O orçamento anual é uma autêntica balbúrdia, desde o seu processo legislativo até a sua execução.
Só para reger o processo legislativo do orçamento anual e a sua execução, existem 49 normas redigidas com inusitado sadismo burocrático, em que imperam o detalhismo e o casuísmo, por meio de preceitos normativos dúbios, confusos e antagônicos (arts. 166 e 169-A da CF).
A proposta orçamentária, a cargo do Poder Executivo, nada tem a ver com as reais necessidades da sociedade brasileira, que o governante parece ignorar. Ela não representa o plano de ação governamental, que nunca existiu desde o pós-governo militar, quando se tinham metas a serem alcançadas pelo Plano Nacional de Desenvolvimento, refletidas nas dotações da Lei Orçamentária Anual (LOA).
Atualmente, nem durante as campanhas eleitorais, nenhum dos concorrentes ao cargo de presidente da República anuncia seus planos de governo, limitando-se a guerrinhas de palavras entre eles.
Resulta disso tudo que a proposta orçamentária anual não passa de um amontoado de normas desconexas que estimam as receitas, de um lado, e fixam as despesas aleatoriamente, de outro. É uma mera formalidade constitucional que nada tem a ver com o orçamento-programa previsto na Constituição.
Apenas formalmente a LOA é destinada a dar concretude ao Plano Plurianual (PPA), executando as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que precede a LOA para orientar a elaboração da respectiva proposta.
Tanto é assim que a LDO é aprovada quase que simultaneamente com a LOA, prejudicando a sua principal função, que é a de orientar a formulação da proposta orçamentária anual.
Depois de aprovado e sancionado, o orçamento sofre uma desmontagem automática de 30% das verbas consignadas por conta da DRU, que vem sendo prorrogada desde o governo Fernando Henrique. Ela foi criada com o nome de FSE e permanece até os dias atuais para que os governantes possam se livrar das amarras da lei na realização de despesas que fazem de forma discricionária.
Não bastasse isso, governo e Legislativo, de comum acordo, fazem inserir no texto da LOA a faculdade de o chefe do Executivo remanejar até 30% de todas as dotações orçamentárias.
E mais, de uns tempos para cá, criou-se um item de contingenciamento de verbas, isto é, verbas sem destinação específica, cuja execução fica a critério do governo. Isso fere o princípio constitucional de fixação de despesas públicas.
Resumindo, não há propriamente um orçamento anual a ser executado de acordo com o plano de ação governamental, que, igualmente, não existe. Tudo é feito de improviso e na base da "orelhada".
Dessa forma, nenhuma das normas das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) tem sua atuação no plano concreto. No governo Dilma, era comum alterar e ajustar as metas fixadas na LDO no apagar das luzes do exercício, com efeito retroativo.
Por isso, o déficit das contas públicas é sistemático. Nenhum instrumento normativo, seja em nível constitucional, seja em nível infraconstitucional, é eficaz. O teto de gastos, a âncora fiscal, o corte de despesas, a LRF, a Lei 4.320/64 etc., não saem do papel.
Tudo isso resulta em um sistema semiparlamentarista de governo desde o advento da Constituição Federal de 1988, cujo projeto estava voltado para a implantação do sistema parlamentarista de governo, em substituição ao sistema presidencialista, que não está dando certo em lugar algum do mundo, exceto nos Estados Unidos, onde dois partidos se revezam no poder.
Mas o egoísmo do governante de então fez emplacar o sistema presidencialista dentro de uma Constituição que continha a semente do sistema parlamentarista.
Enquanto não houver uma definição clara do sistema de governo, a balbúrdia orçamentária continuará, tendo como gestores dos recursos financeiros do Estado o Executivo e o Legislativo simultaneamente. Assim, não há orçamento que dê certo.
Nessa mistura de sistemas de governo, o Legislativo, que é um órgão incumbido do controle externo da execução orçamentária com o auxílio do TCU, continuará promovendo a execução parcial do orçamento anual que aprovou, por meio de emendas individuais, inclusive na modalidade de emenda "pix", de transferência acelerada de recursos; emendas de bancada, representando os 26 estados e o Distrito Federal; emendas do relator, incorporadas às emendas individuais; e emendas de comissão, regidas por mera resolução do Congresso Nacional. Amanhã, poderão surgir emendas da maioria parlamentar e da minoria parlamentar, além de emendas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Sul etc.
Por derradeiro, para driblar o mecanismo de controle e fiscalização da execução orçamentária, existe uma parafernália de fundos instituídos ao arrepio do art. 165, §9º, inciso II da CF, que reclama a lei complementar para estabelecer as hipóteses de criação de fundos, bem como as condições de seu funcionamento.
A título ilustrativo, podemos citar o fundo partidário, o fundo eleitoral, o fundo nacional de segurança pública, o fundo educacional etc.
Os fundos existentes na data da promulgação da Constituição de 1988 deveriam ter sido extintos à luz do art. 36 do ADCT. Não só foram mantidos, como também outros fundos são criados periodicamente. Esses fundos são os ralos por onde desaparecem os recursos financeiros públicos.
De fundo em fundo, o nosso orçamento anual vai parando no fundo do poço.
Dentro dessa realidade, que ninguém quer reconhecer, falar em plano de corte de despesas é uma piada. Aliás, enquanto se fala em cortes, estão aumentando as despesas de custeio, inchando a máquina governamental.