Religião, do latim “religare”, significa religação. Mas quando deixa de ser ligação para representar separação, intransigência e beligerância, perde a sua destinação divina, particularmente cristã, e descamba para o materialismo político-partidário. O Divino é fulcrado na compaixão, na bondade (Goodness) e no amor. Pensar o contrário é caminhar para o atraso das Cruzadas, da matança entre irmãos em nome da mesma divindade (Godness), da segregação religiosa, da disputa por territórios sagrados, da rivalidade por filigranas doutrinárias humanas. Infelizmente, em nome da mesma religião monoteísta, e do amor ao próximo, parte da humanidade continua se autodestruindo no Paquistão, Afeganistão, Faixa de Gaza, Iraque, Jerusalém e em infinitas outras nações e tribos, fundamentando-se em insignificâncias teológicas.
Jesus nunca excluiu ou condenou ninguém por preconceito, isto é, por ser de religião, raça, etnia ou costumes político-ideológicos diferentes. Ele é o marco da convergência, da confluência e da tolerância do oposto. Jantou com pecadores, mandou para o Paraíso o ladrão Dimas, perdoou a mulher adúltera, amparou a prostituta Madalena, curou pessoas sem religião, elogiou o herético samaritano, perdoou o assassino Saulo de Tarso, outorgou o apostolado (sacerdócio) a um analfabeto como Pedro e tolerou o incrédulo Tomé.
Aliás, pergunto: qual é a Palavra Sagrada invocada na saudação entre os adeptos das grandes religiões e filosofias? Sem dúvida, a paz. A Paz do Senhor! Shalom! Pax! Paz Profunda! Então, é inconcebível que, na teoria, proclame-se a paz, porém, na prática, apunhalem-se os que apenas defendem o direito de pensar diferente.
Os raros iluminados propugnam o estado de consciência cooperativa contra a consciência competitiva e disseminadora do ódio e da divisão.
Conquanto a liberdade religiosa - libertas religiones - tenha sido abordada pela primeira vez pelo advogado romano Tertuliano (séc. III d. C.) após a sua conversão ao cristianismo e diante das atrocidades e intolerâncias do Império romano, tal direito só veio a surgir no século XVIII, com as primeiras declarações de direitos de 1776 (Revolução Americana) e em 1789 (Revolução Francesa). Como direito textualizado, passou a ser protegida na Constituição Americana e, internacionalmente, com o Sistema Global de Proteção aos Direitos Humanos, instituído pela ONU após a Segunda Guerra Mundial. Biblicamente está consagrada em Coríntios 3.17: “... onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade.” Jesus também disse: “onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mateus, 18,20), independentemente de origem, cultura ou religião.
Mesmo porque não deve ser diferente, pelo menos para quem não usa viseiras ou antolhos de burro de carroça. Toda religião baseia-se no abstrato, invisível, imponderável, isto é, não pode ser provada pela ciência. Assim, no campo da hipótese e da crença, da convicção intrínseca, não quantificada pela matemática ou pela física, ninguém tem o direito de arvorar-se em dono da verdade e das chaves do Paraíso e (ou) do Inferno.
Diante da expansão do materialismo dialético, do agnosticismo, do egoísmo e ganância embrutecedores e do maniqueísmo fanático, deve-se louvar aqueles que têm uma fé inabalável aliada a humildade e respeito ao próximo que crê, mesmo com discrepâncias doutrinárias e teológicas. A intolerância, o menosprezo e a perseguição a “outra fé” não é fenômeno novo: teve início nas antigas tribos e sistematizou-se na Roma Antiga, na Grécia, no Egito e na Babilônia. E continuou implacável entre judeus e cristãos, cristãos e muçulmanos, católicos e protestantes, xiitas e sunitas, e por aí vai destruidora e irracionalmente…
Como ninguém loteou o céu, a ninguém é dado o petulante direito de condenar as imaginadas divindades, doutrinas ou fé alheia. Mesmo porque a vigente Constituição Cidadã (art. 5°, caput e inc. V e VIII) determina que “todos são iguais perante a Lei” e que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da Lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; e, ainda, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política…”
O Brasil é um Estado laico, democrático, plural, com mobilidade social e infinita liberdade de expressão do pensa-mento, com notória e constitucionalizada liberdade religiosa, para gáudio do seu povo e glória ao Deus de infindável misericórdia e tolerância.
Pessoalmente, abomino os estereótipos, guetos e toda forma de imposição de um pensamento exclusivista e excluidor, porque penso como Clarice Lispector, quando conclama: “Escuta: eu te deixo ser/deixa-me ser então.”
Ademais, adoto como meu o pensamento democrático do filósofo iluminista francês Voltaire: “Não concordo com nada do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo”.
Em suma: precisamos ter a humildade de ouvir o outro e compreender as semelhanças e convergências nas diversidades. Permaneçamos de mente e coração abertos e receptivos para compreender as diferenças de pensamentos e ideias da outra parte. Afinal, todos somos um em busca da verdade e em torno da Divindade.
Transcendamos as nossas crenças pessoais e nos conectemos com a realidade dos fenômenos sem prevenção, preconceito ou sectarismos odientos. Se o próprio Messias pregou e praticou caminhos de união, por que não os seus simples servos e seguidores?