A verdade no direito contemporâneo

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16/02/2025 às 04:14
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Resumo: As teorias de verdade podem ser colocadas em duas básicas classes, a saber: teorias tradicionais de verdade, isto é, as teorias substantivas de verdade. De outro lado, as teorias minimalistas da verdade (Blackburn & Simmons, 1999). As teorias substantivas ou tradicionais da verdade são basicamente quatro, a saber: a teoria da correspondência, a teoria da coerência, a teoria pragmatista e a teoria da verificação ideal. As teorias minimalistas são todas do campo semântico. Diferem entre si, ora de forma visível e ora por meras sutilezas, tem formação na filosofia técnica, nas áreas de lógica, semântica e, filosofia da linguagem. A noção de verdade, além das razões sociológicas, culturais e educacionais podem nos encaminhar para refletir sobre a verdade no direito contemporâneo que é dotado de frenética dinâmica e a mutação de verdades é uma constante além de requerer mediação apropriada para a devida composição de conflitos de interesses.

Palavras-chave: Filosofia. Filosofia do Direito. Direito Processual. Direito Contemporâneo. Constituição Federal brasileira de 1988.


O problema da verdade dentro do contexto do Estado Democrático de direito traz relevante justificação para enfatizar o direito à verdade que tem todo cidadão. Infelizmente, por conta de influências ideológicas e seus nefastos efeitos na negação da verdade e da dignidade humana há manobras e versões a maquiar a verdade e esconder a verdade no Estado Constitucional , na argumentação jurídica, o que nos leva a refletir sobre os critério para uma verdade prática e a natureza jurídica da verdade jurídica.

Existe positivamente, o direito humano à verdade, principalmente, num Estado Democrático de Direito que almeja garantir a cidadania, a justiça e o bem comum.

A respeito da teoria da verdade, no cenário de transição para as democracias pluralistas, coloca-se como problema do dia na ciência constitucional, que tem tido pouca atenção da doutrina contemporânea.

Percebe-se que na consolidação do Estado Democrático de Direito fundado na competência sobre a verdade no cenário geral e particular, principalmente, quando há clamor por reformas.

De fato é contundente e material o direito humano à verdade, razão pela qual o cidadão tem o direito à verdade pois isso consolida a cidadania, a justiça e disseminação do bem comum.

Nesse sentido, a mesma preocupação existe em face ao direito à informação, razão pela qual as fake news, tem-se tornado um problema visível e palpável no processo de divulgação mediática que acontece nos jornais impressos, digitais e televisivos.

O conceito de verdade é o objeto de toda reflexão jurídica, filosófica e histórica e pode servir de referencial para a avaliação do significado de qualquer afirmação ou proposição.

E, diante das mais diversas concepções, a verdade poderá ser, por exemplo, uma declaração filosófica a qual poderá ser vista como referencial para a avaliação do significado de qualquer afirmação ou proposição.

Ainda há a reflexão filosófica impregnada de incertezas e dúvidas, conforme nos ensinou René Descartes, pois o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, é, naturalmente, igual em todos os homens, do que resulta que a diversidade de opiniões existe, não porque uns são mais sensatos que outros, mas somente por conduzirmos nossos pensamentos por diversos caminhos e não considerarmos a mesma coisa.

Porém, as diferentes formas de significar a verdade têm originado as mais divergentes escolas jusfilosóficas o que, a seu turno, influenciaram na diversificação de teorias jurídicas sobre a verdade. Tais divergências advém da ideia de que algumas coisas são certas por natureza, já que outras teses são certas meramente por convenção ou por legislação.

Assim, os lógicos e matemáticos afirmam que necessitam apenas de um único conceito de verdade, a saber, o de verdade formal. Porém, no Direito é diferente, pois as verdades jurídicas estão ligadas à discussão sobre os domínios do Direito que é tema das mais diversas reflexões na Filosofia Jurídica e, que tem como fim a compreensão das razões dos reducionismo e, consequentemente, do relativismo jurídico.

Afinal, questiona-se: existem quantas verdades jurídicas? Ou melhor, o que vem a ser verdade? e para atender as perguntas precisa-se considerar a verdade como sendo a afirmação ou juízo que resulta da relação que existe entre o conhecimento que deriva quer da experiência, da lógica e da razão. O problema das verdades, até não serem socialmente convencionadas, nem todos temos as mesmas razões para crer e agir.

As verdades jurídicas são, diferentemente, de outras ciências, são relativas, pois as divergências tornam-se mais evidente no Direito. Existe uma relação entre as verdades e a ciência e que podem qualificá-las nas ciências exatas como permanentes, as verdades das ciências naturais como transitórias e as verdades das ciências humanas, onde incluímos o Direito, como relativas.

É relevante distinguir a verdade da crença, pois ambos os conceitos não se confundem. Explica Bunge que se pode crer em falsidades e descrer em verdades e, todos ignoramos a maior parte das verdades e a maior parte das falsidades. Nesse vetor, a verdade e crença além de serem distintas, apesar de não serem obrigatoriamente separadas.

O conceito semântico e metafísico da verdade e o conceito pragmático ou psicológico de crença (seja pessoal ou coletiva) fundem-se no conceito da verdade pragmática. Mas, há dois conceitos, a saber: a verdade pessoal ou subjetiva e a verdade coletiva ou intersubjetiva que não devem ser confundidas com a verdade objetiva.

O Direito, em geral, labora com três tipos de verdades. O primeiro tipo é a verdade de correspondência fundada empiricamente e, portanto, derivada da correspondência entre o que pensamos e o que afirmamos e os fatos, coisas e acontecimentos constatados.

É um tipo de verdade que se funda numa afirmação, juízo de fato.

Quando afirmamos, por exemplo: eis aqui uma coisa! (objeto: dado ou realidade) designamos um objeto ou realidade por meio de uma sentença que envolve uma verdade de constatação, isto é, juízos de fatos construídos a partir de uma constatação empírica.

Todavia, quando afirmamos “esta coisa (objeto) é uma caneta”, “esta caneta é branca” ou “esta conduta é ilícita” estaremos, por meio dessas sentenças descrevendo uma realidade, a partir de uma correspondência (verdade de correspondência) existente entre um objeto (coisa ou conduta) e um nome (conceito: caneta) e uma qualidade (branca).

Tais nomes conceitos e qualidades são previamente conhecidos e convencionados. Logo, em teoria, contamos com um referencial teórico/conceitual e, portanto, sabemos o que é uma caneta, sabemos distinguir as cores, sabemos o que é uma lei e podemos identificar seu conteúdo.

No primeiro caso-exemplo, a justificação se apoia numa experiência (sensível), já no segundo num conhecimento ou convenção.

O segundo tipo de verdade, V2, (de razão discursiva ou argumentativa ) se funda no conceito de coerência, trata-se de uma verdade maiormente demonstrável por meio de processos (operações) lógicos que recaem sobre crenças, leis e princípios.

Assim, por exemplo, quando afirmamos “Caim matou Abel” estaremos afirmando uma verdade que depende de uma crença que exige a aceitação de que o fato histórico realmente existiu e, para considerá-lo verdadeiro, somos coerentes com a nossa fé, pela impossibilidade real de constatação.

Diferentemente de V1, este tipo de verdade não depende de uma constatação empírica, mas de processos dedutivos que desenvolvemos partindo de leis ou princípios previamente conhecidos. Assim, para poder afirmar que uma conduta é lícita ou ilícita devemos partir da análise do conteúdo da lei, para saber se a conduta está ou não tipificada como lícita ou ilícita.

Também deve ser considerada a verdade de coerência que pode estar fundada numa lei natural (física, química) como a gravidade. E, as nossas afirmações se justificam pela lei que invocamos e, que já foram convencionadas. Todo corpo abandonado a si próprio cai, ou a dignidade da pessoa humana é um superprincípio.

E, nesses casos as verdades são coerentes com uma lei ou princípio, e portanto, as afirmações e decisões são validadas ou legitimadas por leis e princípios que vigoram no tempo e no espaço.

O terceiro tipo de verdade é a fundada na razoabilidade definida por recursos ideológicos. É uma verdade justificada por processos axiológicos que nos ajudam a concluir que uma conduta é justa, boa e correta. E, assim, por exemplo, quando se afirma que "a corrupção é uma condução imoral e, portanto, indesejada e reprovada socialmente".

Estamos enunciando verdades que dependem de um recurso axiológico, razão pela qual são aceitas por motivo de razoabilidade, ou seja, dependem de sua possibilidade razoável fundada na razão humana e, talvez, por esse motivo, afirma-se o grande fracasso da verdade discursiva ou argumentativa.

Há, atualmente, um aparente consenso de que as verdades, na maioria das ciências, em particular, nas ciências humanas e sociais, são relativas. E, uma das causas desta relatividade está na própria composição multicultural das sociedades modernas.

O princípio da democracia pluralista aponta para uma forma de Estado e de sociedade onde as verdades tornam-se relativas. Nesse sentido, "a única verdade absoluta é que a compreensão da verdade deve ser relativas. E, nesse sentido, a única verdade absoluta é que a compreensão da verdade deve ser relativa e toda época tem suas verdades.

Os problemas que derivam do relativismo têm como base um critério de justificação ou de correção da conduta. E, o fato de uma afirmação, decisão ou ação serem consideradas certas ou corretas a depender do significado e do sentido atribuídos ao conceito de certeza ou correção e esse sentido se sujeito a um conceito referente: o conceito de verdade.

A lógica jurídica moderna que continua a ser definida pela teoria da dedução e, não como a teoria da verdade, não ajuda em nada. Ainda assim, consideramos que é perfeitamente possível sujeitar o processo lógico a um conjunto de enunciados que não sejam inteiramente verdadeiros nem totalmente falsos. Necessitamos, portanto, de uma teoria da verdade parcial de fato, coerente com a lógica jurídica.

A lógica jurídica é um ramo da lógica aplicada que analisa e interpreta as normas e princípios do direito. Ela é fundamental para a construção de argumentos jurídicos e para que juízes e advogados cheguem a conclusões fundamentadas.

A lógica jurídica é baseada em metalinguagem, ou seja, uma linguagem que analisa outra linguagem para desvendar o seu sentido.

Alguns pontos importantes da lógica jurídica são: A lógica jurídica busca conciliar o respeito ao direito com a aceitabilidade da solução encontrada. A lógica jurídica utiliza métodos racionais para resolver conflitos e tomar decisões;

A lógica jurídica busca soluções que sejam equitativas, razoáveis e aceitáveis. Utiliza técnicas de argumentação para que o orador conquiste a adesão do público-alvo. É fundamental para que os juízes e legisladores se posicionem sobre o direito.

Aparece a necessidade de averiguar, primeiro, o que é verdade, para logo discutir se o que é verdadeiro é sempre correto e se podemos ou devemos atribuir a esses conceitos o mesmo significado.

Deste modo, para o senso comum inexiste identidade entre esses conceitos. De maneira que o que, por momento consideramos verdadeiro nem sempre é correto.

O problema se agrava pela diversidade de sentidos atribuídos à verdade, sendo certo que, no plano das opiniões, todos têm razão e, por isso, ninguém a tem. Daí a importância dos convencionalismos e do diálogo, principais instrumentos da convivência social.

Contudo, afirma-se que está superada a teoria da verdade aristotélica, pois não mais se considera verdade como a correspondência da asserção à realidade, mas algo construído discursivamente, o que significa ser científico o resultado do consenso alcançado em relação ao objeto estudado. Isso faz com que as técnicas de argumentação sejam de extrema importância para o trabalho jurídico. Mas, como fazer para construir argumentos relevantes ou fortes?

O maior problema do conceito de verdade é seu critério de verificação (justificação ou correção). A respeito desses critérios, subsistem variadas teorias e formas dele ser significado, a saber, a teoria da correspondência e a teoria da possibilidade razoável de afirmação.

No plano da argumentação, como veremos, ambas as teorias são de extrema importância para o jurista empenhado em saber o que é fazer a coisa certa e essa noção repercute tanto na certeza do conhecimento como das nossas decisões.

Para Habermas , por exemplo, o conceito de conhecimento como representação é indissociável do conceito de verdade como correspondência. Assim, afirma o citado autor, não podemos renunciar ao primeiro sem perder também o segundo.

Se a linguagem e a realidade se interpenetram de uma maneira indissolúvel, a verdade de uma sentença só pode ser justificada com a ajuda de outras sentenças já tidas como verdadeiras e, portanto, como fundamento.

Mario Bunge também considera que existe uma verdade de fato e uma verdade de razão.

Quanto a esta última afirma que é aquela que pode ser estabelecida por força apenas da razão, destacando, assim, numerosas espécies: a) Verdades por definição nominal (ou convencionadas);

b) Verdades por imposição ou postulado;

c) Verdades por demonstração ou dedução ;

d) Verdades lógicas e;

e) Verdades por exemplificação . Todas, obviamente, com fundamentos diferentes.

Como saber se a afirmação é verdadeira? Quais são as razões justificantes da verdade? Existe conhecimento sem justificação?

Tais respostas às tais demandas podem ser diversas, pois, envolvem três relevantes razões ou fundamentos de justificação que, são a saber: importantes razões ou fundamentos de justificação que, a seguir, serão estudadas, a saber:

a) empírico-sociológica (concepção oriunda do Mundo);

1); b) teórico-discursiva (concepção oriunda do Mundo);

2) e; c) metafísico (concepção oriunda do Mundo) .

3). Para melhor compreender o assunto, definimos o conhecimento como ideias ou um conjunto de ideias que temos acerca de uma realidade.

O conhecimento é um produto ideal: uma “Crença” verdadeira ou justificada: expressa em proposições. Logo, importa saber como justificar as nossas crenças (verdades). Estudaremos, a seguir, dois importantes fundamentos ou razões de justificação.

O primeiro fundamento de justificação parte da seguinte premissa: toda verdade da realidade objetiva: fenômenos ou acontecimentos. Diz-se, assim, de um fundamento ontológico por meio do qual se afirma que “nada há em nossa inteligência que não haja entrado nela por meio dos sentidos”.

Pois bem, o fundamento empírico-sociológico da verdade se funda na relação de conformidade do nosso pensamento com uma realidade (exatidão): trata-se da correspondência, que anteriormente chamamos de V1.

Neste sentido, afirma Bunge: “uma vez que a teoria da verdade em termos de “coerência” não se preocupa com a referência factual, poderia parecer que nos devêssemos voltar para a concepção de verdade em termos de “correspondência”, sendo essa, aquela que afirma que um enunciado é verdadeiro caso se ajuste aos fatos”.

Frise-se que no processo de fundamentação empírica onde lidamos com asserções referentes a matéria de fato ou a proposições existenciais em geral, quando procuramos comprovar a veracidade ou falsidade de tais asserções, a lógica tem um papel secundário, já que somente pode operar com provas já fornecidas por nossas várias impressões sensoriais.

A respeito desse tipo de fundamento, considera-se toda verdade depende das experiências, isto é, da observação direta da coisa em si. Aceitaremos, pois, que “a verdade é uma propriedade que as proposições não podem perder – uma vez que uma proposição é verdadeira, ela é verdadeira para sempre e para qualquer público.

Já a segunda razão ou fundamento parte da seguinte premissa: podemos ter algum conhecimento ou ideia acerca de uma realidade sem que necessariamente exista constatação, isto é, sem apoio em evidência sólida (experiências). Assim, por exemplo, acreditamos e afirmamos que “o sol nascerá amanhã porque ele assim tem feito no passado”.

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A razão discursiva (ou argumentativa) se funda nos seguintes conceitos: a) coerência, maiormente demonstrável por meio de processos (operações) lógicos que recaem sobre crenças, leis e princípios e, por esse motivo aos efeitos desta obra chamamos de V2 e; b) razoabilidade, definida por recursos axiológicos e que anteriormente simbolizamos com V3.

No exemplo, “Caim matou Abel” está se afirmando uma verdade que depende de uma crença que exige a aceitação de que o fato histórico realmente existiu e para considerá-lo verdadeiro, somos coerentes com a nossa fé, pela impossibilidade real de constatação.

A verdade de coerência (V2), neste sentido, é aceita sempre que se acredite na existência de um objeto (fato ou conduta) com o qual não tivemos alguma experiência. Todavia, a verdade de coerência pode estar fundada, como visto, numa lei ou num princípio por meio dos quais se legitima uma “validade”.

Verifica-se com asserções cuja justificação se assenta num princípio ou lei de “validade” da nossa afirmação que se limita a determinado tempo e lugar.

A terceira razão ou fundamento parte da seguinte premissa: Existe uma verdade universal, permanente e anterior ao intelecto humano. Este tipo de fundamento associa a verdade a uma realidade imaginária cujos recursos somente podem ser atingidos axiologicamente. Os recursos e princípios primeiros situam-se num imaginário mundo para além do mundo empírico e sua simbologia, ondo a coerência cede lugar à razoabilidade. É, com base nesta realidade que podemos afirmar, por exemplo, a justiça social.

Este tipo de verdade (V3 ou Verdade de razoabilidade) é justificada por processos axiológicos que nos ajudam a concluir que uma determinada ação ou conduta é justa, boa ou correta.

Quando afirmamos “esta decisão é injusta”, estamos enunciando verdades que dependem de um recurso axiológico, razão pela qual são aceitas por motivo da razoabilidade, isto é, dependem de sua possibilidade razoável fundada na razão humana e, talvez, esta seja a grande fraqueza deste tipo de verdade.

Se por um lado, os enunciados jurídicos e morais (prescritivos) que nos dizem o que fazer não devem ser equiparados às afirmações descritivas que nos dizem em como as coisas se articulam entre si; por outro lado, as prescrições se voltam para a conduta e ralações sociais e, nesse sentido, conclui Habermas:

“A partir de um conceito discursivo da verdade, é fácil interpretar a justiça das normas e juízos morais como um análogo da verdade, sem por isso incorrer em implicações realistas. À luz de uma noção epistêmica da verdade, “encaixar-se nos fatos” não é o mesmo que corresponder aos fatos”.

Entretanto, depois de reformular o conceito discursivo da verdade, tenho de enfrentar mais uma vez a questão da verdade moral.

As alegações de verdades, fundadas na aceitabilidade racional do juízo, têm conotação axiológica e não ontológica.

Assim, V1 se expressa por meio de uma proposição fundada num juízo de fato, V2 se funda numa relação lógica, V3 se funda num juízo de valor .

Independentemente das razões em destaque, todas as afirmações fundadas em verdades comunicam alguma coisa e merecem a nossa atenção, pois estão inseridas no mundo do ser e do dever ser. Neste sentido, as verdades subjetivas cedem lugar à verdades coletivas, pois, “ninguém tem a posse daquela verdade única que determina o todo”.

Logo, cabe à argumentação jurídica e a ética do discurso discutir a utilidade e oportunidade dos critérios de correção derivados da vida coletiva, isto é, convivência social.

Há três espécies de verdades jurídicas, a saber: a verdade de razoabilidade que é fundada na razão humana; a verdade de coerência que é fundada no reconhecimento de um conceito, lei ou princípio. E, a verdade de correspondência que é fundada numa experiência.

Observa-se que nos sistemas jurídicos ibero-americanos, onde maiormente as decisões são justificadas ou fundadas nas normas de direito escrito, por ser concebido o direito como um texto, continua a prevalecer a ideia de que ele (o direito) é um mero sistema de comunicação.

A partir dessa perspectiva, qualquer análise do fenômeno jurídico há de ser feita percorrendo o estudo do emitente, da mensagem, do meio e do receptor.

Conforme os ensinamentos de Gregorio Robles, por exemplo, cada ordenamento jurídico é um texto gerado por atos de fala, que denominamos decisões jurídicas. As decisões geram texto num processo inacabado até que o ordenamento, por qualquer razão, desapareça.

Assim, as decisões produzem texto verbalizado cujas unidades elementares chamamos de normas jurídicas. Estas normas jurídicas não são proporcionadas diretamente pelas decisões, mas, em verdade, constituem o resultado de uma reconstrução hermenêutica que opera sobre o material bruto do ordenamento.

O conjunto das normas forma o sistema jurídico, conceito paralelo ao de ordenamento, mas que não se confunde com ele porque o sistema também é produto da reconstrução hermenêutica do material bruto que o ordenamento é.

A anterior concepção considera que o Direito se manifesta necessariamente na forma de linguagem: é linguagem, é texto. Contudo, todo direito é uma mensagem expressa em forma de texto e espera-se, assim, superar a já criticada “teoria normativa ou pura do direito”.

Pois bem, é na forma de linguagem que as verdades se manifestam. Neste sentido, verdades, normas e decisões se articulam em torno de unidades mais amplas que estas últimas, chamadas instituições jurídicas. Estas refletem o aspecto organizador do texto jurídico, que não pode ser entendido como mera agregação de normas.

Enfim, no Estado Democrático de Direito repousa especificamente sobre textos positivos escritos ou verbalizados, os quais demanda um entendimento ou compreensão, e aqui a hermenêutica desempenha um importante papel, pois, de fato, “a hermenêutica também tem relevância teórico-cientifica desde que desvende, através da reflexão hermenêutica, condições da verdade dentro das ciências”.

A ideia de verdade como direito em diversos textos constitucionais. Talvez, afirma Häberle , o texto mais antigo conhecido na história constitucional seja o grande enunciado da Declaração de Independência norte-americana de 1779:

“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar lhe a segurança e a felicidade”.

Tem especial importância a diferenciação entre o conceito e ordenamento e o conceito de sistema. Para o doutrinador, o ordenamento é o texto jurídico bruto, resultado da atividade de decisão, o sistema representa o texto jurídico elaborado graças ao trabalho da dogmática jurídica. Esta não é entendida como uma ciência descritiva, mas construtiva e prática; e o sistema que ela produz é o verdadeiro centro de interesse da teoria do direito.

Um dos principais mecanismos pensados para garantir a concretização dessas verdades evidentes propositalmente foi consagrado no artigo 26 da Declaração Universal do Direito Humanos:

Artigo 26° [...]

2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

No mesmo sentido, no Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, declarou-se o empenho da Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Também, conforme o art. 1º do Carta Magna brasileira se reconhece que o Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros importantes princípios: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Por obvio, tais fundamentos são possíveis pela educação que, reconhecia como um direito social (artigo 6º) e um dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, artigo 205.

Na própria Constituição Federal brasileira vigente, no seu artigo art. 37 se estabelece que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”.

Observa-se que o princípio da moralidade administrativa não está unicamente atrelado à cumprimento da legalidade, com base nesse princípio o agente público há de agir fundado na verdade, respeitando os valores que inspiram a justiça social.

O mesmo acontece no artigo 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências).

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo [...].

A ideia da verdade como direito aparece em leis e códigos. Um dos textos básico sobre a verdade e de grande utilidade ao tema abordado é o artigo 1º do Código de Ética dos Jornalísticas Brasileiros por meio do qual se prescreve que “O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação”.

No próprio Código caracteriza-se, no Art. 2º, o acesso à informação de relevante interesse público.

Assim, por ser um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão porque:

I - a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas;

II - a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;

III - a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão;

No art. 4º prescreve-se que: “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação”.

Constata-se, igualmente, a ideia da verdade no 36 e 37 do CDC:

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

[...] § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Devido à importância desta regra regulam-se as consequências e prescreve-se como sanções as seguintes:

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:

Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

Prescreve o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, editado em 5 de maio de 1980 se dispõe:

Artigo 1º Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro.

[...] Artigo 6º Toda publicidade deve estar em consonância com os objetivos do desenvolvimento econômico, da educação e da cultura nacionais.

No Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB se dispõe:

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, os quais se traduzem nos seguintes mandamentos: lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que o ordenamento jurídico seja interpretado com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe. Inspirado nesses postulados, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 33 e 54, V, da Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994, aprova e edita este Código, exortando os advogados brasileiros à sua fiel observância.

TÍTULO I DA ÉTICA DO ADVOGADO

CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os princípios da moral individual, social e profissional.

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.

As cláusulas de verdade também se expressam por meio das formalidades de juramento, tanto nos processos e audiências judiciais como de formaturas dos diversos cursos universitários, especialmente, no curso de medicina. Igualmente, torna-se presente na chamada Comissão Nacional da Verdade (ou Comissão da Verdade), “colegiado instituído pelo governo do Brasil para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988”.

O problema da verdade, no plano legislativo, só pode ser apresentado na forma fragmentada e de maneira diversa. Mas a obrigação de buscar a verdade também existe para as jurisdições abaixo da Lei Fundamental, tornando-se uma premissa fundamental à realização da equidade e da justiça.

Identifica-se a verdade como uma premissa fundamental de todo o sistema jurídico e jurisdicional. Ela está presente no direito processual direito penal (fundado na verdade material) e no direito civil e consumerista (fundado na confiança e na responsabilidade objetiva), também, no direito tributário, no direito trabalhista, administrativo etc.

Todavia, do ponto de vista político, a democracia pluralista depara-se com três áreas problemáticas da questão da verdade: nos conflitos sobre a relação entre verdade e maioria, no entendimento da formação da opinião pública da sociedade e, como parte disso, na limitação da liberdade de imprensa a favor do interesse de outros valores protegidos e as suas orientações referentes à crônica jornalística “fidedigna à verdade” (ao invés da mentira mediática ou fake new).

O fundamento da verdade como direito radica na ideia de que esta (a verdade) é o direito que possibilita a concretização dos demais direitos e, em especial, os direitos humanos e fundamentais e, especificamente, os princípios que servem de fundamento à cidadania e à dignidade prescritos na CF/1988.

Para melhor entender o multiculturalismo é importante partirmos de uma definição dos conceitos “cultura” e “culturalismo”. Assim, o vocábulo cultura pode ser significado como um conjunto de características humanas que se criam, se preservam e se aprimoram, por meio da comunicação, da educação e da cooperação entre indivíduos em sociedade.

É, pois, um aspecto importante da vida coletiva, relacionado à produção e à transmissão de conhecimentos e valores que orientam a convivência e distinguem as sociedades.

Já, a palavra culturalismo é o construto segundo o qual se considera que a cultura de cada sociedade consiste numa realidade objetiva, de natureza coletiva e que escapa ao controle dos indivíduos, sendo dotada de coerência e especificidade próprias.

Multiculturalismo, assim, seria um conceito concreto, por meio do qual designamos uma realidade (objetiva) que é constituída de características humanas diversas, próprias das sociedades modernas, mas que pode ser estudada num contexto global. É nesse sentido que pode ser considerado o multiculturalismo uma problemática do mundo moderno.

Com efeito, há diferenças no estado de desenvolvimento sociocultural dos países, isso deve ser o motivo pelo qual existem diversas maneiras de compreender, abordar e resolver um determinado grupo de problemas (dilemas) .

Mas, é preciso lembrar que essa diversidade cultural passou a ser considerada patrimônio comum da humanidade e, a sua tutela, um imperativo ético inseparável em face da dignidade da pessoa humana.

A proteção dos conteúdos culturais pelas políticas e medidas nacionais ou regionais, dirigidas a este fim, não exclui o reconhecimento da interculturalidade enquanto interação equitativa de diversas culturas que possam gerar, por meio do diálogo e do respeito mútuo, novas expressões culturais compartilhadas.

Os conteúdos éticos presentes nos termos equidade, diálogo e respeito são suficientes para responder uma vez mais a toda pretensão ou teoria que não leve em conta as identidades culturais.

A democracia pluralista é hoje bem mais que um bem sucedido modelo antagônico ao Estado totalitário e a todas as pretensões fundamentalistas de verdade, ao monopólio de informação e às ideologias imutáveis.

Este modelo governamental se caracteriza exatamente pelo de não estar em posse de verdades eternas e pré-constituídas, mas sim, de ser predestinado somente a mera busca da verdade. E, assim, este se funda em verdades provisórias, revidáveis, as quais ele, a mera busca da verdade.

Este se funda sobre verdades provisórias , revidáveis, as quais ele, a princípio, acolhe no plural e não no singular e, também, não as decreta. Logo, tendo em vista o problema da verdade no Estado Democrático de Direito, a ciência jurídica há de ser compreendida como uma “ciência cultural”.

Talvez, por esse motivo, a verdade forçada com a maioria não seja certamente a verdade final, razão pela qual as condições culturais da verdade também sejam consideradas. E, frequentemente, as comissões de inquérito estão e permanecem atoladas sobre um caminho muito logo na busca da verdade.

Essa complexidade sociocultural manifesta-se, fundamentalmente, nas inúmeras concepções, modelos e práticas (decisões) que têm como objeto as experiências históricas e modernas.

De qualquer forma, do ponto de vista jurídico-ético, desenvolveu-se, nas últimas décadas, uma corrente de direito alternativo que, apoiando-se na filosofia e na ética dos direitos humanos, busca, por meio dos ordenamentos jurídicos, da cultura jurídica e das práticas dos seus operadores, diferentes formas emancipadoras e de transformação social.

Destacam-se, a proposta de Arturo Andrés Roig de uma moral de emergência que acentua a subjetividade como momento de irrupção do outro, o diverso, diante das formas opressivas e unificadoras da eticidade presente e vigente. E, por outro lado, a ética da libertação de Enrique Dussel , que parte de uma racionalidade material e reprodutiva, sustentada na vida humana como critério da verdade e, ainda, oferece ferramentas para o exercício de uma racionalidade prática.

O multiculturalismo é uma problemática que exige uma investigação “científico-crítica” acerca das razões das diversas formas de resolver os dilemas nascidos da oposição entre valores e princípios, visando a identificar aqueles recursos considerados primários (e comuns) da sociedade mundial.

Existe, contudo, a possibilidade de se pensar a sociedade mundial como uma “realidade” definida pelos próprios valores comuns e universais: vida, convivência, paz, respeito, colaboração, dignidade etc. Com efeito, o reconhecimento da existência de uma unidade (identidade) mundial nos permite, também, afirmar que existem condições homogêneas que propiciam a idealização de um modelo jurídico que permita disseminar esses recursos hermenêutico-argumentativos.

Certamente, e como consequência do pluralismo cultural, ensina Habermas: “O mundo se revela e é interpretado de modo diferente segundo as perspectivas dos diversos indivíduos e grupos – pelo menos num primeiro momento”.

Uma espécie de pluralismo interpretativo afeta a visão de mundo e a autocompreensão, bem como a percepção dos valores e dos interesses de pessoas cuja história individual tem suas raízes em determinadas tradições e formas de vida e é por elas moldadas.

É essa multiplicidade de perspectivas interpretativas que explica por que o sentido do princípio de universalização não se esgota numa reflexão monológica segundo a qual determinadas máximas seriam aceitáveis como leis universais.

É só na qualidade de participantes de um diálogo abrangente e voltado para o consenso que somos chamados a exercer a virtude cognitiva da empatia em relação às nossas diferenças recíprocas na percepção de uma mesma situação.

Devemos então procurar saber como cada um dos demais participantes procuraria, a partir do seu próprio ponto de vista, proceder à universalização de todos os interesses envolvidos.

Acredita-se que na possibilidade real de idealizar um tipo de instrução moral que tenha como objetivo difundir as verdades práticas. Elas devem ser descobertas por meio de procedimentos argumentativos que, como critérios de correção das verdades, sejam capazes de permitir o confronto do nosso ponto de vista com o ponto de vista dos outros.

Devido aos motivos anteriormente apontados, defendemos a teoria da coerência, isto é, da “verdade como a inserção infrangível de uma sentença no contexto geral das declarações científicas, assim como a “teoria do consenso” de Jürgen Habermas. Ele compreende verdade como a conformidade de uma alegação ou, respectivamente, com a capacidade de consenso no discurso dos participantes, o qual, entretanto, está sob a ideia orientadora de um “diálogo livre” e “universal”.

Esta tentativa só poderá ser concretizada quando os estado e a sociedades modernas investirem na educação de seus (jovens) cidadãos, disseminando, assim, a ideal do respeito à pessoa humana, condição que é compatível com o postulado da busca da verdade no contexto de seus valores básicos: objetivos como, entre outros, amor pela verdade, veracidade, tolerância, democracia e reconciliação dos povos estão moldados em algumas constituições dos Estados da Amárica Latina e, desenvolvidos, consequentemente, segundo modelo da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948.

Considera-se, portanto, a verdade um direito humano e fundamental necessário à concretização dos demais direitos, da cidadania, da justiça e do bem comum.

Nesta perspectiva, a verdade seria como a luz que irradia a justiça no contexto do Estado Democrático de Direito, onde a liberdade (religiosa, política, de opinião etc.) é a sua condição sine qua non, isto é, necessária e indispensável para a resolução dos problemas vinculados ao bem comum.

A verdade como direito humano e fundamental se constitui em alicerce da democracia e do multiculturalismo. Diz-se, assim, de um conceito que se aprimora, por meio da comunicação, da educação e da cooperação entre indivíduos em sociedade.

O direito à verdade é importante para a vida coletiva e está dialeticamente relacionado à produção e à transmissão de conhecimentos e valores que orientam a convivência e distinguem as sociedades.

Neste sentido, os valores fundamentais funcionam como verdades jurídicas que colocam limites à violação de direitos e, também, à tolerância na convivência social, por exemplo, contra as tentativas de introduzir a ideia de uma sociedade livre, sem justiça ou justa, mas sem liberdade.

A verdade como direito a ser concretizado somente será possível por meio de uma educação formadora da personalidade moral que aponte para uma moralidade pública constitutiva da base sociocultural dos Estados Democráticos de Direito.

Robert Alexy é um teórico jurídico que defende que os direitos fundamentais são princípios que podem entrar em conflito. Para resolver esses conflitos, Alexy propõe uma solução ponderada, que considera qual princípio fere menos o outro. A teoria de Alexy é importante para a fundamentação de decisões judiciais, políticas públicas e teorias jurídicas.

Algumas das principais ideias de Alexy sobre direitos fundamentais são: Os direitos fundamentais são princípios, que podem ser satisfeitos em graus variados O princípio da dignidade humana é o mais importante, podendo superar outros princípios, como a liberdade de profissão . Reconhece-se o direito fundamental à verdade.

Quando dois princípios fundamentais entram em conflito, deve-se avaliar qual deles fere menos o outro Os princípios são mandamentos de otimização, ou seja, devem ser realizados na maior medida possível As regras são razões definitivas, enquanto os princípios são razões "prima facie"

O estudo de Alexy implica a compreensão do princípio da proporcionalidade como exigência decorrente do reconhecimento da substancialidade dos Direitos Fundamentais, como objeto normativo do Tribunal Federal Constitucional alemão.

Para Jürgen Habermas, a verdade é um conceito dialético, construído a partir de argumentos desenvolvidos por agentes conscientes. Ele defende que a verdade é dependente de certezas comportamentais e justificações racionais.

Habermas acreditava que a verdade é construída a partir de relações interpessoais e é transcendente. Ele também acreditava que a verdade deve ser buscada em um procedimento baseado na probabilidade das provas e teses apresentadas.

Habermas propôs um modelo ideal de ação comunicativa, em que as pessoas interagem e se organizam socialmente através da linguagem. Ele acreditava que a ação comunicativa é uma ação que serve para compelir os membros da sociedade a aderir a normas sociais implícitas.

Habermas publicou o texto ‘Teorias da verdade” em 1973, no qual defende uma teoria consensual da verdade.

O debate entre Rorty e Habermas em torno do que é “verdade” e o papel da “justificação”. Ambos partem de uma virada linguística e pragmática e concordam com a superação da noção de verdade por correspondência e com a ideia da “produção” da verdade pela linguagem.

Mas, apesar de tomarem como base praticamente o mesmo paradigma teórico, discordam no tratamento do que pode ser considerado verdadeiro.

Com a virada linguística e pragmática, o “modelo correspondentista” da verdade deixou de fazer sentido e ela deixou de ser vista como a correspondência entre o sujeito cognoscente e objeto conhecido.

Segundo uma teoria pragmática do significado, não só o pensamento é comunicado, mas um fato é compartilhado. A verdade não se resume a um conteúdo proposicional, ela está ligada a razões que respondem às necessidade de uma situação prática e interação entre homens.

Filosoficamente, Habermas e Rorty chegam a concepções distintas do que é verdade . De forma geral, para o primeiro a verdade é obtida por um consenso que supõe o diálogo racional e uma relação de intersubjetividade. A verdade é resultado do consenso idealizado e deve transcender ao contexto do diálogo .

Para Rorty, por outra parte, a verdade depende inteiramente do contexto e é válida na medida em que responde a uma necessidade prática.

O conceito de verdade contemporâneo é relativo às condições de cada contexto, sendo influenciada por fatores como a linguagem, a sociedade e a política.

Foucault acreditava que a verdade deveria ser livre, sem estar vinculada a instituições que pudessem manipulá-la. Nietzsche acreditava que a vontade de verdade era uma vontade de engano, uma necessidade de atribuir um valor a algo para que se pudesse acreditar nele.

Podemos verificar é uma característica pragmática do conhecimento. Sua variabilidade de acordo com o contexto, expressa uma lição acerca da conexão entre justificação e teorias: são os nossos objetivos teóricos que determinam qual é o grau de apoio ou confiabilidade necessários para que uma determinada crença seja considerada verdadeira.

Kuhn, Popper e Bachelard são certamente três dos epistemólogos mais influentes do século XX. Eles defendiam fortemente a transitoriedade dos conhecimentos científicos. Esse caráter provisório foi apontado por Kuhn (2011).

De forma sucinta, em sua obra magna, o autor fala de períodos em que há pouca “agitação” no meio científico, chamado de Ciência Normal, e períodos em que há mudanças drásticas, chamados de Revolução Científica.

A verdade como problema filosófico é a busca de um critério que permita distinguir o que é verdadeiro do que é provável. A busca da verdade é fundamental para a filosofia, pois permite analisar ideias e conceitos, e desenvolver teorias e argumentos.

Ao longo da história, a filosofia clássica e filósofos como Descartes e Kant definiram a verdade como a correspondência entre o pensamento e a realidade.

Os quatro tipos de verdade tradicionais são: A teoria da correspondência, A teoria da coerência, A teoria pragmatista, A teoria da verificação ideal .

A verdade pode ser categorizada como objetiva ou subjetiva. A verdade objetiva é universal e independente de crenças ou sentimentos individuais. Já a verdade subjetiva depende de perspectivas pessoais e pode variar de pessoa para pessoa.

Schopenhauer compreende que a verdade atemporal e incondicional deve ser a estrela-guia da filosofia e que as religiões são suas representações alegóricas e mitológicas. A partir deste critério qualitativo, pode- se escalonar as religiões na medida em que se aproximam ou se distanciam do seu pessimismo metafísico.

Vale a definição de Agostinho, no “Da Verdadeira Religião”, para o qual “a verdade é a perfeita semelhança com o princípio, sem nenhuma dessemelhança” ou esta de Anselmo: “A verdade é a retidão que só a mente percebe”. Pois algo é reto, explicou Tomás de Aquino, quando concorda com seu princípio, no que concorda também a definição de Avicena, para o qual “a verdade de cada coisa consiste na propriedade do seu ser que lhe foi conferido”.

Na filosofia contemporânea, não está ausente a preocupação com a verdade, mas o foco se centra na questão epistemológica, sem o pano de fundo ontológico e ético.

São rediscutidas as tendências até aqui esboçadas, mas para se ver o que delas se pode aproveitar, se há algo a aproveitar-se, nos processos e resultados da ciência.

Não parece de todo infundada a impressão de que, quando se cogita em verdade, está-se falando não tanto em seu conceito, mas em seus critérios ou em suas condições.

Por derradeiro, admite-se que o direito à verdade é um princípio do Direito Internacional que deve ser respeitado pelos Estados, principalmente em casos de violações de direitos humanos.

O direito à verdade implica saber a verdade completa sobre os eventos que ocorreram, as circunstâncias específicas e quem participou deles.

A ONU instituiu o Dia Internacional pelo Direito à Verdade sobre as Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas, que é celebrado no dia 24 de março.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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