A relação entre compliance criminal e análise econômica do direito: Eficiência e competitividade empresarial no contexto da regulação econômica brasileira

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30/01/2025 às 16:38

Resumo:


  • O compliance criminal é um mecanismo empresarial destinado a garantir o cumprimento das normas penais, prevenindo a ocorrência de crimes e atuando como fator mitigador em caso de infrações.

  • A implementação de programas de compliance criminal nas empresas brasileiras é uma necessidade prática, alinhada com a responsabilização criminal e administrativa das pessoas jurídicas, ampliando a política de prevenção contra crimes corporativos.

  • A relação entre compliance criminal e Análise Econômica do Direito envolve a análise dos custos de prevenção e dos danos esperados, buscando um equilíbrio entre os investimentos em programas de compliance e a redução nos gastos relacionados a multas, indenizações e outras consequências decorrentes de infrações legais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: O presente artigo tem como tema o Compliance Criminal, delimitando-se ao estudo sobre a relação entre compliance criminal e Análise Econômica do Direito (AED). Assim, busca-se compreender a eficiência e competitividade empresarial no contexto da regulação econômica brasileira. Para tanto, explica a criminalidade econômica; discute o compliance como precursor de governança pública, da boa gestão e controle da corrupção; e analisa a relação compliance criminal e Análise Econômica do Direito. Quanto à metodologia, a pesquisa utiliza o método dedutivo, fundamentando-se em referências bibliográficas e nas legislações aplicáveis ao tema. Com base na doutrina e na legislação, concluiu-se que a conexão entre compliance criminal nas empresas e a AED se fundamenta na análise dos custos e benefícios associados à implementação de programas de conformidade, na compreensão dos incentivos econômicos voltados à prevenção de infrações e nos efeitos positivos que a adoção dessas práticas gera tanto para as empresas quanto para a sociedade. A AED oferece uma perspectiva valiosa para entender como o compliance pode se constituir em uma ferramenta eficaz para inibir comportamentos ilícitos, fomentar o bem-estar coletivo e estimular as empresas a adotarem condutas éticas e legais.

Palavras-chave: Corrupção. Compliance criminal. Análise Econômica do Direito. Competitividade empresarial.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como tema o Compliance Criminal, delimitando-se ao estudo sobre a relação entre compliance criminal e Análise Econômica do Direito (AED). Assim, busca-se compreender a eficiência e competitividade empresarial no contexto da regulação econômica brasileira.

Estudar o instituto do criminal compliance, compreendido como um instrumento voltado à prevenção da criminalidade econômica, é uma tarefa de grande importância, especialmente devido ao seu potencial para transformar a mentalidade cultural e estabelecer novos parâmetros éticos e morais no ambiente empresarial.

Por se tratar de um instituto relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro, o criminal compliance tem gerado intensos debates na academia e despertado crescente interesse no setor empresarial. Apesar de sua proposta preventiva frente ao avanço da criminalidade econômica, ainda carece de regulamentação legal no Brasil que lhe atribua o poder de mitigar ou eliminar a responsabilização criminal, como já ocorre em legislações estrangeiras.

Analisar a criminalidade econômica, particularmente seu crescimento no contexto da globalização e do desenvolvimento tecnológico da sociedade contemporânea, torna-se essencial para aprofundar a compreensão do tema. Esse cenário, caracterizado pela dissolução de fronteiras territoriais e pela formação de mercados globais, amplia os desafios e a complexidade dessa modalidade de delito.

A corrupção, dentre os crimes associados à atividade empresarial, foi escolhida como objeto de análise neste estudo. Essa escolha não se deve apenas à gravidade do delito ou à sanção prevista em lei, mas à sua alta relevância no cenário nacional atual e à sua capacidade de se infiltrar tanto em organizações públicas quanto em empresas privadas.

Nesse contexto, o objetivo é compreender o conceito de criminal compliance, destacando suas particularidades e avaliando sua eficácia dentro do ordenamento jurídico brasileiro, sob a perspectiva da Análise Econômica do Direito. Além disso, busca-se investigar os potenciais benefícios desse instituto como ferramenta de prevenção contra o aumento da criminalidade econômica, considerando sua regulamentação no direito brasileiro.

Quanto à metodologia, a pesquisa utiliza o método dedutivo, fundamentando-se em referências bibliográficas e nas legislações nacionais e internacionais aplicáveis ao tema.


1 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA

Com o avanço da globalização, das inovações tecnológicas e do desenvolvimento das sociedades pós-industriais, os mercados globais passaram a se integrar de maneira cada vez mais intensa. Nesse contexto, Tamborlin e Santana (2015) observam que o modelo civilizatório moderno se caracteriza pela sua complexidade e pela inserção em um ambiente global em que as fronteiras nacionais se tornam cada vez menos relevantes. Embora essa conectividade traga benefícios sociais e econômicos, também gera consequências negativas, como o aumento da criminalidade econômica

A intensificação das relações econômicas e o fluxo acelerado e descentralizado de informações de desempenho condições propícias para a supervisão de crimes econômicos. Esses detalhes ganharam novos meios de execução e ocultação, aproveitando-se das brechas fornecidas pela interconexão global.

Conforme Lopes (2013), essa realidade também exigiu uma maior intervenção estatal na economia. A globalização promoveu a liberalização dos mercados, forçando os Estados a regular e controlar suas economias para mitigar os riscos decorrentes desse novo cenário. Essa necessidade deu origem a uma sociedade pós-industrial marcada pelo risco constante, ampliando as áreas de incidência da criminalidade econômica e exigindo um Direito Penal mais intervencionista.

Na mesma linha de análise, Souza (2012) afirma que as investigações sobre a relação entre Direito Penal e economia ganharam relevância a partir do fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social após as guerras mundiais e a crise de 1929. Com o aumento do intervencionismo econômico, o Direito Penal passou a ser utilizado como ferramenta para proteger economias nacionais fragilizadas, assumindo um papel regulador no controle e na proteção da atividade econômica.

A expansão do Direito Penal econômico, segundo Souza (2012), teve início na Primeira Guerra Mundial, quando a necessidade de mobilização econômica para o esforço de guerra impôs o controle estatal sobre a produção e os preços. Esse cenário levou a uma intensificação da intervenção estatal na vida econômica, ampliando o uso do Direito Penal para conformar e proteger a ordem econômica.

Mesmo com a transição para uma sociedade pós-industrial, o Direito Penal continua se expandindo, reafirmando-se como instrumento de gestão de riscos e de preservação das políticas econômicas estatais. A criminalização de condutas econômicas tornou-se uma tentativa de conter novos tipos de crimes que emergiram com o progresso tecnológico e a interconexão dos mercados.

Andorfato (2018) ressalta que as sociedades contemporâneas enfrentam riscos de natureza incerta e consequências imprevisíveis, o que afeta diretamente a política criminal e a legislação penal e processual. Esses ramos jurídicos, por sua vez, passaram a incorporar o controle de riscos como elemento central. A resposta jurídica a essa realidade envolve não apenas a classificação de determinadas condutas, mas também sua regulação e mitigação no contexto econômico.

A regulação penal, portanto, busca controlar os riscos que afetam toda a sociedade, transcendendo os interesses individuais. Nesse sentido, a proteção à ordem econômica se consolida como bem jurídica relevante para o Direito Penal, justificando a criminalização de condutas que possam comprometer o funcionamento do sistema econômico.

Nesse sentido, as infrações previstas no âmbito do Direito Penal Econômico têm como objetivo principal garantir a integridade e a estabilidade do sistema econômico e de sua estrutura. Essa perspectiva diferencia tais infrações de crimes patrimoniais convencionais, que se limitam a proteger interesses individuais relacionados ao patrimônio. Em contrapartida, os crimes econômicos envolvem a proteção de interesses coletivos e supraindividuais relacionados à preservação da ordem econômica.

Além disso, o Direito Penal Econômico distingue-se das normas penais distintas às áreas tributária e ambiental. Enquanto estes últimos protegem indiretamente a ordem econômica por meio da regulação de comportamentos relacionados aos tributos e ao meio ambiente, o Direito Penal Econômico concentra-se diretamente na defesa do funcionamento regular do modelo econômico vigente.

Na última análise, a legislação penal econômica visa garantir a confiança da sociedade no mercado e na segurança das relações comerciais, fundamentais para a manutenção do sistema de produção capitalista contemporâneo (Souza, 2012).

Explicado o avanço da criminalidade econômico, analisa-se o compliance como precursor de governança pública e da boa gestão.


2 O compliance como precursor de Governança Pública e da boa gestão

A Governança Pública serve para aumentar e preservar o valor que o Estado entrega aos que o mantém e possibilita aos mandatários de uma empresa pública “avaliar [...] sua situação e demandas, direcionar a sua atuação e monitorar o seu funcionamento, de modo a aumentar as chances de entrega de bons resultados aos cidadãos [...]” (Brasil, 2020, p. 15), na finalidade pública a que se vincula.

O sistema de compliance ainda é um modelo relativamente novo na Administração Pública, um processo que se pode dizer que teve início em 2018, no âmbito da Administração Pública Federal tendo como marco o Decreto Federal n.º 9203/2017. Entretanto, o termo ou neologismo compliance não é utilizado, mas é aplicado o termo integridade a partir da ideia de governança pública, destacando-se que esta última diz respeito às boas práticas, a missão, o corpo de normas que orienta a governança na mitigação de riscos e na busca de entrega de resultados.

Muito embora se crie certa confusão entre gestão e governança, as distinções se estabelecem no campo em que a governança é a função direcionada e a gestão é a função realizadora. Assim, “enquanto a governança estabelece diretrizes a gestão é a responsável planejar e implementar da forma mais adequada” (Brasil, 2020, p. 16), as ações no plano concreto, ou nos atos emanados de cada deliberação.

Apesar de ser um marco institucional a implantação do sistema de compliance voltado a atingir bons níveis de governança, é possível afirmar que já se vinha trabalhando essa prática com níveis de maturidade diferentes, com o sistema de controle interno na Administração Pública, que tem um papel preventivo de grande importância nos processos de gerenciamento de riscos (Brasil, 2021).

A governança se traduz pela necessidade de elevar a maturidade dos controles para a entrega na melhor forma de resultados, consubstanciando-se na busca pela entrega de resultados à sociedade, em uma construção que visa para além da legalidade, a eficiência, princípio este elevado ao nível constitucional pela EC 19/1998. Assim, enquanto a legalidade é algo mais pontual que pode ser respondido, em um aspecto amplo como um sim ou não, a eficiência envolve muitos outros aspectos.

A governança é inserida na Administração Pública em um processo iniciado no Governo Federal e que reverberou para outros entes, com base no Decreto Federal n.º 9203/2017, nos conceitos estabelecidos pelo Tribunal de Constas da União – TCU, em uma lógica conceitual, com base em governança, compliance e na gestão de riscos, algo que é inerente a cada órgão público.

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Como precursor da implantação dessa ferramenta no âmbito Federal “a CGU desempenha um papel de forte atuação pedagógica junto a órgãos e entidades sobremaneira na divulgação de manuais” (Dematté, 2020, p. 71), em um processo que busca a cultura da integridade que se dá no desenvolvimento do comportamento do agente e na escolha que não conduza a uma quebra de integridade.

Um processo que parte da sensibilização da alta gestão, que envolve sobremaneira o clarear das diferenças entre a gestão e a governança, uma ação necessária para se ter o sistema implantado não apenas “pro forma”, mas o instituir uma mudança cultural nos órgãos, em um sistema de escolhas aperfeiçoado pelo sistema de integridade (Nohara, 2020).

Um processo que se desenvolve para além dos diplomas legais, no longo prazo, a governança e todo o trabalho de sensibilização vem para gerar a mudança na cultura, com os instrumentos para que o processo operacional possa se materializar, para se converter em atitudes novas baseadas em uma política de compliance.

A instituição da política de compliance, ou de integridade, como tem-se apresentado na Administração Pública, é um processo que pode ser conduzido por meio de uma rede de trocas de boas práticas, em “um espaço para identificar, analisar, avaliar, direcionar e monitorar comportamentos” (Dematté, 2020, p. 73). Nesse contexto, cada ente institui a sua política principalmente como forma de prevenir a corrupção.

Essa política que tem por primazia garantir resultados efetivos dos processos com a melhor condução ética e de entrega de resultados para a população, com limitação à discricionariedade administrativa, em um processo contínuo que deve ser revisto com frequência.

A busca pela Governança visa um processo que tende a gerar uniformidade no âmbito da federação. Quando se fala em compliance a ideia imediata pode ser a de que a Administração Pública não caminharia sem os controles preestabelecidos. A situação não pode ser estabelecida neste âmbito. O que se busca por meio do compliance é uma releitura dos controles postos, como maior enfoque na individualização ou mapeamento dos riscos possíveis e uma estruturação no processo humano na forma de “compromisso, responsabilidades, estratégias e padrões” (OECD, 2012, s.p.), um processo que deve envolver a sociedade, as lideranças, a capacitação de servidores e a abertura para denúncias de quebra de integridade.

O compliance ou o sistema de integridade, com o foco em gerar governança, vem a ser algo a mais na consolidação dos princípios constitucionais, especialmente, o da legalidade.

Quando os controles na Administração Pública são trabalhados, evidencia-se que o compliance que vem do setor privado para fazer cumprir os atos normativos instituídos, faz rememorar que na administração pública só se pode pautar pelas normas instituídas, “enquanto o particular age na compatibilidade do ordenamento, podendo fazer tudo o que a lei não proíbe” (Nohara, 2020, p. 91), tratando-se de uma vinculação positiva.

Contudo, essa análise não remete a um fim pronto e simples. A gestão da administração pública pelo compliance possibilita obter informações quanto ao monitoramento dos processos, sua forma, razoabilidade e proporcionalidade, a fim de se evitar a corrupção, um ato que prejudica a todos.

A harmonia e a coesão na adoção de procedimentos e de muitas outras providências que visam a garantia das finalidades almejadas por um microssistema jurídico, devem ser buscados por aqueles que têm a atribuição de garantir a eficiência, partindo primordialmente de códigos de condutas (Castro; Aguirre, 2021).

Isso possibilita um monitoramento das ações, o que não é usual na Administração Pública. O que se tem implantado até então são controles formais e não controles de resultados, ou, controles com a ausência de monitoramento. Um sistema que possa ser efetivo na garantia de resultados deve valer-se de um sistema de integridade do processo.

Só a partir da garantia desses resultados é que a gestão poderá ter a garantia de que os resultados foram conduzidos de forma ética. Assim, na discussão desse controle, nasce a figura do compliance, uma discussão direcionada à governança como instrumento de gestão.

Um processo que parte da governança, se encaminha pela integridade dos órgãos da Administração Pública, em uma estrutura capaz de gerir as informações normatizadas, reavaliar os controles e, se necessário, propor alterações normativas.

O compliance gera o estudo das normas para sua instrumentalização e, eventualmente, uma necessária revisão do controle formal, buscando-se por uma forma “mais gerencial”, ou, outra forma, que não necessariamente relativize o controle já implantado, mas que o torne mais efetivo.

A expertise está em pensar o que este controle visa entregar à população, qual nível de segurança ele apresenta, em uma gestão de resultados de nível profissional e gerencial, não como se observa na iniciativa privada, mas, dentro de determinadas adaptações “à esfera de atuação pública, pois esta apresenta peculiaridades” (Silva; Lima; Bessa, 2020, p. 90).

O sistema de compliance, ainda, se desdobra em um processo regulatório que envolve, nos dizeres de Franco (2020, p. 243) “as regras de como fazer as regras”, em um programa específico para cada órgão, buscando a aplicação à tipicidade e não apenas um programa de prateleira.

É importante destacar que a perspectiva jurídica será definida conforme o objeto da regulação (Mesquita, 2019).

O compliance e a governança contribuem diretamente “para resolver o maior desafio do governo democrático, responsivo, que é o de garantir os recursos necessários à gestão das políticas públicas” (Barreto; Souza, 2019, p. 55).

Por meio de mecanismos fixados para o accountability, de responsabilização dos agentes ao controle da administração, são garantidas as condições para o controle positivo, garantindo que o agente faça o que dele se espera, atenuando os efeitos danosos da ampla discricionariedade que é conferida aos agentes públicos na ausência de parâmetros objetivos destinados ao controle (Barreto; Souza, 2019).

Assim, consoante encontra-se consignado no portal da Advocacia Geral da União (AGU), a Governança representa um sistema que engloba a regulação, os processos e a cultura, valendo-se de um conjunto de ações direcionadas a prevenir, detectar, punir e remediar fraudes e atos que configurem corrupção governamental.

Adicionalmente, o programa de integridade visa, sobremaneira, tornar a atividade corrupta mais difícil. A corrupção vem sendo considerada como uma das mais proeminentes patologias. No Brasil, a Administração Pública corrompe, no entanto também é corrompida (Cunha, 2020).

Epistemologicamente, a nível global, a maioria das iniciativas anticorrupção decorre de reações a escândalos específicos. No Brasil não é diferente. Com a publicação da Lei nº 12.846/2013, a Lei Anticorrupção, passou-se a estabelecer um novo paradigma de normas e princípios para a responsabilização de pessoas jurídicas em atos ilícitos, na medida em que se pretende reprimir condutas lesivas à Administração Pública, em uma estrutura normativa que gera a tendência para que Estados e municípios passem a exigir mecanismos internos de integridade em suas contratações, em um exercício do papel de protagonismo no microssistema jurídico de combate a corrupção (Castro; Aguirre, 2021).

Os programas de compliance vêm atender a reflexividade em análise a posição empírica do direito no contexto social, servindo, também, como instrumentos normativos destinados a promover a avaliação e seleção normativas, que abarquem regras e princípios e a tenha como um dos seus instrumentos jurídicos normatizados (Mesquita, 2019).

Essa análise se volta principalmente ao fato de um desses entes públicos vir a ser vítima de uma das condutas reprimidas previstas na lei.

Para muito além de consubstanciar-se apenas em um sistema de gestão, os instrumentos jurídicos gozam do atributo da generalidade e sofrem consequências jurídicas administráveis sob o regime jurídico de direito público, predominantemente (Mesquita, 2019).

A implantação do compliance ou integridade na Administração Pública está prevista na Lei Anticorrupção – Lei n.º 12.846/2013. O Sistema Nacional de Combate à Corrupção passou a responsabilizar as pessoas jurídicas que cometem atos que lesam a Administração Pública, quando antes a responsabilização se destinava apenas à pessoa física que praticava o ato (Freitas, 2021).

Normalmente, o que se percebia é que a empresa, quando tomava conhecimento de um ato de corrupção praticado por seus funcionários, procedia à demissão daquele funcionário culpado e tentava se eximir da responsabilidade, sem que fosse averiguada se a ambiência da empresa propiciava, era leniente ou estimulava a prática de atos que lesam a Administração Pública. Agora, também a empresa é responsabilizada na esfera administrativa e civil (Silva; Lima; Bessa, 2020).

A corrupção, para além dos danos que possam causar ao erário, mina a confiança da sociedade no Estado, em razão do desleal e fraudulento uso do poder, donde se espera das atividades estatais a aplicação isonômica da lei. Assim, pode-se dizer que a corrupção é a subversão da norma por aqueles que deveriam guardá-la e fazer cumpri-la (Breier, 2015).

A normatização de condutas versus as penalidades dispostas na legislação indica apenas “estruturas, princípios e diretrizes fundamentais que devem orientar a constituição dos programas de integridade, de acordo com as especificidades de cada organização” (Barreto; Souza, 2019, p. 193).

Correlatas à legislação de natureza penal, a Administração Pública dispõe de penalidades administrativas, que são medidas sancionadoras, a exemplo da implantação de processos administrativos disciplinares, que observa a tramitação, tal qual o processo penal no judiciário, assegurando no trâmite administrativo, o exercício da ampla defesa e o contraditório.

O sistema de compliance por meio da gestão de riscos e governança possibilita a identificação do desvio de conduta, bem como a identificação do dano causado. Consequentemente, torna viável a abertura de um processo punitivo seja na esfera penal, administrativa, ou concomitante nas duas esferas.

Há que se considerar que o sistema de integridade visa não apenas a busca da conduta negativa, mas de desenvolver a conduta de forma positiva e ética, posto que, “possuir e aplicar um efetivo programa de integridade representa o principal fator de atenuação de penalidades no âmbito do Processo Administrativo de Responsabilidade, ao gestor público” (Barreto; Souza, p. 107).

A seção a seguir se dedicará à análise do compliance como prevenção à corrupção.

2.1 Compliance como prevenção à corrupção

As percepções que movem um programa de integridade devem estar para além da busca exclusiva pela repressão às condutas lesivas ao erário ou ao serviço público. Assim, segundo Dematté (2020, p. 79) “a prevenção da ocorrência do comportamento corrupto/corruptor”, são a base para a “concepção e a implementação de políticas de promoção a integridade pública”.

A corrupção tem seus efeitos conhecidos: destrói recursos públicos, amplia desigualdades econômicas e sociais e, com isso, perpetua a pobreza e reduz a confiabilidade do setor público (Simão, 2020).

A corrupção do agente público pressupõe que este deixa de considerar o interesse público e passa a agir na busca de seus interesses particulares, com falta de moralidade e ultrapassando a legalidade, enquanto para o empresário a opção por atos corruptos se dá quando julgar “que os prováveis benefícios por cometer um ato ilícito superam os custos” (Schramm, 2018, p. 52). Nesse sentido, a Lei anticorrupção passa a figurar como lei pro-integridade, uma forma de aprimorar a gestão das contratações.

No campo comportamental parte-se do pressuposto de que a conduta humana de forma ética pode ser culturalmente condicionada por meio de sistemas de incentivos - compliance ou integridade, sob a premissa de que “os indivíduos podem ser condicionados a atuarem, pelo menos em certa medida, de forma mais consentânea com os limites morais e legalmente impostos” (Schramm, 2018, p. 68), coibindo práticas desonestas.

Há uma maior mobilização normativa jurídica, que respalda a Polícia Federal, as controladorias – de forma precursora a AGU – e o Ministério Público, como as Leis: Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), Lei 12850/2013 (Lei da Colaboração Premiada) e a Lei 12.846/2013 (Lei de Acesso à Informação), ampliando o monitoramento pela sociedade, permitindo “responsabilizar objetivamente as empresas por atos lesivos praticados por pessoas em seu nome ou proveito, além de introduzir o acordo de leniência como instrumento negocial” (Simão, 2020, p. 392), melhor dizendo, como uma busca efetiva pela responsabilização dos responsáveis por eventuais desvios.

O sistema de compliance tem sido visto como forma de fortalecimento desse processo, seja nas empresas, com o aprimoramento dos seus controles, ou nas instituições públicas com a gestão de riscos, diretrizes para melhoria na governança pública.

A análise sobre os possíveis benefícios da implementação de programas de criminal compliance é essencial para embasar decisões sobre sua adoção. Superados os desafios financeiros associados à estruturação e operação dessas medidas, sobretudo para empresas de maior porte, resta avaliar os ganhos potenciais que podem resultar de sua aplicação.

Do ponto de vista estritamente jurídico, com enfoque na esfera criminal, não obstante a existência do Decreto nº 8.420/2015, revogado pelo Decreto nº 11.129/2022, verifica-se que o criminal compliance ainda carece de regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que se refere à exclusão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, como ocorre na Espanha. No modelo espanhol, a responsabilidade criminal de empresas é avaliada com base nos programas de compliance, que, quando comprovadamente efetivos, podem eximir completamente a organização de responsabilidade penal.

Felício (2019) destaca que o Brasil deveria se espelhar no modelo espanhol, uma vez que este avalia a culpabilidade da pessoa jurídica a partir da eficácia de seus programas de compliance. Quanto mais efetivas forem essas iniciativas, menor a reprovação à conduta da empresa, com possibilidade de mitigação ou até exclusão da responsabilidade penal. Assim, espera-se que a legislação brasileira avance no sentido de atribuir maior relevância aos programas de compliance como ferramentas legítimas de prevenção e combate à criminalidade. O uso em maior escala de programas de criminal compliance é indispensável para prevenir crimes econômicos, pois oferece um caminho para modificar mentalidades e incorporar valores éticos à atividade empresarial, com potencial para gerar impactos positivos no ambiente ao seu redor.

O papel das empresas no cenário atual transcende as fronteiras territoriais dos Estados, assumindo influência significativa em diversas áreas, como cultura, pesquisa científica e apoio social. Nesse contexto, os movimentos empresariais tornam-se forças essenciais na construção de uma realidade social mais justa e no combate à criminalidade.

Além disso, o criminal compliance pode ser compreendido como parte da função social das empresas, promovendo transformações culturais que reforçam seu compromisso com a sociedade. Hart (2006) ressalta que, assim como o Estado e a religião foram instituições dominantes no passado, as empresas emergem como atores de enorme poder na contemporaneidade, capazes de influenciar cidades, estados e até mesmo nações.

Desde a Constituição de 1934, o Brasil reconhece a função social da empresa, conforme previsto nos artigos 115 a 143, sob o título “Da Ordem Econômica e Social”. Com a Constituição de 1988, essa função adquiriu ainda mais destaque, sendo considerada por Gustavo Tepedino (2004) como um princípio fundamental da ordem econômica e uma garantia individual.

Dessa forma, a empresa não deve ser vista apenas como uma entidade voltada ao lucro, mas como protagonista de transformações sociais. Arnoldi e Michelan (2000) defendem que as empresas possuem força socioeconômica para gerar empregos e influenciar as relações sociais em seu entorno

O combate à criminalidade, nesse contexto, torna-se uma responsabilidade social das empresas, não se limitando a gestos filantrópicos. Machado Filho (2011) argumenta que a responsabilidade social corporativa vai além da filantropia, abrangendo um compromisso ético nas decisões empresariais e respeito pelas pessoas, comunidades e meio ambiente.

Assim, vislumbra-se a possibilidade de utilizar os programas de criminal compliance como ferramentas de transformação social, extrapolando o ambiente empresarial e promovendo valores que influenciem positivamente a sociedade. Esses programas podem servir como instrumentos eficazes de combate à criminalidade, fomentando uma cultura de responsabilidade social com benefícios amplamente difundidos.

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