Capa da publicação Motivos determinantes na sentença e controle difuso
Capa: Marcos Oliveira / Agência Senado

Teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença em controle difuso de constitucionalidade

05/03/2025 às 17:14

Resumo:


  • O controle de constitucionalidade no Brasil é misto, sendo exercido de forma difusa por qualquer tribunal e de forma concentrada pelo Supremo Tribunal Federal.

  • No controle difuso de constitucionalidade, a lei inconstitucional é julgada incidentalmente, ou seja, não é o objeto principal do litígio em questão.

  • A reserva de plenário é uma cláusula que traz segurança jurídica ao controle difuso, enquanto o Senado Federal tem papel relevante na suspensão de leis inconstitucionais declaradas pelo STF, com efeitos erga omnes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O controle difuso de constitucionalidade permite que qualquer tribunal declare a inconstitucionalidade de normas de forma incidental. Como o Senado pode influenciar os efeitos dessas decisões?

1. Introdução ao controle difuso de constitucionalidade

Como se sabe, o controle de constitucionalidade no Brasil funciona de forma "mista", ou seja, pode ser exercido por qualquer tribunal, no caso do controle difuso de constitucionalidade, ou exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no controle concentrado de constitucionalidade, que abrange leis, atos normativos e resoluções, por exemplo. O controle difuso ocorre quando a inconstitucionalidade de uma norma é analisada dentro de um processo específico e julgada de forma incidental, ou seja, não constitui a questão principal do litígio. Vejamos, então, como esse controle é realizado pelos tribunais brasileiros.

Em primeiro plano, é importante ressaltar que o controle difuso de constitucionalidade pode ser exercido por qualquer tribunal e em qualquer grau de jurisdição. Sua decisão ocorre de forma incidental, o que significa que a norma declarada inconstitucional não é o objeto principal da lide, sendo apenas afastada no caso concreto a ser julgado.

Diz LENZA (2021, p. 281) sobre o controle difuso:

"O controle difuso, repressivo, ou posterior, é também chamado de controle pela via de exceção ou defesa, ou controle aberto, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário.

O controle difuso verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incidenter tantum ), prejudicialmente ao exame do mérito."

Vamos a algumas questões gerais sobre o controle de constitucionalidade na modalidade difusa, abordando a reserva de plenário, o papel do Senado Federal em Recurso Extraordinário (RE) julgado pelo STF e, por fim, a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso de constitucionalidade, comparando o papel do Senado Federal com o do STF e a modulação dos efeitos da decisão.

A (in)constitucionalidade no controle difuso é arguida pelas partes do processo, constituindo um dos elementos da ação, ou seja, a causa de pedir. Como explica NEVES (2023), a causa de pedir consiste na subsunção do fato à norma jurídica. Nesse contexto, a inconstitucionalidade pode ser questionada tanto pela parte autora quanto pela parte ré em sua defesa.

Caso a arguição de inconstitucionalidade seja submetida ao tribunal, o órgão fracionário pode rejeitá-la e dar prosseguimento ao processo, uma vez que se trata de uma questão incidental (ou incidenter tantum). No entanto, se a aceitar, a questão prejudicial deverá ser submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial.

O art. 97 da CF/88 diz:

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (Constituição da República Federativa do Brasil, 2024, p. 81).

O voto deve ser por maioria absoluta, ou seja, a maioria dos membros do tribunal, e não apenas dos participantes da sessão do plenário.

Após o julgamento da questão incidental, o órgão fracionário prosseguirá para julgar o mérito da lide. Nesse contexto, o controle difuso de constitucionalidade resulta em três acórdãos:

  1. O órgão fracionário pode aceitar ou rejeitar a arguição de inconstitucionalidade.

  2. Caso a inconstitucionalidade seja acolhida, a questão é submetida ao plenário ou ao órgão especial, que poderá confirmar ou rejeitar a inconstitucionalidade.

  3. Após o julgamento da questão incidental, a matéria retorna ao órgão fracionário originário para que seja decidido o mérito da lide.

Essa sistemática configura a cláusula de reserva de plenário, um mecanismo que reforça a segurança jurídica no controle difuso dos atos normativos e normas brasileiras. Além disso, proporciona economia processual e contribui para desafogar o Poder Judiciário.

Os efeitos da decisão de inconstitucionalidade no controle difuso são, em regra, inter partes, ou seja, vinculam apenas as partes do processo. Além disso, possuem efeito ex tunc, retroagindo à data de criação da norma, uma vez que o vício é de origem, atingindo o próprio nascimento ou a existência da norma. No entanto, há divergências doutrinárias sobre se a inconstitucionalidade se situa no plano da existência ou da validade da norma na escada ponteana, conforme aponta BARROSO (2009).

A decisão tem efeitos perante terceiros? Sim! O papel do Senado Federal é essencial nessa questão quando um Recurso Extraordinário é julgado pelo STF, conforme prevê o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (Constituição da República Federativa do Brasil, 2024, p. 58-59).

O procedimento ocorre da seguinte forma: após o julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria absoluta (conforme já explicado neste artigo), nos termos do artigo 178 do Regimento Interno do STF (RISTF), o Senado Federal é comunicado para, se assim decidir, declarar a inconstitucionalidade da lei, total ou parcialmente, por meio de resolução. Caso o Senado assim proceda, os efeitos da decisão passam a ser erga omnes, mas com efeito ex nunc, ou seja, sem retroagir à data de criação da norma, da lei ou do ato normativo.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No entanto, uma tese defendida pelos ministros Gilmar Mendes e Teori Zavascki sustenta que a eficácia da coisa julgada em controle difuso, quando o julgamento ocorre por meio de Recurso Extraordinário no STF, possui transcendência, conferindo caráter vinculante à decisão. Segundo essa interpretação, teria ocorrido uma mutação constitucional em relação ao artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.

No próximo tópico, discutiremos essa teoria em maior profundidade: a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso e a abstrativização do julgamento.


2. A teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso e sua abstrativização é inconstitucional

Há razões pelas quais os ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes, além de Lúcio Bittencourt, defenderam essa tese, a qual será refutada no presente artigo.

Os motivos elencados por LENZA (2021, p. 295) são:

  • Força normativa da Constituição;

  • Princípio da supremacia da Constituição e sua aplicação uniforme a todos os destinatários;

  • O STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo;

  • Dimensão política das decisões do STF.

LENZA (2021, p. 295) afirma que "[...] o Ministro Gilmar Mendes 'sepultou', de vez, a regra do art. 52, X, aproximando o controle difuso do controle concentrado, traduzindo importante perspectiva em termos de controle difuso e de consagração da tese da transcendência da ratio decidendi."

Agora, a visão do autor deste artigo. Em primeiro lugar, o efeito erga omnes foi previsto exclusivamente para o controle concentrado e para a súmula vinculante, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Além disso, o artigo 52, inciso X, da Constituição conferiu ao Senado Federal uma prerrogativa política, e não uma obrigação, de suspender a aplicação da lei com efeitos erga omnes. Dessa forma, não se pode afirmar que o Senado Federal seja obrigado a suspender a norma com esse alcance.

Em segundo plano, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal é um órgão jurisdicional, e não político, como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Assim, cabe a estes últimos promover eventuais reformas constitucionais para viabilizar a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso e sua abstrativização.

Por fim, a tese defendida pelos ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e pelo autor Lúcio Bittencourt afronta a separação dos Poderes, princípio protegido como cláusula pétrea pela Constituição. Não é competência do STF modificar o artigo 52, inciso X, da Constituição por meio de mutação constitucional. Em minha análise, tal interpretação pode ser classificada como uma "mutação inconstitucional", pois desrespeita a separação dos Poderes.

Diante desse cenário, qual seria a solução adequada? Em sede de Recurso Extraordinário, para evitar afronta ao texto constitucional, o STF deveria optar por uma das seguintes alternativas:

  1. Editar uma Súmula Vinculante, garantindo que a decisão seja aplicada uniformemente;

  2. Deixar a critério do Senado Federal a edição de uma resolução para conferir efeito erga omnes, respeitando a Constituição e a hierarquia das normas no Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, preserva-se a supremacia da Carta Magna, assegurando que todas as normas e órgãos do Estado permaneçam subordinados ao seu texto.


Conclusão

Conclui-se, ante o exposto, que a teoria da transcendência dos motivos determinantes da eficácia da sentença no controle difuso de constitucionalidade somente pode ser implementada por meio de Emenda Constitucional, em respeito à separação dos Poderes, princípio protegido como cláusula pétrea.

Caso o STF deseje atribuir efeito erga omnes às decisões proferidas em controle difuso, a solução adequada seria a edição de uma Súmula Vinculante.

Dessa forma, refuto essa tese como inconstitucional, por representar um desrespeito à Constituição de 1988, configurando uma verdadeira "mutação inconstitucional", tal como defendida pelo ministro Gilmar Mendes.


Referências bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988. 59 ed. São Paulo: Saraiva, 2024.

LENZA, Pedro. Curso de Direito Constitucional Esquematizado. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 15 ed. São Paulo: Juspodivm, 2023.

Sobre o autor
Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito, estagiário jurídico, escritor e cronista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos