Capa da publicação Covid 5º ano: marcas na vida, na ciência e na justiça
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Covid 5º ano: marcas do grande mal na vida dos povos, no uso da ciência e na estrutura dos julgamentos

15/02/2025 às 09:38

Resumo:


  • A imprensa nacional parece estar esquecendo eventos importantes, como a chegada do paciente número um da Covid-19 no Brasil.

  • Em dezembro de 2019, surgiram notícias sobre uma estranha doença respiratória na China, que levou a teorias sobre sua origem no mercado público de Wuhan.

  • Cientistas americanos e europeus endossaram a versão chinesa sobre a origem da Covid-19, ligando-a ao mercado de Wuhan ou ao Laboratório de Virologia da cidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Há cinco anos, era registrado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. A narrativa sobre a origem do vírus teria sido moldada por interesses científicos e políticos, ocultando possíveis erros humanos?

1. Talvez a imprensa nacional esteja desmemoriada

Ou, talvez, isso deva ser visto de outro modo: estamos no verão e, mesmo que seja acidentado por anomalias climáticas, já absolutamente inegáveis, cria-se no inconsciente coletivo uma noção ambígua, de buscar no aparente esquecimento uma saída para registros históricos dolorosos, ainda que seja fechando a tampa do alçapão que contém a sua memória.

Mas... o próximo dia 27 deste mês de fevereiro de 2025 marcará o quinto ano da chegada comprovada do paciente número um da Covid-19 no Brasil.

Foi o caso de um brasileiro vindo da Itália, região da Lombardia, para São Paulo.

O fato só foi lembrado pela BBC News em publicação de uma reportagem por imagens, do dia 4 do mês corrente.

Certamente, teremos – como é o costume – a repercussão interna no Brasil do que aconteceu aqui conosco, mas lembrado por quem nos vê de fora para dentro.

A imprensa local logo repristinará a cobertura desigual que fez da primeira grande peste do Século, e os longos lamentos, o despudorado descaso, as pantomimas de curas junto com as falhas dos sistemas assistenciais de saúde, o sofrimento de multidões, o pânico, o isolamento, as perdas de vidas ou de chances de bem viver... serão lembrados como ecos que perdurarão.


2. O início da encenação sobre a origem

Em dezembro de 2019, haviam sido divulgadas as primeiras notícias de uma estranha doença respiratória (logo classificada sob a sigla SARS, com o significado de síndrome aguda respiratória grave), na forma de ‘epidemia’, na China, a partir da cidade de Wuhan.

Além do mistério, que decorria do desconhecimento da doença, o governo chinês agiu desde o primeiro momento de modo simulatório, apontando o ‘epicentro’ da doença no mercado público de Wuhan, onde eram comercializados animais vivos, entre os quais haveria algum espécime infectado pelo desconhecido vírus.

Essa origem já foi apontada como uma verdade estabelecida.

Antes e depois dela, como que para justificar antecipadamente a estupefação geral diante da notícia que chegou até a OMS, tratando de uma nova doença virulenta, a própria China (e só ela) divulgou com insistência que a doença poderia ter sido levada para seu território por atletas estrangeiros, especialmente dos EUA, no mês de outubro de 2019, por ocasião dos Jogos Mundiais Militares de Wuhan.

O que as delegações francesa e americana haviam cogitado era o contrário, que alguns integrantes de suas equipes tivessem adoecido em território chinês, no correr daquele outubro.

Como a versão de que o contágio proviera do exterior para a China não tinha nenhuma base em fatos, não foi aceita pelo conselho da OMS e, tão levianamente como surgiu, desapareceu.


3. O endosso

Cientistas americanos e europeus, notadamente os que estavam ligados aos chineses, financiados por laboratórios, programas governamentais ou universidades, com o marcado sentido de explorar o negócio da saúde (que talvez devesse ser chamado de o negócio da doença, com a sua condução e controle rentáveis), chancelaram a verdade estabelecida pelos chineses.

Assim, o mercado público de Wuhan ficou por largo tempo como o foco inicial da peste, transmitida por animais infectados para o homem pelo processo natural de transformação do vírus pelo hospedeiro ainda desconhecido, assim como já ocorrera com gripes e síndromes respiratórias registradas antes.

A insistência na versão já tida como ‘oficial’ passou a acontecer desde que outros cientistas vincularam o surto ao Laboratório de Virologia de Wuhan, que havia sido inteiramente montado pela França na década de 1950, para estudos e testes de microbiologia, que exigiam o controle máximo de biossegurança (nível 4), pois ali pesquisadores passaram a potencializar vírus em intervenções para sua modificação genética, conhecidas no jargão dos pesquisadores como “ganho de função”, numa aposta científica temerária de que isso ajudaria no controle de doenças futuras.


4. Indicativos de que terá sido da primeira grande peste provocada por erro humano de intencionalidade na História

A interpretação da perda de controle (ou ‘escape’) de um coronavírus modificado  propositalmente  estava fundamentada em indícios bem constatados, mas foi atacada como mais uma ‘teoria da conspiração’, pelos cientistas que se haviam manifestado primeiramente, como apoiadores da versão do governo chinês, tornada verdade estabelecida por este.

A fonte deveria ser o mercado de Wuhan, e isso quer dizer, no sentido do mandarim político vocalizado pela China, ponto final.

Revistas científicas, como a prestigiosa publicação inglesa “Nature”, por um bom tempo ampararam essa versão, e órgãos da imprensa a reproduziam ad nauseam para as vastas populações atingidas, que não tinham como saber, em melhor fonte, o que pensar.


5. O morcego não era o da bela valsa da opereta de Johann Strauss II

Já havia consenso de que o vírus tinha vindo do morcego, seu hospedeiro imemorial, já no primeiro semestre de 2020.

Em 30 de janeiro daquele ano, o biólogo etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, feito presidente da OMS como candidato eleito com indicação e apoio da China, que já detinha a presidência daquele órgão da ONU por onze anos (e contando também com o voto do Brasil, dado pelo ministro da Saúde Ricardo Barros, em 2017, no governo Temer, que assim conquistou para nosso país exatamente a Diretoria de Vacinas da instituição internacional, nela colocando uma... pediatra do Paraná, que também era militante política), declarou a Emergência Mundial em Saúde Pública, e ― no dia 11.03.2020  ― fez o reconhecimento da pandemia.

Até então a OMS pisava em ovos em relação à responsabilidade chinesa, e se valia unicamente das informações (incompletas) do governo de Xi Jinping, e dos pesquisadores ligados aos interesses do “endosso”.

Tedros, “O Tenebroso”, merece esse epíteto, e que  o marque para sempre, pois, quando foi candidato eleito em 2017, já havia sofrido denúncia da sua péssima gestão em saúde no seu próprio país, além de ter falhado ao ocultar três epidemias de cólera em território etíope e, ainda, por fazer alianças políticas com autoridades locais repressivas dos movimentos sociais e de protesto.

Vinte entidades de atuação internacional, lideradas pela ONG Human Rights Watch, pediram à ONU que desconsiderasse seu nome para cargo tão importante, por estar marcadamente desqualificado.

Mas, a pretexto da geopolítica do rodízio, praticada nos órgãos da ONU, terminado um mandato concedido à Ásia, seria a vez de um africano, e “O Tenebroso” foi eleito, em lugar de um renomado médico inglês que se havia destacado no controle do vírus Ebola, exatamente no coração da África.

Quando a pandemia veio a ser reconhecida com retardo (março de 2020), ela já se havia alastrado pela Europa, tendo como centro de vítimas a cidade de Bérgamo, no Norte da Itália (desde fevereiro de 2020), onde foram filmadas as primeiras cenas alarmantes de caminhões militares transportando caixões de defunto, pois a capacidade do cemitério local logo se esgotou.

Bérgamo se situa na região da Lombardia, exatamente onde esteve o portador do “Caso nº 1”, antes de retornar para o Brasil.


6. Desinformação, a forma de fraude que alimentou a pandemia

Nunca foi encontrado animal intermediário que tivesse sido infectado pelo morcego e no qual pudesse ter havido modificação virótica pelo processo natural, embora o pangolim tenha sido ‘caluniado’ por um bom tempo.

Logo, não havia explicação sobre como o vírus poderia ter ‘pulado’ para outra espécie, sem ter sido modificado.

O Laboratório de Wuhan fazia pesquisas com morcegos e, de tal modo isso era sabido, que o apelido da pesquisadora-chefe na área era “Madame Morcego”.

Foi preciso que o virologista francês Luc Montagnier, Prêmio Nobel de Medicina, oriundo do Instituto Pasteur, propusesse um grande questionamento sobre a verdadeira intencionalidade e a manipulação arriscada do coronavírus no laboratório chinês, para que ― a partir de então, e já era abril de 2020 ― a comunidade científica focasse melhor na investigação sobre a origem do novo vírus, com a obviedade de reconhecimento do nexo entre indícios e evidências, para que a versão oficial chinesa pudesse ser refutada, em favor de um domínio maior das causas da nova doença, tão mais importante quando não havia conhecimento hábil ao tratamento e cura.

Até se firmar essa interpretação, Montagnier se submeteu a um escrutínio rancoroso nos meios científicos, por criar “polêmicas”.

Os cientistas que, apressadamente, chancelaram a versão oficial chinesa, não devem ter seus nomes lembrados, em respeito ao que veio depois.

Na verdade, a ciência já os esqueceu, ou esquecerá, fatalmente, pela vergonha inseparável de suas teses recobertas de interesse, seja por fama, dinheiro ou prestígio profissional.

O mesmo aconteceu no passado mais distante com o cientista americano Robert Gallo, prestigiado pelo governo Ronald Reagan, que mentiu sobre a descoberta e o isolamento do vírus HIV, e que isso significava cura próxima.

Entre nós ― e essa colaboração-pátria não poderia faltar ― o grande desinformador mediático foi o médico-celebridade Dráuzio Varella, que negava a extensão e a relevância da Covid. Mesmo se havendo desculpado depois, pessoas foram enganadas, a imprensa e até os meios médicos.

Também intelectuais de prestígio em outras áreas procuraram suas cascas de banana para escorregar dizendo bobagens a respeito do que desconheciam.

O filósofo esloveno Slavoj Zizek, que se diz marxista, é autor de vasta obra e parece não ter pudor pela excentricidade, preconizou o retorno vigoroso da social-democracia no mundo, pois as políticas públicas se haviam tornado a prioridade dos países, para que a pandemia fosse controlada.

O que se viu, ao contrário, foi o fortalecimento de grandes instituições de modelo empresarial, dos laboratórios aos gigantes da tecnologia eletrônica, que controlavam os dados de propagação e faziam a checagem dos resultados.

Durante e após a pandemia o que houve foi o ressurgimento de regimes autoritários de modelo tradicional e ― mal arrefecido o contágio pela vacinação, bem antes que a peste acabasse ― a Rússia de Vladimir Putin, com a ideia do império com raízes ancestrais na cabeça, invadiu a Ucrânia, sem causa nem pretexto, em 24.02.2022.

Surpreendente também foi o respeitado filósofo italiano Giorgio Agamben, autor do clássico “Estado de Exceção” e conferencista admirado, ter virado negacionista, em plena mortandade em Bérgamo. Em seu delírio, as estatísticas provavam mortes cíclicas por outras doenças já conhecidas, de modo que a Covid não existia, era ficção.

Gallo, Zizek, Varella e Agamben enfrentarão até o final de seus dias um problema insolúvel com a recuperarão da imagem pública que gostariam de ter.

Vozes que sustentaram o estranho ‘irracionalismo científico’ de algum modo, hoje ainda ecoam como ectoplasma vagante nas redes, nos meios ou na memória.

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Já Putin e, assim como ele, uma multidão de outros negacionistas, ou adeptos do voluntarismo autoritário ressurgido com as mesmas ou outras inspirações do passado, e as guerras por iniciativas completamente inexplicáveis em nosso Século, ou ainda as apostas científicas temerárias de pesquisadores que levantaram de novo a tampa da Caixa de Pandora... todo esse entulho permanece engasgado no processo histórico, e ― neste ano em que o primeiro quarto do Século XXI se fecha ― os componentes desse indesejado ‘acervo’ vêm dar o ‘abraço da irracionalidade’ na crise da mudança climática, que agora é vivida.


7. Quando a pandemia começou a ser esclarecida e pôde ser combatida

Só a partir de 2021, mesmo em órgãos de prestígio informativo como a agência inglesa BBC, os esclarecimentos começaram a aparecer, de modo a evidenciar que aquela que havia sido chamada de ‘teoria da conspiração’ é que tinha sido construída sob sustentável verossimilhança.

Veja-se o excerto do que a BBC News publicou, em 3.6.2021, sobre as pesquisas no laboratório de Wuhan:

“Pesquisas de risco”

“Esse centro abriga o primeiro laboratório de biossegurança de nível 4 na China. Esses tipos de instalações funcionam com patógenos perigosos que ainda não têm vacinas ou tratamentos disponíveis.

Eles pesquisam animais, como morcegos, e vírus com potencial para se tornarem futuras pandemias.

Nesses centros, costuma-se aplicar uma técnica de pesquisa que há algum tempo preocupa parte da comunidade científica.

Trata-se do ganho de função, que modifica as funções de um vírus para estudá-lo a fundo.

"O ganho de função aumenta as habilidades do patógeno, como sua transmissibilidade, letalidade ou capacidade de superar uma resposta imune a vacinas e medicamentos", explica Richard H. Ebright, biólogo molecular da Rutgers University, em Nova Jersey (EUA), à BBC News Mundo.

"A pesquisa de ganho de função cria novos patógenos, que não existem na natureza, e que apresentam o risco de criar novas doenças, seja acidental ou deliberadamente."

Um vírus quimera

Em 2015, um grupo multinacional de 15 cientistas trabalhando com o Instituto Wuhan criou um vírus quimera a partir de dois coronavírus diferentes. O resultado foi uma versão mais perigosa com potencial para se tornar uma pandemia.

O estudo foi publicado na revista Nature. Entre os pesquisadores estava a professora Shi Zhengli, conhecida como a "mulher-morcego da China", por seu trabalho de campo com morcegos para prever e prevenir novos surtos de coronavírus.

Em outro trabalho semelhante ao publicado em 2015, "pesquisadores procuravam novos vírus em cavernas de áreas rurais, levavam para laboratórios, os manipulavam geneticamente e os estudavam em Wuhan", explica Ebright.

Entre os financiadores desse projeto estavam os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), agora liderados por Anthony Fauci.

(...)

Fauci, em uma audiência no Senado na última semana, na qual abordou o envolvimento do NIH no trabalho de campo em Wuhan, negou que os fundos tivessem sido reservados para o chamado ganho de função.

No entanto, ele admitiu que não havia garantias de que os cientistas tivessem mentido sobre seus experimentos. "Nunca se sabe", disse ele.

O governo dos EUA cortou o financiamento para essa pesquisa na China no ano passado, apesar de muitos especialistas insistirem que ela seria vital para prevenir novos surtos de coronavírus.”

Mais tarde ainda, só em maio de 2023, já aposentado, o ex-chefe do Centro de Controle de Doenças (CDC) da China, virologista George Fu Gao, passou a admitir publicamente que a possibilidade de ‘escape’ do vírus da Covid do laboratório de Wuhan não deveria ser descartada.


8. O que veio e o que ainda virá

Em 17.1.2021, vencendo toda sorte de obstáculos, começou a vacinação contra a Covid no Brasil, com a utilização da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, com o patrocínio inicial único e por iniciativa do governo de São Paulo, mediante a utilização de cepas fornecidas por um laboratório chinês.

Naquele mesmo mês, instalou-se a crise de falta de oxigênio em Manaus. Fotos da ampliação apressada de cemitérios, naquela cidade e em outras da Região Norte, vagaram pela imprensa do mundo.

Nada mais surpreendia.

Meses antes, em abril de 2020, quase 800 corpos foram retirados de ruas e casas em Guayaquil, Equador, depois de um surto de Covid naquela província.

Em fevereiro de 2023, meses antes que a transmissão pandêmica fosse declarada pela OMS como cessada, em 5.5.2023, o governo brasileiro divulgou um balanço dos episódios notificados.

Foram cerca de 40 milhões de casos de infecção e de 715 mil mortes com a causa confirmada, só em nosso país.

Os grandes laboratórios ocidentais é que conseguiram, através de vacinas inovadoras, controlar as variantes das cepas, identificadas a cada surto, alcançando o resultado da imunização em massa.

Foi esse o sistema que sobreviveu às suas próprias incertezas, não sem erros, e levou a sobrevivência aos que chegaram até o tempo da vacinação.

Houve governos que agiram em favor da ciência e muitos que agiram contra.


9. Quando a toga também ‘viralizou’

O Supremo Tribunal Federal, ainda a tempo, teve a felicidade de preservar a Constituição e, ante um governo federal ensandecido, reconheceu a competência concorrente de Estados e Municípios para as políticas de saúde e ― com efeito ― houve governos locais que agiram com autonomia e iniciativa para controlar os piores surtos.

Não era uma questão difícil decidir, pois não exigia maior indagação, como o STF o fez, impedindo que as políticas anti-vacinação, o kit-covid e outros desastres se propagassem mais.

Mas, o saldo negativo ficou por conta do mau aprendizado que disso resultou:

A partir de então, a Corte passou a ser intervencionista, a praticar desmandos em diversas áreas, o que resultou no ‘empastelamento do Direito’, para tomar emprestada uma expressão que a imprensa consagrou no Século XX, para referir-se a jornais vandalizados por fazerem oposição ou denúncias contra governos.

Outro passo em retrocesso foi o comportamento do Judiciário que, alegando continuidade de seus serviços sob cautelosa proteção, simplesmente revogou sponte sua  normas processuais, garantias, princípios e procedimentos sedimentados há séculos.

As audiências virtuais passaram a ser a regra. Nelas tudo acontecia. Um ministro do STJ foi flagrado lixando as unhas em plena sessão de julgamento.

Um desembargador montou um tapume falso, que caiu atrás dele, para simular que dava seu voto diante de uma alentada biblioteca.

Um advogado que fazia sustentação oral com gravata e beca voltou-se para fechar uma porta e deixou-se ver de bermudas, calçando sandálias (e não eram as da humildade...).

Tudo poderia ser contido dentro do jocoso rastaquera, não fora a verdadeira demolição de alguns institutos jurídicos:

  1. desaparecimento do princípio da imediação, pois os cidadãos perderam o direito de estar diante de um juiz, sustentar seu pleito, ouvi-lo pessoalmente e dizer acerca de detalhes oportunos para a solução da sua controvérsia;

  2. submissão a meios eletrônicos, fossem eles disponíveis ou não pela parte, até em habeas corpus, ação para a qual existe a garantia de acesso e uso sem formalidades;

  3. outorga de atos judiciais a funcionários, que passaram a despachar e decidir processos com base em programas de informática, mediante a escolha e sucessão de “eventos”;

  4. desobediência radical da investidura, tanto do juiz natural como a da sua competência decisória indelegável;

  5. perda da garantia do recurso inerente, já que a ausência de sessões presenciais nas várias Cortes de Justiça fez com que assomassem os julgamentos singulares, as decisões ditas monocráticas e as sessões virtuais, onde não há debate da causa nem entre os julgadores.

Estes são apenas alguns exemplos do que a pandemia levou consigo em matéria de funções da Justiça.

Ficou intocado o aparato da estrutura preexistente, embora sobrecarregado com mais departamentos, cargos, chefias e verbas na atividade meio, enquanto que os direitos, garantias e ritos históricos ― dissecados doutrinariamente desde épocas distantes ― transformaram a atividade fim  em um jogo virtual de formas remontadas por computador e com resultados tão estarrecedores que parecem cenas de “O Processo”, filmado por Luchino Visconti.

Ou seja, o Brasil ― como sempre ― inovou, criando a estupidez artificial antes mesmo que a inteligência artificial se estabelecesse.

Hoje, como só poderia dizer com graça o Barão de Itararé, tudo o que não acabou, continua...

Mas, sabe-se lá, talvez essa obviedade esteja no verso de alguma canção sertaneja... e algum desembargador ou ministro goste dela e a repita diante da tela, e isso acabará constando em algum julgamento editado eletronicamente pelo ‘funcionário responsável por montar acórdãos’.

Estamos no mundo em que Lukashenko, Orbán, Putin, Xi Jinping, Maduro, Ortega e outros estão com mandatos repetidos, e obtidos em eleições simuladas ou, pelo menos, pro forma. Em significado, isto é, simplesmente, ritual de democracia sem conteúdo de democracia.

E, mesmo por eleições não simuladas, os mais conhecidos personagens que surgem, ou voltam, não são menos temerários, aventureiros, salvacionistas ou retrógrados.

Tedros, “O Tenebroso”, continua lá na OMS, impunemente, como sempre esteve, e assim ficará até que Hades o chame para seu reino na escuridão. Já não pode convalidar as teses chinesas, como fez por demasiado tempo, mas permanece agarrado ao cargo.

Os órgãos de cúpula do Judiciário transformaram o Direito aqui praticado em um suspeitíssimo e ainda indigesto pastel, recheado de insondáveis suposições.

E foi assim que ... a doença e o Direito se associaram na estranha dança em torno de uma oportuna procedência esotérica para todos os grandes males na vida dos povos.


10. O que ficou

As perdas não devem ser lembradas com nomes ou casos, pois seria demasiado perturbador fazer uma classificação delas.

A China nunca dará indicações novas sobre o que ocorreu, como sobre o que ainda pretende fazer nessa área de pesquisa em saúde, ou em outra, que a elevem ao ambicionado posto de ser uma potência dominante e dominadora, uma vez que considera isso como um resgate do seu destino imperial irrenunciável, que foi perdido quando seu grande país não fez o Renascimento (apesar das suas reconhecidas descobertas), nem o expandiu pelo mundo, e novamente, quando não fez a Revolução Industrial, em que pese o poder, os recursos e o conhecimento que já detinha.

Caso a pandemia se tivesse originado nos EUA, Alemanha, França, Inglaterra ou país com igual autonomia, tudo seria discutido judicialmente.

Seria uma volta ao ‘espírito de Nuremberg’.

Esta incompleta memória sobre o quinto ano da mais devastadora pandemia do Século XXI, que abalou de alguma forma todos os que a viveram, seria então um comentário, talvez com critérios mais jurídicos ou de valoração de responsabilidades, sobre os processos para reparar danos à humanidade e punir seus autores, assim como os maliciosos que se empenharam em acobertar a peste com a desinformação ou negligenciaram em salvar vidas.

Mas não é isso o que acontece.

E o que acontece é que apenas nos foi dada uma memória para construir.

Por coincidência que a só a História explica, no dia 27.1.2025 ocorreu o 80º ano da data de desocupação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, então já abandonado pelos alemães, quando chegaram as tropas soviéticas.

O escritor italiano Primo Levi estava lá. Deixou sua memória no livro “É Isto um Homem?”.

Em 11.4.2025, também ficarão marcados os oitenta anos da libertação do campo de Buchenwald, na região da celebrada cidade de Weimar, que havia emprestado seu nome à primeira constituição republicana alemã.

As tropas aliadas, sob o comando do célebre general Patton, fizeram o registro cinematográfico da libertação e um dos que o realizou foi o não menos célebre Alfred Hitchcock.

O escritor espanhol Jorge Semprún estava lá. Deixou sua memória no livro “A Grande Viagem”.

Memórias teremos. Não é uma escolha. Pior é o esquecimento. Ele nos tira da História, de todas as histórias, as pessoais e aquelas da incrível saga da Humanidade.

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Sobre o autor
Luiz Fernando Cabeda

Desembargador do TRT da 12ª Região, inativo. Fez estágio na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional. Autor de "A Justiça Agoniza" e "A Resistência da Verdade Jurídica".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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