Resumo: demonstrar-se-á como o Direito, diferente do que dizem os neopositivistas, é uma ciência histórico-cultural e axiológico-valorativa, sendo distinto das ciências naturais e especulativas em sentido estrito, como a física ou a biologia.
Palavras-chave: Filosofia do direito; Ciência jurídica; ontognoseologia jurídica.
1. Introdução
O Direito é uma ciência, mas não como as outras ciências naturais e especulativas. O Direito é uma ciência histórico-cultural, ancorada na teoria tridimensional entre o fato, o valor e a norma, sendo uma união dos três elementos estes que o compõe.
A redutividade do Direito a uma ciência como a física ou a química empobrece a ciência jurídica, vista apenas nesse sentido como relações causais e não axiológicas, sendo estas os fatores determinantes do Direito enquanto uma ciência que estuda as normas no tempo, no espaço e na cultura.
O que se pretende demonstrar neste trabalho é que o reducionismo do Direito e sua subordinação a uma categoria científica enquanto nexos causais, apenas, empobrece o pensamento jurídico, não demonstrando de fato como ele é: uma ciência histórico-cultural.
Ancorar-se-á na filosofia jurídica de REALE (2002) para o desenvolvimento do artigo.
2. O Direito não é uma ciência natural, especulativa e exata
O Direito é reduzido à uma ciência especulativa. No entanto, de fato ele não é. O Direito não é uma categoria subordinada às ciências naturais, como a matemática e a física. Estas trabalham com o nexo causal, relações de causa-efeito.
O nexo causal, muito utilizado em ramos com o Direito Civil e Direito Penal na responsabilização pela infração às normas jurídicas, se compões de:
Fato;
Uma relação de causalidade ou um nexo de causalidade entre o fato e a sua consequência;
Consequência do fato;
Generalização da relação causal entre o fato e a consequência dele advinda.
As ciências, pelo método científico, trabalham com relações empíricas de nexos causais. Por exemplo, quando Isaac Newton (1642-1727) fez suas observações a respeito da gravidade ele percebeu que havia uma relação de um fato, um nexo de causalidade e uma consequência generalizada. O primeiro era a gravidade; o terceiro era que os objetos eram atraídos para baixo, como uma maçã (para utilizar o exemplo mais usual dessa teoria) que se deixada cair à pouca distância, é atraída para baixo; o segundo é o nexo de causalidade generalizado, ou seja, sempre isso ocorrerá, porquanto nunca ocorre de forma diferente com quaisquer objetos, quais sejam: se deixados caírem, sempre serão atraídos para o centro da Terra, devido à sua força gravitacional que atrai os objetos para seu centro de massa.
Entretanto, o Direito não trabalha com a relação de causa e efeito, com nexo causal e generalizações, que trabalham as ciências naturais e especulativas. O Direito, todavia, possui como metodologia o critério axiológico ou valorativo dos bens culturais, estes sendo seus bens tutelados. Portanto, não trabalha a ciência jurídica com questões de generalização empíricas, pois ele vê, sob sua ótica, os bens culturais, típicas criações do homem enquanto sujeito cognoscente possuidor de categorias mentais que enxerga o mundo de uma forma racional e empírica, com o critério do valor-fim.
Diante disso, o Direito é uma ciência cultural criada pelo homem enquanto sujeito cognoscente, com bens culturais (também criações humanas) e com critério axiológico e valorativo.
3. O homem enquanto sujeito cognoscente na gnoseologia do Direito
Para Immanuel Kant (1724-1804), sendo o filósofo que mudou a maneira de enxergar a filosofia, a epistemologia, ontologia e o homem, o ser humano é enxerga o mundo de duas formas: pela forma empírica e seus sentidos (olfato, paladar, visão, tato e audição) e pela forma racional. Para Kant, o homem tem seu primeiro contato com o mundo pelos sentidos, por seu contato via visão ou audição, por exemplo, com o mundo que o cerca. Mas também, ele tem a questão racional. Esta, vale ressaltar, são precedidas por categorias mentais do homem. Estas categorias o fazem enxergar o mundo de sua maneira, de ser humano, divergindo dos animais, como o gato ou o cachorro (seres estes irracionais, enxergando o mundo pelos sentidos, apenas). Sob a ótica do homem, ele observa os fatos e cria juízos de valor em cima deles, sendo divididos em juízos analíticos e juízos sintéticos: os juízos analíticos, são aqueles que são extraídos da própria experiência, como "um quadrado possui quatro lados", sendo a priori; juízos sintéticos a posteriori são aqueles que são posteriores à experiência, como "aquela casa é verde", sendo um juízo particular e não universal; já os juízos sintéticos a priori passam pelas categorias mentais do homem, sendo precedidos pela experiência e criando um juízo de valor em cima daquela experiência individual e universalizando-a por meio da própria mente, que possui suas próprias categorias que moldam os sentidos, criando juízos de valor.
Dessa maneira, o homem é um sujeito cognoscente por possuir sua mente, que analisa as suas experiências a priori, com categorias próprias racionais, podendo, por esses motivos, criar juízos de valor por meio dela que valora a experiência do homem enquanto ser ontológico pela experiência vivida por ele.
4. Teoria do valor e os bens culturais do Direito
O Direito tem como elemento inerente o valor dado pelo homem a ele. Ele, diferentemente das ciências naturais, é explicado e compreendido. Explicados os seus fenômenos e compreendidos os seus fins.
O sentido que REALE (2002) dá à compreensão é o critério axiológico de valor. É inerente, segundo o filósofo brasileiro, o valor para o Direito. Diferentemente de BOBBIO (2021) que separa os critérios dos fatos dos valores, dizendo que estes variam e são critérios até unilaterais e ideológicos de compreensão, REALE (2002) diz que, na verdade, como o Direito é ciência cultural, seus bens tutelados são bens histórico-culturais, mutáveis no tempo e espaço e, portanto, possuem valores e fins a serem atingidos.
BOBBIO (2021) e os positivistas como KELSEN (2009) tentam dar uma dimensão científica ao direito, excluindo o critério valorativo da questão científica jurídica. Entretanto, o Direito é uma ciência histórico-cultural criada pelo homem, sujeito cognoscente, variando de acordo com os valores e o espírito do povo, para utilizar a expressão de HEGEL (2022).
Ante o exposto, o Direito é uma ciência cultural, ancorada no critério valorativo, visto que seus bens são culturais e é, por excelência, uma ciência embasada na cultura.
5. A teoria tridimensional do Direito: fato, valor e norma como elementos fundamentais da filosofia jurídica
REALE (2002) percebe que desde os romanos existem elementos inerentes ao Direito, sendo o fato, o valor e a norma. O autor não exclui os fatos como categorias jurídicas, também pertencentes às ciências naturais, mas diz que a norma e o valor são próprios apenas da ciência jurídica.
As normas, cabe destacar, são juízos lógicos abstratos que prescrevem condutas. O caráter da norma é prescrever uma conduta, um fato e como deve ser. Ela possui, para o adimplemento da regra, uma sanção em caso de descumprimento. É impossível, de acordo com REALE (2002), haver uma conotação prescritiva nas ciências naturais, visto que seu caráter é estritamente descritivo.
Também, as normas, regras e princípios, trazem consigo valores, fins e metas a serem atingidos. A norma, portanto, não escapa dos valores histórico-culturais de uma sociedade em um determinado espaço e tempo. Desse modo, correta é a correlação e concreção entre fato, valor e norma enunciada por Miguel Reale em sua obra "Filosofia do Direito", obra base deste artigo.
Conclusão
Conclui-se, dessa forma, que o Direito é uma ciência cultural e histórica, feita pelo homem, sujeito este cognoscente, que possui um nexo prescritivo de causalidade - "se A é, então B deve ser" - e, portanto, é uma correlação e concreção de três elementos, sendo o fato, o valor e a norma, sendo o fato modificado pelo homem por meio das normas e dos valores nela contidos.
Miguel Reale tem razão, porquanto é impossível separar a cultura e a histórica da ciência jurídica, visto ser inerente a esta a sua concreção e correlação básicas entre o fato, o valor e a norma.
Referências bibliográficas
BOBBIO, Noberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. 1 ed. São Paulo: Edipro, 2021.
HEGEL, G.W.F. Linhas fundamentais da filosofia do direito. 1 ed. São Paulo: Editora 34, 2022.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.