“Se possível, quando depender de vós, tende paz com todos os homens”. (Romanos 12:18)
No Velho Testamento, do Deus implacável, do dente por dente e olho por olho, não há nenhuma menção ao vocábulo tolerância, mas no Novo Testamento, de Jesus-Deus do perdão ilimitado, da compreensão e misericórdia infinitas, da salvação pela graça divina, existem 8 (oito) versículos que tratam da tolerância sob a forma de amor, paz, benignidade, bondade, mansidão, temperança, paciência, misericórdia, longanimidade, humildade, brandura, condescendência, perdão, remissão, piedade, clemência, justiça.
Aliás, amar ao próximo como a si mesmo (amor fraternal) e a Deus sobre todas as coisas resume a fé cristã.
João (4:20) admoesta: “Se alguém diz: ‘Eu amo a Deus’, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”
No tocante aos mentirosos e falsos moralistas, diz Jesus no Evangelho de Lucas (12:1): “Acautelai-vos primeiramente do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia”.
O preconceito, a discriminação, enfim, a intolerância é combatida veementemente na Bíblia Sagrada, in verbis: “Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas” (Atos dos Apóstolos 10:34).
“Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redarguidos pela lei como transgressores” (Tiago 2:9).
“E os escribas e fariseus, vendo-o comer com os publicanos e pecadores, disseram aos seus discípulos: ‘Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores?’” (Marcos 2:16).
“E os fariseus e escribas murmuravam, dizendo: ‘Este recebe pecadores e come com eles’” (Lucas 15:2).
Ante o exposto, indago: por que tanto ódio e mortandade entre xiitas e sunitas, se ambos são muçulmanos, creem no mesmo Deus, têm Maomé como um único profeta e o Alcorão como livro sagrado? Por que no passado havia tanta desconfiança, críticas mútuas, rancores, cisões e até guerras sangrentas entre judeus e cristãos e, posteriormente, guerras entre cristãos católicos romanos e protestantes, se para todos Jeová é o único Deus, a Bíblia é a bússola comum da salvação, os mandamentos são os mesmos, o amor ao próximo e à Suprema Divindade são as metas centrais?
Ainda: por que distinguir o que o próprio Deus de todos não distingue? Por que demonizar os outros tendo por fundamento todas as doutrinas humanas e os costumes farisaicos?
Todos sabem que o sentimento religioso é puramente de natureza pessoal, subjetiva, variando conforme a individualidade, devendo ser respeitado em plenitude. Cristianismo, particularmente, é abertura para o próximo, generosidade, convergência, compreensão, humildade; jamais egoísmo, fechamento nas próprias verdades. A tolerância religiosa tem sua fundamentação teológica na liberdade do ser humano. Até Voltaire, que supostamente era ateu, defendia o ilimitado direito do outro de dizer o que pensa e de defender seu ponto de vista livremente.
Uma prova segura do compromisso de pensador livre com a máxima iluminista “A verdade o libertará” (dita originalmente por Jesus) é o desejo de debater até o mais proibido dos temas. Não existem lados obscuros nas ideias, a não ser que a luz deixe de iluminá-las.
Erasmo de Roterdã, o grande humanista da Renascença, foi tido como ícone da tolerância por tentar provar, no início do séc. XVI, a inconsistência nas divergências entre catolicismo e protestantismo, embora só tenha sido reconhecido já no alvorecer do Iluminismo, quando tiveram fim as sangrentas guerras religiosas que dizimaram milhões de pessoas, levadas pela ignorância teológica do verdadeiro sentido do cristianismo.
De fato, o próprio Jesus (Mateus 18:20) afirma, categórico: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, ali eu estarei.” Não há maior prova de ecumenismo e de tolerância do que essa frase do Mestre.
Não é cristão quem, em nome Dele, maltrata outros cristãos ferindo-lhes o corpo ou maltratando-lhes a alma.
Não há doutrina humana que leve até o Deus Supremo, exceto pelo único caminho, que é Cristo. E nada cobra para dar vida em abundância e verdade sem arrodeios.
Cristo não propôs a separação ou a formação de uma elite de fariseus, saduceus, escribas, sacerdotes ou assemelhados.
Jesus combateu a forma (rituais, formalidades) e pregou a simplicidade, a comunicação direta sem complicações ou intermediários, independentemente de dogmas, ortodoxias, éditos ou hierarquias. Não veio para dividir, intrigar, pulverizar, antagonizar, mas para unir a todos que simplesmente creiam nele como salvador pessoal e abominem o ódio.
Contemporaneamente, temos uma nova Torre de Babel, isto é, a paz de Cristo substituída pelo caos humano, com pessoas pregando versões da verdadeira palavra, com alinhavos, desvios, gambiarras, distorções e muita confusão. A igreja cristã “A” se julga santa e imaculada e acusa a igreja “B” de diabólica ou falsa, e vice-versa.
Estelionatários da Palavra apresentam-se à massa ignara como profetas e salvadores pseudoproprietários do Paraíso e Procuradores de Jesus (loteadores do céu).
No passado o poder da religião legitimava a guerra e a perseguição. Surpreendentemente, o Pretérito se faz presente, os conflitos de religião recrudesceram neste Novo milênio.
Novos credos, novas seitas e o fanatismo estão revivendo e se espraiando por toda a Terra.
Os mais sanguinários conflitos da humanidade têm ou tiveram por pano de fundo a fé (por incrível que pareça), a ideologia (de esquerda ou de direita), o nacionalismo exacerbado (culto da nação ou da tribo).
Há muitos Hitlers e Stálins nas esquinas do mundo, os quais poderão se tornar líderes quando suas mensagens corresponderem aos desejos, ideias e sentimentos adormecidos ou vivos nas multidões que os ouvem.
Urge encontrar solução para a questão da regressão moral do homem e da diversidade humana, que tem redundado em terrorismo, fundamentalismo, criminalidade, impiedade.
A tecnologia tornou o homem mais sábio, porém diminuído moralmente. Há muitos sujos falando dos erros alheios, sem olhar para si, contrariando a Bíblia: “Por que reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não vês a trave que está na tua visão? Como ousas dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o argueiro de tua vista, tendo tu uma trave na tua?’ Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás melhor para tirar o argueiro da vista do teu irmão.” (Mateus 7:3-5).
As diferenças não devem redundar em inimizade; as divergências não significam guerra; nem sempre as ideias formais destoantes são diferentes na essência.
Basta de intolerância, antagonismo, rivalidade, preconceito, ódio, racismo, caça às bruxas, mistificação.
Devemos dar adeus à intolerância religiosa e política, que teve como resultante a guerra entre a Bósnia, Sérvia e Montenegro, o genocídio dos armênios, o terror da Inquisição, o Holocausto dos judeus, a carnificina nas revoluções de Mao Tsé-Tung (China) e Lênin (Rússia), o ataque aos palestinos…
Abaixo os chavões políticos pré-bélicos, como “o Eixo do Mal”, constituído por Irã, Coreia do Norte e Iraque; “o Grande Satã” representado pelos Estados unidos; “o Anticristo”, genericamente cognominado para o lado oposto; como se sempre o bem estivesse de um lado e o mal do outro, num ressuscitamento do nefando maniqueísmo ou da guerra fria divisionista.
No passado, os fariseus desprezavam e humilhavam os diferentes como os samaritanos (heréticos e impuros eticamente), as mulheres (objetos nas mãos dos arrogantes machistas da época), os doentes (considerados pecadores condenados à predestinação do sofrimento), os pobres (que não podiam pagar animais para o sacrifício divino no templo), os publicanos (povo inferior), os pecadores (que eles já tinham previamente condenado, visto que se julgavam santos, salvos e donos da verdade); enquanto isso, Jesus preconizava o amor a todos sem distinção nenhuma, inclusive aos próprios inimigos (Lucas 6:27).
A grandeza de um ser humano é exatamente a da convivência e da aceitação das diferenças. Aceitar os iguais é facílimo. A eliminação ou a condenação dos que pensam diferente é coisa de déspotas, absolutistas, ditadores. A democracia é a convivência harmoniosa dos contrários. Se alguém defende a beligerância, dá prova cabal de sua formação anticristã e antidemocrata.
A paz e a felicidade humana dependem do trinômio: liberdade, fraternidade e igualdade. Sem esses pilares, não há civilização que sobreviva, e o homem será, como diz Thomas Hobbes, “o lobo do homem”.
Precisamos celebrar a vida, a justiça social, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana.
O mundo, como está, caminha para a autodestruição. Jerusalém, a “Cidade Sagrada”, palco de inúmeras guerras, cujos contendores usavam o nome do mesmo Deus Único. Hoje, encontra-se dividida entre armênios, judeus, muçulmanos e cristãos. As muralhas da intolerância e da discriminação continuam separando Israel e Palestina, Coreia do Norte e Coreia do Sul, Arábia Saudita e Iraque, Estados Unidos e México. Algumas religiões parecem empresas ou exércitos rivais que guerreiam e se agridem na busca de espaços, adeptos e dinheiro. Os seres humanos continuam movidos pela intolerância, a repulsa, o nojo, o ódio, a rejeição, por razões religiosas, ideológicas, raciais, sociais, culturais, esportivas, de opção sexual, de idade, de gênero, de estado físico.
É preciso a construção de alianças, numa prática nova, com resultados coletivos. Destruamos os guetos, Ilhas, grupelhos, bandos isolados, apartheids e segregações.
Lamentava, já àquela época, o físico alemão Albert Einstein: “Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo.”
É preciso rever os ensinamentos de Cristo, os exemplos de tolerância plantados por Mahatma Gandhi, Luther King, Buda, Francisco de Assis, João Paulo II, Chico Xavier e Mandela.
A humanidade - irmãos todos, apesar das diferenças - deve ver e ouvir a realidade e construir a sua própria sobrevivência e dos descendentes que vieram ou que virão.
Penso em todas as mortes, separações, injustiças, ódios, vinganças, rivalidades, guerras, destruição de lares (o marido contra a mulher, a mulher contra o marido), toda a coorte de desgraça fundamentada em uma religião, ideologia, raça.
Caiu o Muro da Vergonha (de Berlim-Alemanha), que durante anos desafiou a paz, a solidariedade humana, dando lugar ao pensamento unilateral e absolutista, despótico, baseado no ódio, no individualismo, na religião única ou no partido único, como se a verdade fosse privilégio de alguns contra o resto e não a verdade pluralista e democrática – mas continua o muro espiritual e ideológico do mesmo modo.
A democracia se estabelece com a convivência pacífica dos contrários. Nenhum Deus subsiste se não for uma divindade de tolerância, paz, perdão, compreensão e convergência; o contrário, será o Deus do mal, da exclusividade, do ódio, da intolerância, da inveja, da vingança. O único e unilateral, em qualquer situação, é odiento, destrutivo, absolutista, ditatorial, castrador das liberdades individuais.
O preconceito é condenável! Pressupõe um julgamento precipitado e sem fundamento da vida de outras pessoas. A própria palavra indica tratar-se de uma conceituação antecipada e irrefletida. Quem assim age está aprovando esse tipo lamentável de comportamento.
Uma pessoa não é obrigada a gostar da opção de vida de outra. Entretanto, ninguém tem o direito de tentar tutelar a consciência alheia. Cada cidadão é livre para viver como quiser, desde que não agrida ou prejudique os demais; se assim o fizer, existem meios legais para se buscar a reparação dos danos causados, tanto os de teor econômico quanto aqueles de cunho moral.
Toda pessoa merece ser respeitada pelo que é; além do mais, o único que conhece o íntimo das pessoas são elas mesmas e, não raro, só Deus.
É preciso lembrar que todos estamos sujeitos a deslizes e quedas. Devemos tratar os outros como esperamos ser tratados se porventura um dia nos encontrarmos em situação similar. As tribulações que hoje afligem a alma dos outros amanhã podem atingir a mim ou alguém próximo de mim. Se assim acontecer, espero ser tratado com amor e compreensão, sem jamais sofrer o desprezo do preconceito e da intolerância.