A partir da sanção da Lei nº 14.879, em 4 de junho de 2024, nosso país passou por uma importante alteração no âmbito do Direito Processual Civil. A modificação na Lei de Eleição de Foro impacta diretamente empresas e consumidores, pois afeta a forma de resolução de litígios. Essa mudança proporciona maior equilíbrio nas relações jurídicas entre as partes, especialmente em contratos de adesão, nos quais a desigualdade de poder pode acarretar prejuízos para a parte mais vulnerável.
Quando há um acordo comum entre as partes de um contrato para definir qual será o foro competente para resolver eventuais conflitos, trata-se da chamada eleição de foro. Essa cláusula é frequentemente utilizada em contratos comerciais que envolvem empresas de diferentes regiões. Ao definir o foro, busca-se garantir um equilíbrio na resolução de disputas, evitando desentendimentos sobre qual tribunal será responsável pelo julgamento do caso.
Porém, embora esse sistema seja útil e eficaz em diversas situações, ele pode favorecer a parte mais forte em detrimento da mais fraca, como ocorre, por exemplo, com consumidores ou prestadores de serviços que possuem menos condições de arcar com despesas em tribunais distantes.
A Lei nº 14.879/2024[1] introduziu notáveis alterações no Código de Processo Civil no que se refere à escolha de foro, promovendo maior equilíbrio nas relações contratuais. A principal modificação consiste na possibilidade de questionamento judicial da cláusula que define o foro em situações de desequilíbrio entre as partes.
Anteriormente, essa cláusula era aceita apenas conforme as orientações gerais do direito contratual. Com a nova legislação, a escolha do foro pode ser debatida, especialmente em contratos de adesão – aqueles em que uma das partes não tem poder de negociação e precisa aceitar as condições impostas pela outra.
O artigo 63[2] do Código de Processo Civil sofreu alterações, permitindo o questionamento da escolha do foro caso esta seja interpretada como excessivamente onerosa ou desproporcional para a parte mais vulnerável. Essa mudança é de extrema relevância para contratos nos quais a parte em desvantagem não tem opção de negociação e pode se ver em situação prejudicial, como a necessidade de litigar em um foro distante de seu domicílio. Elias Marques de Medeiros Neto[3] enfatiza que, nas novas demandas contratuais, é essencial verificar se as cláusulas estão em conformidade com o artigo 63 do CPC[4], pois, caso divirjam, o ajuizamento poderá ser considerado uma prática abusiva, possibilitando ao juiz declinar a ação.
Adicionalmente, a alteração permite que o Poder Judiciário reavalie a cláusula de foro sempre que houver indicativos de abusividade. O principal objetivo dessa medida é assegurar que as condições contratuais sejam justas, prevenindo abusos, desvantagens indevidas e termos desfavoráveis.
CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE DÁ A ESCOLHA DE FORO
A prática da escolha de foro é comum nos contratos comerciais, pois as partes podem acordar, de antemão, em qual tribunal ocorrerá a resolução de possíveis conflitos. Essa cláusula visa garantir que as partes estejam cientes do local de resolução de litígios, evitando disputas sobre competência territorial. Contudo, a legislação impõe limites, como a proteção ao consumidor e às partes em desvantagem econômica, para evitar que a escolha do foro seja utilizada de maneira abusiva. Nos contratos de adesão, por exemplo, em que o poder de negociação de uma das partes é menor, a escolha de foro pode ser avaliada judicialmente caso seja considerada desproporcional ou onerosa.
Quando duas partes realizam um contrato de maneira explícita, elas podem acordar qual será o foro competente para resolver possíveis disputas que possam surgir. Isso é muito comum em contratos de prestação de serviços, contratos comerciais e de locação.
Em determinados casos, as partes podem determinar um foro mais apropriado ou especializado para resolver uma disputa, como um foro onde ambas acreditam ter mais garantias de um julgamento justo ou onde há uma jurisdição especializada no assunto.
Quando as partes são de países diferentes, elas podem escolher e acordar qual foro resolverá eventuais disputas (caso surjam), desde que estejam de acordo com as leis do país escolhido.
É comum que, em contratos de adesão ou outros documentos jurídicos, a escolha de foro seja feita no momento da assinatura do contrato, principalmente em situações em que há um desequilíbrio entre as partes, como em contratos com grandes empresas.
A escolha de foro não pode ser feita de maneira arbitrária, sem a devida consideração da legislação vigente. Existem certas limitações e regras previstas no Código de Processo Civil, como no caso dos consumidores, em que o foro do domicílio do consumidor é prioritário, ou em questões trabalhistas, nas quais o foro competente é o da Justiça do Trabalho.
Em resumo, trata-se de uma ferramenta importante no direito privado, permitindo que as partes tenham maior controle sobre onde e como suas disputas serão resolvidas, desde que sejam respeitadas as normas legais aplicáveis.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS E IMPACTOS DA MUDANÇA
A lei assegura que a escolha do foro em contratos de adesão seja justa, equilibrando as partes, sem comprometer as condições de defesa nem a possibilidade de reivindicação de direitos. Complementarmente, a nova legislação promove maior clareza e equidade nas relações comerciais.
Como aspecto relevante, pode-se citar a aplicação da nova regra em diferentes contextos contratuais, como em acordos entre empresas. Nessa perspectiva, a legislação favorece a segurança jurídica, pois as empresas devem se atentar às restrições e reavaliar seus contratos para garantir que não haja imposição de termos injustos.
Para as organizações, a nova regra exige maior cuidado na elaboração de contratos. A análise judicial pode resultar em um aumento no número de disputas e demandar um esforço maior para garantir que as cláusulas referentes à escolha de foro sejam aplicadas de maneira compreensível e equilibrada para ambas as partes envolvidas.
Essa mudança representa um progresso significativo na proteção das partes mais vulneráveis, como consumidores e pequenas empresas, ao equilibrar o cenário e assegurar que a escolha do foro não se torne uma ferramenta de imposição. Em vez disso, busca-se facilitar a resolução de conflitos de maneira justa e acessível.
Com a nova lei em vigor, será instigante acompanhar como os tribunais interpretarão e aplicarão esses novos parâmetros, assegurando a efetividade dos direitos das partes envolvidas.
Em resumo, essa alteração representa um avanço na proteção das partes mais vulneráveis nos contratos, trazendo mais equidade e controle sobre cláusulas abusivas e promovendo um equilíbrio mais justo nas relações jurídicas. Apesar dos desafios na aplicação da nova norma, a tendência é que ela coíba abusos, assegure condições mais igualitárias e fortaleça a segurança jurídica a longo prazo.
Referências
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14879.htm
https://www.migalhas.com.br/depeso/415414/lei-14-879-24-novas-diretrizes-e-implicacoes-de-foro-civil
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
https://www.conjur.com.br/2024-out-25/revisar-ou-nao-revisar-o-que-a-lei-14-879-significa-para-a-execucao-do-seu-contrato/
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/06/05/nova-regra-para-escolha-de-local-de-julgamento-civil-ja-esta-em-vigor
https://www.migalhas.com.br/quentes/408773/processualista-explica-nova-lei-que-define-regras-para-escolha-de-foro
Notas
[1] Altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para estabelecer que a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação e que o ajuizamento de ação em juízo aleatório constitui prática abusiva, passível de declinação de competência de ofício.
[2] Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações
[3] Elias Marques de Medeiros Neto, advogado, sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados e professor universitário.
[4] § 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício. (Incluído pela Lei nº 14.879, de 4 de junho de 2024).