INTRODUÇÃO
O debate sobre o sistema de governo no Brasil é recorrente, especialmente diante das crises institucionais que desafiam a estabilidade democrática.
O presidencialismo, predominante desde a Proclamação da República, tem demonstrado diversas fragilidades estruturais, incluindo a dificuldade de governabilidade e a recorrência de impasses políticos que prejudicam o funcionamento do Estado.
Diante desse cenário, o semipresidencialismo surge como uma alternativa viável para equilibrar as relações entre Executivo e Legislativo, garantindo maior estabilidade ao sistema político.
Este artigo analisa as características do semipresidencialismo, suas diferenças em relação ao parlamentarismo, sua aplicabilidade no contexto atual do Brasil e a importância da experiência internacional como referência para a implementação de um novo modelo de governança.
DO SEMIPRESIDENCIALISMO
O semipresidencialismo é um sistema de governo que combina elementos do presidencialismo e do parlamentarismo.
Nele, o presidente da República é eleito pelo voto popular e exerce funções de chefe de Estado, enquanto um primeiro-ministro, escolhido pelo presidente e referendado pelo Parlamento, assume a chefia do governo.
Esse modelo possibilita a divisão do poder Executivo, reduzindo a concentração de poder e permitindo maior controle legislativo sobre a administração pública.
Dentre as principais características do semipresidencialismo, destacam-se:
· Dualidade do Poder Executivo: O presidente mantém funções institucionais e estratégicas, enquanto o primeiro-ministro gerencia o governo cotidiano.
· Possibilidade de dissolução do Parlamento: O presidente pode dissolver o Congresso em casos específicos, evitando paralisia governamental prolongada.
· Maior flexibilidade política: O primeiro-ministro pode ser destituído pelo Parlamento, evitando longos processos de impeachment.
· Governabilidade ampliada: A necessidade de alianças políticas para formação do governo reduz a fragmentação partidária e incentiva coalizões mais estáveis.
Segundo Duverger (1980), "o semipresidencialismo permite uma maior flexibilidade política ao adaptar-se tanto às conjunturas de estabilidade quanto às de crise política".
O ex-presidente Michel Temer, defensor da adoção do semipresidencialismo no Brasil, afirmou que "o sistema atual tem demonstrado fragilidades evidentes, especialmente no que se refere à governabilidade.
O semipresidencialismo permitiria uma condução mais eficiente do governo, garantindo maior estabilidade política" (Temer, 2021).
DO PARLAMENTARISMO
No parlamentarismo, o chefe de governo (primeiro-ministro) é escolhido pelo Parlamento e pode ser destituído por este a qualquer momento através de uma moção de censura.
O chefe de Estado (presidente ou monarca, dependendo do país) tem uma função essencialmente representativa e simbólica, sem interferência direta na condução das políticas públicas.
Esse sistema favorece a estabilidade política, pois permite a troca de governos sem necessidade de longos processos de impeachment, como ocorre no presidencialismo.
Além disso, a formação de governos tende a ser mais programática, pois os partidos políticos precisam construir coalizões com base em acordos sólidos e não apenas em distribuição de cargos ministeriais.
Entre as principais características do parlamentarismo, destacam-se:
· Primazia do Legislativo sobre o Executivo: O governo deve ter apoio parlamentar para existir e operar eficazmente.
· Flexibilidade para mudanças de governo: Quando um primeiro-ministro perde a confiança do Parlamento, é substituído sem que haja crises institucionais profundas.
· Redução do personalismo político: O chefe de governo não é eleito diretamente pelo povo, minimizando crises institucionais derivadas de lideranças autoritárias ou populistas.
Sartori (1994) argumenta que "o parlamentarismo é superior ao presidencialismo na promoção da estabilidade política e da responsabilidade governamental".
DAS DIFERENÇAS ENTRE OS SISTEMAS
A principal diferença entre os dois sistemas reside no papel do chefe de Estado. Enquanto no parlamentarismo o presidente ou monarca tem função simbólica, no semipresidencialismo ele continua exercendo influência política, podendo dissolver o Parlamento e nomear o primeiro-ministro.
Outra distinção fundamental é a forma de destituição do governo: no parlamentarismo, depende exclusivamente do Parlamento, enquanto no semipresidencialismo o presidente também exerce influência nesse processo.
Característica |
Semipresidencialismo |
Parlamentarismo |
Eleição do presidente |
Voto popular |
Indicado ou eleito indiretamente |
Função do presidente |
Chefe de Estado com funções políticas e institucionais |
Chefe de Estado com função simbólica |
Primeiro-ministro |
Nomeado pelo presidente, mas precisa de apoio parlamentar |
Escolhido pelo Parlamento |
Poder do Parlamento |
Pode destituir o governo por moção de censura |
Pode destituir o primeiro-ministro e dissolver o governo |
Dissolução do Parlamento |
O presidente pode dissolver em situações específicas |
O chefe de Estado dissolve quando há impasse político |
DO ATUAL MOMENTO DO BRASIL
O Brasil enfrenta um cenário político conturbado, marcado por polarizações extremas e dificuldades de governabilidade.
O sistema presidencialista tem se mostrado ineficaz diante de crises institucionais, onde o Executivo frequentemente entra em conflito com o Legislativo e o Judiciário, gerando paralisia administrativa e instabilidade econômica.
Além disso, a dependência de coalizões frágeis e fisiológicas compromete a efetividade da gestão pública.
Os processos de impeachment de Fernando Collor, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016, ilustram como a fragilidade do apoio parlamentar pode levar à deposição de presidentes.
Em ambos os casos, a base governista se fragmentou no Congresso, permitindo que a oposição articulasse a destituição dos chefes do Executivo, independentemente da gravidade das acusações formais de crime de responsabilidade.
Nos últimos anos, o custo político para a formação de governos no Brasil tem se elevado consideravelmente.
O presidente Jair Bolsonaro, durante seu mandato, foi obrigado a ampliar alianças com o chamado "Centrão" para evitar um processo de impeachment, cedendo espaços no governo e alterando sua agenda inicial.
Da mesma forma, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu terceiro mandato, enfrenta dificuldades para aprovar projetos estratégicos devido à falta de maioria consolidada no Congresso, o que o obriga a constantes negociações políticas.
Conforme Linz (1990), "o presidencialismo tende a gerar crises recorrentes devido à rigidez do mandato presidencial e à falta de mecanismos eficientes de substituição do chefe do Executivo".
DA INGOVERNABILIDADE DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA BRASILEIRO
O presidencialismo no Brasil é caracterizado por um modelo altamente dependente de alianças políticas instáveis.
A fragmentação partidária leva à necessidade de constantes negociações para garantir apoio no Congresso, o que resulta em um elevado nível de barganha política.
A dificuldade de governar sem maioria parlamentar, aliada ao risco constante de processos de impeachment, compromete a continuidade das políticas públicas e agrava a instabilidade política.
Ao longo da história recente, projetos importantes para o desenvolvimento do país foram inviabilizados por questões partidárias e disputas políticas.
A proposta de Reforma Tributária, discutida desde os anos 1990, enfrenta dificuldades para ser aprovada devido à resistência de grupos políticos que defendem interesses específicos.
Da mesma forma, a Reforma Administrativa, que poderia melhorar a eficiência da máquina pública, encontra barreiras no Congresso por conta de pressões corporativas e interesses eleitorais.
O Plano Nacional de Mobilidade Urbana, lançado para estruturar o transporte público nas cidades brasileiras, sofreu atrasos e cortes devido à falta de articulação política entre o Executivo e o Legislativo.
Da mesma forma, a privatização de setores estratégicos, como infraestrutura e saneamento, tem sido travada por disputas partidárias que priorizam interesses políticos em detrimento do benefício público.
Além disso, crises institucionais se tornaram frequentes no Brasil.
Os impeachments de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016) demonstram como a falta de apoio parlamentar pode levar à destituição de um presidente, mesmo quando as alegações de crime de responsabilidade são questionáveis.
Governos fragilizados, sem maioria no Congresso, tornam-se alvos fáceis para processos de impeachment, sendo que a governabilidade muitas vezes depende mais da capacidade de negociação política do que da aprovação popular.
O caso recente do governo de Jair Bolsonaro também exemplifica esse fenômeno. Para evitar um processo de impeachment, o Executivo foi forçado a compor alianças com o chamado "Centrão", grupo de partidos sem identidade ideológica definida, em troca de apoio no Congresso.
Esse tipo de barganha política compromete a efetividade da administração pública e mantém um sistema de troca de favores que pouco contribui para a modernização do país.
Dessa forma, o modelo presidencialista brasileiro se mostra vulnerável à instabilidade política e à paralisia decisória, tornando urgente a discussão sobre alternativas institucionais que promovam maior governabilidade e previsibilidade para a condução do país.
DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
A adoção do semipresidencialismo em países como França e Portugal tem demonstrado bons resultados na busca por equilíbrio entre os poderes.
Na França, por exemplo, o modelo permite que o presidente mantenha forte liderança nacional, enquanto o primeiro-ministro gerencia o governo cotidiano.
Durante a coabitação entre Jacques Chirac e Lionel Jospin (1997-2002), houve uma divisão clara de responsabilidades, permitindo um funcionamento eficiente do governo mesmo com líderes de partidos opostos.
Já em Portugal, o semipresidencialismo tem garantido estabilidade mesmo em momentos de crise política, permitindo a troca de governos sem grandes traumas institucionais.
Em 2004, o presidente Jorge Sampaio dissolveu o Parlamento devido à perda de apoio político do governo de Pedro Santana Lopes, assegurando uma transição de poder ordenada.
Entretanto, nem todas as experiências de semipresidencialismo foram bem-sucedidas. A Rússia, por exemplo, implementou um modelo semipresidencialista, mas, na prática, a concentração de poder no Executivo comprometeu a independência do primeiro-ministro e do Parlamento, resultando em um regime de caráter autoritário sob Vladimir Putin.
Da mesma forma, em Madagascar, a adoção do semipresidencialismo não foi suficiente para impedir crises políticas frequentes e instabilidade institucional.
O país enfrentou diversos golpes de Estado e sucessivas trocas de governo sem consolidar um sistema funcional.
Já na Finlândia e em Taiwan, o sistema mostrou-se eficiente na distribuição de poder entre os entes governamentais, permitindo alternâncias no governo sem comprometer a estabilidade política e econômica.
Na Finlândia, a transição para um modelo mais parlamentarista ao longo dos anos garantiu maior equilíbrio entre o presidente e o primeiro-ministro.
Em Taiwan, apesar dos desafios políticos, o modelo semipresidencialista permitiu a consolidação democrática e o crescimento econômico, demonstrando a viabilidade do sistema quando há instituições sólidas e mecanismos claros de governança.
Esses exemplos demonstram que o sucesso do semipresidencialismo depende de mecanismos bem estruturados de controle e equilíbrio de poderes, bem como da cultura política de cada nação.
DA NECESSIDADE DE PLEBISCITO
A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 1º, parágrafo único, que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
O artigo 14 da Carta Magna prevê o plebiscito como um dos mecanismos de exercício direto da soberania popular.
A mudança do sistema presidencialista para o semipresidencialista configura uma alteração estrutural de grande magnitude na organização política do Brasil, demandando uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), conforme os artigos 60 e seguintes da Constituição.
Como já ocorreu no plebiscito de 1993, no qual a população escolheu entre presidencialismo e parlamentarismo, qualquer nova tentativa de reforma deve ser submetida ao crivo da sociedade.
Além do respaldo constitucional, a legitimidade democrática de uma transformação dessa dimensão requer ampla discussão e participação popular.
O plebiscito garantiria que os cidadãos compreendam os impactos dessa mudança e possam decidir soberanamente sobre a estrutura de governo que melhor representa seus interesses políticos e institucionais.
Nacional, pois impactam diretamente a estrutura do Estado e o equilíbrio entre os poderes.
O jurista Doi Dalari defendeu a necessidade de um plebiscito para qualquer alteração do sistema de governo, afirmando que "qualquer mudança desse porte deve necessariamente passar pelo crivo da população, pois não se trata apenas de uma decisão técnica, mas de um verdadeiro pacto social entre o Estado e os cidadãos" (Dalari, 2022).
A realização de um plebiscito sobre o semipresidencialismo garantiria que os interesses do Brasil sejam preservados, promovendo um debate amplo e democrático sobre a melhor forma de governança para o país.
Essa medida evitaria decisões precipitadas que possam gerar insegurança institucional e garantiria que a mudança ocorra com ampla legitimidade popular.
Dessa forma, antes da implementação do semipresidencialismo, seria imprescindível a realização de um plebiscito para assegurar que essa reforma seja conduzida dentro dos princípios democráticos e constitucionais que regem o Estado brasileiro.
CONCLUSÃO
O semipresidencialismo se apresenta como uma alternativa viável para fortalecer a governabilidade no Brasil, reduzindo crises políticas e promovendo maior estabilidade institucional.
A experiência internacional demonstra que esse modelo pode melhorar a eficiência administrativa e o equilíbrio entre os poderes, evitando os recorrentes impasses do presidencialismo.
No entanto, para que a adoção do semipresidencialismo seja benéfica para o país, é fundamental que haja planejamento estratégico, reformas institucionais bem estruturadas e amplo debate nacional.
Qualquer mudança deve respeitar a soberania popular e ser submetida a um plebiscito, garantindo que a decisão seja tomada de forma democrática e alinhada aos interesses do povo brasileiro.
O Brasil tem a oportunidade de fortalecer suas instituições e consolidar uma democracia mais eficiente e estável, mas isso só será possível com a participação ativa da sociedade e o compromisso com a transparência e a legalidade.
REFERÊNCIAS
DALARI, Doi. Democracia e Mudança de Regime: O Papel da População na Transformação Política. São Paulo: Editora Jurídica Nacional, 2022.
DUVERGER, Maurice. Le Régime Semi-Présidentiel. Paris: PUF, 1980.
ELGIE, Robert. Semi-Presidentialism: Sub-types and Democratic Performance. Oxford: Oxford University Press, 2011.
LINZ, Juan J. The Perils of Presidentialism. Journal of Democracy, v. 1, n. 1, p. 51-69, 1990.
SARTORI, Giovanni. Comparative Constitutional Engineering: An Inquiry into Structures, Incentives and Outcomes. London: Macmillan, 1994.
TEMER, Michel. Governabilidade e Reforma Política no Brasil. Brasília: Fundação Ulysses Guimarães, 2021