Hermenêutica Jurídica contemporânea no Brasil

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16/02/2025 às 04:15
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Resumo: A hermenêutica jurídica contemporânea no Brasil é o estudo da interpretação das normas jurídicas, com o objetivo de estabelecer métodos para a compreensão legal. É importante para que o jurista possa encontrar a solução mais adequada para a aplicação do direito. Ela permite que o direito seja um sistema lógico jurídico interpretativo-argumentativo. Observa-se uma maior força à jurisprudência , nas derradeiras décadas, foram feitas diversas alterações legislativas, com destaque para o CPC de 2025. E, tais alterações aproximaram o sistema jurídico nacional, do modelo que fortalece precedentes , característica do common law, promovendo maior segurança jurídica dos julgados.

Palavras-chave: Direito. Filosofia do Direito. Interpretação jurídica. Hermenêutica Jurídica. Decisão Judicial.


Alguns livros sobre hermenêutica jurídica contemporânea no Brasil são: A hermenêutica jurídica brasileira na contemporaneidade, de Francilda Alcantara Mendes, Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea: Do Positivismo, que discute as principais teorias da interpretação jurídica

A hermenêutica jurídica é uma ciência que se baseia em técnicas para cotejar elementos textuais e extratextuais, a fim de chegar a uma conclusão

O Direito seja encarado como ciência social aplicada ou técnica não é somente aquilo que está positivado nos textos de leis, Códigos ou tratados e convenções internacionais. Tudo que é apreendido e representado pelo sujeito cognoscente nos remete ao processo hermenêutico e a consciência da palavra, da linguagem e da interpretação é inseparável de toda evolução da vida humana e, portanto, do próprio Direito.

A mediação hermenêutica é mesmo inseparável do discurso que vem a expressar o válida, o razoável e que garante a preservação da dignidade humana.

A dimensão hermenêutica vem a emoldurar a doutrina e a jurisprudência no mundo e nos faz refletir sobre a aplicação do Direito no paradigma do Estado Democrático de Direito e dentro do contexto do pluralismo que nos exige a recriação crítica dos textos normativos.

Cumpre destacar ainda, que a Hermenêutica filosófica que fora desenvolvida Hans-Georg Gadamer pode revelar-se profícua e imprescindível ao estudo do Direito mantendo um diálogo crítico, reflexivo e revelador com a tradição.

A teoria clássica da interpretação historicamente veio a penetrar gradativamente no domínio das ciências humanas e da filosofia e com o advento da modernidade trouxe diversos significado.

Aliás, a hermenêutica desde a escolástica até o sistema histórico-evolutivo consistiu, em geral, na sistematização de processos aplicáveis para determinar o sentido e alcance das expressões.

Em seu sentido clássico e tradicional a hermenêutica buscou o sentido da verba legis por meio de métodos e técnicas de interpretação da lei.

Um doutrinador se destaca na hermenêutica clássica no Direito é Francesco Ferrara, um jurista italiano de 1921 e cuja labor doutrinário revelou o entendimento de uma hermenêutica confiante que muito confiou nos métodos interpretativos.

Nesse sentido, Ferrara asseverou que o intérprete tem somente a função de mediador entre a lei e o fato. Sendo justamente para descobrir o conteúdo real da norma jurídica. (Ferrara, 2003).

Em nosso país, o direito obteve tal pensamento hermenêutico normativo com o doutrinador Carlos Maximiliano que nos ensinou, in litteris: " A hermenêutica jurídica tem por objetivo o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito (...) Para aplicar o Direito se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance e sua extensão. Em suma, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar”. (Maximiliano, 1999).

Lembremos que interpretar é descobrir o sentido e alcance da norma, caçando o significado dos conceitos jurídicos. É técnica e, assim, existem regras que o intérprete deverá seguir, as quais se manifestam e se multiplicam nos chamados métodos de interpretação. O que nos pode conduzir até a vontade do legislador, ou à vontade da lei, ou ainda, ao estabelecido pela livre convicção do julgador.

O incensado doutrinador Lenio Streck (2004) acentua que a hermenêutica enquanto técnica, saber operacional, domina no campo jurídico uma vez que o pensamento dogmático do Direito crê na existência de uma subjetividade de instauradora do mundo que possibilitaria a interpretação correta, o exato sentido da norma.

Aliás, tal compreensão jaz sob o paradigma da filosofia do sujeito, partindo da concepção de que é no sujeito que reside a verdade.

Na literal lição de Streck, temos: "(...) as práticas hermenêutico-interpretativas vigorantes/hegemônicas no campo de operacionalidade - incluindo aí a doutrina e a jurisprudência - ainda estão presas à dicotomia sujeito-objeto, carentes e/ou refratários à viagem linguística de cunho pragmatista-ontológico ocorrida contemporaneamente, onde a relação passa a ser sujeito-sujeito.

Dito de outro modo, no campo jurídico brasileiro a linguagem ainda tem um caráter secundário, uma terceira coisa que se interpõe entre o sujeito e o objeto, enfim, uma espécie de instrumento ou veículo condutor de "essências" e "corretas exegeses" dos textos legais." (Streck, 2003).

Questiona-se, o porquê ainda impera no Direito o paradigma da filosofia do sujeito? E, uma das possíveis respostas, é, certamente, a resistência que se opõe às novas ideias. Não obstante, o exame dogmático dos textos legislativos que se sustenta na incorporação de noções clássicas da divisão qualitativas dos poderes pelo qual ao Legislativo caberia ação de caráter volitivo, legando-se ao magistrado somente a descoberta da vontade da lei ou do legislador.

O “boca da lei” , o que segundo Dalmo Dallari (1980), o uso de diversos modelos de interpretação confere ao intérprete o sentimento de isenção diante das injustiças que decorrem da lei, o que parecer um tanto quanto cômodo.

O juiz moderno não é mais aquele parvenu do modelo arcaico, mas um homem do povo, que vive em contato íntimo com as realidades circunstantes, substanciais da vida, sentindo as solicitações do meio e da época, reagindo aos conflitos individuais ou às lutas sociais, com as suas ideias, convicções e filosofias, cuja influência não ficará indene a interpretação ou aplicação da norma, na composição dos mesmos conflitos sociais e na pacificação social que é o último rateio do direito.

Ademais, acredita-se que a utilização de técnicas interpretativas poderá conferir a tão aclamada segurança jurídica, posto que limitaria o intérprete afastando-se assim as convicções teóricas próprias de cada indivíduo.

Porém, a aplicação do Direito que segue os padrões dos métodos de interpretação implica a manutenção do que Tércio Sampaio Ferraz denominou de "mistério divino do Direito" remetendo ao princípio de uma autoridade eterna fora do tempo e mistificante, conforme as exigências dos mecanismos de controle burocrático num contexto centralista. (Ferraz Jr., 1998).

Em verdade, reconhece-se que a dogmática interpretativa não dá conta de atender as especificidades de todas as demandas originadas em sociedade que é complexa e conflituosa e na qual o crescimento dos direitos transindividuais e a crescente complexidade social clamam por novas posturas dos operadores do direito. O direito como ciência social é dinâmico, complexo e evolutivo.

Acentua-se que a organização e a conformação jurídica do dissenso, do pluralismo, consubstanciado inclusive na atual Constituição Federal brasileira de 1988, depõe um desfavor de um pensar pronto e acabado acerca de regras jurídicas. (Gallupo, 2001).

E, nesse vetor, a ideia de sistema fechado e mantido pelas técnicas interpretativas é refratária ao Estado Democrático de Direito mesmo porque a ideia de se monopolizar o objeto do conhecimento, de representá-lo como ele realmente é, em si mesmo, exprime o desejo de adquirir o poder do objeto, o poder de dizer a norma.

Assim, dentro do contexto do Estado Democrático do Direito, um pensar problematizante no qual a ideia do sistema fechado, rigoroso e prévio seja afastada em prol de uma reconstrução dialógica que tanto reivindica o caso concreto .

As constatações de que o tradicional horizonte da hermenêutica técnica se revela progressivamente mais insuficiente para obter a interpretação jurídica, os pressupostos teórico-científico, metodológicos e, também, filosóficos da Ciência do Direito postos em destaque pela Hermenêutica de Gadamer.

A hermenêutica de Hans-Georg Gadamer é uma teoria filosófica que considera a hermenêutica como uma forma de interpretar o entendimento e a existência humana, e não apenas textos.

A hermenêutica de Gadamer é caracterizada pelo conceito de "círculo hermenêutico", que descreve a relação entre o intérprete e a tradição. Gadamer argumenta que a compreensão é um processo contínuo, que se dá a partir da interação entre o intérprete e a tradição.

A hermenêutica de Gadamer tem contribuído para a educação jurídica e para o entendimento do Direito. Algumas das principais ideias de Gadamer são: A razão não é absoluta, mas real e histórica, pois está referida ao contexto; A compreensão é um processo contínuo, que se dá a partir da interação entre o intérprete e a tradição; Cada pessoa possui um "horizonte" formado por suas experiências, valores e tradições; A interpretação é uma forma de concretizar a lei em cada caso.

A hermenêutica, com a contribuição de Gadamer, passa, de um conjunto de técnicas de interpretação, a filosofia, correspondendo a uma concepção de sentido de todo o real. Os postulados a unidade da compreensão, da positividade dos preconceitos, da preeminência da linguagem, da onipresença da tradição e da verdade como desocultamento decorrente da formulação de perguntas moldaram uma forma diversa de ver o mundo que influenciou decisivamente as ciências humanas, inclusive o Direito.

Com a obra “Verdade e método”, de Hans-Georg Gadamer, porém, a hermenêutica alcança um caráter universal e torna-se inapelavelmente filosofia, correspondendo a uma concepção de sentido de todo o real, ao mesmo tempo em que o saber se reconhece como provisório e histórico. O título da obra, porém, é um misnomer, pois não contém nenhuma teoria da verdade e nada sobre método. (In: HERINGER JUNIOR, Bruno. A Hermenêutica Filosófica de Gadamer: tradição, linguagem e compreensão. Revista da Faculdade de Direito da FMP. 2013, n.8. p.9-23.

A contribuição de Gadamer, a pars destruens e a pars construens .

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Pela primeira, verifica-se sua impaciência com os que olvidam sua finitude ou padecem da desatenção para com o outro, com quem incessantemente convivem e moldam sua identidade; com os que ignoram ou fingem desconhecer que a realidade não acontece atrás da linguagem; com os que separam o bom e o belo, a ética e a estética; com os que não hesitam em dividir a tessitura coesa do real e elevam o fragmento à dimensão do todo; com os que canonizam, à custa do rebaixamento de todas as demais, uma modalidade de experiência, principalmente aquela decorrente da estrutura monológica da ciência moderna, com sua visão metafísica da natureza como morta, da concepção solipsista do sujeito e do eclipse do nexo essencial entre fato e valor.

Pela segunda, porém, recolhe-se sua preocupação fundamental com a salvaguarda do diálogo enquanto fenômeno originário da linguagem natural, com a consequente indispensabilidade do outro para o alcance do sentido; com a defesa da experiência humana integral em seu caráter polifônico, mediada pela linguagem; com a impossibilidade de renúncia às implicações morais e políticas que inapelavelmente se inscrevem no ato comum de instituição do mundo; com a inevitabilidade da pré-compreensão, que ocorre por meio dos estímulos silenciosos que as coisas nos enviam, apesar de nossa tendência a matar as perguntas com as respostas; com a complexidade do olhar, do ouvir e de todos os demais sentidos.

Hans-Georg Gadamer, como ele mesmo reconhece, abeberou-se em Heidegger, principalmente, mas não apenas, o posterior ao Kehre.5,6 Parte ele da descoberta heideggeriana da estrutura ontológica do círculo hermenêutico, que é derivada da temporalidade da presença: a hermenêutica como autoesclarecimento da situação existencial.

Segundo a teoria hermenêutica de Gadamer a questão interpretativa deixa de colocar-se enquanto problema metodológico, ou de mera técnica, para ser condição de possibilidade, à medida que a interpretação não é concebida como meio de conhecer, mas como modo de ser.

E, foi com a obra "Verdade e Método", q pergunta pelo sentido do texto jurídico é o como como este sentido se dá, qual seja, pelo ser que compreende e pelos horizontes de sentido.

Portanto, as questões suscitadas por Gadamer atingem profundamente os marcos teóricos e/ou práticos da Ciência do Direito. Pois os métodos interpretativos vigentes no estudo do Direito não conseguem filtrar a situação hermenêutica do intérprete. Ademais, o próprio modo de utilizar-se dos métodos interpretativos já se manifesta aquele que se propõe a deles lançar mão.

Todavia, a Hermenêutica de Gadamer não intencionou negar que o Direito possua uma delimitação de sentido. In litteris: "A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua aplicação.

A complementação produtiva do Direito, que ocorre com isso, está obviamente reservada ao juiz, mas este encontra-se por sua vez sujeito à lei, exatamente como qualquer outro membro da comunidade jurídica. Na ideia de uma ordem judicial supõe-se o fato de que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa de conjunto." Gadamer, 1998).

Enfim, o Giro Hermenêutico feito por Gadamer, pode-se dizer que o intérprete é produto da linguagem, que envolve os pré-conceitos advindos da tradição. A linguagem de Gadamer é feita a partir de reflexão da filosofia analítica, tendo como aporte teórico, mais especificamente, a teoria dos atos de fala de Austin .

Com o Iluminismo, segundo aponta Gadamer, o preconceito recebeu um matiz negativo, mas, em si mesmo, ele apenas quer dizer um juízo que se forma antes. Preconceito não significa apenas falso juízo, podendo haver os legítimos. Os preconceitos que levam a erros são, basicamente, os gerados pela reverência aos outros e os por precipitação, para a descoberta dos quais não existem critérios definitivos, mas apenas indícios, os quais se revelam no próprio ato de compreender.

O giro hermenêutico de Hans-Georg Gadamer é a concepção de que a hermenêutica é uma filosofia, e não apenas um conjunto de técnicas de interpretação.

Gadamer considerava que o fenômeno hermenêutico é um diálogo, onde o intérprete e o texto interpretado se interpelam. O intérprete é tocado pela questão apresentada pelo texto, e o sentido do texto depende da questão que lhe é posta.

Para Gadamer, a compreensão e a interpretação ultrapassam a retórica, e devem considerar elementos da tradição e da autoridade.

Algumas ideias de Gadamer sobre a hermenêutica são: A hermenêutica é um diálogo, que se estrutura em torno de questões e respostas. A compreensão é um processo de fusão de horizontes, onde os participantes do diálogo estabelecem um contexto compartilhado.

O horizonte hermenêutico é dinâmico e está em constante mudança. O significado de uma interpretação é baseado na união dos horizontes passados e presentes.

Ainda com base em Austin, Gadamer afirmou que a linguagem é o médium universal em que se realiza a própria compreensão. Só pela linguagem se pode compreender, salientando que não se entende por linguagem apenas a descrição dos objetos.

Afinal, é pela linguagem que se compreende, na medida em que é através dela que se relacionam as velhas descrições com outras novas, portanto, é por meio dela que se cria e age (Gadamer, 1998).

É isso que permitirá a Gadamer entrelaçar a dialeticidade intrínseca à relação entre pensamento e fala, como conversação, na dialética da pergunta e da resposta pertinente a interpretação de qualquer texto.

Chegou Gadamer a ressaltar que a linguisticidade da compreensão é a concreção da consciência da história efeitual (Gadamer, 1998).

Assim, não somente a tradição, mas a própria compreensão tem natureza linguística, portanto, pois, uma relação fundamental com a linguisticidade. Conforme afirmou Gadamer, o próprio mundo, é o solo comum, não palmilhado por ninguém e reconhecido por todos, que une a todos os que falam entre si. Todas as formas de comunidade de vida humana são formas de comunidade linguística, e, mais ainda, formam a linguagem.

O mundo da linguística em que desde sempre já nos movemos constitui então a condição de todas as nossas concepções. Não há ponto de observação fora da história, assim como não existe história sem linguagem. Compreende-se, portanto, o caráter especulativo inerente à linguagem, na medida em que suas palavras não copiam o ente, mas deixam vir à fala em relação com o todo o ser.

Conclui-se que a compreensão é linguisticamente mediada, e tal mediação é realizada por meio de pré-compreensões. E, segundo Gadamer, não existe compreensão que seja livre de toda pré-compreensão, por mais que a vontade do nosso conhecimento tenha de estar sempre dirigida, no sentido de escapar ao conjunto de nossas pré-compreensões. (Gadamer, 1998).

A pré-compreensão seria antecipação prévia e difusa do sentido do texto influenciado pela tradição em que se insere o sujeito que o analisa. Assim, é o produto da relação intersubjetiva que o hermeneuta tem no mundo. A pré-compreensão é parte formadora da própria compreensão constitui ontologicamente a compreensão.

Deste modo, não existe possibilidade de compreender que se forme à margem do conjunto difuso de pré-compreensões que e forme à margem do difuso conjunto de compreensões advindas do horizonte histórico em que se situa e se insere o sujeito.

A situação hermenêutica do humano já o encaminha ao objeto com um certo olhar. É sempre um fenômeno fruto de mediação, é sempre representado. Não se conhece algo em sua plenitude, mas sempre algo enquanto algo.

Ressalte-se que o horizonte histórico não acarreta o enclausuramento, mas sim, abertura. É pela noção do horizonte histórico chega-se à consciência da múltipla possibilidade de sentidos em que se reconhece uma constante mobilidade de sentidos cambiantes em função de cada época.

Ainda aludindo ao giro linguístico, como fruto da linguagem social, o magistrado deverá deixar de contar apenas consigo mesmo ou com o consolo de que sua decisão, em caso de erro, poderá ser revista pelo tribunal ou instância superior.

Como fruto da linguagem social, o magistrado conta com todos os seus pré-conceitos, desde as mais remotas experiências sejam conscientes ou não, de sua formação humana e jurídica, até mesmo os elementos probatórios que se deram no trâmite regular do processo, argumentação das partes e, etc.

A compreensão do juiz não se dá na solitude ou solidão , isto é, dele para com ele mesmo e somente a partir dele, pois ocorre num processo jurisdicional em que é precípuo o contraditório e a ampla defesa. Tanto o autor quanto o réu ao se manifestarem no processo em simetria e paridade participam ativamente da interpretação, compreensão e aplicação (lembrando que não são momento distintos) da lei expressa no provimento final do juiz .

Conclui-se, no momento de produção do provimento jurisdicional as partes, o dito e o contraditado, já aportam para o provimento jurisdicional uma série de pré-compreensões, as quais densificam a possibilidade de sentido normativo para muito além de uma suposta moldura de normas.

Ao se revelar da atividade interpretativa enquanto indissociável da pré-compreensão o intérprete, impõe-se à exigência de que o processo de interpretação seja aberto. Nesse vetor, torna-se ainda mais imprescindível a necessidade daqueles que são legitimados, de participarem do processo para que venham a ser consideradas as suas próprias pré-compreensões, uma vez que sofrerão as consequências da compreensão/aplicação que se fizer da norma.

A lei, o processo e toda formação jurídica e de vida do hermeneuta compõem suas pré-compreensões, à qual se fundem as novas leituras do texto legal que se seguirão, bem como a análise do caso concreto, as teses empregadas pelos advogados, num círculo hermenêutico onde o saber do Direito não se fecha.

Os métodos de interpretação devem ser entendidos como orientação aberta, incumbindo a estes salientar os aspectos que o intérprete deve levar em conta, mas consciente de que eles não têm o poder de esvaziar a interpretação das pré-compreensões do intérprete.

Novamente, neste vetor, Gadamer a compreensão do Direito não significa apenas um projetar do intérprete em direção a um significado, mas precipuamente a aquisição pela compreensão de novas e numerosas possibilidades tais como a interpretação do texto, as relações neste inseridas, as conclusões que dele advém.

O intérprete do Direito já acesso o texto normativo já munido de certas possibilidades de sentido, das pré-compreensões ue, longe de revelarem um subjetivismo ou relativismo na interpretação, situam-se como verdadeiras condições de possibilidade de toda compreensão.

A hermenêutica jurídica gadameriana onde o juiz só decide porque encontrou o fundamento. E, como qualquer intérprete, há sentido que é antecipado ao juiz, advindo das pré-compreensões e, nesse momento, já se tem a decisão.

Portanto, o julgador não decide para depois buscar a fundamentação, mas só decide porque já encontrou o fundamento, que neste momento é ainda uma antecipação prévia de sentidos tomada de pré-compreensões ainda não problematizadas.

Naturalmente, deve o magistrado testar e aperfeiçoar o fundamento, e revê-lo a partir de racionalidade discursiva. É certo que muitas decisões judiciais parecem manifestar apenas o primeiro sentido, ou seja, revelam apenas a antecipação do sentido embebida pelas expectativas do juiz, sem maiores aprofundamentos.

Eis que daí advém o possível elo existente entre a hermenêutica e a teoria da argumentação. Pois é se a decisão jurídica deverá ser construída gradualmente e argumentativamente, não devem ser apenas as compreensões e pré-compreensões o juiz que devem conformá-la.

Para esses casos a parte que se sentir prejudicada, acreditando ou não ter sido o direito devidamente interpretado, poderá valer-se do duplo grau de jurisdição, que encontra aí, um dos mais sólidos fundamentos.

Explicita-se que na leitura de Gadamer, mesmo depois do aprofundamento de sentido, não se pode cogitar de uma verdade na interpretação como se fosse um conhecimento fixo.

Para Gadamer pode-se ter um dado momento uma melhor interpretação considerando a história efeitual da norma, seu contexto, sua construção dialógica e processual. Porém, esta interpretação não poderá ser considerada como definitiva, vez que a interpretação acontece de forma circular e espiralada, em que a cada leitura, novos elementos e releituras fazem-na expandir.

Uma interpretação só poderá ser melhor em relação a um dado contexto e, nesse sentido, o caso concreto ganha relevo e reflete uma nova situação na qual o intérprete ( juiz é antes de tudo um intérprete) tem que renovar a efetividade da norma. E, tal efetividade não se consegue simplesmente na tentativa de reconstrução da intenção original do legislador mesmo porque é esta uma tentativa fada ao fracasso, considerando que a pré-compreensão aquele que interpreta faz parte do processo interpretativo.

Ao renovar a efetividade da norma jurídica significa que ante um caso concreto, isto é, um novo objeto cognoscível, o horizonte do intérprete com todas as suas pré-compreensões (suas experiências de vida), seu estudo e vivência do Direito) funde-se com o horizonte formado pelas dimensões do próprio caso concreto.

E, assim, do inter-relacionamento do horizonte próprio do intérprete com o do caso concreto que nasce um novo, que, obviamente, como já pontuado, necessita ser aprofundado pelo intérprete sob o risco de expressar equívocos e pré-conceitos inautênticos.

Dessa forma, a pretensão reguladora da norma é apenais o início de todo um processo hermenêutico em que se tem a aplicação produtiva da norma, uma vez que a compreensão não é um simples ato reprodutivo do suposto sentido original do texto.

Considerando o círculo hermenêutico, o intérprete do Direito não retorna da fusão com o caso concreto ou com o teto normativo da mesma forma que nele entrou, porquanto seus pré-conceitos originais podem se consolidar, modificar, ou mesmo, outros serem instaurados.

Conclui-se, a cada caso concreto, ou a cada nova leitura do texto jurídico, tem-se novo intérprete, seja mais convicto de sua posição jurídica ou seja desta reticente.

Diante do círculo hermenêutico tem-se um melhor interpreto do Direito. E, em termos gadamerianos, remete à metáfora de amplitude na qual quanto mais descrições estiverem disponíveis e quanto maior a integração entre estas, melhor a compreensão do intérprete em relação ao objeto identificado por qualquer das descrições.

Em geral, compreender melhor o Direito é ter efetiva consciência da historicidade de sua a aplicação, é ter mais a dizer sobre este, é ser capaz de abrir-se para conjugar os ditames normativos, institutos, experiências e teorias de uma maneira sempre renovada e, ao mesmo tempo, integrada a uma correta reconstrução da própria tradição.

O problema hermenêutico primário é o da aplicação. Na hermenêutica tradicional, dividia-se a compreensão em três momentos: subtilitas intelligendi (compreensão), subtilitas explicandi (interpretação) e subtilitas applicandi (aplicação).

Gadamer, contudo, vai destacar a unidade interna entre compreender e interpretar. Mais que isso, vai mostrar que, na compreensão, sempre há uma aplicação do texto à situação atual do intérprete. A aplicação não é um ato subsidiário, que se acrescentaria posteriormente à compreensão.

O processo é unitário: a aplicação é um momento do processo hermenêutico tanto quanto a compreensão e a interpretação, pois o entendimento não é um método, mas um acontecer.

Compreender e interpretar são uma e mesma coisa, que se dá pelo medium universal da linguagem: por isso, a referência à virada ontológica da hermenêutica. O fenômeno hermenêutico constitui, assim, um caso especial da relação geral entre falar e pensar, e a interpretação, um círculo fechado na dialética pergunta e resposta.

A palavra humana, porém, é essencialmente imperfeita. Na verdade, é nosso intelecto que é imperfeito, já que nunca sabe o que realmente sabe. Não se filosofa porque se tem a verdade absoluta, mas exatamente porque ela falta. Cada ideia de que pensamos e cada palavra em que pronunciamos esse pensar é um mero acidente do espírito. O pensamento não consegue conter a coisa em si; por isso, o pensamento sempre alcança novas concepções.

Refletindo sobre o verdadeiro sentido da interpretação, nos encaminhamos para a obra intitulada "Humano, demasiado humano", de 1886 de autoria de Nietzsche que apontou que a ciência moderna tem por fim garantir ao homem o mínimo de dor possível. Nos dias atuais, e na cena jurídica contemporânea , tal proposição não é descabida.

Aliás, a Ciência do Direito prefere ainda se pautar por técnicas interpretativas que supostamente evitam o sofrimento humano e, ao minimizar a carga de responsabilidade na concretização do Direito.

Os métodos interpretativos impede que o intérprete tome consciência de que ele próprio também está inserido na interpretação e, por conseguinte, poderá contribuir para maior ou menor nível de justiça, para a perpetuação ou erradicação de tantas mazelas do Direito.

Evita-se com as técnicas interpretativas que a sociedade sofra da dor de saber que as leis nem tudo abarcam, de que a decisão do juiz não seja resultado de mero exercício da lógica formal. Portanto, a Ciência do Direito evita a dor a dor da insegurança jurídica, a dor do interpreto que não está isento da interpretação, ao revés, faz parte desta.

Em nome do mínimo de sofrimento possível encarnado sob o ideário da segurança jurídico, o Direito corre o risco de incorrer, como tantas vezes já incorreu, em imperdoáveis injustiças. Desta forma, o que tem sido assegurado pelo Direito, na realidade, é tão somente por vezes segurança de imutabilidade, por outras, ironicamente, segurança da arbitrária mutabilidade e, em ambos os casos se tem uma segurança de duvidoso valor.

Gadamer por ser consciente da situação hermenêutica, a fusão de horizontes, a consciência histórica, atingiu toda a tentativa de saber objetivo da situação, exatamente porque o intérprete já está inserido em seu interior. E, assim, por sua hermenêutica jurídica traz ao intérprete a angústia do estranhamento, conforme alude Lenio Streck (2004), isto é, desenraiza aquilo que o Direito tendencialmente encobre.

Gadamer e seus estudos trazem relevantes aportes teóricos a ser considerado para se pensar sobre os métodos clássicos de interpretação do Direito e sua insuficiência. E, outro paradigma surge que é o relativismo jurídico e a consistência e adequabilidade das decisões.

A preocupação da hermenêutica jurídica contemporânea passa a ser enfocar aquilo que, in litteris por Inocêncio Mártires Coelho:

"Se não existe interpretação sem intérprete; se toda interpretação, embora seja um ato de conhecimento, traduz-se, afinal, em uma manifestação de vontade do aplicador do Direito; se a distância entre a generalidade da norma e a particularidade do caso exige necessariamente, o trabalho mediador do intérprete, como condição indispensável ao funcionamento do sistema jurídico; se no desempenho dessa tarefa resta sempre uma insuprimível margem e livre apreciação pelos operadores da interpretação; se ao fim e ao cabo, isso tudo é verdadeiro, então o ideal de racionalidade, de objetividade, e, mesmo de segurança jurídica, aponta para o imperativo de se fazer recuar o mais possível o momento subjetivo da interpretação e reduzir ao mínimo aquele resíduo incômodo de voluntarismo, que se faz presente, inevitavelmente, em todo trabalho hermenêutico”. (Coelho, 1997).

Torna-se imperativa a consciência de que as pré-compreensões emergem a todo o momento, sendo necessário um esforço enorme, não abarcado pelo método, para não se tomar as "nuvens do erro pelo céu da verdade". (Hegel, 1985).

O intérprete do Direito pode desvelar novos sentido sobre o denso problema da interpretação, encarando de forma mais realista e menos abstrata a tarefa que se põe diante dele. Assim, pode ser feito de forma mais consciente do novo Direito capaz de emergir a partir da hermenêutica. Não o novo que tenha a pretensão de marco zero ou ponto de chegada na história, mas, aquele que se abre à interlocução, negação ou reconstrução. É um legado da hermenêutica o assumir a condição humana como sendo finita e histórica, como possibilidade de toda compreensão.

Concluímos que a hermenêutica jurídica está em crise por conta de mudanças da teoria do direito , com a globalização e o ativismo judicial. Há a necessidade de novos paradigmas para o Direito para atender as demandas contemporâneas, para atender a polissemia das linguagem, dos conflitos ideológicos, e a necessidade de abstração das normas. A hermenêutica é instrumento de ruptura do objetivismo ingênuo em que se funda toda clássica intelecção sobre o Direito.

A globalização neoliberal é o contraponto das políticas do Welfare State e, essa nova roupagem do capitalismo nos coloca diante de um frenesi teórico e prático representado pelos discursos apocalípticos, onde, a globalização neoliberal é encarada como sinônimo de modernização e progresso.

Em nosso país , a modernidade além de tardia é arcaica, há apenas um simulacro de modernidade. Há firme movimente de negligência social e as promessas maravilhosas da modernidade jamais se realizaram.

Atualmente, tramitam no Legislativo, entre outros, projetos de reforma dos Códigos Comercial, Penal, de Processo Penal, de Defesa do Consumidor e das legislações ambiental, tributária e administrativa.

Em países como o nosso, onde o Estado Social não existiu, o agente protagonista de toda política social deve ser o Estado. Evidentemente, não se renuncia às lutas via Executivo, Legislativo e Judiciário e dos movimentos sociais .

Também não se deve confundir positivismo com Direito positivo, a dogmática jurídica com dogmatismo e, tampouco recair no erro de opor crítica ou o discurso crítico à vetusta dogmática jurídica. Afinal, todo o direito não pode mais ser encarado como apenas fruto da racionalidade instrumental.

Toda compreensão, inclusive no direito, pressupõe uma relação anterior com o tema mediado pelo texto – a compreensão prévia. A busca da verdade no direito, assim, depende de um tato especial no tratamento dos problemas jurídicos – antes que de algum método irrefutável –, em que a atividade mais importante do intérprete é a de depurar sua compreensão dos prejuízos inautênticos. E. tal tarefa afigura-se inexaurível, pois “a interpretação não é a enunciação completa do subentendido, mas a revelação interminável do implícito

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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