3 A relação Compliance Criminal e Análise Econômica do Direito
De acordo com Guido Calabresi (1984), os sistemas de responsabilidade possuem dois objetivos fundamentais: garantir a justiça e minimizar os custos associados aos acidentes. No entanto, o autor destaca que a sociedade não busca eliminar completamente a ocorrência de acidentes, mas sim controlar os custos decorrentes deles. Ele rejeita a ideia de uma regra econômica universal que estabeleça, de forma definitiva, a melhor forma de distribuir as perdas.
Para atingir essa minimização, Calabresi (1984) propõe a divisão dos custos em três categorias principais: custos primários, custos secundários e custos terciários.
Os custos primários estão relacionados à prevenção de acidentes, seja por meio de métodos de mercado (prevenção geral) ou métodos coletivos (prevenção específica). A prevenção geral considera que os indivíduos são livres para realizar determinadas atividades, mas devem assumir os custos dos acidentes resultantes. Assim, práticas consideradas mais arriscadas podem ser proibidas ou sujeitas a taxas mais elevadas, desestimulando sua realização quando os custos forem mais altos. Aqui, aplica-se o princípio do Cheap Cost Avoider, que atribui os custos que estão na melhor posição para evitar o acidente (Mendonça, 2012).
A prevenção específica, por sua vez, atribui a um órgão coletivo a função de definir o nível de determinada atividade, quem pode exercê-la e de que forma. Nesse contexto, busca-se identificar o best cost avoider, ou seja, quem pode evitar o acidente de maneira mais eficaz, baseando-se em critérios morais e não apenas econômicos (Mendonça, 2012).
Os custos secundários referem-se às consequências sociais dos acidentes quando as medidas de prevenção falham. A principal preocupação aqui é evitar que as vítimas fiquem desamparadas, como nos casos em que não podem arcar com tratamentos médicos adequados (Millis, 2021).
Dois mecanismos são utilizados para mitigar esses custos: o loss spreading, que dilui os riscos entre muitas pessoas por meio de seguros privados ou sociais, e o método deep pocket, que transfere os custos para aqueles com maior capacidade financeira. Esse último se justifica pela teoria da utilidade marginal decrescente do dinheiro, segundo a qual a perda de uma unidade monetária afeta menos uma pessoa rica do que uma pessoa pobre (Mendonça, 2012).
Por fim, os custos terciários referem-se às despesas administrativas envolvidas ao gerenciamento de acidentes. Sua redução depende do sucesso das medidas de prevenção e da exigência de indenização por parte das vítimas (Millis, 2021).
De forma geral, os custos sociais ou a totalidade dos acidentes podem ser expressos como a soma dos custos de prevenção e dos danos esperados. Cooter e Ullen (2010) propõem a seguinte fórmula para representar essa relação: CS = wx + p(x)A, onde: CS é custo social total esperado; wx, o custo de prevenção; e p(x)A, o custo esperado do dano, sendo p(x) a probabilidade de ocorrência e A o valor monetário da perda.
Ao aplicar esse raciocínio ao contexto empresarial, a implementação de programas de compliance pode ser vista como uma forma de aumentar os custos de prevenção, evitando a probabilidade de ocorrência de infrações legais. Assim, o custo esperado de eventos e danos também será reduzido, promovendo uma gestão mais eficiente e ética dentro das organizações.
Millis (2021) expõe estudos que avaliam a relação custo-benefício da implementação de Programas de Compliance nas organizações, concluindo que, para cada dólar investido, são economizados cinco dólares em processos judiciais, danos às obrigações e perdas de produtividade. Contudo, nem sempre o aumento nas medidas de precaução garante um resultado eficiente. Após certo ponto, o incremento na prevenção faz com que o custo total se eleve, tornando o investimento excessivo e desnecessário.
Idealmente, o risco de dano deveria ser reduzido a zero, mas essa situação é inatingível, uma vez que nenhuma organização, por mais bem estruturada que seja o Programa de Compliance, é completamente imune a infrações. O nível eficiente de precaução ocorre quando o Custo Social Marginal — o custo de mais uma unidade de precaução — se iguala ao Benefício Social Marginal — a redução esperada nos danos futuros. Em outras palavras, o ponto ótimo de prevenção é alcançado quando cada unidade monetária investida em prevenção resulta na redução equivalente de perdas esperadas (Battesini, 2011).
No contexto dos Programas de Compliance, os custos de implementação e manutenção devem ser balanceados com a possível redução nos gastos relacionados a multas, indenizações e outras consequências decorrentes de infrações legais. Para determinar o investimento adequado, é necessário considerar a multa prevista no art. 6º da Lei nº 12.846/13, que varia de 0,1% a 20% do faturamento bruto anual da empresa, além da possibilidade de redução dessa negociação caso a organização possua um Programa de Compliance eficaz.
Assim, torna-se economicamente irracional que uma empresa invista mais de 20% de seu faturamento bruto anual em prevenção, já que o benefício potencial não ultrapassaria o teto da multa estabelecida pela Lei Anticorrupção. Gastos além desse limite resultariam em desperdício de recursos financeiros (Millis, 2021).
Além disso, quando os custos de prevenção ultrapassam os custos do dano possível, um agente econômico racional tende a preferir assumir o risco de cometer uma infração, pagando a indenização ou apoiando as deliberações legais. Nesse contexto, a Lei nº 12.846/13 adota uma abordagem coerente com a AED, ao estabelecer um regime de proteção específico para práticas de corrupção e ao criar a adoção de Programas de Compliance, habitualmente comportamentos ilícitos e promovendo o desenvolvimento econômico.
Conclui-se, portanto, que os custos de prevenção devem ser proporcionais aos custos dos possíveis danos e que as avaliações — tanto internas quanto externas — devem ser suficientemente eficazes para estimular a conformidade e a responsabilidade empresarial.
CONCLUSÃO
Este artigo objetivou discutir a relação entre compliance criminal e Análise Econômica do Direito.
O termo compliance, embora utilizado para significar o mecanismo empresarial de O conceito de compliance, frequentemente associado a mecanismos corporativos específicos para prevenir e identificar infrações legais, pode ser adaptado para contextos jurídicos específicos. Nesse sentido, surge o criminal compliance, expressão utilizada para designar práticas empresariais destinadas a garantir o cumprimento das normas penais por parte das empresas e de seus integrantes.
Essa abordagem implica duas análises principais: a prevenção de crimes por meio do respeito às normas jurídico-penais, muitas vezes relacionadas a outras áreas do Direito; e as consequências jurídicas resultantes de crimes não evitados, abrangendo possíveis decisões criminais.
Quando uma empresa decide implementar um programa de compliance criminal, seu objetivo não é aumentar a exposição a riscos penais nem ampliar a responsabilidade de seus gestores. Pelo contrário, a meta principal é evitar a ocorrência de crimes, de modo que a responsabilidade penal seja sequer discutida. Se, ainda assim, ocorrer alguma infração, espera-se que o programa atue como um fator mitigador, de redução ou até mesmo excluindo a responsabilização criminal de seus membros.
No contexto jurídico brasileiro, observa-se uma tendência compatível com as políticas internacionais de ampliação do alcance das normas penais, incluindo a responsabilização criminal e administrativa das pessoas jurídicas. Portanto, a implementação de políticas de compliance criminal tornou-se uma necessidade prática para as empresas nacionais, cujos custos associados não podem ser ignorados pelo Direito.
A incorporação de práticas preventivas contra crimes corporativos nas estratégias de governança empresarial representa um avanço relevante na política criminal do país. Ao substituir a simples ameaça de proteção por incentivos econômicos e reputacionais positivos, a conformidade normativa transforma-se em uma ferramenta eficaz para a promoção de comportamentos empresariais e legais, elevando a governança corporativa a novos níveis.
Nesse contexto, o compliance surge como uma estratégia fundamental para lidar com o aumento da criminalidade econômica, particularmente no combate à corrupção. No entanto, ele não deve ser confundido com auditorias superficiais ou documentos meramente protocolares. Para ser eficaz, o compliance precisa promover uma transformação cultural nas organizações, internalizando princípios éticos e legais no ambiente corporativo.
Em síntese, ainda que o tema apresenta vasto campo para discussão, destaca-se a relevância das ferramentas de compliance no combate à fraude e na gestão ética nas empresas. Investir em programas robustos, incluindo a elaboração de códigos de conduta e outras medidas práticas, fortalece a integridade corporativa e contribui para a sustentabilidade das organizações no mercado contemporâneo.
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ABSTRACT: This article focuses on Criminal Compliance, and is limited to the study of the relationship between criminal compliance and Economic Analysis of Law (AED). Thus, it seeks to understand business efficiency and competitiveness in the context of Brazilian economic regulation. To this end, it explains economic crime; discusses compliance as a precursor to public governance, good management and control of corruption; and analyzes the relationship between criminal compliance and Economic Analysis of Law. Regarding the methodology, the research uses the deductive method, based on bibliographical references and the legislation applicable to the subject. Based on the doctrine and legislation, it was concluded that the connection between criminal compliance in companies and AED is based on the analysis of the costs and benefits associated with the implementation of compliance programs, on the understanding of the economic incentives aimed at preventing violations and on the positive effects that the adoption of these practices generates for both companies and society. AED offers a valuable perspective to understand how compliance can be an effective tool to inhibit illegal behavior, promote collective well-being and encourage companies to adopt ethical and legal conduct.
Key words : Corruption. Criminal compliance. Economic analysis of law. Business competitiveness.