminologia, revelando lacunas no sistema de justiça e segurança pública.

BOTELHO, em estudos sobre as cifras, comenta acerca da origem do termo:

Há quem afirme que o estudo das cifras negras ou cifras ocultas se deu por intermédio do sociólogo Edwin Sutherland, no final dos anos 30, para explicar os crimes de colarinho branco, White collar crimes, e nesse estudo teria sido ele o precursor das chamadas cifras douradas, para explicar que nessa categoria entram tão somente os delitos da estatística oficial do estado. Existem também os fatos que são computados nas cifras douradas, mas por razões de falta de estrutura do Estado, acabam por operar as prescrições legais, sejam nas Unidades de Polícia ou no Poder Judiciário. 1

As Cifras Negras representam os crimes que ocorrem, mas não são registrados oficialmente, seja por falta de denúncia, falhas na apuração ou outros fatores. Elas são um indicador da ineficiência estatal em combater e prevenir a criminalidade, comprometendo a credibilidade do sistema de justiça.

Além das cifras negras, existem outras cifras estudadas pela Criminologia, como:

  • Cifras Douradas: Representam crimes registrados oficialmente, mas que não ocorreram de fato, muitas vezes devido a denúncias falsas ou erros nos registros.

  • Cifras Cinzas: Envolvem delitos parcialmente conhecidos, como casos denunciados, mas investigados de maneira inadequada ou que não chegam a uma resolução.

  • Cifras Verdes: Relacionam-se a crimes ambientais, muitas vezes subnotificados ou negligenciados pelo sistema.

Essas cifras evidenciam diferentes graus de falência estatal no enfrentamento da criminalidade. No caso das cifras negras, destacam-se os reflexos diretos na percepção de impunidade e na desconfiança da população em relação às instituições públicas. Por outro lado, as cifras douradas e cinzas expõem fragilidades nos processos de registro e apuração, enquanto as cifras verdes revelam um descaso com delitos que impactam a coletividade e o meio ambiente.

Assim, vale frisar que o fato concreto definido linhas atrás se enquadra no artigo 155, § 4º, IV, do Código Penal, rotulado como furto qualificado pelo concurso de duas ou mais pessoas, com pena de reclusão de dois a oito anos, e multa. Não se poderia alegar furto famélico porque dentro da sacola existem três de litros de whisky e outros objetos, sendo que a bebida alcoólica afasta a alegação de ter subtraído os produtos para matar a fome, excluindo, inclusive, qualquer tentativa de defesa pela aplicação do princípio da insignificância ou bagatela.

Portanto, trata-se de um fato grave, que nunca chegará ao conhecimento do Estado, porque as pessoas não acreditam na atuação do sistema de justiça criminal do país. O estudo dessas cifras é essencial para compreender as falhas estruturais e propor estratégias eficazes que fortaleçam o Estado na garantia da segurança e justiça para a sociedade.

Diante da temática apresentada, ainda que se tracem as linhas gerais sobre a matéria sem a pretensão de esgotá-la, é evidente que a mera criação de novas leis, sem o comprometimento efetivo em aplicar e cumprir as já existentes, resulta inevitavelmente em uma inflação legislativa. Esse fenômeno reflete um direito penal simbólico, carente de eficácia e substância, incapaz de produzir mudanças concretas na realidade social.

Nesse contexto, surgem novas cifras policromas – sejam vermelhas, azuis, fúnebres ou rosas –, cada uma simbolizando nuances da falência do sistema. No Brasil, essa situação é agravada pela clara inabilidade e incompetência das autoridades governamentais, que se mostram incapazes de implementar políticas públicas eficazes para enfrentar o crime e restaurar a ordem pública, constantemente fragilizada e desrespeitada.

Sem um compromisso verdadeiro com a gestão eficiente e a aplicação rigorosa da lei, o ciclo de desordem e insegurança tende a perpetuar-se, comprometendo ainda mais a confiança da sociedade nas instituições e nos mecanismos de justiça.

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REFERÊNCIAS

BOTELHO. Jeferson. Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38792/breves-comentarios-sobre-as-cifras-negras-cinzas-amarelas-e-douradas-da-criminologia>. Acesso em 22 de janeiro de 2025.


Nota

1 BOTELHO. Jeferson. Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38792/breves-comentarios-sobre-as-cifras-negras-cinzas-amarelas-e-douradas-da-criminologia>. Acesso em 22 de janeiro de 2025.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. As cifras negras e a falência do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7918, 6 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112571. Acesso em: 11 abr. 2025.

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