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A inversão do ônus da prova na lei da ação civil pública ambiental.

Fundamentos, requisitos e procedimento

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22/05/2008 às 00:00
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Conclusões articuladas

Diante do exposto, pode-se concluir que:

1. A inversão do ônus da prova é aplicável à Ação Civil Pública Ambiental, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em face da integração dos diplomas consumerista e civil público, que, em conjunto, formam o sistema processual civil coletivo (art. 21, LACP). Trata-se de instrumento processual adequado à complexidade do dano ambiental.

2. Os fundamentos da inversão do encargo probatório nas demandas ambientais são: integração dos diplomas consumerista e civil público; vulnerabilidade do meio ambiente e da coletividade, em analogia a hipossuficiência do consumidor; aplicação do princípio da isonomia, para equilibrar essa relação de desigualdade; preponderância do bem coletivo e indisponível (meio ambiente ecologicamente equilibrado) sobre o interesse individual (mormente, o lucro).

3. A aplicação do mecanismo da inversão do ônus da prova segue os mesmos requisitos exigidos no âmbito consumerista: hipossuficiência, ou verossimilhança da alegação. A hipossuficiência pode ser técnica, econômica, científica. Esta última é corroborada pelo princípio da precaução.

4. A inversão se dá por obra do juiz, de acordo com sua convicção, e não de forma automática.

5. A inversão do ônus da prova pode significar: o estabelecimento de presunção juris tantum em favor da coletividade contra o réu, conferindo ao suposto poluidor o ônus de provar o não desenvolvimento de atividade de risco, a não relação entre a atividade desenvolvida e o efeito danoso, ou entre o efeito verificado e a suposta causa (outro causador); a imputação dos custos da produção da prova ao poluidor, uma vez que a responsabilização deve abranger todos os custos para reparação da lesão (art. 225, § 3º, CRFB); o aproveitamento do procedimento administrativo investigatório correlato a inquérito civil público (prova pré-constituída) na fase processual instrutória, cabendo ao poluidor desmenti-la.


Referências bibliográficas

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Notas

01 BENJAMIN, A. V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 9, p. 5-52, jan./mar, 1998. p. 5-52.

02 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos dos direitos das obrigações e introdução à responsabilidade civil. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 485-486.

03 CINTRA, Antônio Carlos A.; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 351.

04 CHIOVENDA, G. ibid. v. 2. p. 449.

05 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 206-207.

06 CAMBI, Eduardo. Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais: alcance exegético do art. 6º, VIII, do CDC. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 31, p. 291-295, jul./set., 2003. p. 291-295.

07 MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 297.

08 FIORILLO, C. A. P. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004.

09 MATOS, Cecília. O ônus da prova no código de defesa do consumidor. São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo apud GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 130.

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10 Dispõe o art. 21, LACP, com redação dada pela Lei nº 8.078, de 11.9.1990: "Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

11 CAPPELLI, Sílvia; BONATTO, Cláudio; TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. A necessidade de inversão do ônus da prova e a responsabilidade civil do poluidor degradador do meio ambiente. Porto Alegre, 9 p. Trabalho não publicado.

12 Os interesses coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos são igualmente tuteláveis por ACP e pelas disposições processuais do CDC, conforme comprova o art. 81, parágrafo único, CDC, que não faz qualquer restrição nesse sentido à defesa coletiva.

13 V. SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 232.

14 GRINOVER, A. P. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 200. p. 55.

15 FIORILLO, C. A. P. op. cit. p. 66-67.

16 "Na prática de atos correspondentes aos seus poderes instrutórios, o juiz deve atentar para a necessidade de mitigação das desigualdades substanciais entre as partes. É função do órgão judicial contribuir para o suprimento de inferioridades decorrentes de carência de recursos e de informações". V. MARTINS, N. J. S. Poderes do juiz no processo civil. São Paulo: Dialética, 2004. p. 192.

17 LEITE, J. R. M. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 46.

18 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental, 11 de jul. de 2006. Notas de aula.

19 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 252, 254.

20 SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso. Florianópolis, 2002. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. p. 70.

21 Sobre hipossuficiência econômica, Mazzili assinala que "nos casos em que se invoque a hipossuficiência como fundamento da inversão do ônus da prova, é o lesado que tem de ser hipossuficiente, não seu substituto processual. Desta forma, a inversão do ônus da prova pode aproveitar a grupos de consumidores, em ações civis públicas ou coletivas movidas em seu benefício por associações civis ou quaisquer outros co-legitimados". Ver: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16 ed. rev., ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159.

22 Não há óbice à aplicação da inversão do ônus da prova contra o Estado (réu), porquanto não revela a condição de hipossuficiência. Pelo contrário, dispõe, inclusive, de órgãos ambientais especializados.

23 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria Andrade. Direito processual ambiental brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 141.

24 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 158.

25 FIORILLO, C. A. P.; RODRIGUES, M. A.; NERY, R. M. A. op. cit. p. 141.

26 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 159.

27 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 160.

28 SAMPAIO, F. J. M. op. cit. p. 229.

29 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 158-159.

30 GOMES, Álvaro Azevedo; LOCH, Mauro; CAPELLI, Sílvia. Três idéias a respeito do ônus da prova na ação civil pública ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 34, p. 94-108, 1994. p. 94-108.

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Sobre a autora
Luciana Cardoso Pilati

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Advogada em Santa Catarina. Auditora Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas de Santa Catarina. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PILATI, Luciana Cardoso. A inversão do ônus da prova na lei da ação civil pública ambiental.: Fundamentos, requisitos e procedimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1786, 22 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11294. Acesso em: 28 mar. 2024.

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