O endividamento tem sido uma realidade cada vez mais presente no setor agropecuário brasileiro. O aumento dos custos de produção, oscilações nos preços das commodities, dificuldades climáticas e problemas no acesso ao crédito são alguns dos desafios enfrentados por produtores rurais que recorrem a financiamentos para manter suas atividades.
Diante desse cenário, duas importantes leis recentes trouxeram mudanças relevantes para o setor: a Lei do Agro (Lei nº 14.421/2022), que modernizou a concessão de crédito e as garantias no agronegócio, e a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), que criou mecanismos para renegociação de dívidas de consumidores. Embora ambas tenham impacto na vida dos produtores, a Lei do Superendividamento não se aplica diretamente às dívidas de crédito rural, o que gera dúvidas sobre as alternativas disponíveis para a renegociação de débitos no campo.
Neste artigo, vamos abordar os principais pontos dessas legislações e como os produtores podem utilizar seus direitos para manter sua produção e evitar a inadimplência.
1. Lei do Agro: O Que Mudou na Concessão de Crédito Rural?
A Lei nº 14.421/2022, conhecida como Lei do Agro, trouxe mudanças significativas para o setor, modernizando o acesso ao crédito rural e oferecendo mais garantias aos financiadores, o que, em tese, facilita a concessão de financiamentos aos produtores.
As principais alterações incluem:
Registro de Garantias: Alienação fiduciária de produtos agropecuários agora deve ser registrada no Registro de Imóveis correspondente à localização do bem, aumentando a transparência das operações.
Facilidade na Emissão de Cédulas de Produto Rural (CPR): Agora, não apenas os produtores rurais, mas também empresas que realizam o beneficiamento ou primeira industrialização dos produtos podem emitir CPRs.
Patrimônio Rural em Afetação (PRA): Permite que produtores dividam suas propriedades em frações menores para oferecer como garantia em operações de crédito. Isso amplia o acesso a financiamentos, mas também pode aumentar os riscos de endividamento.
Assinaturas Eletrônicas em Contratos Rurais: Redução da burocracia na formalização de financiamentos, facilitando o acesso ao crédito.
Fundo de Investimento no Agronegócio (Fiagro): Expansão das opções de financiamento privado para o setor agropecuário.
Essas mudanças visam proporcionar maior segurança jurídica para investidores e credores, incentivando a ampliação do crédito para o agronegócio. No entanto, também aumentam a complexidade das operações financeiras, exigindo que os produtores tenham cuidado ao assumir novos compromissos.
2. A Lei do Superendividamento e Suas Restrições para Produtores Rurais
A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, foi criada para permitir que consumidores renegociem suas dívidas de maneira mais justa e sustentável. O objetivo é evitar que pessoas físicas fiquem incapazes de pagar suas contas básicas devido ao excesso de débitos.
No entanto, a lei expressamente exclui contratos de crédito rural de sua aplicação. O artigo 104-A, §1º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que:
“Não serão objeto de repactuação as dívidas provenientes de contratos de crédito rural, financiamento imobiliário e contratos com garantia real.”
Isso significa que produtores rurais não podem utilizar os mecanismos da Lei do Superendividamento para renegociar financiamentos agrícolas, mesmo que estejam em situação de inadimplência.
Então, como um produtor pode renegociar suas dívidas se não tem acesso a essa lei?
3. Alternativas para Produtores Rurais Endividados
Embora a Lei do Superendividamento não se aplique ao crédito rural, existem outras alternativas para renegociação de dívidas no campo. Entre as principais estratégias estão:
3.1. Renegociação Administrativa com Bancos e Credores
Os bancos e cooperativas de crédito costumam oferecer programas de renegociação, especialmente em períodos de crise climática ou econômica. Essas negociações podem incluir:
Ampliação de prazos de pagamento
Redução de juros
Carência para início dos pagamentos
Em muitos casos, contar com assessoria jurídica especializada pode garantir melhores condições ao produtor.
3.2. Revisão Judicial de Contratos Bancários
Se um produtor rural identificou juros abusivos ou encargos excessivos em seu contrato, ele pode buscar a revisão judicial do financiamento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que é possível revisar contratos de financiamento rural quando há desequilíbrio econômico-financeiro.
Jurisprudência relevante:
STJ - REsp 1.578.526/RS: Permitida a revisão de cláusulas contratuais em financiamentos rurais devido à onerosidade excessiva.
STJ - AgInt no REsp 1.797.755/MS: Determinou que produtores podem questionar encargos abusivos com base no Código de Defesa do Consumidor.
3.3. Suspensão de Execuções e Leilões de Propriedades Rurais
Se um banco ou credor já ajuizou uma ação de execução contra um produtor rural, há a possibilidade de pedir a suspensão do processo e impedir leilões de bens. Isso pode ser feito por meio de:
Acordos judiciais para alongamento da dívida
Ações para impugnar valores cobrados indevidamente
3.4. Programas Governamentais de Refinanciamento de Dívidas Rurais
O governo frequentemente lança programas de refinanciamento de crédito rural, como o Desenrola Rural, aprovado pelo Senado, que permite renegociação com descontos de até 95% para pequenos agricultores.
Os produtores devem ficar atentos a essas oportunidades, que podem oferecer condições mais vantajosas para a quitação de dívidas.
Conclusão: Como Proteger Seu Patrimônio e Sua Produção
O endividamento no setor agropecuário exige uma abordagem cuidadosa e estratégica. Embora a Lei do Superendividamento não beneficie diretamente os produtores rurais, a Lei do Agro trouxe novas oportunidades e desafios para o financiamento do setor.
Diante da complexidade do crédito rural e da importância de proteger a propriedade e a produção, é fundamental que os produtores busquem informações e orientação jurídica especializada antes de assinar contratos de financiamento ou renegociar dívidas.
Se você é produtor rural e está enfrentando dificuldades financeiras, entender seus direitos pode ser a diferença entre manter sua propriedade ou perder seu patrimônio.